Todos cada vez mais inseguros, todos cada vez menos livres
Sou espectador assíduo da quarta temporada de Segurança Nacional, uma das melhores séries televisivas de todos os tempos. Não só pela trama, não só pela meticulosa criação de atmosferas claustrofóbicas com tendência para se adensarem de temporada em temporada e de episódio em episódio, não só pelo desempenho dos principais intérpretes (começando pela extraordinária Claire Danes, invertendo com êxito o estereótipo de protagonista de comédias românticas a que esteve associada), mas sobretudo pelo impiedoso olhar que lança sobre este nosso tempo em que se vão diluindo elementares direitos, liberdade e garantias em nome do sacrossanto e cada vez mais difuso “interesse nacional”.
Bem-vindos ao admirável século XXI, onde o direito à privacidade se tornou miragem e o direito à intimidade não passa de um mito. Homeland (nome original desta série norte-americana iniciada em 2011 e por sua vez inspirada numa produção televisiva israelita, intitulada Hatufim) desvenda-nos um mundo onde toda a gente espia e é espiada em simultâneo, um mundo onde nada é tão relativo como as juras de fidelidade a uma pátria ou a uma bandeira, um mundo onde os direitos fundamentais foram exilados para uma espécie de terra de ninguém, um mundo onde uma conquista civilizacional tão relevante como a clássica separação de poderes teorizada por Montesquieu parece ter sido atirada para o caixote do lixo da História.
Um mundo bipolar, onde as sombras progridem e as luzes recuam. Tão bipolar como a protagonista, Carrie Mathison – alto quadro da CIA, especialista no combate ao terrorismo islâmico, sentinela em permanente vigilância contra as teias inimigas, militante da crença na maldade intrínseca do ser humano, persuadida de que todos os meios são lícitos para atingir os fins.
É uma série com uma perturbante capacidade de pôr em causa muitas das nossas convicções mais firmes – desde logo a convicção de que o progresso tecnológico é um aliado natural do destino humano. No mundo que Segurança Nacional nos desvenda, pelo contrário, a tecnologia desenvolve-se na razão inversa dos valores morais e dos parâmetros éticos estabelecidos ao longo de séculos de consenso civilizacional.
É um mundo sob o contínuo escrutínio de sinais de alarme, que comprime a liberdade em nome da segurança como se fossem esferas dicotómicas ou compartimentos estanques - e que assim se vai tornando cada vez menos livre mas afinal também cada vez mais inseguro.
E não adianta colocarmo-nos de fora, resguardados na mera condição de espectadores. De algum modo tudo isto também nos diz respeito. De algum modo cada um de nós também se encontra lá.