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Delito de Opinião

Tiros de pólvora seca contra a resistência ucraniana

Pedro Correia, 19.04.22

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São insondáveis os critérios que levam alguns canais televisivos a eleger «especialistas em questões militares».

O principal motivo de escolha devia ser a capacidade de qualquer deles para descodificar e contextualizar as manobras bélicas em curso na Ucrânia, deixando considerações políticas de fora. Até porque comentadores políticos não faltam nesses canais.

O segundo – e fundamental – critério seria a capacidade desses convidados para antever o que iria passar-se no terreno.

Acontece que alguns destes supostos especialistas acorreram aos ecrãs nos primeiros dias de guerra, tendo falhado em quase tudo quanto disseram. Além de usarem as questões militares como mero pretexto para fazer considerações políticas, benevolentes até à náusea face à potência invasora.

Nem uma coisa nem outra conseguiram removê-los da pantalha, onde persistem em revelar enorme incapacidade para acertar no alvo. Enquanto se sucedem notícias das atrocidades russas no martirizado país vizinho.

 

Um dos casos mais notórios é o do major-general Agostinho Costa.

A 28 de Fevereiro, quatro dias após o início da agressão decretada por Vladímir Putin à Ucrânia, este alegado especialista compareceu na SIC Notícias, que lhe concedeu mais de um quarto de hora para perorar sobre o tema. Enalteceu os russos, criticou os dirigentes ocidentais e disparou tiros de pólvora seca contra a resistência ucraniana.

Sobre o secretário-geral da NATO: «Está [a resultar, a invasão russa]. Onde anda a NATO? O senhor Stoltenberg amanhã devia entrar como governador do Banco da Noruega. Já tem emprego.»

Sobre Josep Borrell, responsável máximo da União Europeia para a Defesa e Negócios Estrangeiros: «Quem decide a política externa da Europa não são os europeus. Os europeus não decidem nada.»

Sobre a cúpula de Moscovo: «O senhor Putin é um jogador de xadrez. E lá não é como cá. O senhor Shoigu, o ministro da Defesa, é um homem de barba rija.»

Sobre Zelenski: «Estou convencido que o senhor Zelenski já não está lá [em Kiev]. Senão a gente via-o na rua. Já não está lá. Está certamente em Lviv.»

Entre críticas ao Ocidente por «lançar gasolina» na Ucrânia e a certeza de que neste país «há armas a ser entregues a bandidos». E uma convicção: Putin «vai conseguir».

 

A 8 de Abril, agora na CNN Portugal, o mesmo major-general viu-se forçado a concluir: «Os objectivos que os russos alcançaram em 44 dias de campanha são nitidamente poucos, nitidamente insuficientes, tendo em conta todo o aparato inicial.» E concedeu: «Houve um excesso de confiança russo logo no início.»

Ah, o exímio jogador de xadrez afinal falhou. Ah, o tal homem da «barba rija» viu-se forçado a abandonar o cerco a Kiev. Ah, Zelenski mantém-se firme na capital, não fugiu para Lviv. Cobrindo de ridículo aqueles que no conforto climatizado dos estúdios, neste cantinho mais ocidental da Europa, tentaram lançar-lhe lama.

Que alguns sejam militares não constitui atenuante: é agravante. Para eles e para quem continua a dar-lhes guarida serão após serão.

 

Texto publicado no semanário Novo

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