Tique de classe, nada socialista
O sossego da pacata Ericeira foi perturbado ao fim da tarde de ontem. José Sócrates desceu do primeiro andar à porta da casa de empréstimo onde há vários anos vive amesendado e dispôs-se a responder às perguntas dos repórteres que ali se encontravam. Queriam obter uma reacção do antigo primeiro-ministro à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de levá-lo a julgamento por três crimes de corrupção, 12 crimes de branqueamento de capitais e seis crimes de fraude fiscal. Vitória clara do Ministério Público, derrota sem paliativos do juiz Ivo Rosa.
O "animal feroz", fiel à sua imagem de marca, não ocultava a irritação. Quando um jornalista lhe fez uma pergunta usando o vocativo "você", reagiu de imediato: «Não diga você! Trate-me por senhor.» O jovem assim fez. Daí a momentos, Sócrates dirigiu-se a ele tratando-o por "você", já esquecido da regra que ditara pouco antes. A cortesia de linguagem, na versão socrática, funciona em sentido único.
Arrogância e soberba, denotando tique de classe. Mitómano imaginando-se membro de casta superior. No ancien régime comportar-se-ia como senhor feudal, impondo direito de pernada aos súbditos mais tementes.
Nada menos socialista. Mas também é verdade que o "senhor Sócrates" rasgou o cartão de militante do PS. Cortou o mal pela raiz: agora já ninguém lhe chama camarada.