Ter tempo
Olho lá para fora, espantada por ter vagar para "estar à janela", como se dizia no tempo dos meus avós. Observar o movimento na rua, ou a falta dele, sem propósito é algo que só se fazia em férias. A diferença é que agora o sentimento é de opressão e não de liberdade. Estamos com tempo.
Jorram nas redes discursos inspiradores sobre como é bom tê-lo e as partilhas, como soi dizer-se, dos passatempos a que podemos voltar para gozar em família. Se nuns casos não passa do teatrinho comportamental que tantos gostam de exibir com o único objectivo de continuar, desta vez em modo de combate, a cuidar da sua "brutal" imagem pública, noutros é, com certeza, sincero. Mas por mais transparente que seja o propósito de animar a malta, esta resiliência de espírito soa a desespero. Não é crítica, trata-se apenas de uma constatação. Tenho a mania, pouco saudável, de olhar para o que se me oferece sob todos os ângulos.
Junto a mim, o meu gato segue os pardais que saltitam à volta da cevadilha que está em frente ao prédio, com rancor. Ele é que está bem. Continua a viver na ignorância, dentro da sua bolha, desvalorizando com altivez todos os privilégios de que goza. O conforto, a segurança, comida no prato. Tudo o que lhe dá, imagino, uma parva sensação de imortalidade. Mas já estou a resvalar para o discurso moralista que queria evitar. Comparar-me com ele seria um imperdoável cliché...