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Delito de Opinião

Tempos difíceis

Pedro Correia, 29.08.19

Vivemos tempos difíceis. A todo o momento temos gente a policiar os nossos gestos, os nossos olhares, as nossas palavras, as nossas expressões de escárnio ou de enfado, os nossos hábitos alimentares.

As patrulhas andam aí. Mais ferozes e autoritárias que nunca. Tratam-nos como se vivêssemos em regime de internato, impondo os dogmas da correcção política com fúria punitiva.

Devemos falar como elas falam, comer o que elas comem, desfraldar as mesmas bandeiras, idolatrar os mesmos ídolos. Só assim receberemos atestados de idoneidade que nos salvaguardam do banimento cívico.

 

Vale-me a prosa iconoclasta e dissolvente de Aquilino Ribeiro, que frequento por estes dias, em elegias constantes à boa mesa e à boa cama.

Em trechos como este:
«Estavam de morrer por mais, os infalíveis bolinhos de bacalhau sobre o vinagre, e digno de D. João VI, grande papa-frangos, o polho de grão assado no espeto. Comeram e untaram a barbela, fazendo-lhes dignas honras um palhetinho alegrete e gajeiro de Leitões, colheita do Corregedor

E este:

«O que mais lisonjeia a mulher de parte dum homem em matéria de finezas é que ele a deseje. Desejada de lábios contra lábios, de braços nos braços, de poros nos poros a comunicarem-se toda a lia de que é feita a atracção universal.»

E mais este:

«Capaz de todas as tontarias, sabia por experiência o perigo que há em esbarrar quer na timidez improdutiva quer na audácia espalha-brasas, situações por igual contraproducentes no plano da sedução. Sempre tivera uma certa confiança em si e na imperiosidade de que se acompanham as leis da natureza. Não é que tudo entre homem e mulher se reduz a sexo?»

 

Parágrafos recolhidos desse magnífico romance que é A Casa Grande de Romarigães, esplendoroso tributo à língua portuguesa.

Se escrevesse hoje, estava mestre Aquilino bem tramado.

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