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Delito de Opinião

Tempo a tempo

Maria Dulce Fernandes, 04.12.22

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Amor, uma cabana e uma catraia a tiracolo...  um começo pouco auspicioso para uma dupla de ostracizados da moral e dos bons costumes que quis cortar com as parcas de tesouras afiadas e línguas ainda piores e rumar a outras paragens, distantes o suficiente para não alterar radicalmente a ordem das coisas mas o bastante para nos encontrarmos um ao outro, juntos os três, sem ruído de fundo.
Escolher o Cacém foi ingénuo. Visitar a localidade distante 20 minutos de carro e 15 de comboio  dos nossos locais de trabalho, num belo domingo de Setembro à tarde, foi ingénuo. Comprar o apartamento solarengo, num doce 4.º andar a contar vindo do céu, de onde se via um ribeiro, que corria entre ervas, árvores e cabrinhas a pastar, foi muito, mas muito ingénuo.
Não demorou três anos para que o pequeno paraíso boçal se transformasse pelas artes de um qualquer desconhecido PDM, na maior selva de pedra da Linha de Sintra, onde a poluição atmosférica, sonora e humana era tão asfixiante e densa que quase se podia cortar à faca. Dizer que sair e entrar daquela Palestina requeria muito tempo, esforço e paciência,  é muito pouco.
 
Se há algo que o meu pai me ensinou e que raramente quebro, é dar valor à pontualidade.
Eu sou o exemplo vivo de um talibã da pontualidade, sou fundamentalista nesse ponto. Não faço ninguém esperar. Não me atraso. Não sou condescendente para quem falha, principalmente para com os contumazes.
 
Nunca, mas nunca me esquecerei que, recém-casados, fomos de lua de mel para Amsterdam. Devido a um acidente na 2.ª Circular, que esteve mais de duas horas intransitável, perdemos o avião. Como é possível perder-se um avião? Hummm?? A lição que retirei deste facto, foi que, independentemente de onde me encontre, chego SEMPRE ao local de embarque no transporte escolhido, duas horas mais cedo do que nos é indicado no título de transporte. Há sempre um livro que ajuda a manter viva a eficiência da pontualidade.
A TAP entendeu e reemitiu o bilhete para o dia seguinte graças à simpatia da KLM, e lá fomos a caminho  do frio, dos moinhos, dos tamancos, das flores, do gouda... e do haring, cru, odoroso, intenso... uma semana e já era uma iguaria.
 
De volta ao Cacém, retomámos os nossos hábitos diários, tentando contornar situações complicadas e exasperantes que, se ainda o são em 2022, como o não seriam em 1980? Estoicamente sobrevivemos durante 19 anos à custa de muita abnegação.
Foram tempos muito difíceis, mas deixaram recordações maravilhosas e inesquecíveis e uma imensa saudade, principalmente no que toca ao respeito entre as pessoas, termo já descontinuado nas mentalidades de última geração.
Só a de partir 2000 a talibã da pontualidade conseguiu adquirir para si um pouco de um dos bens mais preciosos do mundo e que tão dificilmente se encontra disponível. Dá pelo nome de tempo e é raro não estar esgotado, ou é produto de primeira necessidade e é coisa rara de encontrar nos escaparates.
 
(Foto Google)
 

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