Tem tudo para virar bagunça
Consumada a luz verde dada pela Câmara dos Deputados à sua impugnação, e antes que o Senado vote da mesma maneira, Dilma Rousseff quer introduzir uma nova emenda à Constituição brasileira de 1988 para permitir a realização de eleições presidenciais antecipadas - algo que, insolitamente, a lei fundamental do país não prevê.
Questiono-me, a propósito, como é que a República Federativa do Brasil tem uma Constituição destas - gigantesca, mastodôntica e sujeita a sucessivas modificações que a tornaram quase ilegível. Já foi alterada 91 vezes desde que entrou em vigor, o que diz quase tudo sobre a caótica vida política brasileira e a incompetência dos seus legisladores. Esta é aliás a quinta Constituição em pouco mais de oito décadas (as anteriores datavam de 1934, 1937, 1946 e 1967) e já sujeita a tantas mudanças que tornaram quase irreconhecível o seu texto original, como pode ser comprovado aqui.
Nós, portugueses, queixamo-nos - e com razão - da dimensão e minudência da nossa Constituição, que devia prever apenas as bases gerais da organização do Estado, do sistema político e do catálogo de direitos fundamentais. Mas que diremos então da lei fundamental brasileira, com um número incontável de títulos, secções, capítulos, parágrafos e alíneas? Que diremos deste prolixo texto que prevê disposições sobre questões tão magnas como tribunais do trabalho, impostos dos municípios, desporto, comunicação social e "reforma agrária"? O que dizer de um texto que contém um capítulo, dois artigos e sete parágrafos sobre os índios (numa aparente violação do direito à igualdade dos cidadãos perante a lei), inclui um artigo a explicar que "o advogado é indispensável à administração da justiça" e ostenta um capítulo intitulado "Da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso"?
Tem tudo para não dar certo. Tem tudo para virar bagunça. Diz-me que Constituição tens, dir-te-ei como o teu país é.