Tantos que não servem para nada
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Existe em Portugal, desde 2016, uma coisa chamada Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Serve para quê?
Segundo a página oficial deste organismo, para «apreciar e emitir pareceres e recomendações sobre temas relacionados com a política de saúde», por iniciativa própria a solicitação do Governo. «Produz e apresenta ao ministro da Saúde e à Assembleia da República um relatório sobre a situação da saúde em Portugal, formulando as recomendações que considerar necessárias». E visa «promover uma cultura de transparência e prestação de contas perante a sociedade» .
É composto, espantosamente, por 30 membros. Reunindo em plenário pelo menos duas vezes por ano e sempre que for considerado necessário, por decisão do presidente deste mesmo órgão ou de um terço dos seus membros, ou em qualquer ocasião a pedido do Governo. Beneficia do apoio permanente de um conjunto de peritos.
Fui à página oficial do CNS, cliquei em "a[c]tas das reuniões plenárias": a mais recente remonta a 4 de Julho. Podia ser pior: ainda não se cumpriram quatro meses de intervalo. Menos actuais são os "relatórios de a[c]tividades": a contabilidade parece ter parado em 2018.
Enfim, senti curiosidade em perceber que notícias tinha produzido este órgão de consulta do Governo durante todo o Verão pandémico. Nada. Lembrou-se há dois dias de dar sinal de vida, interrompendo um pesado sono para parir uma "reflexão" em dez pontos. Em forma de decálogo e com a linguagem solene e desajustada da realidade a que os burocratas nos habituaram.
Lá surgem inanidades como esta: «Definir e implementar urgentemente um plano nacional de retoma da prestação de cuidados de saúde, que contemple estratégias de resposta à epidemia de COVID-19, assim como estratégias dirigidas ao cuidado das outras doenças agudas e crónicas e da promoção da saúde. Este plano deverá ser inclusivo e ter especial atenção às pessoas mais afe[c]tadas pela pandemia e às em situação de maior vulnerabilidade.» Ou esta: «Reforçar e investir em estratégias de promoção da saúde física e mental e de prevenção da doença, contribuindo para a literacia em saúde e a resiliência da população, envolvendo os recursos disponíveis em entidades governamentais, profissionais de saúde, media e redes sociais para a criação de espaços seguros e promotores de saúde, nomeadamente em escolas, lares e locais de trabalho.»
Fiquei esclarecido: isto não serve mesmo para nada.
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Já havia este Conselho Nacional de Saúde. Mas o Governo, não satisfeito com isso, decidiu criar em Janeiro um Conselho Nacional de Saúde Pública (CNSP). Outro organismo de consulta, este especificamente destinado a emitir recomendações «no âmbito da prevenção e do controlo das doenças transmissíveis».
Segundo o despacho ministerial que o criou, na tal linguagem pastosa e burocrática que menciono acima, o CNSP «integra representantes dos se[c]tores público, privado e social, incluindo as áreas académica e científica, pretendendo-se eclé[c]tica e abrangente, mas operacional e a[c]tuante».
Não fazem a coisa por menos: este órgão integra 20 membros, aqui enumerados - incluindo um pleonástico assento destinado ao presidente do Conselho Nacional de Saúde.
O CNSP existe, fundamentalmente, para «análise e avaliação das situações graves, nomeadamente surtos epidémicos de grande escala e pandemias». Pensaríamos, portanto, que teria reunido diversas vezes desde que o surto epidémico em curso provocou a primeira vítima mortal no nosso país, a 16 de Março. Pura ilusão: não reuniu vez nenhuma.
Esta galeria de sumidades juntara-se apenas uma vez, antes dessa triste data, e manteve-se posta em sossego - como a doce Inês de Castro nos versos de Camões - até agora. Mais de seis meses depois, volta a reunir-se esta tarde com a ministra, por vídeo-conferência, para analisar a «implementação de medidas de saúde pública». A anterior reunião havia ocorrido a 11 de Março. E produziu uma inútil recomendação, que o Governo fez bem em não seguir, pronunciando-se contra o encerramento das escolas no âmbito do combate à pandemia.
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Balanço de tudo isto: já havia um órgão inútil, criado por este Governo. Desde Janeiro, passou a haver dois. Enquanto a pandemia alastra a um ritmo avassalador, já com mais de três mil infecções diárias, esta gente nem se dá ao incómodo de fingir que mostra serviço.
Estão lá para quê?