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Delito de Opinião

Figura internacional de 2023

Pedro Correia, 08.01.24

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VOLODIMIR ZELENSKI

Segunda vitória consecutiva do Presidente da Ucrânia como Figura Internacional do Ano aqui no DELITO. Do quase anonimato, Volodimir Zelenski. tornou-se celebridade à escala mundial. Pelo pior motivo possível, certamente, na opinião dele. Por ser um herói involuntário que soube manter-se de pé e liderar o seu povo agredido por Moscovo. É fácil presumir que nada disto estava nos seus planos quando se candidatou à presidência, em 2019.

Zelenski, que em 2022 teve um triunfo esmagador na votação do blogue, desta vez venceu por maioria simples.

Eis algumas das justificações apresentadas por quem votou nele:

«Essencialmente, pela capacidade de resistência.»

«Apesar de outros conflitos graves [em 2023], não pode ser esquecido.»

«Quem sabe o que sucederá, caso a Rússia ganhe a guerra.»

Enfim, um conflito gravissimo iniciado com a invasão decretada por Vladimir Putin, em 24 de Fevereiro de 2022, e que se mantém neste início de 2024. Sabe-se lá até quando.

 

E quem mais?

O segundo lugar coube à presidente da Comissão Europeia. Ursula von Der Leyen, que já tinha sido eleita Figura do Ano em 2020, esteve perto de revalidar esta distinção. «Interventiva, sem dúvida», houve quem dissesse, justificando ter votado nela.

A tal frase - provavelmente apócrifa - atribuída a Henry Kissinger sobre a impossibilidade de pegar no telefone e contactar alguém que «liderasse a Europa» talvez deixe enfim de fazer sentido com esta ex-ministra alemã da Defesa que tem assumido inegável protagonismo como porta-voz do espaço comunitário. E que parece estar muito longe da aposentação. 

 

O terceiro posto do pódio coube ao recém-eleito Presidente da Argentina, Javier Milei. Um assumido ultraliberal que venceu as eleições de Novembro para a Casa Rosada, com 56%, destronando o rival peronista Sergio Massa num dos países mais proteccionistas do mundo - e também um dos mais depauperados por décadas de péssima gestão económica e financeira.

Seguiram-se votos isolados no Papa Francisco (vencedor em 2013 e 2014), no Presidente norte-americano Joe Biden (Figura do Ano em 2022), na primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e no secretário-geral da ONU, o nosso compatriota António Guterres

 

Faltam mais três.

Ismail Haniya, líder do Hamas - «Pelas piores razões», diz quem votou nele.

Sam Altman, big boss da OpenAI. Motivo? «Abriu a porta para um futuro potencialmente tão assombroso quanto tenebroso – porque, quer queiramos quer não, o futuro já chegou e está em movimento uniformemente acelerado.»

Finalmente, um voto com dimensão colectiva. No povo palestiniano. «Vítima do Hamas, de Netanyahu e da inércia/impotência internacional. Não teve voz nem voto na matéria, limita-se a esperar a morte», assim foi justificado.

Para o ano há mais, fica prometido.

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson

Figura internacional de 2020: Ursula von Der Leyen

Figura internacional de 2021: Joe Biden

Figura internacional de 2022: Volodimir Zelenski

De pé

Pedro Correia, 28.02.23

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A humilhante retirada dos americanos de Cabul em 2021 - imitando a que ocorrera em Saigão em 1975 - encorajou o ditador russo a ordenar aos seus generais, tal como Hitler em 1939, para ocuparem toda a Ucrânia em Fevereiro de 2022. A Ucrânia oriental já estava anexada desde 2014.

Havia precedentes mais próximos na geografia, sempre encorajados pela frouxidão do chamado "Ocidente", com uma União Europeia quase desmilitarizada e os Estados Unidos vocacionados para os amenos negócios do Pacífico.

Foi assim na Geórgia em 2008 e na Crimeia em 2014: Putin passou impune. Como passara na Tchetchénia logo após assumir o poder, em 2000: afogou a revolta popular em sangue, reduzindo tudo a escombros. Como sucedera na Síria a partir de 2015, com a tropa russa praticando vergonhosos crimes de guerra em socorro da tirania de Assad, com meio milhão de cadáveres no cadastro.

Felizmente Joe Biden, após o fiasco do Afeganistão e alguma hesitação inicial face à Ucrânia, soube reagir como as circunstâncias impunham. Mas quem fez a diferença, enquanto verdadeiro líder do mundo livre, foi Volodimir Zelenski: não aceitou boleias para o exílio, mas exigiu armas para combater o invasor.

 

Lá se mantém ele, de pé, dando um exemplo de resistência ao seus compatriotas. E aos seus contemporâneos de todos os quadrantes. 

Neste mundo onde tantos têm estado de cócoras. Basta lembrar a atitude de alemães e franceses durante anos, totalmente indiferentes à fúria predadora do carniceiro russo que queria instalar em Kiev um fantoche semelhante ao grotesco Mussolini bielorrusso, seu fiel vassalo. 

Zelenski bradou: «Não passarão.» E não passaram.

Figura internacional de 2022

Pedro Correia, 08.01.23

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VOLODIMIR ZELENSKI

Unanimidade quase total este ano: 19 dos 20 autores do DELITO que participaram na votação elegeram como Figura Internacional do Ano o Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. Do quase anonimato, tornou-se personalidade com ressonância planetária. Daí a nossa homenagem.

Sem qualquer intenção de sermos originais: já a revista Time tinha feito o mesmo

Foi apenas, no fundo, a confirmação do que havia acontecido ao longo de quase todo o ano, com o protagonista da resistência ucraniana a merecer contínuas referências aqui no blogue. Sobretudo desde que viu o seu país invadido pela força bélica russa, a 24 de Fevereiro. 

 

Na justificação do voto, algumas frases merecem ser destacadas. 

«Um verdadeiro herói, além de uma série de outros atributos, tem de ser um herói improvável. Zelenski cumpre todos esses critérios.»

«Líder improvável, mas um líder. Estóico, agitador de consciências, verdadeiro protector do seu povo. Guardião de um patriotismo ameaçado e alvo de tentativas de aniquilação. A sua liderança foi também capaz de tocar a reunir o Ocidente, congregado em torno da causa ucraniana.»

«Não sei o que é mais admirável nele: o sentido do dever? A intrepidez? A fortitude? A inteligência de se rodear das pessoas certas? A visão política? O patriotismo inspirador? A segurança sem arrogância? A capacidade de acção? A improbabilidade de todas estas virtudes misturadas numa só pessoa?»

Às vezes muito pode ser dito também numa simples frase. Como esta, a justificar igualmente a escolha em Zelenski: «Por ter restaurado o conceito de pátria.»

 

Houve ainda um voto isolado no secretário-geral da ONU. António Guterres, por sinal, também mencionado na votação para Figura Nacional do Ano.

Para o Presidente russo, Vladimir Putin, nada.

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson

Figura internacional de 2020: Ursula von Der Leyen

Figura internacional de 2021: Joe Biden

Dez meses depois

Pedro Correia, 24.12.22

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Faz hoje dez meses. Nesse dia da infâmia - parafraseando o que Roosevelt chamou ao cobarde ataque nipónico à esquadra norte-americana em Pearl Harbor - o carniceiro russo, digno herdeiro de Estaline, mandou avançar os seus peões, armados até aos queixos, para invadir, anexar e retalhar a Ucrânia. Arrogando-se um direito de pernada próprio de um senhor feudal.

Queria amputar o país vizinho, derrubar as instituições eleitas pelos ucranianos, assassinar o Presidente sufragado pelo voto, ocupar Kiev num par de semanas, transformar o país invadido num Estado-fantoche, idêntico à Bielorrússia. Falhou todos estes objectivos. E fez agigantar Volodimir Zelenski, transformando-o num herói à escala planetária, justamente destacado como figura do ano que agora acaba pela revista Time. O homem que não desertou, não se poupou ao sofrimento em solo ucraniano, não abandonou os compatriotas à sua sorte. 

Enfurecido, o carniceiro mandou matar, mutilar, massacrar. Cidades como Mariúpol e Butcha, arrasadas sem um vestígio de compaixão, ficam como símbolos desta devastadora agressão que viola todas as regras do direito internacional, começando pela Carta da ONU, que teve a Rússia como uma das signatárias originais. Balanço trágico: mais de cem mil mortos e cerca de 15 milhões de desalojados na Ucrânia, além de danos patrimoniais incalculáveis.

Dez meses depois, mantém-se a fúria homicida da besta formada nos sinistros serviços secretos da extinta União Soviética. Com ogivas, mísseis e drones agora dirigidos sempre a alvos civis, na quebra das redes de abastecimento de água, energia e mantimentos. Para condenar o povo ucraniano à morte pela fome, pela sede, pelo frio.

O carniceiro continua a menosprezar o espírito de resistência do povo vizinho, que não se verga ao invasor. Ucranianos de todas as idades e condições sociais, mobilizados pela voz de comando de Zelenski, enfrentam os canhões com exemplar coragem física e moral. Mostrando ao mundo que até podem morrer de pé, mas jamais viverão de joelhos.

A besta não passará.

Não passaram, não passarão

Criminosa invasão da Ucrânia começou há nove meses

Pedro Correia, 24.11.22

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Faz hoje nove meses. O ditador moscovita, Vladimir Putin, ordenou a brutal invasão da Ucrânia - reeditando a pior política de canhoneira imperial que caracterizou grande parte do século XIX e culminou na I Guerra Mundial.

Centenas de milhares de soldados russos foram mobilizados em 24 de Fevereiro de 2022 pela maior potência nuclear do globo contra o Estado vizinho, num ataque desproporcionado, não provocado e sem declaração de guerra. Objectivo: ocupar Kiev, desarmar o exército ucraniano, depor as instituições democráticas do país e deter ou assassinar Volodimir Zelenski.

Todos estes objectivos foram fracassados, tal como a ocupação de outras grandes cidades, como Carcóvia e Odessa. Putin falhou também na previsão de que a aliança euro-atlântica se fragmentaria. Pelo contrário: tornou-se ainda mais coesa, a NATO robusteceu-se com a admissão de dois novos Estados membros (Finlândia e Suécia) e Moscovo perdeu sucessivas votações na ONU, tanto no Conselho de Segurança (onde dispõe de direito de veto) como na Assembleia Geral.

Já em desespero, forçado a recuar perante a contra-ofensiva de Kiev iniciada a 29 de Agosto e que já levou à recuperação de mais de metade do território perdido nas primeiras semanas da invasão, o tirano do Kremlin organizou pseudo-plebiscitos para anexar quatro províncias ucranianas - uma vez mais, em grosseira violação de todas as normas do direito internacional, como a Carta das Nações Unidas e a Acta Final da Conferência de Helsínquia.

 

Confrontada com um poder bélico muito superior, que desalojou mais de 13 milhões de pessoas (quase um terço da população do país) e destruiu cerca de metade da sua rede de abastecimento energético e alimentar, a Ucrânia resiste. Unida em torno do seu líder, que recusou fugir da capital, recusando a oferta de refúgio que o Presidente norte-americano lhe propôs no final de Fevereiro.

Resiste com heróica tenacidade. Mesmo com o sacrifício de 50 mil vidas humanas, grande parte das suas infra-estruturas arrasadas e prejuízos económicos, sociais e ambientais incalculáveis

A resistência está a ser bem-sucedida. O invasor vem recuando há dois meses, falhadas todas as tentativas de ocupação das principais cidades, fracassada a intenção de liquidar Kelenski e tomar de assalto as instituições políticas do país.

 

Onde os russos chegam, impera a tristeza, a desolação e o silêncio das ruínas. Quando os russos são expulsos, irrompe o júbilo e renasce a esperança.

Muitos de nós, nesta parcela do mundo livre, estamos solidários com a martirizada nação ucraniana. Conscientes, no entanto, de que o Dia D ainda vem longe: há que prosseguir a resistência ao invasor, que soltou ali três dos quatro cavalos do Apocalipse e até já ameaçou com um quarto - para arrasar em definitivo com a Ucrânia.

 

Putin e os seus lacaios - incluindo alguns portugueses, civis e militares - enganaram-se redondamente Mais depressa a demencial clique do Kremlin desaparecerá do que a Ucrânia será riscada do mapa.

O país de Zelenski vai emergir mais forte que nunca deste filme de terror iniciado há nove meses, quando as botas russas violentaram solo ucraniano com a intenção de tomar Kiev pela força em poucos dias.

Não passaram.

Não passarão.

A semana "horribilis" de Vladimir Putin

Pedro Correia, 17.11.22

Canalhice

Pedro Correia, 07.05.22

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Se fosse preciso mais ainda para defini-lo como figura imprestável, Lula da Silva fica assim retratado nas declarações que prestou à edição desta semana da revista Time. Sobre Zelenski, que ele considera tão culpado como o tirano do Kremlin pelas atrocidades que os russos vêm cometendo desde 24 de Fevereiro na Ucrânia.

«Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado.» Palavras de Lula, que certamente um Hitler e um Estaline adorariam ouvir em 1939, quando invadiram a Polónia, esquartejando-a e dividindo-a como se fosse peça de caça. Afinal a culpa dessa invasão, segundo o antigo presidente do Brasil, seria também da nação polaca.

É canalhice sem nome permanecer equidistante entre agressor e agredido. Precisamente o que o ex-inquilino do Palácio da Alvorada faz nesta entrevista. Como se houvesse equivalência entre torturados e torturadores na ditadura militar que durante duas décadas existiu no seu país. Como se acima de qualquer divergência política ou ideológica não existisse um imperativo moral que nos impele a socorrer a vítima em vez de produzirmos retórica cúmplice a justificar o comportamento do violador. 

Isto quando a Amnistia Internacional acaba de sublinhar esta evidência: as forças militares enviadas por Putin para ocupar a Ucrânia cometeram ali crimes de guerra. Incluindo execuções extrajudiciais, bombardeamentos indiscriminados de alvos civis e a prática reiterada de torturas sobre gente indefesa. O que torna ainda mais inaceitáveis as declarações de Lula.

Visitar o agressor e só depois o agredido

Pedro Correia, 03.05.22

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A imagem não podia ser mais reveladora da impotência e da inutilidade da organização criada em 1945 pelos vencedores da II Guerra Mundial: o ditador russo recebeu o secretário-geral da ONU em Moscovo sem um cumprimento, sem um sorriso protocolar – muito menos sem o afável aperto de mão que dispensou a Marine Le Pen quando a diva da extrema-direita gaulesa o visitou em 2017.

António Manuel de Oliveira Guterres, 73 anos, dialogou com Vladímir Putin – e o verbo dialogar não passa aqui de eufemismo – numa longa mesa que os colocava a mais de seis metros de distância. Lembrando a de Citizen Kane, quando o magnata e a esposa já nada tinham a dizer um ao outro após anos de casamento infeliz.

«Missão humanitária», sublinhou o antigo primeiro-ministro português, que permaneceu dois meses encerrado no palácio de vidro em Nova Iorque enquanto a Ucrânia ardia e a Europa assistia à maior deslocação de gente em fuga no continente ocorrida nas últimas oito décadas. Quando enfim decidiu atravessar o Atlântico, já com dez milhões de ucranianos desalojados dos seus lares, Guterres optou por visitar primeiro a potência agressora e só depois a nação agredida. Insólita ordem de prioridades talvez para salvar a face de Moscovo após as recentes derrotas russas em votações no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral das Nações Unidas.

 

Putin, detentor do maior arsenal atómico do planeta e salvaguardado pelo direito de veto que mantém para travar os efeitos práticos de qualquer resolução hostil na ONU, assumiu pose de czar ao dignar-se receber o português no Kremlin.

Se a intenção da visita era demovê-lo de praticar novas atrocidades, foi perda de tempo. Se visava apenas debitar platitudes, Guterres cumpriu o plano. Mostrou-se «muito preocupado com a situação humanitária na Ucrânia», admitiu que a Federação Russa possa ter acumulado «muitos ressentimentos» em anos precedentes e proclamou-se «mensageiro da paz». Missão em que o Papa Francisco supera sem dificuldade o católico socialista que em 2001 abandonou o «pântano» político português para mergulhar 15 anos depois nas águas pantanosas da diplomacia mundial.

 

A frase mais contundente do secretário-geral da ONU em Moscovo, antes de visitar Kiev, foi proferida após a audiência com Putin. Lembrando que há forças militares russas na Ucrânia e não soldados ucranianos na Rússia. Terminou aí a ousadia verbal de Guterres. Bem diferente de um dos seus antecessores, o ganês Kofi Annan, que em 2004 criticou com dureza a intervenção norte-americana no Iraque, considerando-a «ilegal», e em 2006 acusou Washington de desrespeitar o direito internacional em matéria de direitos humanos durante as campanhas militares e no combate ao terrorismo.

Estilos diferentes, contextos diferentes, alvos diferentes. Putin, leitor de Maquiavel, prefere ser temido a ser amado. Guterres situa-se no extremo oposto: ninguém o receia. Até ganha na comparação, embora não pareça.

 

Texto publicado no semanário Novo.

Estreia calamitosa como líder parlamentar

Paula Santos

Pedro Correia, 27.04.22

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O PCP é uma organização de ritmos lentos. Tão lentos que o fazem andar em contramão nos trilhos da História.

No plano interno, utiliza um jargão incompreensível para a grande maioria dos portugueses neste século XXI, num país quase sem indústria e portanto destituído daquilo a que o velho partido insiste em chamar «classe operária».

No plano externo, os comunistas ainda se orientam pelo guião da Guerra Fria, concluída em 1991 com a derrota soviética. Indiferentes aos factos, olham para Moscovo como «o sol da terra», fiéis à frase devota que Álvaro Cunhal consagrou na década de 70. Vladímir Putin, que foi tenente-coronel do KGB mas nada tem hoje de comunista, merece-lhes a mesma veneração beata que noutras épocas lhes mereceu Estaline ou Brejnev.

 

Na sua história centenária, nunca o PCP foi dirigido por uma mulher – aqui também inspirado no «sol da terra», pois desde a imperatriz Catarina a Grande, falecida em 1796, jamais a Rússia voltou a ter comando feminino.

Apesar de tudo, vão ocorrendo inovações entre os espessos muros da sede situada na Rua Soeiro Pereira Gomes: há agora, pela primeira vez, uma deputada à frente do grupo parlamentar comunista, circunscrito a seis elementos desde as legislativas de 30 de Janeiro. A escolha recaiu em Paula Alexandra Sobral Guerreiro Santos Barbosa, setubalense de 41 anos e apresentada como «química» de profissão embora seja funcionária do partido, como ali é regra.

No parlamento desde 2009, Paula Santos teve calamitosa estreia como dirigente da sua bancada. Coube-lhe a ingrata missão de dar a cara em defesa do indefensável, tarefa que lhe foi confiada pela cúpula do Comité Central, guardiã dos dogmas, atenta ao menor indício de heresia.

Anunciou ela, lendo um papel nos Passos Perdidos, que os seis comunistas recusariam escutar a mensagem dirigida pelo Presidente da Ucrânia ao parlamento português. Pretexto invocado: Volódimir Zelenski «personifica um poder xenófobo e belicista rodeado e sustentado por forças de cariz fascista e neonazi». Argumento decalcado da narrativa oficial russa, tornando o PCP cúmplice moral do Kremlin, que pratica crimes de guerra na Ucrânia desde 24 de Fevereiro.

 

Que sentido faz isto? Nenhum. Excepto reforçar a coerência dos comunistas portugueses. Convém recordar que este é o mesmo partido que em Dezembro de 2011 rejeitou associar-se a um voto de pesar na Assembleia da República pelo falecimento de Vaclav Havel, primeiro presidente da República Checa democrática. Que em Fevereiro de 2014 recusou condenar os crimes contra a humanidade cometidos pelo regime totalitário da Coreia do Norte. Que em Novembro de 2014 não subscreveu um voto de congratulação pelo 25.º aniversário da queda do Muro de Berlim. E que em Abril de 2017 votou contra uma resolução que condenava o uso de armas químicas na Síria, onde a Rússia protege o ditador Bachar Assad.

Fiéis à cartilha ideológica, alinham com o carrasco contra a vítima. O sol de Moscovo cega quem se fixa em excesso nele.

 

Texto publicado no semanário Novo.

As cadeiras da vergonha

Pedro Correia, 21.04.22

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O Presidente da Ucrânia, Volódimir Zelenski, falou há pouco em sessão solene na Assembleia da República, perante os mais altos dignitários do Estado português - Presidente da República, presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro e deputados de todas as bancadas parlamentares. 

De todas? Não. Faltaram seis deputados - os do grupo parlamentar do Partido Comunista Português, que recusaram ouvir o líder de um Estado soberano que há 57 dias está a ser violentamente agredido por um país vizinho, a Federação Russa, maior potência nuclear do planeta.

Seis lugares vazios - as cadeiras da vergonha. Numa homenagem muda ao opressor, contra a vítima. Quatro dias antes do 25 de Abril.

Vale a pena escrever aqui os nomes desses seis comunistas que se ausentaram do parlamento português, num desonroso gesto de submissão ao ditador russo: Jerónimo de Sousa, Paula Santos, Alma Rivera, Bruno Dias, Diana Ferreira e João Dias.

Para mais tarde recordar.

Os papagaios de Putin (4)

Pedro Correia, 07.04.22

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6 de Março, na Assembleia da República:

«As intervenções de chefes de Estado na Assembleia da República, ao longo dos últimos anos, têm sido muito limitadas. E têm sido sempre na sequência da realização de visitas institucionais ao nosso país, coisa que neste caso concreto não ocorreu. Além disso a AR, enquanto órgão de soberania, deve ter um papel não para contribuir para a escalada da guerra, não deve ter um papel para contribuir para a confrontação, para o conflito, para a corrida aos armamentos, mas o seu papel deve ser exactamente o oposto. O papel da AR deve ser um papel na defesa da paz. O papel da AR deve ser numa posição para encontrar uma solução negociada para a resolução deste conflito e para o desarmamento. E a proposta que está em cima da mesa [convidar Zelenski a discursar aos deputados portugueses] não vai ao encontro destes objectivos e daí o PCP não ter acompanhado esta mesma proposta. Porque não vai ao encontro do objectivo de defender a paz, de promover uma solução negociada.»

«As sanções [à Rússia] não contribuem para a paz, mas para esta lógica de confrontação, de conflito, de corrida, de escalar esta confrontação da guerra. E é isso, de facto, que nós consideramos que não é o caminho para este conflito. O caminho é, efectivamente, a defesa da paz e é nesse sentido que nós consideramos que a AR se deve posicionar.»

«O caminho que quer os Estados Unidos quer a União Europeia e a NATO estão a prosseguir é exactamente o caminho oposto. Da corrida aos armamentos, da escalada, da confrontação, das sanções que tanto pesam sobre os povos, sobre o nosso povo, sobre o povo europeu, com o agravamento das condições de vida, com este aproveitamento que está a ser feito, está à vista que a guerra não interessa aos povos.»

 

Declarações de Paula Santos, nova líder parlamentar do PCP, quando todos os testemunhos de todos os repórteres presentes na Ucrânia confirmam terem sido cometidos crimes de guerra e contra a Humanidade pelas forças de Putin em diversas cidades, das quais Butcha é um dos símbolos mais trágicos.

Com execuções sumárias, prática de tortura, violações, tomada ilegal de reféns, deportação de populações, apropriação ilegal de bens, destruição sistemática de alvos civis (incluindo hospitais) e ataques a missão humanitárias.

Sem surpresa, o PCP foi o único partido parlamentar que se opôs ao convite feito pela Assembleia da República para uma intervenção do Presidente Volódimir Zelenski, por videoconferência, no hemiciclo de São Bento. Justifica esta recusa em nome da «paz», pervertendo o significado de tão nobre palavra.

Os comunistas comportam-se como cúmplices da acção de guerra provocada por Putin na Ucrânia.

 

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Leitura complementar:

Libération - Carnage en Ukraine, blocage à l'ONU

Le Figaro - Les soldats russes violaient sauvagement les femmes après avoir tué les hommes

The Guardian - "Barbarians": Russian troops leave grisly mark on town of Trostianets

El País - Putin aplica en Ucrania el modelo de brutalidad que ensayó en Chechenia

El Mundo - Putin lanza su gran asalto al Donbas con apoyo de milicias nazis

La Repubblica - A Irpin affiorano i corpi dei bimbi violentati. La superstite: "Stuprata accanto a mia madre agonizzante"

L'Osservatore Romano - L'impotenza dell'Organizzazione delle Nazione Unite nell'attuale guerra in Ucraina