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Delito de Opinião

O Apóstolo da Asneira

João André, 23.04.13

 

Quando Miguel Relvas apresentou Miguel Gonçalves como “embaixador” do Impulso Jovem, num dos últimos actos que teve antes da demissão, pessoalmente pensei que estivesse a gozar com o pagode, como fez muitas vezes. Um tipo disparou meia dúzia de lugares comuns numa “conferência” que já só um negócio, fê-lo com o entusiasmo dos tolos, e foi escolhido para ser embaixador (o que isso na prática significa já explico) de um programa governamental.

 

Depois de Miguel Relvas se demitir e Miguel Gonçalves começar a disparar as suas pérolas de sabedoria, chego á conclusão que isto não mais é que deixar a cama feita ao governo, um simples acto de boa gestão para quem fica: Miguel Gonçalves é um palerma, mas é um palerma que gosta do seu trabalho e distrai as atenções. E é nisso que consiste o seu trabalho de embaixador.

 

Na sua entrevista ao iOnline fica claro que não tem a menor ideia daquilo que se passa para lá do seu círculo de contactos ou do que lhe cai na caixa de e-mail. Os seus contactos ou são yes-men ou admiradores bacocos. Os que lhe mandam e-mails (presumivelmente a pedir emprego ou a mostrar desprezo) também não devem ser melhores. O resultado são as afirmações como «eu tenho uma pasta na minha caixa de correio que tem muitas dezenas de emails de pessoas que, se continuarem com aquele comportamento, nunca vão entrar no mercado». Como se sabe, a caixa de correio de Miguel Gonçalves vai em breve substituir o INE.

 

Não importa que o desemprego seja estrutural, MG acha (e “acha” é a palavra correcta, pensar não é para ele, é mais no feeling, ‘tás a ver?) que os desempregados têm ele a solução. Basta irem a «cinco ou seis [empresas] por dia» e baterem à porta até arranjarem emprego. Claro que a insistência lhes vai dar empregos que não existem. Não importa também que os desempregados neste momento passem por situações de desespero, o problema é que «muitos dos que estão desempregados, estão desempregados porque, ponto número um, não querem trabalhar e, ponto número dois, são maus a fazê-lo». Também é brilhante a sua tirada «Todos os dias há muito trabalho disponível no mercado, há muitas empresas que semanalmente entram em contacto comigo porque estão fartas de procurar e não encontram pessoas boas», especialmente porque parece que o ónus está nos desempregados em encontrar a empresa, em vez de ser o oposto. Valha-nos Deus que Miguel Gonçalves está contactável para resolver esses problemas (suponho que envolvam trabalhos onde o salário não paga a renda da casa). Ainda melhor é a sua comparação com o mercado de trabalho dos EUA, onde «60 a 80% do trabalho não chega a anúncios. Em Portugal não tenho estatísticas, mas estimo que seja qualquer coisa desse género». Fora o “achismo”, é engraçado ver como compara um mercado com 7% de desemprego com outro com 20% e um mercado fortemente baseado em tecnologia e ciência com outro que desinveste nessas áreas.

 

A verdade é que quase cada palavra que lhe sai dos lábios é asneira. Não percebi ainda se acredita verdadeiramente no que diz ou se simplesmente está a criar uma carreira à conta de declarações que vê como políticamente incorrectas. Uma espécie de Paris Hilton com outro vídeo viral. Neste momento não passa de um Apóstolo da asneira. E o Governo agradece-lhe. Passos Coelho deve esfregar as mãos de contente com este legado de Relvas.

O vazio tem a mania das grandezas

José Gomes André, 02.04.13

Nasceu uma nova estrela. Um tal de Miguel Gonçalves, que Miguel Relvas (e quem mais?!) viu no Youtube e convidou para "embaixador" do "Impulso Jovem" (só esta frase já provoca um asco de morte). À semelhança de outros fenómenos da nossa praça, distingue-se pela "irreverência", pelo discurso "positivo" e por outras coisas que vêm sempre juntas neste tipo de pacote ("dinâmico", "criativo", "pró-activo", etc. - é ouvir o dito cujo). 

O problema de Miguel Gonçalves não é a referida "personagem", mas o facto de os seus dislates reproduzirem um discurso público cada vez mais difundido e aceite acriticamente pelos media, pelos governantes, pelas elites e pela população em geral. Discurso esse que mistura o pior do "darwinismo social" (o elogio do conflito social e a glorificação da lei do mais forte), um moralismo pseudo-científico de pacotilha (que condena os que sucumbem, imputando-lhes a culpa do seu "insucesso") e os elementos mais abjectos do novo totalitarismo linguístico "made in Wall Street" (que apela ao "empreendedorismo", à "reinvenção pessoal", ao "acreditar em si próprio" e ao "tornar-se senhor do seu destino").

Em suma, estamos perante um discurso político, social e económico que combina as inanidades de livros como "O Segredo" ("tu podes ser quem quiseres") com a profundidade da reflexão filosófica de um Zézé Camarinha. O pior de tudo isto? É que este discurso tem tanto de disparatado quanto de perigoso. Denunciá-lo já não é uma simples questão de bom-senso; é um dever de todos os homens civilizados.