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Delito de Opinião

De Famalicão a Lisboa

jpt, 04.02.24

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Ontem, em Lisboa, umas duzentas pessoas manifestaram-se em Lisboa contra a imigração de islâmicos. Antes havia sido proibida uma manifestação similar, decisão estatal peculiar - e muito problemática - devida a expectativas de perturbação da ordem pública. É certo que o mote da manifestação é desagradável, acintoso até. E também é consabido que o tipo de gente atreita a participar neste tipo de eventos é infrequentável - alguns dos seus integrantes mesmo com passado escandaloso - tanto pelas suas crenças como pelo seu comportamento colectivo. Mas daí a retirar-se-lhe, a priori, o direito a se manifestarem vai um passo demasiado longo. Entretanto, e como uma organização reincidiu na organização da arruada, a pequena mole xenófoba congregou-se em prol das suas crenças e sensações, ao que consta sem prejuízo da paz municipal.

Também para ontem estava agendada a realização de um jogo de futebol em Vila Nova de Famalicão, integrado no campeonato nacional da I divisão, entre o clube local e o Sporting Clube de Portugal. A polícia faltou - o que haveria de conduzir ao cancelamento do jogo, adiado para data ainda incerta. Face à ausência da polícia, de imediato surgiram confrontos entre os adeptos dos clubes que ali iriam jogar, dos quais resultaram vários feridos, óbvia perturbação da ordem pública. Sendo que estes confrontos entre adeptos de clubes desportivos constituem já uma longa tradição, como é do conhecimento geral. Os quais desde há décadas vão sendo dinamizados pela constituição de grupos orgânicos (as ditas claques), que inclusivamente assumem cenografias para-militares. E que são muito potenciados pela fervorosa cobertura mediática às acções desses grupos  - os grandes jogos com imensa cobertura televisiva dos seus antecedentes são verdadeiros momentos da sua exaltação, de glória claquística -, bem como de alguns dos seus dirigentes, tornados figuras públicas apenas devido ao seu destaque nesses "grupos de choque". 

Ou seja, é óbvio  que cada jogo de futebol, e mesmo já de outros desportos colectivos, em particular os que implicam grandes rivalidades nacionais ou regionais, se tornou um momento em que será de esperar grandes perturbações violentas da ordem pública. Por isso convocando imensa cobertura policial. Assim sendo, qual é a razão do Estado, por antevisão de confrontos, proibir uma manifestação  - ainda para mais atractiva para meia-dúzia de gatos pingados, por raivosos que sejam - e não proibir estes jogos de futebol, e não só, que convocam milhares de gatos pingados, raivosos que são?

Finalmente, é mais do que possível que os agentes policiais tenham razões para reinvidicarem junto do governo, usando as formas que lhes são legalmente concedidas. Acontece que ontem se recusaram a trabalhar no jogo em Vila Nova de Famalicão. Não através de um qualquer formato de greve que lhes seja possível, mas sim alegando doença, entregando atestados de baixa médica. Os quais, dado estarem concertados, são evidentemente fraudulentos. Assim sendo o Estado tem a obrigação - até para salvaguardar a ordem pública, que assenta no respeito pelas ... "forças da ordem" - de punir rispidamente estes agentes desonestos. E ainda mais tem a obrigação de punir ao mais extremo nível que possa os médicos falsários que exararam esses atestados. 

E isto nem tem a ver com as simpatias políticas de cada um, ou a compreensão por quaisquer reinvidicações de grupos laborais. Quando numa situação destas o presidente de um sindicato policial (Sindicato dos Profissionais da Polícia), o agente Paulo Macedo, vem lamentar que o primeiro-ministro não tenha "desejado as melhoras" aos agentes que simularam doença, isso demonstra que os polícias já atingiram o mais baixo nível da desonestidade política, e sindical. "Estão a brincar com a tropa", como se dizia. Ou melhor, estão a brincar com o povo. E quem assim despreza os cidadãos não pode estar incumbido de funções policiais.

«Se há um judeu atrás da árvore, mata-o»

Pedro Correia, 19.10.23

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Dizei aos que não crêem: "Sereis, sem dúvida, derrotados e reunidos no Inferno. O vosso lugar de descanso será o mais terrível".»

Alcorão, 37: 171-173

 

Este 7 de Outubro será sempre conhecido como dia da infâmia em Israel. O dia da incursão de cerca de dois mil terroristas do Hamas em território israelita que provocou 1500 mortos e mais de três mil feridos, além de 300 pessoas de mais de 30 nacionalidades tomadas como "reféns". Ignora-se se ainda estarão vivas.

Ainda nem uma das vítimas tinha sido enterrada, já havia por cá quem relativizasse o massacre, invertendo o ónus da culpa, que terá sido das vítimas. Seguindo a lógica daquele juiz desembargador que absolveu o violador alegando que a jovem violada usava uma saia demasiado curta e, portanto, estava mesmo a pedi-las...

Para tal gente toda a barbárie, singular ou colectiva, assenta neste axioma que desafia a lógica mais elementar. Inocentar os criminosos, culpar as vítimas. Daí, no próprio dia 7, não ter faltado logo quem estabelecesse equivalência moral entre a Alemanha nazi e o Estado judaico. Qual o efeito prático de tudo isto? Branquear a página mais negra da história humana, que se traduziu no assassínio sistemático e meticuloso de seis milhões de pessoas às ordens de um estado totalitário, onde qualquer dissidência equivalia a morte.

 

Não faltou até, nesta linha de raciocínio cada vez mais alucinada, quem metesse Gaza e Auschwitz no mesmo saco. Omitindo, desde logo, toda a cartilha xenófoba e racista do Hamas - declaração de ódio visceral não apenas ao Estado de Israel mas ao conjunto do povo judeu. 

Esta cartilha está disponível na rede, para quem queira ficar elucidado.

Proclama coisas como estas:

«Não há solução para o problema palestino a não ser pela guerra santa. Iniciativas de paz, propostas e conferências internacionais são perda de tempo e uma farsa.»

«Os hipócritas não podem ser superiores aos crentes, e devem morrer em desgraça e aflição.»

«Os sionistas estiveram por detrás da I Guerra Mundial, por meio da qual obtiveram a destruição do Califado Islâmico, tiveram altos ganhos materiais, passaram a controlar numerosos recursos naturais, obtiveram a Declaração Balfour e criaram a Liga das Nações Unidas (assim no original), para poderem governar o mundo por meio dessa Organização. Estiveram, também, por detrás da II Guerra Mundial, através da qual juntaram um tremendo lucro com o comércio de materiais de guerra e abriram caminho para o estabelecimento do seu Estado.»

Destaco sobretudo esta: 

«A hora do julgamento não chegará até que os muçulmanos combatam os judeus e terminem por matá-los e mesmo que os judeus se abriguem por detrás de árvores e pedras, cada árvore e cada pedra gritará: "Oh! Muçulmanos, Oh! Servos de Alá, há um judeu por detrás de mim, venham e matem-no!"»

 

Ao menos não enganam ninguém: dizem exactamente o que pensam - se é que podemos chamar pensamento a isto.

Tal como fez Hitler há cem anos, quando publicou esse execrável panfleto antijudaico chamado Mein Kampf. Sabemos muito bem o que aconteceu depois.

Jamais se repetirá. Os judeus não voltarão a deixar que o inimigo os conduza ao matadouro. Tenha esse inimigo o rótulo que tiver, chame-se ele como se chamar.

O morcão xenófobo

jpt, 07.07.23

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O presidente brasileiro Silva veio criticar a anunciada contratação do grande treinador Carlo Ancelotti para seleccionador de futebol do Brasil, clamando - pura e simplesmente - o habitual agressivo "volta para tua terra", ainda que o mag(n)o italiano ainda esteja em Madrid, sob a nada disfarçada forma de "porque não resolve ele o problema Itália?".

A dimensão identitária do futebol e sua selecção no Brasil é consabida (entre tantos outros disso bem escreveu o antropólogo Roberto Damatta). Mas isso não chega para apagar o fundo ideológico destas declarações, até o sublinha, essa profunda xenofobia - que tanto vimos ouvindo em múltiplos ataques daquelas gentes da bola contra os treinadores portugueses. Mas agora o presidente da República, este Silva sempre tão gabado pela mole dos "movimentos sociais"...

Se fosse um Orbán a ter uma saída destas como acorreriam os bem pensantes a denunciar. Ou, para se falar daqui, e se tivesse o dr. Ventura (que tem pedigree de comentador da bola) contestado a contratação de Martínez, dizendo que fosse ele antes "tratar do problema da Espanha", que "fosse para a terra dele"?

Mas a este morcão xenófobo, Silva, ninguém apontará o dedinho punitivo.

Xenofobia

jpt, 20.08.22

De há alguns a esta parte instaurou-se um discurso mediático - muito dinamizado pelo diário da SONAE e cavalgado pelo esquerdismo radical - que sumariza o nosso país como sede de um abrasivo racismo e concomitante xenofobia. Não há como contestar essa visão, assente numa mescla de vontade revolucionária, sensibilidade benfazeja, elisão das realidades, desprezo pelo comparativsmo e, talvez mais do que tudo, aldrabismo retórico (textos académicos a bolçarem insanidades sobre "racismo cultural" serão suficiente exemplo disso). Enfim, não há como contestar isso pois quem acredita nesta patacoada perora em cima de um estrado moral e vê os seus críticos como pagãos satânicos. 

Eu tenho apreço pelo comparativismo (deformação profissional, ainda que milite na secção indutiva). E às vezes diante deste demonizar de Portugal - recorrente entre os clientes da SONAE e os admiradores do dr. Ba - sorrio ao ver outros exemplos alhures, que passam ao lado destes "críticos" brinca-na-areia.

O nosso maior fluxo imigrante é brasileiro. Decerto que muitos serão pobres, em difíceis e até algo precárias situações laborais e socioeconómicas. Muitos terão razões para se sentirem desvalorizados ("discriminados", no jargão actual). Mas será interessante analisar a protecção legal que têm e se esta é menor do que a que cobre nacionais e oriundos de outros países. É também relevante se sofrem efectiva perseguição dos nossos cidadãos (de modo que seja sociologicamente relevante, para além de um qualquer despautério ou zaragata). E em terceiro lugar, será necessário perceber que tipo de discursos públicos - e sua reprodução mediática - sobre eles existem, que categorizações negativas são produzidas e ecoadas, que estereótipos são mantidos e publicados. Com objectivos de desvalorização, exclusão e mesmo de ostracização.

Vem-me isto à cabeça no sábado soalheiro devido às notícias do futebol brasileiro. Pois desde há anos, após a ida bem sucedida de Jorge Jesus para o Brasil, que lá são amplamente divulgados discursos xenófobos, discriminatórios, dos portugueses, e sistematicamente usando estereótipos que nos são avessos. Primeiro contra Jesus, depois contra os vários treinadores nossos compatriotas que foram contratados para aquele país. Ultimamente uma verdadeira concertação de importantes treinadores brasileiros contra Abel Ferreira. E hoje vejo no Record um idoso treinador brasileiro denegrindo Paulo Sousa através do consabido chavão "voltou para Portugal e abriu uma padaria". 

Ou seja, num país onde o futebol tem uma enormíssima importância, os seus agentes - principalmente jornalistas e treinadores - não têm qualquer rebuço em proferirem discursos explicitamente xenófobos contra os portugueses. Sem que isso, friso, tenha qualquer comparação com hipotéticos dichotes ou desatinos que por cá se passem.

E nenhum "activista" - por lá usualmente chafurdando na patética construção "consciência africana" ou quejanda, por cá entretidos nas quermesses anti-apropriação cultural e nas coalizões entre causas políticas e erotismo - se pronuncia sobre o assunto. Imagine-se o que não seria se umas dezenas de imbecis por cá tivessem discursos semelhantes sobre renomados brasileiros aqui trabalhando ...

Quantos jornalistas brasileiros seriam convidados a "denunciar" isso nas televisões, quantos "observatórios" proclamariam a nossa crise nacional e defeito identitário, quantas páginas do boletim da SONAE seriam dedicadas ao assunto, quantas indignações do comunista dr. Ba?

Mas assim? Nada. "Vamos ao pão", fazê-lo, que é o nosso destino. De "tugas".

Burquíni: o fim da polémica

Diogo Noivo, 07.09.16

Publiquei ontem um texto sobre o burquíni e sobre a controvérsia gerada pela proibição do seu uso nas praias de alguns municípios franceses. Tivesse eu esperado umas horas e tinha-me poupado ao esforço: a polémica morreu. Esta minha afirmação não é semelhante à de Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, a propósito do galpgate. Neste caso, a afirmação baseia-se em factos.

Hoje tudo ficou esclarecido. Pouco importa se o burquíni é, ou não, um símbolo de um Islão radical. Da mesma forma, é despropositado analisar se o uso desta peça de vestuário constitui um exercício de liberdade de expressão. Estes e outros debates são inúteis para o caso em apreço. A proibição teve na sua base algo muito mais simples (e revelador): ser francês é ser branco e católico. E pronto. Nada como falar claro para acabar com as dúvidas.

Nova xenofobia

José Maria Gui Pimentel, 02.09.12

 

Durante muitos anos, Portugal, um país habituado a receber bem (bem demais) os europeus que via como superiores, desdenhou os emigrantes das ex-colónias africanas (os pretos). Não que isso tenha acabado, longe disso, mas novas vagas de imigração vêm trazer novos tipos de xenofobia.

A mais recente diz respeito aos imigrantes chineses. Não sei – honestamente, gostaria de saber – se a impressão é só minha, mas noto uma crescente má vontade generalizada em relação aos imigrantes chineses.

Confesso que tenho dificuldade em enquadrá-la completamente. Ao contrário de outros grupos de imigrantes, os chineses são ordeiros (porventura demasiadamente) e não estão associados a crimes de qualquer tipo (ou, por outra, estão, mas injustificadamente. Mas já lá vamos).

Uma explicação parcial para esta má vontade está relacionada com o espaço que as lojas de chineses vão tirando ao tão malogrado comércio tradicional. O português, avesso à mudança, estranha ver chegar hordas de chineses para montar lojas nos locais anteriormente habitados pelos ditos comerciantes tradicionais – tão pouco acarinhados no activo (daí falirem) mas tão amparados na desgraça. Ainda recentemente, numa edição das Conversas Improváveis, um programa da SIC, José Cid (que, quanto a mim, já tinha bebido uns copos…mas ainda assim) começou por gracejar que “os chineses são pequeninos e amarelos, não têm interesse nenhum”, para depois afirmar aquilo que muitos portugueses pensam: “eu acho que a invasão dos supermercados de chineses (…) veio destruir a vida de muitas famílias portuguesas que viviam na loja da esquina”.

A isto soma-se a enorme diferença civilizacional que nos separa, que faz com que os chineses mantenham um quase afastamento da sociedade em que, para todos os efeitos, estão inseridos. Além disso, revelam um trato, hábitos e até uma alimentação que impressionam pela diferença, causando estranheza e, não poucas vezes, desconfiança. Compreendo que isso aconteça, mas é preciso perceber que esta diferença é igualmente sentida por um ocidental na china, e que a nossa reacção ao isolamento deles cá é a mesma que eles mostram ao isolamento dos ocidentais em cidades como Shanghai.

A última explicação que encontro é a mais intrigante, pois baseia-se num mito antigo. Ainda um destes dias recebi um email, destes cujo conteúdo se adivinha logo pelo prefixo “Fwd” e pelo título em capitais (“CUIDADO - Lojas Chinesas-URGENTE LER”). Resumindo, era uma destas correntes de emails especialmente direccionadas a pessoas que conheceram a informática enquanto adultas e que, incautas e bem-intencionadas, reencaminham aquilo que lhes parece ser um aviso legítimo. Mas, como muitas vezes, não o era. O dito email relatava dois casos de rapto por parte funcionários (chineses) de lojas de chineses. A polícia era chamada por pais em pânico e salvava in extremis a jovem que “já tinha o corpo marcado perto de alguns órgãos vitais e o destino dela seria ser MORTA PARA TRÁFICO DE ÓRGÃOS”. Claro que, a ser verdade, um caso destes abriria os telejornais, por isso (e por outras razões) é fácil comprovar a falsidade deste relato. Desde e de outros semelhantes, que todos já ouvimos. Não obstante, numa leitura rápida e desatenta facilmente o leitor acredita na história e a faz passar, com mais um fwd e, quem sabe, no dia seguinte com os colegas de trabalho ao café.

Mais recentemente ainda contaram-me algo inacreditável que se passou na caixa do supermercado. Um chinês provavelmente recém-chegado tentou apresentar, num português macarrónico, um qualquer talão de desconto para comprar carne. A caixa não reconheceu a promoção e o dito chinês, perdido na tradução, decidiu desistir e pagar o total. Nisto, numa mistura entre falta de profissionalismo e racismo, a caixa atira cumplicemente a uma colega: “estes também… só sabem comprar carne”.

Era provavelmente um preconceito semelhante que inspirava uma imagem que vi partilhada recentemente no Facebook. Nesta, em letras grandes, perguntava-se ao ministro das finanças se também iria pedir facturas aos ciganos, às prostitutas, aos traficantes de droga e…aos chineses“ (note-se que pretos não figuravam na lista, sinal, bom, dos tempos). “Ou esses [todos] vão continuar a ser beneficiados?”, terminava o repto. Não é que os ciganos e as prostitutas mereçam ser ostracizados, todavia é verdade que são grupos associados a criminalidade. Já os chineses, malgrado os mitos que se vão espalhando, não têm esse proveito.

 

Concluindo, a má vontade em relação aos chineses que vai grassando é completamente infundada (para mais exemplos ver, por exemplo, este artigo). É verdade que os hábitos deles ainda nos são muito estranhos, porventura se-lo-ão sempre. Mas os nossos também lhes são. Por outro lado, é preciso perceber que não são os chineses que expulsam os portugueses do comércio tradicional, é o mercado que o faz, ou seja, são os comerciantes que se deixam ultrapassar. Se são os chineses que aproveitam, é apenas por falta de competência dos portugueses. Sobretudo – como dizem os sociólogos – é preciso calçarmos sapatos dos outros, perceber como seria se fôssemos ganhar a vida para um país estranho, com uma língua difícil (que, não obstante, lográvamos aprender), e em que nos olhavam de lado, como invasores a remexer numa decadência acarinhada.