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O nosso ex-PM, que exerceu o cargo durante mais de oito anos, durante os quais chegou a conseguir uma maioria absoluta e se demitiu depois da polícia ter encontrado 75.800 euros em notas no gabinete contiguo ao seu, será o próximo Presidente do Conselho Europeu. Lá por Bruxelas, foi agora promovido a "membro de minoria étnica".
E eu a pensar que Portugal era um país estruturalmente racista.
Gostaria que os comentadores deste blogue me explicassem qual o motivo do seu ódio ao woke e à wokaria (como alguém lhe chamou).
Aproveitem a caixa de comentários para dizerem de vossa justiça!
Ficou o país estupefacto com o desbragado triplo assassinato da semana passada, ocorrido na Penha de França. Bebo aqui nos Olivais um café com um "sobrinho" crescido em Bruxelas, o qual me diz ser este tipo de situações agora por lá recorrente, em particular em Anderlecht, devido à migração acontecida de grupos de "empreendedores" ligados ao comércio de drogas químicas, diz-se que ali advindos de Marselha. Não que associássemos este nosso infausto caso a algo similar, apenas referia ele, agora cá recém-chegado, a diferença entre o escândalo aqui sentido e a já rotineira forma de apreensão da violência de rua que passou a vigorar lá na Bélgica.
No dia seguinte na mesma esplanada foram-se agregando vizinhos, gastando um pouco do outonal sábado. Conversas muito variadas, e animadas. Nisso um dos presentes aflora como o mariola Ventura abocanhou politicamente o caso da Penha da França, não só agitando a sua "besta negra" cigana como até aventando - em cúmulo de despudor - a dúvida sobre o carácter político dos assassinatos, como se fossem um atentado avesso aos seus simpatizantes.
E a conversa segue, abordando as formas elípticas como a comunicação social e os sempre pressurosos "populares" convocados a prestarem declarações ao microfone foram referindo o assassino, seus acompanhantes e seu meio de origem. Ou seja, a elisão radical do termo "cigano" entre a locução dominante e a opção por formulações alusivas. Eu pouco seguira os noticiários mas reparara no tópico da pertença do criminoso a "famílias numerosas", a utilização de uma estereótipo de parentesco (e co-residência) - quiçá sustentado por algum empiria, não o posso afiançar dado que nada tenho lido sobre dimensões actuais de parentelas e residências em Portugal. Mas é notório que há um expurgar pelos estratos "letrados", e pelo o "povo" que vai à tv, da alusão pública a "ciganos", ao invés do seu brandir pelos sectores mais direitistas. E, também, da sua presença nos discursos globais... se, e quando, em privado. E tudo isto, esta retórica higienizada, alimenta o tal mariola, o tipo "que diz as verdades", "aquilo que mais ninguém tem coragem de dizer"...
Ali à mesa, no passo seguinte, uma senhora vizinha, educada e culta, diz asisadamente que concorda com essa abstenção da referência identitária, pois não se devem alimentar as generalizações abusivas. No que eu concordo totalmente, pois um desmando, um traço comportamental, uma característica psicológica de um qualquer indivíduo não deve ser atribuído a outros que com ele partilhem alguns traços comuns socioculturais e, ainda menos, fenotípicos (os genotípicos nem para aqui são chamados). Ou seja, implicitava a minha vizinha - tal como os múltiplos locutores ao longo dos últimos dias - que dizer ser este assassino um "cigano" é alimentar o preconceito, fomentar generalizações abusivas. Aplaudo. Até porque esta postura é o substrato de uma concepção liberal (que não associológica), o primado da autonomia individual - algo que é bem diferente de outras perspectivas dominantes, como a (demo-)cristã, as marxistas ou os agora muito viçosos secularismos "identitaristas" de extracção marxista, que presumem características comuns aos pertencentes a grupos socioculturais e por isso convocam políticas e posturas peculiares para cada um deles.
E sigo na verve. Recordando que há escassas semanas nas cercanias de Castelo de Vide um indivíduo sequestrou e disparou sobre duas mulheres. A imprensa logo o intitulou "espanhol" - identidade com a qual temos relações históricas complexas. Talvez não tanto naquela velha raia. Mas sim país afora. Ainda resmungamos os "Filipes", apupamos o injustiçado defenestrado Miguel de Vasconcelos, tal como ainda sorrimos o "de Espanha nem bom vento nem bom casamento". Mas, muito mais importante, germina o sentir anti-turismo, resmunga-se o quase monopólio espanhol do querido olival. E não só o nosso ministro da Defesa veio agora agitar a "chaga" (para ele, pobre homem, sintoma que é da múmia mental CDS) de Olivença. E, para irmos à política, só um país politicamente incompetente é que continua com mesuras aos Borbón, ao PSOE ou ao VOX, face a décadas de desrespeito fluvial espanhol. Ou seja, não falta matéria-prima, histórica e actual, para acicatar o anti-espanholismo. Mas isso não impede que a imprensa escarrapache nos cabeçalhos ser "espanhol" o cadastrado sequestrador, e intentado violador e assassino.
Mais perto dos Olivais do que a Penha de França é Moscavide. E também por isso logo ali à mesa recordei um outro caso. Há quatro anos um indivíduo lá foi assassinado, uma horrível conclusão de uma questiúncula entre vizinhos. O energúmeno assassino expressou, antes e depois, a sua aversão aos negros - o assassinado, o actor Bruno Candé, era-o... O miserável, agora preso, é um antigo combatente na guerra colonial. Foi um rastilho. De imediato organizações e vária imprensa usaram o caso para afirmar um "racismo sistémico" português - ou seja, de um crime praticado por um indivíduo se generalizou predisposições e pressupostos para a globalidade dos seus compatriotas, dos que têm a sua "identidade".
Logo na época notei pouco ter significado para os "bem-pensantes" que, logo no dia seguinte ao assassinato, tivesse o Sport Lisboa e Olivais - um clube popular, pobre, histórico pois 5ª filial do SLB, recordista de anos seguidos na velha III divisão de futebol - colocado na sua página um dorido "Morreu um dos nossos" - Candé seria associado, terá sido praticante desportivo. Denotativo de inclusão, inserção, até "sistémica" se se quiser... Mas nada disso contou (nem conta) nos discursos demagógicos. Como também não contavam (nem contam) perguntas de cariz mais sociológico: houve centenas de milhares de portugueses mobilizados para as guerras em África. (E, também, centenas de milhares de portugueses foram "retornados"). Foi afirmado aquele assassinato como um caso exemplar do "racismo sistémico" - entenda-se, universalizado, ainda que vivido de diferentes formas -, dos portugueses, e dito ser esse extremado entre antigos combatentes, estes também aventados como universo ainda dotado de armamento. Face a essa verdadeira hiper-generalização seria normal questionar, investigar, que formas organizadas ou avulsas houve entre essa gigantesca amálgama de antigos combatentes (e de antigos colonos) de perseguição armada, violenta, física ou moral, sobre os africanos ou seus descendentes que residiam ou vieram a residir em Portugal neste último meio século. Algo que sedimentasse aquela extrapolação do assassinato que o energúmeno cometera por causa de uma querela encetada devido a um cão... Perguntar isso para quê, pois como é possível duvidar que se um "português" assassina um "negro" todos nós "portugueses" somos racistas?
A conversa morreu ali, falta de empenho alheio, atitude totalmente legítima ("agora tenho de aturar este tipo?", terá pensado a respeitável vizinha). Mais tarde, já em casa, vejo no Facebook um outro vizinho a partilhar um sentido texto de um jornalista sobre o crime da Penha da França. Nele se aventa que o assassino sofrerá de uma "adição", um desequilíbrio contextualizador. Sorrio, triste. Também eu ao saber do acontecido pensei nisso, de imediato imaginei um "Scarface", histriónico descompensado a la Al Pacino... Mas é importante identificar a ideologia que subjaz esta nova língua, e este anglicismo dessa é típico, de um sociologês (esse que entende que o contexto social causa e, quantas vezes, justifica os actos individuais, fazendo regredir a autonomia individual aos mínimos ... quase biológicos).
Não vou explicar, prefiro ilustrar: imagine-se que eu deixo de fumar. Ao 5.º dia este meu vizinho Quim - também ele olivalense - vem ter comigo à esplanada. Depara-se comigo a protestar com o dono da casa porque a minha chávena de café não está bem quente!!! Dirá logo ele, o Quim, "calma, estás irritadiço devido ao teu vício do tabaco" e até se rirá, acalentando-me no meu esforço sanitário. Entretanto, ali mesmo, tomamos conhecimento de que aqui perto um qualquer "agarrado" deu uma pedrada num velhote para lhe roubar a carteira - coisa que hoje em dia no bairro já inexiste, felizmente, gentrificado e pacificado que está o "Olivais". Dirá logo algum vizinho, ou talvez mesmo o Quim, que o ladrão sofre de uma "adição". Assim seguindo eu, mero chato, com o culposo e pecaminoso "vício", e o ladrãozeco, pobre vítima da tal "adição".
Enfim, isto é uma conversa de café, sem grande coerência - excepto a do tal "racismo sistémico" de que padeço, pois sou de identidade "portuguesa", e de "etnia" branca, dirão alguns... Desarrumada e até infindável. Mas fico ainda com um resmungo, até à próxima sessão de esplanada: continuem a pensar assim. E, acima de tudo, a falar assim... E um dia destes até os ciganos, fartos do que "parece", votarão no Ventura.
Alberto Gonçalves, que há muitos anos vergasta políticos, costumes e tendências neste jornal (e antes deste em outros) semanalmente, e diariamente na Rádio Observador, fez há dias 55 anos. E a vasta corte admirativa que o segue (da qual faço, fielmente, parte) deve ter visto com agrado o texto que aqui publicou sobre aquela efeméride porque às vezes sabe bem esquecermos o mundo oficial, os rituais do poder e o wokismo que anda no ar. Irónico, à sua inconfundível maneira, mas um tanto melancólico – diz a certo ponto que “oficial, oficiosa e civilmente, sou um velhote”.
Ahem, devo ser um Matusalém. Porque, no ano em que ele nasceu, fui pela primeira vez ao Algarve e, como já tinha carta de condução tirada de fresco e um amigo havia herdado um Renault Joaninha de um avô e tinha licença de aprendizagem, encartei-o, como se dizia.
Saímos às 22H00 do Porto e chegamos a Lagos, com destino ao parque de campismo local, às 11H00 da manhã. Autoestradas nem vê-las, cafés abertos depois da meia-noite um achado, e trânsito escasso. Viagem memorável, já se vê, da qual nem ele nem eu retivemos (como aconteceria hoje) a interminável maçada, mas o encanto da descoberta e a expectativa da praia, das Inglesas, das comidas e da aventura.
Aventuras houve algumas, todas banais para dois moços com automóvel (ainda que um vetusto charêlo), algum dinheiro no bolso e relativamente bem apessoados (mais ele, que eu tinha de compensar com palavreado e alguma fluência em Inglês a natureza relativamente anódina da minha pessoa).
Sucedeu que em determinada altura fomos, da Senhora da Rocha onde visitáramos uns amigos, jantar com eles a Alcantarilha. Um excesso de libações (a cerveja era fresquíssima, a companhia agradável, o conduto mais do que satisfatório e a sede insaciável) levou a que regressássemos com alguma euforia. E foi esta que induziu o meu amigo a tratar o velho Renault com alguma desenvoltura, tanta que a certo ponto, numa curva mais apertada já à chegada ao destino, eu, o encartador, o informei fleumaticamente que nunca mais “desenharia” aquela curva. Não desenhou, de facto, e pelo contrário fomo-nos espatifar de frente contra um muro daqueles algarvios, que se esboroou.
Saímos os dois, atordoados, e saíram também os visitados, que nos seguiam (num Ford Mustang, que é para as pessoas que sabem destas coisas perceberem que eram pessoas de representação). Parece que nestes entretantos caí redondo no chão, perante a comoção geral, sangrando da testa, que já na altura era larga, desimpedida e franca. E como um médico conhecido na minha longínqua cidade estivesse de férias em Lagoa, não longe, foi para lá que me levaram. O médico examinou o ferido, que entretanto tinha recuperado os seus espíritos, e declarou que aquilo não era nada, apenas tinha de coser. Fomos portanto todos ao hospital local (ou clínica, ou enfermaria, ou lá o que era), aberto naquela instância de propósito para acolher o forasteiro. Lembro-me que a enfermeira, chamada de seu sossego para a intervenção, cozeu os instrumentos e o fio numa panela; e que apresentou o resultado no respectivo testo, virado ao contrário, o que me pareceu um procedimento altamente heterodoxo. O médico (uma jóia de pessoa, que já morreu) apenas resmungou que aquele fio (chamou-lhe outro nome, não me lembro) era demasiado grosso, pelo que iria ficar com uma cicatriz. Fiquei efectivamente, discretíssima e que acabou por desaparecer ao cabo de muitos anos, conferindo-me inclusive, enquanto durou, alguma personalidade.
E então, esta historieta tem moral? Poderia ter, se me lançasse num comovente exórdio da desgraça daqueles tempos pregressos contrastada com as maravilhas do presente. O que temperaria com a reflexão de que então o país crescia economicamente a velocidade vertiginosa, o que nunca mais voltou a suceder; que, mais de 50 anos volvidos, qualquer comparação resulta sempre, em muitos aspectos, vantajosa para o presente, em Portugal ou em qualquer parte do mundo, porque entretanto o progresso científico e tecnológico, mais a acumulação de riqueza, melhoraram a vida das pessoas.
Isto diria, mas concluiria que eu, o meu amigo e todos os moços da nossa idade que conhecíamos tinham justificada esperança de um futuro de muito, ou algum, sucesso em Portugal.
Hoje não têm. E com isto poderia abundar em considerações pessimistas, amarrando ao pelourinho da descrença a forma como o nosso país tem sido conduzido.
Se estivesse virado para grandes empolgações retóricas, aproveitava a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos (jogos em que se celebra a paz ou, ao menos, a trégua nas guerras) para verberar o progresso tonto dos costumes: as religiões cristãs, os seus ícones e a sua história fazem, pelo menos desde os tempos de Monty Python, bons temas de comédia. A qual tem lugar em comédias, não tribunais, igrejas ou recintos desportivos quando tenham o significado multinacional que os afectos a estes Jogos têm, por exemplo. Com uma pilhéria desgraciosa e cobarde, além do mais, porque os mesmos conspícuos guionistas que resolveram inspirar-se na última Ceia para fazer uma representação da “comunidade” LBGTurbo nunca ousariam uma rábula semelhante com temas do Islão, para não porem em risco os pescoços que lhes seguram as estúpidas, e hipócritas, cabeças. E, estando com a mão na massa, também guardaria uma palavrinha para a imagem de Maria Antonieta exibindo pormenorizadamente o seu pescoço decepado e segurando a cabeça junto ao ventre; ou a galeria das mulheres célebres que exclui Joana d’Arc, assim como entre os franceses ilustres Luís XIV, Napoleão ou de Gaulle. Isto e muito mais é, parece, a admirável França woke dos nossos tempos, à qual dá vontade de dizer, como Jack Nicholson numa tirada célebre: sell crazy someplace else, we are all stocked up here.
Mas não vou por aí, que o tempo é de férias e vou mazé para o Algarve, lá mais para o final do mês.
Wokes de todo o mundo, uni-vos. De Henrique Pereira dos Santos, no Corta-Fitas.
Vejo o "E tudo o vento levou", que há muito não revia. Chega agora numa cópia restaurada há cerca de uma década, a avivar-lhe, mesmo que em mera televisão, algum do brilho fílmico que incendiou os cinemas aquando do seu aparecimento, fenómeno que foi. Lembro-me, vagamente, da primeira vez que o vi, petiz junto à minha mãe em cinema de grande tela - talvez o "Monumental", bem antes deste ser uma vulgata envidraçada de vendilhões do templo, talvez o "Império", também antes deste ser um templo de vendilhões.
Ela adorava o filme, percebi depois e lembro agora, saudoso, que por venerar Scarlett, feita arquétipo de pessoa, suplantando-se entre a candura e a estratégia, numa franqueza ardilosa, símbolo da mulher adequado ao circundante, mais necessário de afirmar em tempos já tão distantes que a boa língua portuguesa sobrevivia sem patacoadas como "resilência"... Ao longo dos anos regressei ao filme algumas vezes, percebendo que - afinal - articula o dramalhão comercial com o desfazer dos aparentes estereótipos, pois não só desfraldando as fraquezas masculinas como escorrendo algum sarcasmo com o estertor daquela nada bela "Belle Époque" escravista. Num filme de guerra sem guerra, assim sem heroísmos encenados, nisso subreptícias justificativas...
Mas ontem nem pensei nisso. Sexta-feira à noite fiquei a ver o filme ao lado dela, Marília, enquanto o meu pai António ia lendo na sua poltrona, alheado como (quase) sempre da televisão. Tinham vindo passar o serão, agradados com a visita que lhes fizera de manhã no cendrário dos Olivais - onde acorrera por razões outras, - tendo-me demorado, ali, junto ao que deles me resta. Até me sentir qual o Anthony Hopkins no final do "O Pai" que vi há dias, que foi o sinal para partir, que nada é bom em demasia.
Depois do tão esperado e obrigatório "After all, tomorrow is another day", a mãe foi-se deitar e fiquei, como é habitual, de conversa com o pai. Ele disse-me que estou a fumar demais e, como é óbvio, resmungou com a pepineira do "Gone With the Wind". Foi o (por mim ansiado) sinal para politizarmos. Precipitei-me para o controlo e puxei o filme atrás - coisa que ele nunca faz, estranhando estas novas tecnologias - até ao princípio. E logo concordámos no ditirambo contra este pensamento "woke", paupérrimo arremedo de reflexão. Tanto barulho fazem os seus "activistas" para expurgar a história, para tutelar mentes, para "analisar" o "abissal" mundo. E para apenas saracotearem coisas como esta: enfrentar um filme destes, com o impacto que teve, quase quatro horas de filme, num argumento com as camadas que tem, e julgam relevante e necessário anunciá-lo como "produto da sua época e retrata preconceitos raciais e étnicos", como se houvesse algo que não o seja. E é com esta pobre mentalidade que se agitam, ufanos na crença de que "para criar um futuro melhor é necessário primeiro conhecer e compreender a história"... Assim?
O pai abanou a cabeça, em desprezo, e nisso tanto concordamos na aversão a esta pobre gente adormecida, enlevada consigo própria, tanto que se dizem "Acordados", essa sempre dita "esquerdalhada". Avancei um pouco o filme e digo-lhe "vê esta cena, pai", o baile no qual a jovem viúva Scarlett dança pela primeira vez, assim quebrando as regras do nojo, com o galhardo Rhett. E ela, enquando rodopia, diz-lhe "Mais uma dança e perderei a minha reputação para sempre", ao que ele responde "Se tiver coragem, pode viver sem a sua reputação". E o meu pai, o Camarada Pimentel, sorri, anui, nem preciso de lhe explicar o que quero dizer - até porque já cheguei à idade em que não só o compreendo como também ele me percebe. "Querem a história sem "grão", como o dos filmes antigos, a história como "cópia digital restaurada", atiro. "É isso", diz, aceita. E repete que estou a fumar demais. Depois vai dormir. Estando, claro, acordado mas nunca "woke"...
Este episódio já descrito como miraculoso, que foi descoberto no distante e rural Missouri, noutros tempos seria suficiente para uma beatificação meteórica, elevação de um templo e romagens devotas.
A incorruptibilidade de um corpo inumado não é coisa com que se brinque, ainda mais por se tratar da fundadora de uma congregação beneditina.
A diocese de Kansas City pede calma e orações aos fiéis. Há que dar tempo ao tempo.
A madre Cecília, actual superiora da congregação, afirma tratar-se da primeira afro-americana a ser encontrada incorrupta nos EUA.
Aguardam-se reações da vanguarda woke. Por cada dia a mais, que a Congregação das Causas dos Santos demore a elevar a Madre Wilhelmina, no mínimo a figura venerável, só confirma o poder do patriarcado (neste caso literal) que governa o Vaticano.
Num postal recente usei o termo "esquerdalhada" (que me é habitual). E logo três amigos me enviaram mensagens, pois com ele incomodados. Nos comentários recebidos (no meu mural de Facebook) também surgiu algum desconforto - e mesmo imprecações. Naquela plataforma a ligação ao texto foi partilhada por outros - o que lhes agradeço - em cujos murais também notei algumas reacções desagradadas, até furiosas. Isto mostra a vigência de um sentimento pelo qual sobre os locutores de “esquerda” não se deve verbalizar menosprezo ou desrespeito pelas suas atrapalhadas ou aldrabadas opiniões.
Reacções ao invés das esperadas face à rapaziada da direita. Sobre esta há dois termos que vão surgindo: o mais raro “direitinhas” - em tempos consagrado em banda desenhada publicada no “Diário”, o jornal do PCP dirigido por Miguel Urbano Rodrigues -, mas que não vinga muito dado o tom pouco ferino que aquele sufixo sempre dá. E o mais habitual - e quase automático - “fascistas” (ou “faxos”), uma evidente desvalorização ética e intelectual.
Agora todas as semanas segue mais um "expurgo", "protector" das "sensibilidades", "racializadas" ou quejandas. O mais recente é com os livros de Agatha Christie, toca a retirar-lhes termos que possam ofender alguns trastes - é a instrução dada pela sua editora, atenta aos temíveis efeitos actuais das agressões cometidas pelos pressupostos de época de Miss Marple, Hercule Poirot e restantes personagens daquele pequeno emaranhado pós-vitoriano, tão pequeno-doméstico de facto.
Tendemos a confundir estas trapalhadas - o outro dia foi notícia que uns rústicos americanos, lá de uma aldeia de fundamentalistas cristãos, despediram a directora de escola porque havia mostrado uma obra-prima renascentista aos petizes, ofendendo-lhes as progenituras devido ao pequeno pirilau aposto por Michelangelo ao "David". Gente do mesmo universo que volta e meia é notícia por querer impor o ensino do criacionismo nas suas escolas locais - efeitos directos da peculiar administração escolar dos EUA e consequências do molde de secularismo (comunitarismo) desbragado que vigora naquele país. E que por cá os esquerdistas querem assumir - a maioria dos quais sem mesmo perceber que é disso que falam, tamanha a indigência intelectual que os caracteriza.
Mas estas “depurações” literárias que se vão acumulando têm outra dimensão… Não provêm de minorias social e geograficamente excêntricas. Vêm embrulhadas no capital “cultural”/“académico” dos proponentes e defensores e estão a penetrar nas administrações dos grupos económicos editoriais. Tornam-se “elite”, “norma”. E há imbecis à nossa volta que os defendem…
Livros de Roald Dahl sofrem alterações para remover linguagem "ofensiva" (...)
Augustus Gloop, por exemplo, o rapaz gordinho de "Charlie e a Fábrica Chocolate", com uma camisola às riscas vermelhas e brancas, viciado em chocolate, agora será “enorme” ao invés de “gordo” (...)
Segundo o Daily Telegraph, a editora Puffin contratou leitores "sensíveis" para reescrever fragmentos dos textos, garantindo assim que "eles possam continuar a ser apreciados atualmente por todos". (...)
As alterações foram feitas, sobretudo, ao nível das descrições sobre a aparência física dos personagens, onde se encontram palavras como "gordo" e "feio".
Em “The Witches”, de acordo com o The Guardian, no parágrafo em que as bruxas são carecas sob as perucas, é acrescentada uma frase que Dahl nunca escreveu: "Existem muitas outras razões pelas quais as mulheres podem usar perucas e certamente não há nada de errado com isso". (...)
Nas publicações, as palavras “preto” e “branco” também não são usadas, e "louco" ou "insano" também já não é utilizado “em defesa da saúde mental”.
A editora Puffin e a Roald Dahl Story Company fizeram as mudanças juntamente com o "Inclusive Minds", um grupo que o seu porta-voz descreve como "um coletivo de pessoas apaixonadas por inclusão e acessibilidade na literatura infantil".
(no Jornal I)
(...) References to “female” characters have disappeared. Miss Trunchbull in Matilda, once a “most formidable female”, is now a “most formidable woman”.
Gender-neutral terms have been added in places – where Charlie and the Chocolate Factory’s Oompa Loompas were “small men”, they are now “small people”. The Cloud-Men in James and the Giant Peach have become Cloud-People. (...)
Alexandra Strick, a co-founder of Inclusive Minds, said they “aim to ensure authentic representation, by working closely with the book world and with those who have lived experience of any facet of diversity”. (...)
(no The Guardian)