Será desta o fim do fogacho?
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Quem anda razoavelmente informado sabe que o CEO da Web Summit, Paddy Cosgrave, apresentou a demissão. Esta renúncia ao cargo ocorreu na sequência das suas declarações sobre o ataque terrorista no passado dia 7 de Outubro em Israel. O que disse terá sido, no mínimo, condescendente para com todo o terror que ali foi perpetrado e levou as tecnológicas israelitas, a Alphabet (dona da Google), a Meta (dona do Facebook, do Instagram e WhatsApp) e a Amazon, entre outras, a anunciar que não participarão na próxima edição desta cimeira tecnológica.
Sobre este assunto gostaria de aqui deixar apenas duas notas.
A primeira respeita ao cancelamento. A cancel culture tem progredido com mais notoriedade na academia norte-americana e também na indústria do entretenimento. Na sua esmagadora maioria, as causas do cancelamento são causas ditas progressistas que procuram uma rotura contra valores tradicionais, associados aos redutos de alguma direita mais conservadora. Os mais histriónicos canceladores, os torquemadas dos nossos tempos, militam nas franjas mais assanhadas do partido democrata norte-americano, assim como nas coloridas extremas-esquerdas europeias.
Desta vez foi ao contrário. O que o senhor Cosgrove disse imagino que não seria suficiente para sacar uns aplausos a nenhum dos parentes pobres da geringonça que nos governou, até porque lhes cairiam as mãos se tentassem aplaudir alguém que representasse o que ele até há dias atrás representava, mas ainda assim deu no que deu. Eu defendo que as pessoas possam dizer coisas livremente, mas é normal que quando um sujeito assume determinadas funções consiga separar a sua derme da camisola que é pago para vestir. Ele só terá descoberto isso com este episódio, mas, e é aqui que que entro no segundo ponto, falta avaliar o custo dessa aprendizagem.
Para as ilustres figuras da nação, este evento era muito importante, assim-assim pelos eventuais negócios que por cá passassem, mas muito mais por ser um excelente disfarce de modernidade tecnológica. Para eles, as consequências das afirmações do CEO agora demissionário equivalem a um sério abalo na sua narrativa. Sem a nata das empresas do sector, para poderem continuar a jogar ao entrudo disfarçados de governantes que procuram atrair investimento terão de fingir muito melhor, até porque se esse fosse o seu fito, há muito que teríamos abandonado o pódio da mais alta tributação às empresas em toda a OCDE.
Fico curioso, mas não ansioso, por saber quais os custos contratuais em que o senhor Cosgrove incorreu ao proferir declarações que literalmente mandaram a barraca abaixo. Que condições e contrapartidas lhe foram exigidas no contrato que celebrou com o Estado português? Poderá a coqueluche da modernidade tecnológica chique ser responsabilizada por danos causados pelas suas declarações?
O Irish Independent afirmou que os trabalhadores da Web Summit já foram informados que, actualmente, os seus empregos não estão ameaçados. Este é o tipo de notícias que serve para lançar assuntos e ideias subliminares. O abalo foi suficiente para que a continuidade dos seus empregos, do projecto, já seja assunto de jornal. Se isto não fosse suficiente para os deixar preocupados, o governo português já veio garantir que há condições para que a Web Summit possa decorrer com “normalidade”. Quem lhe conhece o currículo, já sabe o que valem as garantias dadas por António Costa.
Sabendo que dinheiro nosso rola neste jogo e conhecendo a profunda competência de quem, neste negócio, representou os chamados “interesses nacionais” não posso dizer que temo o pior, porque já me vou habituando.
Adenda às 18:00
Precipitei-me. Há quem tenha salvaguardado o interesse e os recursos público. Bem haja por isso.