O escândalo Volkswagen constitui um exemplo típico da forma como as empresas podem usar os desenvolvimentos tecnológicos para a fraude e como tantos discursos sobre a corporate responsability afinal podem conduzir a isto.
O software na indústria automóvel tem contribuído para tornar os automóveis mais seguros. Um dos exemplos é o ABS que permite perceber quando o carro está em derrapagem com uma roda a deslizar sem rodar, compensando a situação travando e libertando as rodas. A empresa lembrou-se de usar o mesmo princípio para detectar se o carro estava a ser usado não em estrada, mas num banco de ensaios, recolhendo como indícios só estarem a rodar as rodas da frente (as únicas com tracção) ou o volante estar fixo, ou o carro estar numa altura maior ou sem alterações na pressão atmosférica exterior. Nesses casos, o motor reduzia a emissão de gases poluentes, permitindo bons resultados nos testes.
Como aqui se explica, o assunto só foi descoberto porque na América surgiu uma associação privada, o International Council on Clean Transportation, que decidiu fazer testes às emissões dos carros na estrada, descobrindo que o VW Passat tinha emissões 5 a 20 vezes superiores aos resultados anunciados. Contactada a Volkswagen, esta respondeu que tinha sido um erro de medição nos testes feitos pelo ICCT. Este não ficou, porém, satisfeito, denunciando o assunto publicamente, desencadeando a intervenção da United States Environmental Protection Agency (EPA). Esta pressionou várias vezes a Volkswagen para explicar o que se estava a passar, mas esta limitava-se a dizer que se tratava de meras falhas técnicas. Até que a EPA informou a Volkswagen de que, se o assunto não fosse esclarecido, proibiria a comercialização dos carros nos Estados Unidos. Só com essa ameaça a Volkswagen confessou a criação do software. A EPA deu então uma resposta lapidar: o assunto deixa de ser da nossa competência e passa para a esfera do Departamento de Justiça. Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos estão a ser preparadas inúmeras class actions contra a Volkswagen, com um exército de advogados americanos a querer representar os compradores de carros enganados.
A Volkswagen corre o risco assim de enfrentar inúmeros processos a nível mundial, que no limite podem pôr em causa a sua própria sobrevivência. É extraordinário que uma fábrica que sobreviveu à destruição total após a II Guerra Mundial e chegou a ser um ícone da cultura pop com modelos como o Carocha e o Pão de Forma, tenha agora a sua sobrevivência ameaçada por um escândalo desta proporção. E que sucedeu ao seu CEO Martin Winterkor, responsável por este escândalo? Foi para casa com uma indemnização de 28 milhões de dólares. Há algo de muito errado em tudo isto.