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Delito de Opinião

Arrasar

João Pedro Pimenta, 30.12.19

 

Ouvi há pouco que a boys band D´Arrasar vai voltar a actuar numa festa revivalista dos anos noventa. O momento não podia ser mais oportuno. Sempre que abro o computador e me aparecem notícias relevantes - do ponto de vista do emissor - o verbo arrasar sobressai logo, aplicado a várias situações: "A actriz x arrasou na passadeira vermelha; "a estrela y arrasou na festa"; "a namorada de tal arrasou no banquete". Exemplos concretos: "dona Dolores Aveiro arrasa na entrega de prémios…". E assim por diante. Só é estranho que esses locais não fiquem em ruínas, tal é o arraso que estas pessoas provocam. Depois, nas mesmas notícias, os críticos da moda "arrasam" as famosas e famosos, pela roupa, porque determinada cor não combinava com o padrão, por uma atitude ou gesto que passou despercebida ao comum dos mortais, etc. E finalmente vêm os "arrasos" opinativos, aqueles em que "o político fulano arrasou o seu adversário sicrano na assembleia municipal" ou "numa extensa entrevista", ou "o defensor do clube bege arrasa o representante do clube cor de burro quando foge no debate semanal futebolístico". Normalmente, quem o afirma é das cores do arrasador em questão.

Com tão grande míngua de vocabulário e tanto arrasamento, quem fica mesmo arrasada é a qualidade do texto, uma vez que a substância já não era grande coisa. E a paciência do incauto leitor também. Vejam lá se arrasam um pouco menos antes de deixar tudo em ruínas, ainda que não passem de virtuais.

Langue de bois

Pedro Correia, 03.06.14

pacto de agressão  troika estrangeira  grande capital  tecido produtivo  processo de empobrecimento  instrumentos de dominação  acto eleitoral  política de destruição  novo ciclo  valores de abril  fadiga fiscal  segundo resgate  política de direita  responsabilidade orçamental  assento parlamentar  programa cautelar  política patriótica e de esquerda  novo projectos  estado social  ganhos de produtividade  valor acrescentado  alternativa de esquerda  processo decisório  interesses dos trabalhadores  emergência financeira  novos desafios  parceiros sociais  almofada orçamental  crescimento sustentável  indispensável clarificação  fonte próxima  novo paradigma  zona de conforto  janela de oportunidade  murro na mesa

Um novo léxico

Helena Sacadura Cabral, 30.07.13

"Portugal é um país muito dado à semântica". Assim começa, hoje, a crónica de Tiago Freire no Jornal Económico. Com base nesta afirmação séria, decidi tecer algumas considerações sobre sinónimos especiais para uso público, de modo a ajudar aqueles que tenham de discursar no exercício de funções oficiais, mas não queiram ser vaiados.

Dando corpo ao exercício fiz uma pesquisa das palavras mais utilizadas na actual oratória, às quais entendi dar um cunho pessoal de modo a que, quem necessite, possa ir mais longe na utilização das mesmas

Assim, sugere-se que a mentira seja apenas uma inverdade, e a miséria uma questão de ajustamento económico. Continuando, teremos a salvação nacional como sinónimo de simples acordo entre partidos do arco da governação e os swaps uma encrenca financeira que utilizada em certos contextos é uma excelente opção e noutros uma péssima escolha. O problema aqui reside na definição do dito contexto, como deverão ter percebido. Já a expressão saber deve significar, sempre, o conhecimento atempado de tudo e não apenas de uma parte, excluindo portanto daquele conceito o estar informado. Finalmente austeridade será, pelos tempos mais próximos, sinónimo de rigor e seriedade. E, para não ser criticada,irrevogável será tudo o que, a seu tempo e por motivos alheios à vontade de cada um, se torne reversível.
Acredito que com este novo léxico ninguém ficará mal visto nas diversas ocasiões em que for chamado a pronunciar-se sobre o que quer que seja!

Vocabulário (até aos 34): T

Adolfo Mesquita Nunes, 14.05.12

Traição

 

Oh, as if you had no choice? There's a moment, there's always a moment, «I can do this, I can give into this, or I can resist it», and I don't know when your moment was, but I bet there was one”.

 

A traição não nos acontece. Nós é que a chamamos, primeiro ao de leve, como quem finge que não quer, depois quase aos berros, como quem finge que resiste. Ainda que dependa da oportunidade, a traição é sempre um exercício de vontade. É por isso que, nesse momento em que nos sabemos presos, apenas nos resta abraçar a liberdade do arrependimento. Só ele respeita a traição enquanto aquilo que ela é: uma opção.   

Vocabulário (até aos 34): M

Adolfo Mesquita Nunes, 12.05.12

Morte

 

A morte é para onde vão as almas. Tudo o resto pode ficar por cá: a voz, as palavras, a obra, até o cheiro. Mas é a alma, que não volta mais, que nos escapa sabemos lá até quando. Não sei, por isso, neste tempo, dedicar-me à evocação daquilo que o engenho permite reter. O inglório esforço de agarrar a alma ocupa-me a mente. Há tempo para o resto.