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Delito de Opinião

Dois textos

Pedro Correia, 08.04.24

Por vezes acontece-me isto. Vou lendo blogues assinalados na barra lateral do DELITO, uns puxam-me para outros e acabo por me demorar mais tempo do que o previsto. Bom sinal. E um desmentido vivo de que «a escrita blogosférica não interessa, é chata, maçadora, ninguém quer saber», como argumentam alguns viciados em certas redes onde o que mais importa é disparar primeiro e pensar depois.

Contra esta corrente, recomendo dois textos blogosféricos de recente data.

 

O primeiro, no Duas ou Três Coisas, intitula-se "Saudades do tio Filipe" - talvez paráfrase de "Saudades para Dona Genciana", um dos melhores contos desse extraordinário escritor que foi José Rodrigues Miguéis. É prosa de blogue, sim, mas também texto literário. Em estrito rigor, será crónica. Bastariam no entanto uns toques estilísticos para se situar no inequívoco patamar do conto. E dos bons.

Aliás muitos textos de Francisco Seixas da Costa são já contos, sem necessidade de aval académico. Assim li este, assim o recomendo. Com os seus laivos de romance oitocentista, centrado na família - o mais fascinante dos temas. 

 

O segundo vem no blogue Causa Nossa. Vital Moreira evoca um seu ilustre contemporâneo como estudante na Universidade de Coimbra: Francisco Lucas Pires (1944-1998). Navegavam já em campos políticos opostos nessa década que antecedeu o 25 de Abril: um seria deputado comunista e voltaria a São Bento integrado na bancada do PS, embora não como militante inscrito; o outro chegaria a presidente do CDS, partido de que se desligou anos antes de ingressar no PSD. Mas mantiveram laços do antigo companheirismo coimbrão.

O constitucionalista é pouco dado a notas de pendor confessional. Daí o redobrado interesse deste apontamento memorialístico, surgido a propósito da novíssima biografia de Lucas Pires, escrita por Nuno Gonçalo Poças. «Tive a sorte de o acompanhar não poucas vezes, depois do quartel, à casa que Teresa, sua mulher, tinha arrendado em Óbidos, em longos repastos e fértil discussão política», lembra Vital Moreira, sob o título "Um singular serviço militar".

 

Dois textos muito diferentes, mas ambos merecem leitura. Aproveitamos bem o tempo, aprendemos alguma coisa com os autores, abrimos horizontes temporais. E também por isto: escutamos vozes singulares, que não se dissolvem no anonimato nem gravitam na nebulosa amálgama do "colectivo". Enorme diferença em relação a tantos outros.

9 Anos de José Sócrates

jpt, 22.11.23

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Passam hoje exactamente nove anos sobre o dia em que "O Senhor Engenheiro José Sócrates" (Eduardo Lourenço dixit) foi detido, vítima de um ataque "justicialista" do Ministério Público - a crer-se na interpretação do seu correligionário Ferro Rodrigues, ex-presidente da Assembleia de República. Felizmente que a intentona do aparelho judicial não foi bem conseguida, pois todos estes anos decorridos ainda não houve julgamento.

De qualquer forma urge pôr o tal Ministério Público "na ordem", como defende o actual presidente da Assembleia da República, Santos Silva, homónimo do amigo do actual vice-presidente do Parlamento Europeu, um tal de Silva Pereira. O tipo que na lista de candidatos estava atrás (apesar de, pelos vistos, ser deputado mais importante) da mulher do Vital Moreira, esse antigo cabeça-de-lista de Sócrates. Esse que também quer pôr o Ministério Público bem ordenado...

Mas, e repito-me, temos de nos congratular. Pois, pelo menos, o "Senhor Engenheiro José Sócrates" ainda não foi julgado pelos "justicialistas".

Eles andam aí

Paulo Sousa, 20.11.23

Horror: há uma cruz na bandeira

Pedro Correia, 07.02.23

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Afonso Costa, reencarnado em Vital Moreira, mostra-se horrorizado com a cruz. Foge dela e grita: «Muito grave é a profunda "facada" na Constituição que consiste na edificação de um altar religioso, com cruz e tudo, por uma cole[c]tividade pública.»

É quanto basta, na perspectiva do antigo ministro da Justiça e Cultos(!), para configurar grave atentado à lei das leis desta nação valente, imortal. Uma blasfémia ao Estado laico. Daí, rasga com furor as vestes: «Tal como não não compete ao Estado ou outras coletividades públicas promover ou organizar cerimónias religiosas, muito menos participar nelas, também não lhes compete construir equipamentos de culto, seja com a cruz ou com o crescente.»

 

Nada surpreende esta posição de Afonso Costa, tratando-se do mesmo vulto que em 1911 profetizou que «em breve a religião católica entre nós se extinguiria» e bradava na Assembleia Nacional contra os «exploradores da Cruz» que se alimentavam da «superstição existente e da ignorância da massa popular».

Surpreende, sim, a tenacidade que continua a aparentar no seu perpétuo rancor contra a Igreja: mesmo reencarnado no preclaro doutor da Anadia, estamos perante alguém prestes a festejar 152 anos.

 

É tanto o furor que aguardo a qualquer momento uma proclamação igualmente vigorosa contra o escudo da bandeira nacional, onde se divisa a cruz.

Transcrevo a ladainha oficial: «As 5 quinas simbolizam os 5 reis mouros que D. Afonso Henriques venceu na batalha de Ourique. Os pontos dentro das quinas representam as 5 chagas de Cristo. Diz-se que, na batalha de Ourique, Jesus Cristo crucificado apareceu a D. Afonso Henriques e disse: "Com este sinal, vencerás!" Contando as chagas e duplicando as chagas da quina do meio, perfaz-se a soma de 30, representando os 30 dinheiros que Judas recebeu  por ter traído Cristo.»

Horror: um atentado ao Estado laico inscrito na própria bandeira da pátria! Há que derrubar estes vestígios da negredada e nefasta fé plasmados no supremo símbolo. Contra os canhões, marchar, marchar!

Simplex paraláxico

José Meireles Graça, 09.05.22

Vital Moreira conta uma história de abusozinho de um serviço público, semelhante a inúmeras outras que se passam todos os dias, e a historieta tem, para quem conheça razoavelmente o país em que vive, o selo da autenticidade.

Infelizmente, não percebeu bem o problema e caracteristicamente sugere uma solução que o não é. E como a personagem tem audiência nos círculos do Poder (ainda ontem no Princípio da Incerteza Alexandra Leitão reproduzia quase palavra por palavra a argumentação jurídico/burocrática, impecável no seu formalismo e estúpida na sua substância, deste prestigiado constitucionalista, para isentar a Câmara de Setúbal no escândalo da russofilia – um assunto de que não me vou ocupar aqui) o que escreve tem consequências.

O caso começa por a GNR reter abusivamente um documento. Abusivamente porque reter um documento por causa da falta de outro é um expediente do bully que a autoridade não deveria ser. Ou o procedimento está legalmente previsto e deve ser alterado; ou não está e o agente, ou quem o comanda, deve ser imbuído da convicção de não estarmos no Texas, através da competente sanção disciplinar. Vital, porém, este passo achou bem.

Continua com o cordato cidadão a produzir presencialmente o documento em falta mas nem assim lhe devolverem o outro, sob um pretexto capcioso. Não achou bem mas em vez de pedir para falar com o chefe do serviço e expor-lhe a situação (o homem reconhecê-lo-ia e isso seria provavelmente suficiente), que seria o expediente tuga na versão desenrascada, ou fazer um barulho dos demónios e cobrir a funcionária de sarcasmos, que seria o expediente da versão cidadão insolente, desestimada pelos costumes, foi fazer uma procuração – grande trabalheira.

A procuração dava-lhe plenos poderes mas não há maior poder do que o do funcionário atrás do seu balcão – uma realidade com a qual se esfrega quotidianamente o cidadão comum mas que jamais penetrou os espessos muros da Academia, pelo menos em Coimbra. O funcionário tem dentro de si, o mais das vezes, um pequeno ditador, não por ser diferente das outras pessoas mas por ser igual, sendo as excepções raras. De modo que Vital foi de requitó fazer um requerimento, regressou, lá resolveu o problema, e vem queixar-se e propor soluções.

Que soluções? Uma só, o Simplex, que infelizmente chegou a muitos lados mas não ao IMT de Coimbra, um esquecimento imperdoável. Noutros lugares e com outros documentos (o cartão de cidadão e o passaporte, refere expressamente Vital) é trigo limpo farinha Amparo: é tudo fácil e rápido. Chega a ser ternurenta esta fé, não se desse o caso de as redes sociais, que Moreira não frequenta, estarem inçadas de histórias de desesperos com os serviços, via internet: se aqueles não responderem, não esclarecerem, nem teimosamente deixarem de insistir numa nebulosa de procedimentos abusivos, atropelos e blackouts, o cidadão e o contribuinte não podem escaqueirar a tromba dos responsáveis como seria, senão desejável, ao menos compreensível, nem podem falar com o chefe, nem com o funcionário amigo de um amigo que dá um jeitinho, mas podem partir o telemóvel da penúltima geração, ou o computador da antepenúltima, com efeitos ademais benéficos na diminuição dos níveis de tensão arterial momentaneamente alterados.

O Simplex é, e sempre foi, um equívoco, porque não simplifica significativamente o funcionamento do Estado, nem altera o seu modelo de relacionamento com o cidadão, nem diminui custos para este: apenas desmaterializa por vezes papéis e poupa deslocações, que está por demonstrar valham mais do que a multiplicação de procedimentos e taxas, além de anonimizar uma relação que, por passar a ser impessoal, abre a porta a toda a casta de abusos insindicáveis. Não prevê sanções para atropelos e descasos, confiando em que o aparelho disciplinar que existe é amplamente suficiente. Mas não é, nem nunca foi: que vai acontecer a esta funcionária, ou a quem nela superintende no caso de estar realmente a cumprir ordens? Nada.

O bom do Vital acha que colocando esta idiota atrás de um computador sucedem três coisas: produz mais e recebe dois kilobytes de sensatez e pelo menos um de eficiência.

Isto ele acha e também que com o PS o país não será ultrapassado pela Roménia. Confere.

O outro não

José Meireles Graça, 12.03.22

No seu estilo redundante e prolixo, que detesto, António Barreto diz o que há a dizer sobre a guerra na Ucrânia. O estilo é adjectivo, a ideia é substantiva. E esta é a de que há um lado bom e um lado mau. Concordo, e respigo esta frase: “Sublinhar as responsabilidades europeias na agressão à Ucrânia é desonesto”.

Nem de propósito. Porque hoje este professor doutor de Coimbra meu Deus, num texto cómico, vem com o paleio habitual da censura do agressor, mas associada à absolvição por haver causas de exclusão da ilicitude (para usar o género de palavreado que o próprio, decerto, consideraria rigoroso).

O lado cómico: o homem preocupa-se muito em explicar por que razão as suas posições neste assunto são as de uma pessoa “assumidamente liberal e crítico recorrente da esquerda iliberal”.

Esta distinção é claramente desonesta: pode-se ser liberal nos costumes – e sê-lo é uma inerência da doutrina, na sua declinação europeia e actual (para os povos de cultura gringa a coisa complica-se por a palavra ter um significado diferente) – e estatista na governação, mas isto cabe na social-democracia ou no socialismo, não no liberalismo. Ser liberal de esquerda é um oxímoro: a esquerda preocupa-se com a igualdade e os liberais com a liberdade, que inclui a dimensão económica. De modo que, Vital, tenha paciência: de liberal não tem nada e de socialista tudo. E não venha com essa distinção especiosa de “esquerda iliberal”: esta é comunista, que Deus nosso Senhor, na sua infinita misericórdia, lhe perdoe. Finalmente, a existência de genuínos liberais que se dizem de esquerda também não lhe adianta: são tipos que têm a cabeça cheia de pregos conceptuais, para além de muitos acharem, talvez com razão, que na esquerda há abundância de gente gira à qual não convém desagradar.

Estas brincadeiras semânticas nada têm de inocente:  venha a nós o Estado, que por ele rezamos; e venha a nós a etiqueta do liberalismo, que parece que essa merda agora tem algum prestígio e convém confundir tudo.

Mesmo estando implicitamente grato a Vital, que me dá tão bons pretextos para abundar em considerações, não vou desta vez escabichar-lhe o texto – ele não diz verdadeiramente nada de novo, donde eu também não diria. Retenho apenas o seguinte argumento, por já o ter visto usado por toda a casta de gente que bem no fundo simpatiza, por múltiplas razões, com o autoritarismo putinesco:

“... o abandono pela Ucrânia do seu estatuto de neutralidade em 2014 e ao pedido de adesão à Nato - o que não podia deixar de ser visto pela Rússia como um grave risco para a sua segurança (como seria para Washington um pacto militar entre o México e a Rússia ou a China...)”

Parece, mas não é, lógico: a Ucrânia, como a própria invasão ilustra, tinha e tem todas as razões para temer o urso vizinho; o México não tem nenhuma razão para temer o Tio Sam, mesmo que no passado longínquo as coisas não tenham sido exactamente assim; os países bálticos, e outros que não estão suficientemente longe, têm todas as razões para se abrigarem na OTAN, que é uma organização defensiva; e a China sabe, como toda a gente, que o único obstáculo sério à absorção de Taiwan são os EUA, o que significaria, no caso absurdo de uma aliança entre a China e o México, que a única interpretação possível era a de um acto hostil do México aos EUA.

Digamo-lo claramente: quem quiser encontrar na prática pretérita e presente dos EUA provas de imperialismo encontra; e o país, as suas instituições, as suas personagens, as crenças do seu cidadão médio, os seus costumes, o seu bullyismo, são fonte permanente de irritação para quem, tal como eu, não seja um americanófilo. Mas os EUA defendem desde sempre os valores que definem o que vagamente crismamos de Ocidente. A Rússia não, e a China ainda menos. E se a Rússia algum dia vier a registar, como muitos dos seus cidadãos querem, alguma mudança dos seus padrões de vida pública, será na direcção do Estado de Direito como o entende o Ocidente – não o Ocidente que vai resvalar para formas autocráticas de governo.

De modo que António Barreto está do lado certo da história. O outro não.

Pilhagem

José Meireles Graça, 28.12.21

Há um ror de anos que me entretenho a, à medida que vou vendo as notícias do dia, comentar no Facebook para ilustração da minha bolha. Há gente que com despudor discorda sistematicamente de mim e outra, asizada, que pelo contrário nos textinhos quase sempre reconhece a razão que os permeia.

O algoritmo que a escumalha infecta que governa aquela rede desenhou tende a não ir na minha bola. Tanto que há uns meses o meu “mural” e o acervo de fotografias e palavreado de mais de seis anos sumiu e fui obrigado a criar um “perfil” novo. Os americanos e as suas invencionices são como as mulheres: não se pode passar sem elas mas, às vezes, fica difícil aturá-las.

O estúpido deve julgar que sou trumpista, negacionista e fascista, coisas que, se fosse, assumiria desassombradamente; e guarda a sua benevolência para bidénicos, covidiotas, progressistas (a maneira edulcorada de dizer comunas) e, sobretudo, marias-vão-com-as-outras. O método para evitar chocar com ele é, tal como se fazia com os coronéis da censura da Velha Senhora, dizer as coisas com circunlóquios que eles não percebiam. Mas às vezes esqueço-me. E hoje, a falar de um texto (Estado social (10)) de um professor doutor de Coimbra meu Deus, que sigo há anos para o efeito de lhe cascar no asneirol, a benemérita rede classificou o meu post, singelo e curto como se quer, de “conteúdos sensíveis”. Conteúdo sensível, é? Então não se pode perder. E antes que o apaguem fica aqui:

O esquerdismo é uma praga que corrói os fundamentos de uma sociedade sã, e pior se se apresentar embrulhado em argumentos de aparente bom senso. O imposto sobre as sucessões (que este empáfio diz que foi extinto mas não foi) consiste nisto: a riqueza que sobra depois de pagos todos os impostos no percurso que a ela levou não pode ser deixada aos herdeiros sem que a comunidade, qual abutre, vá lá comer a sua parte, cuja quantidade é arbitrária. Este gatuno (EH um gatuno, roubar para dar aos outros não é menos roubo por isso) chega a achar natural que, para pagar o imposto, se tenha de vender uma parte do herdado. A mais deletéria praga económica dos nossos dias é o marxismo reciclado em fiscalidade predatória e igualitarista.

Cozinha europeia

José Meireles Graça, 07.05.20

Vital julga que isto é um problema de interpretações jurídicas da especialidade dele e, como bom constitucionalista que é, argumenta consistentemente a favor do aborto jurídico e lógico da UE, do Euro, do BCE e dos anónimos no Tribunal de Justiça da União.

Há mais de três décadas argumentava com igual consistência, abonado pela autoridade da sua cátedra (era um famoso professor doutor de Coimbra meu Deus), contra a saudosa CEE, antes de numa estrada de Damasco da vida ter sido atingido por uma chuva de estrelas que vieram alterar o tipo de cegueira de que sofria, substituindo, na qualidade de corpos celestes inspiradores, o lugar anteriormente ocupado pelo sol de Moscovo.

Em geral, questões de interpretação constitucional caseira, quando envolvam o Governo, costumam resolver-se do seguinte modo: os constitucionalistas que naveguem nas águas partidárias da Situação explicam, com paciência, profundidade, rigor e grande sofisticação técnica, por que razão esta tem razão; e os que naveguem nas águas partidárias da Oposição explicam, com grande sofisticação técnica, rigor, profundidade e paciência, por que não tem. O Tribunal Constitucional, como a Constituição na parte dos direitos económicos é de esquerda, costuma estar com a Situação quando se dê o caso de esta ser da mesma farinha daquele fundamental diploma e não estar caso seja vinho de outra pipa, com desculpa das metáforas.

Felizmente, desta vez antecipa-se uma esmagadora unanimidade porque a questão tem a ver com as nossas vidinhas, incluindo a de todos estes preclaros, e consiste neste facto irrefragável: a Alemanha banca ou não banca?

E juristas, economistas, políticos, técnicos de parqueamento automóvel, funcionários e trabalhadores unir-se-ão num grande clamor, ao mesmo tempo europeísta e nacionalista, que se lixe a contradição, clamando contra o egoísmo dos boches, se eles insistirem na loucura. Não faltarão procissões, levando num andor o ministro Nunes, que já ameaçou os banqueiros alemães e por isso não se lhe dá de ameaçar os juízes pindéricos de Karlsruhe, e o nosso Primeiro, que já pôs na ordem um ministro holandês e não hesitará, exsudando indignação e gordura, em dar à Europa uma lição sobre solidariedade e outras coisas superiores que lhe povoam a inspirada cabeça.

O Tribunal Constitucional alemão torce-se todo; o de Justiça da União põe-se em bicos de pés. Mas a questão não é de Direito Constitucional, nem Internacional, nem sequer do que realmente acha a chanceler ou a classe política dirigente alemã.

A questão é de opinião pública: O Euro é um absurdo disfuncional à sombra do qual os nossos políticos querem continuar a comprar votos mantendo uma classe média à sombra do Estado, para o que precisam de chumbo europeu dado; e aos Alemães, que o mandam para cá, convém uma moeda que é, para a economia deles, fraca, e que portanto lhes alavanca as exportações, e desconvém-lhes abanar um edifício, e um mercado, que representa ligeiramente mais de metade do total das suas exportações (à volta de 37% se só contarmos os países do Euro).

A classe política europeia, toda ela, defende a construção que é da sua autoria, à sombra da qual medrou, e que a recompensa generosamente. E fará o que for preciso para contentar toda a gente, incluindo os juízes alemães, nem que fosse preciso o Bundestag fazer na primeira maré umas emendas à Constituição, ou o Parlamento Europeu aos tratados.

E os teutões comuns? Na cabeça deles, os povos do Sul são uma boa récua de calões, mas não ignoram que o dinheiro (um pouco mais de 17 mil milhões de Euros em 2018) com que alimentam burocracias e parasitagens sortidas no espaço da União não chega a 2% do que exportam, e isto sem contar com o que regressa – pode-se lá fazer um investimento sem máquinas alemãs, incluindo Mercedes, Audis ou BMWs, para não falar das frotas de carros oficiais que enxundiam os ministérios? Não pode.

É certo que o que o BCE anda a fazer há muito deixou de ser algo que mentes comuns possam compreender, e o alemão que às sextas-feiras se embebeda só a sonhar etilizado é que pode descortinar algum sentido em coisas como juros negativos, dívidas triliónicas que excedem a imaginação, rotativas a trabalhar que não despertam o monstro da inflação, e outras maravilhas que quem explica tem o cuidado de o fazer de modo que não se entenda. Um ou outro haverá de, num pesadelo, intuir que as maluqueiras talvez sobrem para ele, mas ao acordar atribuirá o mau passo à cerveja.

Portanto, é pouco provável que aconteça alguma coisa de sério – algum cozinhado se há de arranjar, mesmo que o bodo aos pobres fique, como fica sempre, muito aquém da propaganda.

E Vidal e os outros vidais, que são mais que as mães nos 27? Têm muito trabalho pela frente, em negociações acaloradas entre os resignados que vão pagar o pato e os mal-agradecidos que o querem devorar. Os ossos, que se conservam muito tempo sem decair, sabe-se para quem ficam.