Vital julga que isto é um problema de interpretações jurídicas da especialidade dele e, como bom constitucionalista que é, argumenta consistentemente a favor do aborto jurídico e lógico da UE, do Euro, do BCE e dos anónimos no Tribunal de Justiça da União.
Há mais de três décadas argumentava com igual consistência, abonado pela autoridade da sua cátedra (era um famoso professor doutor de Coimbra meu Deus), contra a saudosa CEE, antes de numa estrada de Damasco da vida ter sido atingido por uma chuva de estrelas que vieram alterar o tipo de cegueira de que sofria, substituindo, na qualidade de corpos celestes inspiradores, o lugar anteriormente ocupado pelo sol de Moscovo.
Em geral, questões de interpretação constitucional caseira, quando envolvam o Governo, costumam resolver-se do seguinte modo: os constitucionalistas que naveguem nas águas partidárias da Situação explicam, com paciência, profundidade, rigor e grande sofisticação técnica, por que razão esta tem razão; e os que naveguem nas águas partidárias da Oposição explicam, com grande sofisticação técnica, rigor, profundidade e paciência, por que não tem. O Tribunal Constitucional, como a Constituição na parte dos direitos económicos é de esquerda, costuma estar com a Situação quando se dê o caso de esta ser da mesma farinha daquele fundamental diploma e não estar caso seja vinho de outra pipa, com desculpa das metáforas.
Felizmente, desta vez antecipa-se uma esmagadora unanimidade porque a questão tem a ver com as nossas vidinhas, incluindo a de todos estes preclaros, e consiste neste facto irrefragável: a Alemanha banca ou não banca?
E juristas, economistas, políticos, técnicos de parqueamento automóvel, funcionários e trabalhadores unir-se-ão num grande clamor, ao mesmo tempo europeísta e nacionalista, que se lixe a contradição, clamando contra o egoísmo dos boches, se eles insistirem na loucura. Não faltarão procissões, levando num andor o ministro Nunes, que já ameaçou os banqueiros alemães e por isso não se lhe dá de ameaçar os juízes pindéricos de Karlsruhe, e o nosso Primeiro, que já pôs na ordem um ministro holandês e não hesitará, exsudando indignação e gordura, em dar à Europa uma lição sobre solidariedade e outras coisas superiores que lhe povoam a inspirada cabeça.
O Tribunal Constitucional alemão torce-se todo; o de Justiça da União põe-se em bicos de pés. Mas a questão não é de Direito Constitucional, nem Internacional, nem sequer do que realmente acha a chanceler ou a classe política dirigente alemã.
A questão é de opinião pública: O Euro é um absurdo disfuncional à sombra do qual os nossos políticos querem continuar a comprar votos mantendo uma classe média à sombra do Estado, para o que precisam de chumbo europeu dado; e aos Alemães, que o mandam para cá, convém uma moeda que é, para a economia deles, fraca, e que portanto lhes alavanca as exportações, e desconvém-lhes abanar um edifício, e um mercado, que representa ligeiramente mais de metade do total das suas exportações (à volta de 37% se só contarmos os países do Euro).
A classe política europeia, toda ela, defende a construção que é da sua autoria, à sombra da qual medrou, e que a recompensa generosamente. E fará o que for preciso para contentar toda a gente, incluindo os juízes alemães, nem que fosse preciso o Bundestag fazer na primeira maré umas emendas à Constituição, ou o Parlamento Europeu aos tratados.
E os teutões comuns? Na cabeça deles, os povos do Sul são uma boa récua de calões, mas não ignoram que o dinheiro (um pouco mais de 17 mil milhões de Euros em 2018) com que alimentam burocracias e parasitagens sortidas no espaço da União não chega a 2% do que exportam, e isto sem contar com o que regressa – pode-se lá fazer um investimento sem máquinas alemãs, incluindo Mercedes, Audis ou BMWs, para não falar das frotas de carros oficiais que enxundiam os ministérios? Não pode.
É certo que o que o BCE anda a fazer há muito deixou de ser algo que mentes comuns possam compreender, e o alemão que às sextas-feiras se embebeda só a sonhar etilizado é que pode descortinar algum sentido em coisas como juros negativos, dívidas triliónicas que excedem a imaginação, rotativas a trabalhar que não despertam o monstro da inflação, e outras maravilhas que quem explica tem o cuidado de o fazer de modo que não se entenda. Um ou outro haverá de, num pesadelo, intuir que as maluqueiras talvez sobrem para ele, mas ao acordar atribuirá o mau passo à cerveja.
Portanto, é pouco provável que aconteça alguma coisa de sério – algum cozinhado se há de arranjar, mesmo que o bodo aos pobres fique, como fica sempre, muito aquém da propaganda.
E Vidal e os outros vidais, que são mais que as mães nos 27? Têm muito trabalho pela frente, em negociações acaloradas entre os resignados que vão pagar o pato e os mal-agradecidos que o querem devorar. Os ossos, que se conservam muito tempo sem decair, sabe-se para quem ficam.