Como destruir o SNS devagarinho
“No fim do ano, a nova direção executiva do SNS anunciou uma reorganização das urgências pediátricas de Lisboa, tendo em conta a notória e evidente falta de médicos para manter todas abertas. Para isso, constituiu um grupo de trabalho, incumbido de reunir com todos os envolvidos e chegar ao melhor modelo.
Pode dizer-se que o grupo não demorou a esboçar um plano. No final de fevereiro, um sindicato deu conta de que a urgência de Loures iria encerrar já em março durante a noite e aos fins de semana devido à falta de pediatras. O ministro correu a desmentir.
Mas bastou um dia mais para o mesmo ministro confirmar: “É verdade que, no caso do Hospital de Loures, o encerramento de uma parte dos serviços vai ocorrer mais cedo, apenas porque não há disponibilidade de profissionais”. Mas entretanto o autarca de Loures, socialista, protestou, reuniu-se com o ministro e este voltou atrás. E o plano que era para ser anunciado na semana seguinte foi adiado mais uns dias.
Recorde-se que foi por essa altura que o Expresso noticiou que o plano passava pelo encerramento de oito urgências pediátricas na grande Lisboa. Ao final dessa manhã, a direção executiva negava que fossem oito, garantindo que “a maioria” ficaria aberta. E na semana passada voltou a reunir-se com todos os responsáveis para negociar. Na semana passada o grupo de trabalho já propunha que só cinco encerrassem. Ontem, segunda-feira, chegou finalmente a decisão: fecharão apenas três serviços à noite - e a de Loures é uma das que fecha. Mas o plano afinal é temporário, tão temporário como o das urgências obstetrícias. E no Verão, avisou o novo organismo do SNS, fecharão mais. Provando que é impossível fechar serviços públicos sem contestação, o autarca de Loures já veio pedir a anulação da medida, um especialista fala de um “remendo confuso”, ao passo que o bastonário dos Médicos, depois de ter contestado o fecho de oito, já veio dizer isto: “Os autarcas ficam contentes, mas há meios para cumprir?”
Queria muito dizer-lhe que acabou aqui. Mas enquanto eu lhe escrevia, o ministro da Saúde já prometeu trabalhar para manter aberta a urgência pediátrica de Loures.”
(…)
Deixo-lhe um breve resumo das notícias que fui anotando aqui nas últimas semanas:
- O SNS pagou mais 19 milhões de euros em horas extrasaos médicos em 2022;
- O Governo cortou, e depois voltou a repor, o valor das mesmas horas extra nas maiorias urgências;
- Um em cada quatro médicos tem mais de 65 anos e 5000 vão aposentar-se até 2030;
- As contratações na Saúde fizeram subir o número de trabalhadoresnas empresas públicas, mas as contratações mal chegam para compensar a redução do horário de trabalho;
- A integração no SNS dos hospitais outrora geridos por privados comprova-se um erro grave de política pública - como anotou no NegóciosBruno Faria Lopes;
- Continuam as demissõesdas chefias hospitalares;
- O SNS24 gastou em 2022 mais de metade da verba prevista para quatro anos.”
Excerto de uma newsletter do Expresso assinada por David Dinis. O título é meu.