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Delito de Opinião

Sétimo céu

Sérgio de Almeida Correia, 25.05.23

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Com o regresso à normalidade pós-pandémica, e com provas sucessivas de vinhos de várias partes do mundo preenchendo os fins de tarde de muitos, decorreu no passado dia 29 de Abril o Jantar Anual da Confraria dos Enófilos de Macau, o qual foi precedido da entronização dos novos confrades e da habitual prova cega de um painel previamente seleccionado de vinhos nacionais.

Ao contrário do que tem sido norma nos últimos anos, desta vez, devido à realização de obras de manutenção, não foi possível realizar o encontro nas sempre acolhedoras e vetustas instalações da Residência Consular, antigo Hotel Bela Vista, lugar onde fomos felizes e de onde é possível continuar a ter, desconheço por quanto tempo, as mais belas e desafogadas vistas de Macau, com igual encanto e nostalgia a qualquer hora do dia.

O evento foi assim transferido do seu local habitual para uma sala do St. Regis Hotel, onde tudo decorreu com a organização e a boa disposição habituais.

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Não estivemos no Bela Vista, mas o novo Cônsul-Geral de Portugal para Macau e Hong Kong, Alexandre Leitão, deu-nos o gosto da sua presença e simpatia, sendo ele próprio, também, um dos entronizados, assim prestando o seu juramento e comprometendo-se a divulgar os valores da cultura da vinha e do vinho, em Macau e no resto do mundo, consumindo “com constância e com moderação” para que tenhamos “sucesso em tão nobre tarefa”. Curiosamente, esta entronização contou com a participação de um cidadão húngaro, Péter Bunevácz, meu parceiro de prova, cuja família produz o premiado Cassiopeia Merlot 2015. Igualmente presentes os nosso amigos da Hong Kong Wine Society.

Mas indo ao que verdadeiramente interessa, importa referir que dos néctares seleccionados para a recepção e jantar tivemos, respectivamente, quanto à primeira a companhia do Soalheiro Alvarinho Sparkling (N/V), Soalheiro Allô Alvarinho/Loureiro (2021) e Quinta de São José, tinto (2018), e para o segundo Papa Figos Branco (2021), Quinta dos Carvalhais “Parcela 45” Tinto (2017) e Casa Ferreirinha Castas Escondidas Tinto (2018). Para os queijos e sobremesas fomos brindados com Ferreira Vintage Port (1980), Offley Vintage Port (1994 e 1999), Warre’S Vintage Port (2003), Quinta da Devesa Colheita (1976) e H.M. Borges Malvasia (30 years).

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Quanto à prova cega, esta revelou-se excepcional pelo equilíbrio e elevadíssima qualidade do lote de vinhos escolhidos, os quais tivemos também o prazer de continuar a apreciar ao longo do repasto; para que nada se perdesse.

No final, a escolha dos confrades ditou como vinho de eleição o incontornável Esporão Private Selection (2016), ficando em segundo lugar o Sete Linhas (Terras D’Alter, 2015) e em terceiro o Palácio dos Távoras Vinhas Velhas (casta Alicante Bouschet), de 2019.

Quanto aos demais, dignos de figurar em qualquer garrafeira que se preze, a ordenação foi Quinta da Leda (Ferreirinha, 2018), Herdade do Rocim Grande Reserva (2015), Quinta da Boavista (2017), Quinta do Vale Meão (2016), Chryseia (2006), Quinta do Cume Grande Reserva (2018), Quinta do Mouro Vinha do Malhó (2015) e Alves de Sousa Reserva Pessoal (2011), cabendo o fecho deste pelotão de estrelas ao Quinta de Pancas (Lisboa, 2008).

Todos se revelaram à altura do acontecimento, tornando muito mais difíceis as escolhas.

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Ainda assim, sublinharia o vinho menos conhecido que nos foi apresentado pelo Chef Pedro Almeida, distinto confrade. Refiro-me ao Palácio dos Távoras, vinho de Trás-os-Montes que constituiu, pelo menos para mim, novidade absoluta e foi a minha primeira escolha, mostrando ser um vinho inebriante, poderoso, com uma esplêndida cor granada, profunda, complexo na boca, ressaltando os aromas ricos e intensos a madeira, baunilha, canela, mirtilos, frutos vermelhos em geral, com os taninos muito equilibrados e um final intenso, longo, duradouro.

Agora é arranjar algumas garrafas, ir bebericando sempre que possível e promovê-los, porque se há área, em Portugal, em que se tenha dado nos últimos anos um salto de gigante foi na produção vinícola de qualidade. Temos vinhos que merecem ser cada vez mais conhecidos, valorizados e promovidos.

Pela minha parte, não me cansarei de tentar fazê-lo onde quer que esteja, cumprindo o modesto papel em que fui investido de embaixador de uma das nossas maiores riquezas, só não dizendo que é a maior para não dizerem que sou tendencioso.

Brindemos, pois, com o bom vinho português: À vossa saúde, e à do meu amigo FMS que celebra hoje o seu aniversário!

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Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 14.08.22

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No dia 14 de Agosto celebra-se O Dia Internacional do Vinho Rosé

"Falar de rosé falar de França. A produção mundial de vinho rosé ronda os dez por cento, mais de 22 milhões de hectolitros. Deste total, a França corresponde a 28%, seguida da Itália (20%), Estados Unidos (com 15%) e Espanha (10%). 

Em épocas remotas a técnica de vinificação era rudimentar. Com macerações relativamente curtas, os vinhos eram consumidos ainda jovens. E era muito comum fermentarem juntas, uvas brancas e tintas. Não havia o conceito de envelhecimento do vinho, sobretudo antes da existência da garrafa e da rolha. 

Em vários quadros da Idade Média surge o vinho com uma cor que nos lembra os rosés. Também chamado clarete.

Só em 1642 no vinhedo de Argenteuil, perto de Paris, aparece pela primeira vez a palavra “rosé” aplicada a vinhos. 

À mesa, os rosés são muito versáteis combinando com pratos de difícil harmonização. É o vinho ideal para acompanhar alimentos muito variados, sobretudo nos meses mais quentes."

Na primeira vez que bebi vinho rosé, fiquei encantada. Fui sair com uma amiga e decidimo-nos por um estupendo arroz de marisco com todos. Para beber, decidimos experimentar o vinho cor-de-rosa da garrafinha abaulada, que tinha no rótulo o palácio de Mateus. Bem fresquinho. Uma delícia, naquela tarde quente e pachorrenta de Agosto. A primeira garrafa foi num ápice. A segunda também não durou muito. A terceira, não me recordo se a chegámos a terminar. Aliás, pouco me recordo do resto da tarde, mas deve ter corrido na perfeição. Prefiro um bom tinto, mas na Holanda, por exemplo, é muito mais fácil encontrar rosé português do que maduro tinto, e numa Páscoa distante acompanhámos o cabrito com Lancers e um verde branco que tinha rolha de plástico. O cabrito estava uma delícia. 

(Imagem Google)

Confreiras e confrades

Sérgio de Almeida Correia, 29.01.21

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Cumprindo uma tradição que já leva décadas, a Confraria dos Enófilos de Macau realizou o seu jantar anual nas vetustas e sempre acolhedoras instalações da Residência Consular, que foram as do Hotel Bela Vista, ali paredes-meias com a Fortaleza do Bom Parto, outrora debruçada sobre a que foi a belíssima Baía da Praia Grande.

Este ano, devido à pandemia, sem a participação da Hong Kong Wine Society, foi num acolhedor fim de tarde que o Grão-Mestre dirigiu a cerimónia de entronização dos novos confrades que juraram “divulgar os valores da cultura da vinha e do vinho, em Macau e no resto do mundo”, consumindo-o “com constância e moderação” para alcançarem sucesso “em tão nobre tarefa”.

Como habitualmente, a refeição foi acompanhada por vinhos portugueses – Espumante Soalheiro Alvarinho, Minho, 2018, Vinha do Monte Branco, Alentejo, 2017 e Quinta de S. José Tinto, Douro, 2017, para a recepção; Casal de Santa Maria, Mar de Rosas,  Colares, 2019, Pera Manca Branco, Alentejo, 2017, e Papa Figos Tinto, Douro, 2017, para o jantar; e Sandeman Port Old Tawny 10 anos, Graham’s Port Old Tawny 20 anos, Warre’s Vintage Port 2016, Pintas Vintage Port 2011, Warre’s Vintage Port 2000 e Moscatel de Setúbal 1996, para o final – sendo precedida por uma prova cega, na qual participaram cerca de quatro dezenas de enófilos.

A prova foi dedicada em exclusivo a tintos produzidos no Douro, tendo sido seleccionado um lote de oito preciosidades.

Para quem se interessa por estas mundanidades deixo aqui o resultado a que se chegou:

  1. Xisto, 2015;
  2. Quinta da Romaneira, Touriga Franca, Vinhas Velhas, 2017;
  3. Quinta das Murças, Reserva, 2015;
  4. Quinta da Gaivosa, 2015;
  5. CARM CM, 2013;
  6. Chryseia, 2015;
  7. Quinta do Monte Xisto, 2016;
  8. 100 Hectares, Vinha Velha Gold Edition, 2015.

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Em dia de São Martinho

Paulo Sousa, 11.11.20

Hoje queria escrever sobre tanta coisa.

É dia de São Martinho e diz o proverbio que se vai à adega e prova-se o vinho.

O vinho que bebi hoje foi de uma vinha plantada pelo meu pai, que nos deixou, fez dois anos em Maio. Essa vinha é hoje cultivada por alguém com que eu poderia ter alimentado um conflito, mas que afinal consegui transformar todos os motivos, que no fundo nada valiam, num acordo. A vinha em causa está voltada para sul, é pequena, é estimada e foi nela que o actual cuidador ensinou os seus filhos a podar. Fui presenteado com um dos primeiros garrafões PET de 5 litros da época, que me chegou à mão dentro de um saco de plástico preto. Já aqui vos falei da importância que as castas teimosas têm, e esta é uma casta teimosa premium.

Recebi também uma excelente notícia. Soube que uma amiga ultrapassou uma etapa efectiva e sólida na sua luta contra o cancro. Só isso seria sempre motivo de celebração, mas em tempos de pandemia, essa excelente notícia é também um solene levantar do dedo do meio às doenças da moda, ao Covid e ao cancro em particular. Vai buscar, tinhoso.

Num ápice li este texto do Carlos M. Fernandes. Mesmo sem ter conseguido enxergar as suas interpretações na leitura recente da Peste de Albert Camus, achei que deviamos inventar uma manifestação simbólica e achincalhante para com os nossos governantes. Mas tinha de ser algo fácil e cómodo, pois se não o for, todos preferirão enfiar o cabresto dos mansos.

Após o pico da preia-mar acontece o chamado estofo da maré. Demora algum tempo e durante o qual o ciclo seguinte é quase imperceptível. Até mesmo ao início da vazante, tudo está aparentemente na mesma. E num repente tudo muda. O pico anterior é apenas passado e depois disso o momento, e o momentum, tornam-se vorazes e totalmente inversos ao passado. Acho que o estofo deste governo, e da geração de Sócrates (passo a redundância) está a terminar.

Crónicas sobre esta estreita faixa de terreno (3)

Paulo Sousa, 18.10.19

As vindimas acabaram há poucos dias. Os cestos já foram lavados e o vinho já está na curtimenta. Basta agora esperar pelo dia de São Martinho para as provas oficiais.

A quantidade foi mediana e as medições do álcool estimado foram generosas, ultrapassando em diversos lotes, nomeadamente de Touriga Nacional, os 14 graus. Estes valores fazem repetir a frase que descreve as uvas de bom grau e que só se ouve em alguns anos: Até se colam aos dedos!

Além da solenidade que é colher o resultado de mais um ciclo das plantas, a vindima tem também uma importância cultural, social e familiar.

Nos tempos em que beber vinho era dar o pão a mais de um milhão de portugueses, a vindima era um acontecimento vivido com muita intensidade no mundo rural.

Havia trabalho para todos até para as crianças. Cortar os cachos para dentro de um balde era tarefa para as mulheres e para os mais novos. Os adolescentes e jovens adultos recolhiam o conteúdo de vários baldes para os poceiros que acartavam ao ombro para as tinas de madeira colocadas em cima dos carros de bois. Os poceiros eram feitos em madeira e com aduelas metálicas, o que fazia deles tão pesados como o conteúdo, especialmente quando ficavam molhados. A aduela do fundo deixava profundas marcas nos ombros mal protegidos por um saco de serapilheira colocado a tiracolo.

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O meu avô materno era tanoeiro e isso duplicava a importância da vindima. Além da produção do vinho recebia as encomendas de pipos, tinas, celhas, poceiros e baldes. O trabalho começava vários meses antes da vindima.

Quando chovia no inicio de Outono os caminhos ficavam muito difíceis.  Segundo alguns relatos o clima no tempo do Estado Novo era incrivelmente pontual. As parelhas de bois lutavam com o peso das tinas em cima dos rodados de madeira, que rodavam num eixo do mesmo material. Para reduzir a fricção entre a roda e eixo usavam-se borras de azeite que eram transportadas dentro do corno oco de um bovino morto há muito. A lama espessa parecia não querer deixar que as uvas chegassem ao lagar e ninguém sabia se eram mais difíceis as subidas ou as descidas. Guiar uma parelha de bois era uma tarefa exigente. Uma lesão numa pata de um animal equivalia ao seu abate com o respectivo prejuízo patrimonial. Em compensação pelo esforço, os bichos recebiam um pequeno alento. Nestes dias exigentes eram alimentados com a melhor ração disponível e que consistia nos crutos de milho. As extremidades desta planta eram consideradas as mais nutritivas e por isso eram separadas, secas nas eiras e guardadas para a vindima. Quando a repetida passagem das rodas afundava os buracos ao ponto de poder assentar o eixo do carro ou partir um rodado, enchiam-se as covas com molhos de vides, que mais não eram que sobras das podas.

Chegar ao lagar era um alívio para os bois, mas não para os agricultores. Estava na hora despejar as tinas à forquilhada para as rampas que desciam até ao lagar. A nossa arquitetura rural era determinada por este processo. No piso térreo, ao lado da porta onde deve caber um carro de bois, existe sempre uma janela em frente ao lagar. Era construída na altura certa para permitir descarregar as uvas da grande tina de madeira, rampa abaixo, até ao esmagador que se encontra já dentro do lagar.

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Tina após tina o lagar vai enchendo até chegar o momento em que as uvas, já esmagadas, vão ser pisadas.

Tenho uma memória muito antiga de participar neste processo com o meu avô paterno e outros senhores já velhotes como ele. Lembro-me da solenidade com que as coisas eram feitas. Nos dias anteriores tudo era cuidadosamente lavado. As ferramentas, as tinas, o lagar, os depósitos e os restantes recipientes. Tudo tinha de estar imaculado para o grande dia.

Já com o lagar cheio de uvas esmagadas, arregaçavam as calças, lavavam os pés e benziam-se. Um ano de trabalho e esforço seria agora materializado, o que não era coisa pouca. Se alguma coisa corresse mal tudo poderia ser perdido e isso justificava fazer o sinal da cruz. Se durante a Eucaristia, na consagração, o sacerdote levanta o cálice com vinho e apresenta a oferenda dizendo “Fruto da terra e do trabalho do homem”, e se depois disso o transforma no sangue de Cristo, então Cristo pode ser invocado quando o vinho está a ser feito. Se fazer vinho não é uma coisa solene, então o que é que é solene?

Lembro-me também do doce cheiro das uvas esmagadas que invadia todos os recantos da adega e da cor tinta que corava as pernas dos agricultores, pálidas de nunca verem o sol. Lembro-me também de provar o doce sumo de uva ainda não fermentado e por isso ainda não alcoólico. Algum era logo retirado na bica do lagar para mais tarde se misturar com aguardente vínica e fazer vinho abafado, a panaceia das constipações.

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Quando o vinho era abundante tinha pouco valor comercial. A oferta e procura assim o determinava, e nem a socialista Constituição de 76 se atreveu a revogar essa lei.

Muito vinho barato equivalia a mais consumo e mais consumo equivalia a mais bebedeiras. Todas as terras tinham meia dúzia de bêbados crónicos e mais uns quantos mal disfarçados. O alcoolismo nestes meios sempre andou de mão dada com a pobreza e com a miséria. Tal como o ovo e a galinha não se sabe qual deles iniciou o ciclo.

O ónus social existia mas desde que o bêbado não fosse mal educado nunca seria proscrito. Eram dignos de dó, lamentava-se a falta de sorte dos desvalidos filhos que por caridade eram alimentados pelos vizinhos e às vezes vestidos com os raros restos das outras crianças.

Nesses anos de especial abundância, os consumidores mais compulsivos desculpavam-se com o pecado que seria desperdiçar a dádiva divina que é o vinho. E quem é que se atrevia a argumentar contra tal elaboração teológica?

Algumas destas figuras, assim como as suas frases características, são ainda hoje recordadas. É curioso como tem uma presença muito mais efectiva na memória colectiva do que a dos homens sóbrios, que são apenas lembrados pelos seus familiares directos. Será que isso acontece porque os bêbados quando etilizados exerciam a liberdade de mostrar na rua o que lhes ia na alma? Será que os outros, os que bebiam com moderação, quando morreram, a memória pública do que eram diluíu-se com a de todos os outros que bebiam responsavelmente?

Apesar de a tradição vitivinícola remontar por aqui aos tempos romanos a região nunca teve identidade que lhe permitisse ser uma região demarcada. Nos primeiros anos da PAC, após a adesão à CEE, esta estreita faixa de terreno entre a costa e a Serra dos Candeeiros foi destinada à fruticultura. A Maçã de Alcobaça é a marca de referência e reúne a produção de pequenos e médios produtores dos concelhos a sul de Alcobaça até aqui ao de Porto de Mós. Em resultado desta especialização na maçã e na pêra rocha, a vinha perdeu importância comercial. Apesar disso, as pequenas vinhas continuam a existir. Alguma produção é ainda entregue às adegas cooperativas da Batalha e de Alcobaça. O valor comercial deste vinho, classificado como corrente, é reduzido e insuficiente para remunerar condignamente o esforço e empenho necessário à sua produção. As cooperativas apelam à substituição de castas como forma de valorizar o produto final mas o investimento não é aliciante até pela elevada idade dos produtores.

Além desta trajectória descendente junta-se o cerco fiscal. A Autoridade Tributária exige que cada sócio da cooperativa declare esta actividade junto da Repartição de Finanças.

Num universo maioritariamente constituído por reformados com pensões de baixo valor, o receio de ter de começar a pagar IRS leva a que se abandone este magro complemento de rendimento. As cooperativas terão dados rigorosos sobre os valores desta realidade mas baseado-me em algumas conversas posso avançar que estamos a falar de rendimentos máximos de 600€ por ano, entregues mais de um ano após a colheita. É em casos destes que percebemos quão forte um governo consegue ser perante os fracos. Noutros palcos encolhe-se respeitosamente.

Apesar disso existem algumas vinhas novas com castas de renome e algumas até importadas. A produção continua destinada a consumo próprio e pontualmente é vendido a conhecidos. Há dias comprei um garrafão de tinto daqueles que mesmo com o rótulo rasgado deu para reconhecer que era de água do supermercado. Cinco litros por 5,50€. Nunca poderia passar por vinho de enólogo mas sabe àquilo que é, a vinho corrente, razoavelmente honesto, feito com teimosia, com um forte aroma a homenagem aos tempos em que as uvas viajavam nos carros de bois e com ligeiras notas de desafio ao Ministro das Finanças. Uma combinação perfeita.

 

As quatro últimas fotos apresentadas foram tiradas por mim na vindima de 2008. Todos os intervenientes directos dessa vindima já faleceram.