Vinhetas (32)
A multa
Recebi um e-mail alegadamente da Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária que me informava, em impecável linguagem oficial, que deveria pagar uma multa de 199 Euros.
Tinha um link para aquela “Autoridade” e por isso fui ao site. Para entrar na secção de contraordenações era preciso utilizar o cartão de cidadão OU o número fiscal OU o número de cédula profissional. Este último talvez me conviesse dado que, ainda que sem vencimento, desempenho a actividade de emissão de opiniões sortidas, com horário alargado.
Porém, não tenho cartão dessa função. Por isso, optei pelo número fiscal. Pedem a respectiva palavra-passe, que indiquei prestes. E como o sistema não aceitasse porque a chave era “inválida” fui ao Portal das Finanças ver se a palavra funcionava, não fosse o caso de ter de a mudar periodicamente, cuidado que alguns “serviços” públicos têm, decerto com o propósito de aumentar a segurança e a chatice.
Estava certa e, portanto, deveria ser eu a estar errado.
Liguei hoje para o número de telefone da ANSR e a simpática funcionária esclareceu-me que o número fiscal não dava, o que dava era uma chave móvel (que não tenho nem sei ao certo o que seja) ou o cartão de cidadão (acho que também mencionou outro, não me lembro qual fosse), para utilização do qual era necessário um leitor de cartões, que também não tenho.
Como estas chamadas são usualmente gravadas (e esta era, assim anunciada para começo de conversa) costumo, no caso de o interlocutor se exprimir em língua de pau, desatar em impropérios com a esperança desesperançada de alguém ouvir a gravação e corrigir o torto do serviço.
Mas almocei língua de boi (talvez de vaca, mas não me pareceu porque esta última costuma ser mais comprida), estava bem disposto e a senhora era simpática. De modo que narrei a história toda, e não apenas o tropeço para entrar no site, e fui imediatamente informado que avisos de multa não vêm por e-mail. E ainda considerou melancolicamente que os vigaristas estão cada vez mais sofisticados, pelo que nos despedimos nos melhores termos.
Quanto ao desenho do site não disse (eu) nada.
Digo agora: Quem é obrigado a frequentar serviços oficiais na internet ou conhece o caminho das pedras ou arrepela os cabelos, dominando o impulso para pontapear o computador.
Por mim, não hesitaria em semelhante reacção destemperada se tivesse a certeza de que, enquanto o aparelho se escaqueirava, os responsáveis pela concepção dos sites levavam um poderoso choque eléctrico.
Porque fazem estas porcarias? Não, ninguém adivinha toda a gama de dificuldades e situações que podem ter inúmeros cidadãos, e portanto deveria estar aberta a porta para, com reclamações, ir fazendo correcções. Boa informática é a que facilita a vida e não requer conhecimentos especiais, não a que agrada aos conceptores, os quais com frequência têm um número limitado de sinapses enquanto a quem tem a responsabilidade de aprovar estes estropícios falta um módico de senso e de respeito pelo contribuinte que lhe paga o ordenado.
Pensando melhor, reclamações não bastam. Para o tipo que achou que exigir, além do telemóvel ou do computador, um leitor de cartões, um choque eléctrico não bastaria. Talvez fazer uma estadia, de sambenito e orelhas de burro, numa praça lisboeta, exposto à irrisão pública e a tomates podres nas trombas tecnocráticas.

