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Delito de Opinião

Pensamento da semana

Pedro Correia, 24.09.23

 

Tudo chega ao fim: o Verão também. Aliás, se virmos bem, em termos mediáticos o Verão já terminou há vários anos. Passou a ser designado como «onda de calor» - designação da moda. Três palavras em vez de uma para significar o mesmo. Complicar tornou-se lema dominante no discurso jornalístico. Nada refrescante, convenhamos.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

Pensamento da Semana

Maria Dulce Fernandes, 20.08.23

 

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O Verão é bom. Tem luz, cor e cheiro próprios e sempre, mas sempre demasiado calor. É a altura ideal para se trancar portas e ir a banhos, desertando dos grandes centros urbanos onde se constroem as decisões, até porque no Sítio do Ócio pode-se andar leve e arejado, quase nu,  sem que haja reparo ou indecoro.

Não seria porventura esta a época propícia à execução de um golpe de estado, uma revolução, uma inversão de pólos, qualquer acção que provocasse uma reacção nos descontentes de bancada? Uma coisa em grande, que nos remeta ao movimento primaveril de 74, mas em bom, mais sísmica na escala de Méxete, para abanar bem o sarro que vai nas placas tectónicas do pensamento lusitano, porque apanhar-nos desprevenidos, quase nus e com um baldinho na mão, em verdade vos digo, já não provocaria grande abalo, viesse da esquerda, da direita, de Marte ou do centro da terra, tal é a apatia das gentes. 

Ou quem sabe bastasse apenas passar mais de duas horas pendurado de cabeça para baixo na Feira de S. Mateus para irrigar os neurónios?

(Imagem Dreamstime/Google)

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

Sede interminável

Pedro Correia, 13.07.22

- E para beber, o que deseja?

- Uma cola.

- Não temos. Só Pepsi. Pode ser?

- Pode. Pepsi também é cola.

- Como disse?

- Nada...

- E deseja a Pepsi fresca?

- Claro.

- Gelo e limão?

- Limão, não. Só gelo.

- Não deseja limão?

- Não. Só gelo.

- E quantas pedras?

- Duas ou três.

- Uma palhinha?

- Não é preciso. Detesto palhinhas.

- Como disse?

- Nada...

Esta noite sonhei com calor

Maria Dulce Fernandes, 12.06.22

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Odeio o calor! Alguém que possa ler estes escritos pensará seguramente que estou completamente louca. Haverá porventura quem goste do Inverno, do frio, do vento e da chuva?! EU gosto.

Prefiro mil Invernos com temporais tenebrosos a um dia com temperaturas superiores a 30 graus, sem sopro de vento e com o sol a gritar o nosso nome em plenos pulmões na sua voz muda. A rua está quente, a casa está quente, o trabalho parece o inferno, o corpo está quente, e até as bebidas frescas nada têm de refrescante, pois parece que nos deixam ainda mais quentes. A roupa parece que é feita de goma, a pele transpira cola, e a produção elaborada do rosto parece o caudal lamacento que escorre da montanha depois duma abundante chuvada.

Quando eu era miúda, saíamos da escola dois dias por semana á tarde, entre Março e fins de Maio, para lanchar uma merenda e fazer ponto cruz no Jardim Botânico. As tardes eram amenas, o vento, uma carícia, cheirava a flores e a erva fresca – eram maravilhosas tardes de Primavera, estação do ano que já pertence à categoria dos exterminados, como o pássaro Dodô, por ter sido uma das primeiras vítimas do Efeito Estufa. Passámos a ter outras quatro estações: Verão, semi-Verão, Inverno e Inverno-sem-chuva.

O frio do Inverno é controlável pela maior ou menor quantidade de roupa, agora a torreira do Verão, controlamos como? Terá Deus querido castigar a humanidade por ter cometido o Pecado Capital (… Quem nunca comeu um raio duma maçã, que atire a primeira pedra…) e relegar-nos á nossa condição de descendentes de Adão e Eva, deixando-nos uma vinha estéril para usarmos só as folhas??

Sem conseguir responder aos angustiados pensamentos que me assolam, vou buscar os meus leques, companheiros inseparáveis das longas horas de Estio em vigília à alvorada, e preparar-me para mais uma noite insone, reconfortando-me a ideia de que se houver realmente Céu e Inferno, certamente iremos no elevador que sobe ou no que desce, não ficaremos seguramente a meio do caminho, pois no Purgatório já andamos há algum tempo.  

Parem as máquinas: há calor no Verão

Pedro Correia, 21.07.21

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Está cientificamente demonstrado: o medo é dos ingredientes que colam mais as pessoas aos ecrãs. E nada suscita tanto medo como as catástrofes naturais. Isto reflecte-se nos telediários portugueses, quase despojados de notícias fora do perímetro nacional. O que sucede no resto do mundo só nos aparece à frente quando ocorrem cheias, ciclones, sismos, maremotos, avalanches, erupções, tufões, trovoadas, secas extremas. Sobretudo se ocorrer nos EUA. Nos últimos dias, algumas horas de chuva intensa em Nova Iorque mereceram mais destaque nos noticiários cá do burgo do que o assassínio do Presidente do Haiti.

O alarmismo fomenta audiências. E nada melhor – ou pior – para ampliar o alarmismo do que falar do clima. Vivemos apavorados pelas condições atmosféricas. É um medo irracional, fomentado pelo pensamento mágico de pseudo-cientistas com lugar cativo nos meios de comunicação. O tema recebe prioridade absoluta na hierarquia informativa, chegando a inverter o paradigma da notícia: em vez de ser o homem a morder o cão, aqui é mesmo o cão a morder o homem. Destaca-se o mais banal, conferindo-lhe aura de sensação.

Há frio no Inverno e calor no Verão? Isso acontece nos Estados Unidos, pátria suprema das teorias da conspiração? É garantido que terá destaque, o Presidente assassinado no Haiti pode ser empurrado para o fim da linha. Noutros tempos, mais serenos e com menos histeria à solta, só seria novidade se fosse ao contrário: Inverno tórrido e Verão gelado.

 

À nossa escala, com o tépido estio que nos vai calhando, para desespero dos alarmistas de turno, não há notícia climática digna desse nome. Mas se for preciso dá-se um jeito: é preciso manter os espectadores grudados ao rectângulo televisivo.

Aconteceu quarta-feira da semana passada, à hora do almoço, na RTP. Às 13.23, surgiu o aviso, proclamado em voz solene: “Prepare-se para o calor. O Verão chega em força esta semana. Em algumas regiões do país as temperaturas podem chegar aos 40 graus.” Se o Artur Albarran ainda pontificasse em antena acrescentaria: “O drama, a tragédia, o horror!”

Era apenas um teaser – como agora se diz na gíria mediática, sempre pronta a acolher qualquer americanismo linguístico. Dezasseis minutos depois, o que parecia escaldante tornou-se temperado: “As temperaturas começam a subir hoje e podem chegar aos 40 graus no fim de semana em Évora e Beja. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera diz que não está prevista uma onda de calor, mas o tempo quente vai manter-se em todo o território continental. (…) Alguns sites de meteorologia falam de uma onda de calor, mas o IPMA garante que não.”

 

Reparem: bastou que os tais sites não especificados aludissem a uma putativa “onda de calor” para a expressão vingar, mesmo com desmentido formal da autoridade científica. E logo uma jovem repórter compareceu numa aldeia alentejana, interrogando uma senhora sobre tão magna questão. Ouviu esta resposta: “Toda a vida apanhei calor, apanhei sol. Na hora dos 30 graus, estou eu em casa.”

Não havia notícia, mas havia sabedoria antiga. A repórter ficou a ganhar. E nós também.

 

Texto publicado no semanário Novo

Que diferença

Pedro Correia, 23.06.21

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No final do mês de Junho de 1962, esteve um calor de rachar em Lisboa. Como comprova este relato de primeira página do Diário de Notícias sobre esse início da época estival, faz agora 59 anos. 

«Ontem, primeiro domingo de Verão, Lisboa ficou deserta e as praias estiveram à cunha...», titulava o jornal na edição de 25 de Junho, ao estilo peculiar daquela época. Era um jornal de grande formato e com títulos quilométricos.

Na foto principal via-se a praia de Carcavelos, repleta de banhistas. 

«O lisboeta aligeirou o traje, abriu as janelas de par em par, sorveu gelados e refrigerantes», especificava o jornal. 

Reparo nisto e penso: que diferença em relação ao que se passa nestes dias. O Verão entrou tristonho e enevoado, com aguaceiros, quase a imitar Outono. 

E no entanto em 1962 ainda não tinha sido "inventado" o aquecimento global, ao contrário do que sucede agora.

O paternalismo do estado

Paulo Sousa, 19.06.21

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Esta publicação da PSP na sua página do Facebook pode causar algumas dúvidas.

  1. Usar sapatos, botas, sapatilhas, barbatanas, socas ou andar descalço, é apenas potencialmente perigoso ou dá direito a contra-ordenação?
  2. Em que sitio específico é considerado o fim do acesso à praia e o início da mesma?
  3. A regra aplica-se também às praias naturistas?
  4. Digam-me que isto não foi uma ideia do Ministro da Administração Interna.

 

Postal dedicado aos que ainda têm dúvidas de que nos tratam como crianças.

Férias de Verão

Maria Dulce Fernandes, 26.06.20

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A Prima Rosalina era uma doce avozinha de Botero, com os seus olhos azuis e cabelos claros. Vivia em Cascais com o primo Manuel e com a Lena, uma menina ainda mais linda do que os pais. Ir a casa da Prima Rosalina era prenúncio de um bom domingo. A conversa durante a viagem era invariavelmente doce e salgada. Falávamos de mousse, de pudim e arroz doce, mas sobretudo de “batatas de pacote" que a Prima Rosalina fazia como ninguém. Às rodelas fininhas, secas e salgadas, as batatas da nossa prima faziam crescer água na boca de qualquer miúdo guloso. Enquanto os crescidos salivavam perante uma travessa enorme de mão de vaca com grão, os putos enchiam-se de batatas e doces, porque eram assim os domingos em Cascais em casa da Prima Rosalina. O Primo Manuel, com os óculos na ponta do nariz risonho e paciente, ensinou-nos a tocar os primeiros acordes no piano lá de casa e tinha um conhecimento enciclopédico sobre todas as coisas.


A casa de Alfeizerão fazia parte do espólio de magia da Prima Rosalina. Situada nos Casais do Norte, a vivenda Cruz era uma casa térrea com água furtada, quase paredes meias com uma enorme herdade de criação de bois de cobrição. A casa era alegre, com muitos quartos e anexos, decorada eclecticamente, uma cozinha enorme com muita loiça de barro e grandes vasos com tampa e torneira para a agua que provinha de um poço no exterior com uma bomba de alavanca, no melhor estilo Vovó Donalda e que fazia parte do nosso exercício matinal.

Tinha recantos fascinantes e imensos retratos da Amália, que chegou a fazer parte da família durante os anos em que foi casada com o Primo Chico, que sempre tive como uma simpatia de pessoa, mas cuja única nota alta no filme de 2008 foi ter sido interpretado pelo José Fidalgo.


A casa de Alfeizerão tinha a grande vantagem de ficar a 10 minutos de carro de S. Martinho do Porto, freguesia do concelho de Alcobaça que tem apenas a mais linda baía valviforme da Costa de Prata e uma praia fabulosa.


Cedinho, depois de grandes fatias de pão escuro torradas com manteiga caseira das vaquinhas da mãe da Celeste na quinta ao lado, ia-se ao mercado a S. Martinho, que fervilhava de agricultores, fregueses e aromas campestres, e de imediato se caía de chapão nas águas frescas da praia que proporcionava aos nadadores de banheira muitos metros sem perder o pé.


Depois de um peixinho fresco directo do grelhador do quintal com a manteiga, e com limões e salsa acabados de colher, as tardes eram invariavelmente de preguiça. Numa espécie de tabacaria minúscula entre o talho e a padaria, encontrei os primeiros três volumes das Aventuras de Tarzan de Edgar Rice Burroughs, excelente leitura de férias para os meus 14 anos. Nas tardes menos quentes, íamos até à herdade ver os bois, enormes e pesados, que se estivessem em acção não poderiam ser “incomodados" pela presença de crianças, ou, liderados pelo Mano, mobilizávamo-nos pelos campos adentro para a apanha do caracol, que trazíamos em sacos de pano e ficavam no alguidar grande coberto com uma rede fina, para limpar durante uns dias.

Claro está que o Menino divertia-se a tirar a rede e a ver a caracolada “fugir” pela casa fora. Exceptuando uns gatitos, uma data de aranhas e os animais da quinta da mãe da Celeste, o pobre Menino não tinha muito para traquinar.

Outras vezes passeava-se pela costa ou dava-se um pulinho a Alcobaça, que tinha mais comércio. Quantas vezes não esperei com os meus livros na frescura do mosteiro...

O ponto alto das noites eram os pirilampos e as estrelas no céu. Num qualquer recanto campestre mais escuro, garanto que era difícil perceber onde terminavam uns e começavam as outras. Só agora consigo entender bem o significado daqueles suspiros profundos de satisfação que aqueciam e reconfortavam o coração.


Tempos de férias fabulosos, estes, antes do pai se apaixonar por Lagos e Pedras d'El Rei. Só voltei a Alfeizerão e S. Martinho há pouco tempo. Creio que existem os Casais do Norte, a casa, não garanto. Um prédio por outro aviva a memória mas nada, nada mesmo, faz lembrar sequer a casa do Pão de Ló que comíamos à boca cheia.

Notas de um Verão a Norte - o regresso a Paredes de Coura

João Pedro Pimenta, 23.08.18

Os jornalistas musicais portugueses costumam dividir a humanidade em dois grandes grupos: os que estiveram no concerto dos Arcade Fire no festival de Paredes de Coura de 2005 e os que não estiveram. Eu insiro-me numa terceira via: os que estiveram lá nesse mesmo dia e não viram os Arcade Fire.

 

Sim. Em 2005, por uma hora, dadas as recusas de última hora de dilectos amigos meus em seguir comigo, que já tinha bilhete, perdi o concerto dos estreantes Arcade Fire, que ao que asseguram os assistentes, ficou para a história como uma "epifania", o "espectáculo da década" que "catapultou o festival", etc. À época conhecia o grupo e já tinha ouvido algumas canções de Funeral, o álbum inicial, e ainda hoje Rebellion (Lies) continua a ser a minha faixa favorita dos canadianos. Mas como a minha ideia era ver os Pixies, precedidos dos Queens of the Stone Age, não liguei muito, mas ficou um travo de pena. Vi depois os Arcade Fire em Lisboa, num espectáculo memorável ao lado da ponte Vasco da Gama. Mas ainda havia uma lacuna por cicatrizar. Este sábado, finalmente, encontrei os canadianos em Paredes de Coura, treze anos depois de eles se terem ido embora antes de eu chegar. Com mais discografia em cima, e a entrega e a emoção de sempre. Talvez as expectativas que estavam muito lá em cima ficassem ligeiramente goradas, até por não ser a primeira vez que os via. E o último álbum, em destaque, é o mal amado da discografia dos Arcade. Mas começaram logo com ele, com uma bem disposta Everything Now (o vídeo atrás traduzia como "tudo agora"), seguida dos hinos do costume - Rebbelion, pois claro, e ainda faixas de Neon Bible, The Suburbs e Reflektor, tudo a acabar num muito celebrado Wake Up, com a plateia literalmente iluminada. No dia com mais público de sempre do festival, os Arcade Fire regressaram a terras do Alto Minho. 2005 está enfim vingado.

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Notas de um Verão a Norte

João Pedro Pimenta, 23.08.18

Durante muitos anos imaginei com seria uma série, um filme, ou qualquer coisa audiovisual passada em Moledo, farto que estava que as coisas só se passassem em Lisboa, por vezes no Porto, e que no Verão só o Algarve fosse devidamente filmado. Moledo só aparece por vezes em reportagens de jornais e revistas, para falar dos seus "notáveis", da nortada, do nevoeiro, e outros lugares comuns simplistas. Com os anos, esses pensamentos desvaneceram-se.


Mas eis que surgiu uma série passada aqui, de seu nome Verão M, inspirada no Verão Azul da nossa infância, em que um antigo casal de namorados se reencontra, e os respectivos filhos partem à descoberta destas paragens. Há alguns anacronismos (tapetes de flores do Corpo de Deus em Agosto?), alguns factos reais (a chaminé do barco afundado entre a Ínsua e a praia), muita imagem bonita de drones (fieis à realidade da beleza da terra), e uma narrativa simples e sem grande criatividade, mas que entretém. Não falta sequer o velho marinheiro retirado, que se torna amigos das crianças, e que mora inverosimilmente no moinho ao lado do pinhal - que há bem poucos anos esteve em risco de derrocada com os ataques do mar.


Enfim, talvez não fosse o que tinha em tempos em mente para filmar Moledo, mas serve. Não há coisas que desapareceram, com a extensão das dunas, a bola Nívea da praia e o único bar da altura, o extinto Pica-Pau, aberto todo o ano, os torneios de futebol e as míticas idas à Indústria Agrícola, encarrapitada nos montes de Cerveira, em que se via o amanhecer sobre o estuário do Minho, ou outras que permanecem, como os passeios de bicicleta, os jantares em Espanha, já do outro lado, ou as festas com viras e cana verde. Mas naqueles rapazinhos e rapariguinhas que se tornam amigos e que descobrem a terra e a sua envolvente, e nos pais que recordam os melhores verões das suas vidas e que tentam fazer regressar os momentos em que foram felizes (no meu caso, mais nestes), há algo de autobiográfico, de familiar, de próximo que não se consegue negar. Só por isso, valeu a pena exibir o Verão M. Porque sem este M, para todos os que passámos por isto, não haveria Verão.

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O sol está mais quente

Marta Spínola, 01.07.15

Pois está, e não são precisos estudos para o saber. A mim basta sair da praia e escaldar os pés todos no processo.
É um facto, nos últimos anos sinto a areia muito mais quente muito mais depressa que quando era pequena. Ou tinha pezinhos de amianto, ou não sei. Talvez haja estudos sobre os pés de crianças dos anos 80 e a areia da praia. 

Já nem é só a areia do fim da praia, nem é preciso ser um grande areal. O sol aquece e a areia ferve com ele. Se vou descalça queimo-me, se calço chinelos às vezes a areia mete-se entre eles e um dos dedos, um tormento até os poder tirar.
Sair da praia pode ser uma dor, o que podia ser poético mas não é. Não deixo de ir, naturalmente, mas dói.

É tudo uma questão de exposição

João André, 22.06.15

O Verão começou ontem, no solstício de Verão. Ao contrário do que ainda se vai pensando, não estamos mais próximos do Sol. É verdade que ao longo do ano nos vamos aproximando e afastando do Sol, mas não são 6 meses de aproximação (até ao Verão) e 6 meses de afastamento (até ao Inverno). Antes 3 meses de aproximação e 3 meses de afastamento que se repetem. A realidade é que nos equinócios de Outono e Primavera estamos mais próximos do Sol que nos solstícios de Verão e Inverno, os quais têm lugar quando a Terra está à mesma distância do Sol, apenas em pontos opostos. A lógica de o Verão ser equivalente a proximidade do Sol parece simples, mas é uma falácia: na mesma altura do ano, o outro hemisfério do planeta está no Inverno, isto apesar de estar tão próximo do Sol quanto aquele que se encontra no Verão. A diferença de temperaturas não é devida à proximidade, mas ao ângulo que o eixo da Terra apresenta. Este ângulo é o verdadeiro responsável pelas estações. Graças a ele, a Terra vai recebendo quantidades diferentes de radiação solar ao longo do seu processo de translacção. É esta variação das quantidades de sol que provocam o aquecimento (ou arrefecimento) de um hemisfério. Também ajudam a perceber porque razão não é o dia do solstício de Verão o mais quente nem o do solstício de Inverno o mais frio: a radiação solar demora tempo a ser absorvida pelos oceanos, pela atmosfera e pela biosfera, criando assim um atraso no efeito de temperatura. A única certeza que vamos tendo é que o dia de hoje será mais curto que o de ontem e o de amanhã mais curto que o de hoje. Isto numa progressão inexorável até que a Terra se encontre o ponto oposto da sua órbita em torno do Sol. Nessa altura teremos dias muito curtos mas que irão aumentando e duração até dentro de 364 dias, num ciclo que se repetirá ad aeternum até que o Sol um dia (possivelmente, não se sabe) engola a Terra. Nesse dia sim, o Sol estará perto o suficiente para se poder falar de Verão ligado à proximidade do Sol. Infelizmente já não haverá metereologistas para fazer previsões acertadíssimas. Felizmente a crise terá acabado.

Página de um diário

Helena Sacadura Cabral, 21.06.15

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Lisboa, 21 de Junho de 2015

 

Entrámos hoje no Verão. Não é uma estação que me seduza. Nem agora, nem antes. É um período excessivo de pormenores dos quais não gosto: muito sol, muita gente, muito suor, muito álcool.

Sou mais das quadras intermédias, como o Outono ou a Primavera, embora esta me cative menos do que a primeira, que também possui alguns excessos. Sobretudo de vida, que desponta por todo o lado.

Dir-me-ão que o Outono tem um lado triste, de fim que se aproxima. É verdade. Mas tem aquele amarelo laranja das folhas caídas das árvores que atapetam as ruas - e pessoalmente me tocam fundo -,  que dão ao campo e às cidades uma uniformidade que nas outras estações se não descortina. Aliás, essa "tristeza outonal", que tantos referem, é o bálsamo indispensável para compensar os cúmulos estivais.

Muitas vezes me tenho perguntado o porquê desta preferência, quando a minha alegria atávica pouco parece ter de comum com tal tristeza. Começo a acreditar que é o balanço psicológico que tal determina e que a sabedoria popular tão bem explica, quando afirma que os opostos se atraem. É um facto, comigo. E não só no campo meteorológico...