Veneno
O meu irmão mais novo é um bom rapaz. Com isto quero dizer que, apesar de cinquentão, continua a ser “o meu menino” e a ganhar-me onze anos às maleitas da idade.
Depois de anos e anos como formador numa empresa nacional de telecomunicações foi convidado a exercer a mesma função em Luanda com promessa de progressão na carreira, o que por cá o seu desalinhado apoliticismo não estaria em vias de conseguir alcançar.
E há treze anos partiu em busca de realização pessoal e também aventura noutras paragens, sozinho, divorciado e sem filhos. Principalmente sem conhecimentos. As excelentes condições e comodidades do trabalho não ajudam em nada à solidão e à saudade, como devidamente comprova quem já emigrou.
Dedicou-se com afinco ao que sabe fazer melhor. Conheceu uma formanda que lhe deu o apoio precioso e necessário para continuar em frente e voltou a casar por lá. Na amarga impossibilidade de gerarem descendência, adoptaram duas crianças locais e construíram em Talatona as bases de um futuro que se afigurava brilhante, principalmente com o convite para integrar a sociedade de uma nova e competitiva firma de telecomunicações que promete revolucionar todas as velocidades do mercado.
Pela Páscoa deste ano, foi organizado um team-building num resort recém-inaugurado, um conjunto de actividades cujo lema importado é sempre “there is no ‘I‘ in team”, e que parece condição sine qua non para que as empresas funcionem na perfeição e os funcionários também.
Estaria tudo a correr sobre rodas quando, numa tarde de relaxamento à beira da piscina, o meu rapaz sentiu uma picada nas costas. Sacudiu o ombro e não deu grande importância, até sentir dor, paralisia e falta de ar. Da toalha despontaram as pernas de um bicho relativamente pequeno, que alguém esborrachou com a sola de um flip-flop. Uma aranha armadeira, pelo que se disse. Saiu o meu rapaz de ambulância para o hospital e do hospital três meses depois.
Esteve mal. Ficou paralisado do lado direito e ligado ao respirador. O que ao princípio parecia um “vulcão” (na foto), à medida que o veneno se espalhava, tornava-se num inchaço superlativo com resultante necrose e necessária remoção de tecido exterior e interiormente.
Demorou cinco meses até ser considerado completamente fora de perigo. Mesmo assim ainda se queixa de sofrer de rigidez muscular em todo o lado direito.
Como prosseguir é caminhar em frente, continua o meu rapaz a sua vida com o melhor que pode e sabe fazer. Há males que advêm do nada, mas o importante é sobrevivê-los e no fundo ele sabe que até teve muita sorte.
De muitos outros bichos, existem as aranhas, vírus e bactérias mortíferas, aos quais não temos qualquer imunidade, irrompem pela calada e acabam de algum modo com o modo como vivemos e deles está o planeta infestado. A pior e a mais mortífera é a espécie humana manipulada e manipuladora, que mata apenas por matar e não pode ser exterminada debaixo da sola de um flip-flop.