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Não me parece nada bem que António Costa ande a oferecer vacas às suas ministras. Por muito engraçadas e voadoras que sejam as ditas, por muito subtil que seja a gracinha, não há nenhuma mulher que goste de indirectas destas. Se tivesse sido comigo, na próxima vez que o apanhasse em público oferecia-lhe um porco em cima de uma bicicleta.
A senha tinha o número B119. Marcava "Hora 14:15". Do asiático ecrã chegou a informação de que estava a ser atendido o “Utente” com a senha 98. Os “Utentes” estavam todos estrategicamente sentados. Uns de costas para as secretárias onde se desenrolava o atendimento dos outros "Utentes", alguns posicionados lateralmente. Todos virados para o ecrã. Reparei que havia algumas secretárias vazias. Pessoal de férias ou de baixa, pensei. Os números iam passando de acordo com as séries respectivas. De quando em vez lá aparecia um B. Ao mesmo tempo, a televisão dava conta aos “Utentes” da altura do “Cristo Rei”, 75 metros, do autor do projecto do pórtico, do autor da escultura. Também da existência do “castelo de Silves”, que recentemente “beneficiou de obras de conservação e beneficiação”, e dos resultados da natação nacional. E havia estatísticas informando os “Utentes” dos tempos médios de espera e do número dos que foram atendidos no ano anterior. No distrito de Lisboa tinham sido mais de trezentos mil. Mais de três milhões em todo o país. E os tempos de espera andavam pelos 15/20 minutos. Com isto já eram 15 horas. Ou seja, a média do tempo de espera já tinha sido mais do que dobrada. Só comigo. Pelo moderníssimo ecrã, entretanto, ficámos a saber que havia uma diferença entre o atendimento preferencial e o prioritário. Não sei se os outros “Utentes” terão dado pela diferença enquanto as séries e os números iam caindo, mas toda aquela gente alternava os olhos entre o ecrã do telemóvel, o dos números das senhas e a decifração do significado da tatuagem na coxa de uma “Utente” mais encalorada. “Ó senhor João, peço-lhe imensa desculpa mas eu agora não posso sair daqui, estou nas Finanças e está quase na minha vez. Se não puder esperar combinamos outro dia, as cortinas também não me estão a fazer muita falta. Tira as medidas noutro dia. Eu sei que lhe causa transtorno, peço-lhe imensa desculpa, mas eu não tenho culpa. É por causa do IRS, ainda tenho vinte pessoas à minha frente”. Pelos toques dos telemóveis e pela conversa percebia-se que havia gente de todas as origens. Pelo cheiro idem. Todos de olhos postos no “Cristo Rei”, no “castelo de Silves”, que fica na “região do Algarve”, e nos números das senhas. Eram 15:58 quando disparou mais um toque. Senha B119. Era a minha. Às 16:05 estava despachado. Valeu pela rapidez do atendimento. E pela simpatia de quem na linha da frente aguenta o primeiro embate.
Quanto ao mais, ninguém me esclareceu se os tempos médios de espera incluem as senhas sem dono, nem se esses valores contemplam nas estatísticas as senhas daqueles que, à cautela, sem saberem ao certo qual das séries lhes diz respeito, tiram logo uma de cada série. Em todo o caso, isso não é relevante.
Relevante é ver como a coisa funciona. E saber como se passam duas horas de uma tarde – de trabalho para os outros - numa repartição de finanças devido ao facto dos bancos terem sido generosamente aliviados da obrigação de remeterem aos contribuintes as declarações para efeitos de IRS de onde antes constava o valor dos juros colocados à disposição dos depositantes e os montantes retidos na fonte. Como essa obrigação deixou de existir, e agora o contribuinte tem de andar a verificar extracto a extracto, banco a banco, os valores que lhe foram lançados no ano anterior, havendo alguns bancos que se limitam a lançar valores líquidos, o desgraçado do “sistema” nunca está satisfeito. Vai daí avisa o “Utente”, lançando um "alerta". Este, se quiser resolver o problema dentro do prazo de entrega da decclaração e sem coimas, terá de ir às Finanças apurar quais as informações que foram remetidas ao Estado pelas instituições bancárias, única forma de fazer coincidir os valores de uns com os de outros e de se eliminarem os “alertas”, regularizando as situações pendentes.
Aquilo que era anteriormente fácil e se resumia à recolha da informação constante das declarações recebidas das instituições bancárias com a indicação das retenções na fonte, tornou-se em mais uma dor de cabeça e uma perda de tempo que em nada contribui para o aumento da produtividade. Estando tudo informatizado e enviando os bancos tanto lixo para as caixas de correio electrónicas dos contribuintes, também poderiam remeter-lhes a informação que a seu respeito enviam para o Estado, como antes faziam, facilitando-lhes a vida em matéria de preenchimento das declarações de IRS, evitando-lhes “alertas” e longas esperas nas repartições.
Durante a manhã desse mesmo dia, no Fórum da TSF, depois de múltiplas críticas e de declarações desencontradas, tudo, diziam, por causa de uma omissão do dever de informação por parte do Instituto da Segurança Social, um vice-presidente deste, em resposta à pergunta do jornalista sobre a razão para a entrega de uma declaração que não servia para nada, esclarecia o entrevistador e os ouvintes, sem responder à questão, brandindo com o número do artigo que previa a sua entrega. Porque se tratava de uma “exigência legal” que se não fosse cumprida daria lugar à aplicação de uma coima. Duzentos e cinquenta euros era o valor da dita. Mas para que servia tal declaração, se em 2014 milhares de contribuintes não a entregaram e não lhes foram instaurados quaisquer processos pela sua falta?, insistia o jornalista, ao que o tal “responsável” retorquia que era uma “exigência legal”. O artigo, a culpa era do artigo, da “exigência legal”. A declaração podia não servir para nada mas era uma “exigência legal”. E as exigências legais, por mais absurdas que sejam, cumprem-se. Sem questionar. Como as ordens dadas na caserna pelo troglodita de serviço. Ponto final.
A reforma do Estado tem tanto de surreal quanto de banha da cobra. Basta ouvir as queixas, escutar o que dizem os responsáveis, a funcionária das Finanças, o contabilista da Saúde ou o distribuidor dos vales da Segurança Social, e depois fazer uma visita aos serviços para se avaliar da seriedade do que dizem. Ou melhor, da falta dela. Em Portugal, em rigor, ninguém quer reformar o Estado. Porque o Estado são eles, os reformadores. Os reformadores são uma espécie de leiteiros certificados. O contribuinte não passa de uma vaca à qual se espremem as tetas enquanto derem leite. O Estado só é reformável em gráficos pagos a peso de ouro e em folhas de Excel. O fisco orgulha-se do número de “Utentes” que diariamente despacha. Isto é, do número de vacas que ordenha nas suas repartições. Em todo o país, pelo processo da senha, foram mais de três milhões só num ano. Todas com um número, todas devidamente marcadas, aguardando que as senhas passem, faça sol ou faça chuva, até que chegue a sua vez de serem espremidas. Ou encaminhadas para outra secção. Às vezes, quando secam, mandam-nas para o matadouro. Executam-nas. Abatem-nas.
Se o sistema funcionasse o número de “Utentes” nas repartições tenderia a diminuir. E não a aumentar. A ineficiência do sistema, ao contrário do que eles pensam, vê-se no número dos que os demandam. No número de vacas que não podendo pastar fica a ruminar nas repartições diante de um ecrã, durante horas a fio. Estas não sorriem. E o que se vê é que o número aumenta à medida que escasseia o leite que sai do gado para alimentar os leiteiros e respectivas famílias. Há leiteiros tão incompetentes que até disto se orgulham, não vendo que se o leite falta para eles também faltará para os bezerros. É por isso que já há quem os tome por bois. Aos leiteiros. Um dia aperceber-se-ão disso.