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Delito de Opinião

Adicção que soma e segue

Maria Dulce Fernandes, 20.07.22

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Fiquei radiante por poder partilhar com o mundo algumas linhas que me chegaram em mãos que tratam de resumir a verdadeira essência de "Os Maias" e poderão ser de extrema relevância para quem não comungue da otarice de almas que, como eu, já folhearam por mais de quantos dedos uma mão tem, as seiscentas e setenta e quatro páginas e meia da obra capital de um dos maiores, senão mesmo o maior autor português contemporâneo. 

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Tenho de confessar a minha adicção pelos livros de Eça; é o primeiro passo dos doze que percorro até, não direi à cura total, mas até conseguir algum controle na compulsão que me arrasta diariamente até velhas, obscuras, tortuosas e sombrias prateleiras onde há sempre um calhamaço que me tenta e onde a fraqueza da carne e do espírito acabam por sucumbir derrotadas, uma e outra vez.
No programa dos doze passos que se resume em experienciar um despertar espiritual, fazer um inventário pessoal e reparar danos cometidos sob a influência do viciante, é importante impor a distância necessária ao auto-controle.
Por me encontrar já a meio do caminho da recuperação - que isto dos caminhos nunca tem fim, pois que por cada passo em frente sempre acabamos por retroceder dois - e por já me ser permitida alguma leitura supervisionada pelo sponsor, coisa leve como resumos, o Borda d'Agua, a revista Caras, a Hola¡ e alguns blogs mais pictóricos, achei por bem quinhoar convosco o meu percurso, para que através dele me vejam como a pessoa que fui, má, destrutiva, egoísta, vegetando diariamente de e para o vício, e possam dar a mão à pessoa que hoje sou, boa, empreendedora, altruísta, risonha - não fora o riso a mais antiga e mais terrível forma de crítica, talvez mais onagra, mas consciente da minha consciência.
Desconstruindo um notório aforismo, não sou artista, mas sou crítica: tenho análise e emoção... possuo também pensamento próprio, que é livre como só o vento o consegue ser.
 

O imposto sobre os pobres

Paulo Sousa, 07.02.21

Para uma imensidão de portugueses a maior probabilidade de enriquecer, e assim de mudar de vida, passa pelos números da lotaria. Por isso podemos dizer que não é muito provável que alguma vez deixem de ser pobres.

Nem todos os jogos têm a mesma probabilidade de acertar na chave certa mas em qualquer um deles as hipóteses de vencer são tão reduzidas que toda a dinâmica se resume em pagar para poder sonhar.

É voz corrente que em Portugal se fazem os maiores volumes de apostas per capita de toda a Europa. Procurei dados sobre isso e encontrei apenas uma relação dos cinco maiores prémios pagos até hoje pelo Euro-Milhões, em cada um dos países que fazem parte desta lotaria europeia. Saltou-me à vista que, considerando esses cinco maiores prémios, em Portugal foram distribuídos 63€ per capita, enquanto que na Áustria esse valor não ultrapassou os 28€. Como não nos podemos considerar três vezes mais sortudos que os austríacos, julgo que isto é explicado por apostarmos três vezes mais do que eles, o que diz um pouco sobre a diferença das nossas expectativas de vida.

A dependência que este tipo de jogos provoca está estudada e comprovada. À distância poderá ser apenas mais uma estatística sobre uma adição, mas quando falamos dos jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) falamos de apostadores pobres, e nas terras pequenas esse fenómeno tem nomes e rostos. Não são casos raros em que até os donos dos cafés se entusiasmam com o produto estrela da SCML, que são as Raspadinhas, e depois de começarem à procura de um prémio que lhes pague o prejuízo anterior, acabam por perder a licença por incumprimento na entrega dos valores “cobrados”.

Aposto que será nos bairros mais pobres que os balcões de apostas angariam proporcionalmente mais receitas.

Nas povoações que têm mais do que um café, aquele que tem a máquina da Santa Casa está sempre em vantagem. A máquina de apostas até pode motivar a hipótese de trespasse de um estabelecimento desta natureza. Além da receita do jogo (7% do valor das apostas, segundo soube) esse é sempre o local onde se vende mais café, cigarros e bagaço.

Os jogos da Santa Casa são um negócio de milhares de milhões de euros. As receitas brutas da SCML ascenderam em 2019 a 3.360 milhões de euros. Ando a ganhar o hábito de converter os grandes valores da nossa economia em SMN, e assim essa receita equivalerá a mais de 5 milhões de SMN. Nada mau.

Podemos dizer que estes jogos canalizam recursos de todo o país para os cofres de uma das muitas Santas Casas da Misericórdia, neste caso para a de Lisboa. É como se fosse um imposto pago pelos pobres de todo o país e que é gasto em Lisboa.

Claro que os responsáveis da SCML entrarão logo em defesa do seu ganha-pão e dirão que deste valor cerca de 1.000 milhões de euros (aprox. 1,6 milhões de SMN) são transferidos para os beneficiários sociais da SCML, entre os quais encontramos o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ministério da Saúde e Ministério da Educação, dando razão à ideia do imposto.

Em pleno confinamento pandémico os cafés estão impedidos de vender bicas, ou cimbalinos conforme a região. Nem cafés, nem bares podem agora vender os seus produtos “ao postigo”. Até o Elefante Branco se queixa desta medida destruidora da economia.

Aqui na minha terra o café, onde já há uns anos deixou de se poder fumar, deixou agora também de poder tirar cafés. Mas como tem uma máquina da SCML, esticaram duas fitas plásticas vermelhas e brancas para, qual curro, assinalar o caminho mais curto das moedas dos bolsos do pobres até à gorda conta da SCML. Para que dúvidas não haja, a santidade está-lhe intrínseca no nome. É como a publicidade subliminar, nem damos por ela, levamos com o produto, com a embalagem e com o recado, tudo junto antes de ter tempo de respirar. E santa que é, consegue sem pestanejar, apelar à nossa ajuda para poder ajudar a dar uma resposta extraordinária à pandemia. Fiquei curioso e após vasculhar no site da dita, acabei por encontrar um link que nos leva ao respectivo relatório e contas (https://www.scml.pt/sobre-nos/relatorios-e-contas/), mas afinal não leva. Diz que é o erro 404, seja lá o que isso for. Mas, como quem dá uma resposta extraordinária à pandemia, quase como quem nos abraça, conforta-nos dizendo “Todos nós perdemos o rumo de vez em quando. A Santa Casa ajuda-o a encontrar o caminho” e, preocupada, encaminha-nos de volta à página principal.

Provavelmente durante um dos seus drinks de fim de tarde a Ministra da Cultura lembrou-se de criar mais um imposto especial sobre os pobres, para angariar receitas que serão canalizadas – e esse é o nobre destino das receitas, serem canalizadas – para ajudar a responder a “necessidades de intervenção de salvaguarda e investimento” em património classificado ou em vias de classificação. Diz que tem o objectivo de “envolver todos” e arranca já em Maio.

Quem nunca teve uma epifania depois de beber uns copos que atire a primeira pedra.

O fenómeno do regresso dos dinossauros municipais

João Pedro Pimenta, 29.09.17

Há um assunto que não deixa de me espantar, sobretudo pela magnitude que atingiu para estas próximas eleições: o regresso em massa dos "dinossauros" autárquicos. Não são apenas Isaltino Morais, Narciso Miranda (que muito oportunisticamente lançou a sua candidatura em dia do Senhor de Matosinhos, alcunha pela qual era conhecido quando estava à  frente da câmara), Valentim Loureiro ou Avelino Ferreira Torres: temos também os regressos de Ana Cristina Ribeiro, a única autarca do Bloco, que volta à arena em Salvaterra de Magos; ou Fernando Costa, que depois de quase 30 anos na CM das Caldas da Rainha e de ser vereador em Loures, se candidata agora a Leiria; ou mesmo o prezado Gabriel Albuquerque Costa, antigo presidente da câmara de Penalva do Castelo pelo CDS e PPM (o último autarca que este histórico partido teve), que depois de ser candidato pelo PS, recandidata-se novamente pelo PSD/CDS.

 

Exemplos não faltam, de norte a sul, de antigos presidentes de câmara que regressam, quase todos pelo municí­pio que governaram, de Montalegre a Almodôvar, passando por Pombal, Covilhã e Golegã (há excepções, como Fernando Seara, Joaquim Raposo ou o antigo autarca de Castelo de Paiva que concorre agora ao Marco), e casos de presidentes que o foram até 2013 e que defrontam os seus substitutos (o referido caso de Salvaterra de Magos, Caminha, Elvas, etc). Normalmente concorrem pelo partido a que pertenciam, mas há, claro, a questão dos independentes. São esses os casos mais bicudos: postos à  margem pelo partido, concorrem por listas próprias, muitas vezes com o seu nome e com alguns fiéis seguidores que trouxeram dos seus mandatos. Usam vulgarmente expressões como "muitos cidadãos anónimos têm-me vindo prestar apoio na rua", ou "ponderei durante largos meses e decidi candidatar-me", ou ainda aludem às famosas "ondas de fundo" (muitos surfistas há entre os dinossauros autárquicos).

 

Mas afinal qual é a razão do regresso destes representantes do Jurássico municipal? Uma real vontade de resolver os problemas da terra? O serviço de missão ao partido? Uma séria indignação com os sucessores? Ou o vício do poder e a vaidade própria de quem se julga um quase proprietário da terra e quer continuar a ser amado/temido no seu quinhão? A avaliar por algumas declarações de representantes da espécie, que falam da gestão municipal como "uma paixão" ou "um ví­cio", a resposta deverá estar aí­ mesmo. O poder inebria, vicia, por vezes corrompe. Pode ser um "afrodisí­aco" mais forte que o dinheiro. E depois, muitos destes antigos autarcas já não sabem fazer muito mais coisas quando se afastam da respectiva ex-câmara, ou simplesmente, como são normalmente pessoas de acção e de execução, não têm espí­rito para ficar parados. Daí­ que a possibilidade de regresso cative muitos. Para felicidade de muitos muní­cipes, mas nem sempre a bem do supremo interesse da terra.

Vícios...

Helena Sacadura Cabral, 25.01.12

Especialistas querem que seja proibido fumar dentro dos carros

Vícios e impérios

Ana Vidal, 19.04.09

 

Deixei de fumar há quase dez anos, mas jurei a mim própria que não me tornaria num desses fundamentalistas prontos a matar, a rajadas de metralhadora, quem ainda não se libertou do vício. E, felizmente, consegui cumprir a jura.

 

Claro que os ambientes despoluídos são mais saudáveis, claro que fumar não é bom para ninguém, claro que os fumadores passivos são injustiçados. Mas não consigo deixar de ver, em alguns desses irredutíveis ex-fumadores, a frustração de ter perdido um prazer e, até, uma certa inveja dos que consideram suicidas e inconscientes. Pior ainda: noto-lhes uma certa pose farisaica, de quem se acha superior por ter substituído o vidro dos seus telhados por uma resistente chapa de zinco, e está pronto a atirar pedras aos cristais alheios, por se saber a salvo de represálias. Há uma frase de Agustina Bessa Luís, no livro Prazer e Glória, que resume bem o que quero dizer: Não há império maior do que o que se tem sobre os vícios dos outros. Grande, grande verdade.

 

Enfim, não defendo o tabaco. Sei que é francamente prejudicial à saúde, que pode matar a longo (e às vezes a curtíssimo) prazo. Mas reconheço aos outros o direito a um vício que - ainda me lembro muito bem - dá um enorme prazer. Se querem viver ou matar-se assim, quem sou eu para dizer-lhes que não o podem fazer? Sejamos sérios: o tabaco não é um serial killer solitário, numa cruzada cega contra os humanos. O stress, a solidão, a falta de dinheiro, o excesso ou a falta de trabalho, a poluição e, sobretudo, a ausência de perspectivas de um futuro mais risonho, formam um gang letal. E estamos (quase) todos nas mãos desse gang.

 

Parabéns aos que não fumam, nunca fumaram ou já deixaram de fumar, e… boas baforadas aos restantes, e que dêem uma ou duas por mim.