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Delito de Opinião

Ainda o Affaire Coimbra

jpt, 25.03.24

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Há algum tempo rebentou a escandaleira do CES da lusa Atenas. Deixei aqui eco desse "Affaire Coimbra" (1, 2, 3  e este extra), que apontava dois tipos consabidamente imprestáveis - só não vira antes quem não quisera ver -, e uma rede eunuca de conúbio. O assunto foi muito falado e depois sendo esquecido. Agora, saiu o resultado do inquérito, nem sequer fui ler as notícias, apenas me sobressaiu um cabeçalho que indicava não terem sido nomeados os mariolas, e que o sénior se declarava "muito sossegado" com os resultados. Sorri, num muito esperado "Safaram-se!!".
 
Dias depois recebo um email circular - decerto que por ter blogado sobre o assunto, pois foi entregue no email do blog - contendo a reacção das queixosas. As quais, afinal, louvam a investigação... Leio com atenção o texto, e constato que os resultados são verdadeiramente letais. Para os malandretes, e para a tal rede conivente. E só percebo que o sénior esteja "muito mais sossegado", tal como os seus sequazes, se presume a continuidade da inércia institucional, a do CES e a das suas tutelas.
 
E é contra isso que - muito avisadamente - as queixosas exigem a acção correctiva e preventiva, no CES, na vetusta universidade dos lentes coimbrões, e nos poderes políticos que a tutelam. A ver vamos, menos distraidamente.
 
Há uma coisa importante no acompanhamento geral deste tipo de casos: não devem ser resumidos à questão sexual, sempre passível de compreensão, mesmo que sarcástica, nisso do ser "normal", "humano", o prof. mais velhote querer "comer a pitazita jeitosa", nisso do marialva "quem nunca pecou que atire a primeira pedra", etc.
 
De facto o que acontece é muito pior e mais alargado, é o culto do revanchismo. Pois se a "miúda" (quantas vezes senhora bem crescida) - ou o efebo - se recusa, e até mesmo quando anui, o que se segue é o longo acabrunhar, menorizar, da sua capacidade, o espezinhar perpétuo. E o minar, torpedear dos percursos, o obstar às carreiras profissionais. Impondo o exílio intelectual, quantas vezes mesmo pretendendo o assassinato moral. E isto não se passa só quando existe a tensão sexual - e até acontece mais vezes sem ela.
 
É uma coisa tétrica, esta autocracia do homo academicus luso. Dela ouvi falar nas gerações anteriores, conheci vários desses monstros - sempre saudados por inúmeras mesuras encomiásticas -, soube de várias situações dessas, mais suaves ou agrestes, na minha geração, algumas sofridas por gente que me é ou era bem próxima. E nem era de sexo que se falava, mas sim do cruel espezinhar, de verdadeira psicose laboral.
 
Também a mim me aconteceu. Não que algum professor me tivesse querido sodomizar - também deveria ser óbvio que arrancaria o falo ao pontapé ao primeiro dengoso que se me chegasse... Mas lembro que eu, e alguns outros colegas, fomos sonegados de bolsas de investigação de dois anos apenas por termos contestado a superficialidade das aulas de mestrado de um professor. E que década depois ainda estive dois anos à espera de um contrato (e cinco meses a trabalhar sem receber) devido aos obstáculos que ele me colocava na administração pública. Como podia tal? Devido à intocabilidade do estatuto de funcionário público, somado à mescla da influência das redes maçónicas e dessa difusa "esquerda católica", esta alimentada da mitografia do "reviralho". Por vezes gente que me conhece diz que eu tenho mau feitio, que me "sobe a mostarda ao nariz". Pois contesto, e recordo que um dia, depois disto tudo, lá no campus da UEM em Maputo, me entrou gabinete adentro o tal ex-padreca antropólogo, a querer falar comigo. E eu falei, aturei. Não o insultei. Nem lhe bati. Sou um santo, estóico.
 
Mas isso dá-me a empiria própria, "o saber de experiência feito", para olhar atento para estes casos, os dos porcos que querem levar as alunas e as assistentes para a cama a troco de (hipotéticos) favores, e os dos escroques que perseguem quem não lhes é fiel, e pisoteiam os que o são.
 
Têm razão as queixosas do "Affaire Coimbra", é necessário uma purga institucional, uma refundação dos procedimentos institucionais, um assumir da tal vetusta universidade que trata os seus mais jovens investigadores-docentes como futricas medievais. E é preciso, em todo o lado, lutar contra esta cultura da apropriação pessoal e do revanchismo. A qual se justifica, legitima como "natural", através de um mito: o da meritocracia.
 
Entretanto, peço a alguém que conheça o tardio enverhoxista e ladino retórico Sousa Santos, que o informe que este "diplomorto etnocêntrico" lhe está "a cuspir na campa". Apenas por desprezo.

Teme-se o pior

Pedro Correia, 28.06.23

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Todos os dias docentes universitários - quase sempre os mesmos - acampam durante horas nas pantalhas, perorando sobre a mais vasta gama de temas, da guerra soviética na Ucrânia às alterações climáticas, passando pela desflorestação da Amazónia e das pequenas peripécias da política doméstica. Tanto faz: qualquer coisa lhes serve de motivo para longa prelecção televisiva.

Ficamos mais sábios ao escutá-los? Não. Espantosamente, estes professores parecem pouco ou nada ter para ensinar. Alguns distinguem-se por falar português de forma deficiente, parecendo cópias de carne e osso do rudimentar Google tradutor.

Uma senhora com pergaminhos académicos proclamava há dias a intenção de se pronunciar com «accuracy» a propósito já não me lembro de que assunto. Confirmando que em certas universidades cá da terra o idioma dominante se tornou o crioulo luso-"amaricano". 

Outra, também com lugar cativo em estabelecimento de ensino alegadamente superior, dizia que «quaisqueres» garantias estariam a ser dadas por alguém, irrelevante para o caso. E um cavalheiro, igualmente docente universitário, assegurava que «vão haver» surpresas num futuro próximo.

Quando os professores falam assim, admira quase nada que os alunos passem o tempo a grunhir inanidades, sem conseguirem debitar três frases seguidas de modo inteligível. Oiço-os nos transportes públicos: em cada cinco palavras, dizem «bué»; em cada três, dizem «tipo». Quase sempre rematado com o onomatopaico «iá»

São as supostas elites do futuro. Estão a ser formadas por «quaisqueres» especialistas em ignorância de alto nível. Teme-se o pior.

Z-Library e o acesso livre via "bibliotecas-sombra"

jpt, 03.03.23

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No passado 4 de Novembro aqui me insurgi face à investida da polícia internacional contra a Z-Library, obrigando a organização a mergulhar na clandestinidade (a via TOR, entenda-se). É agora com júbilo que partilho a informação de que a Z-Library já está de novo disponível através dos portões ("browsers") comuns. Basta pesquisar e entrar... E encontrar um acervo gigantesco em acesso livre: 22, 5 milhões de livros, 80 e tal milhões de artigos. Neste entretanto disseminou-se o acesso ao "Arquivo de Anna", um precioso e muitíssimo funcional conglomerado das chamadas "bibliotecas-sombra" (a dita Z-Library, a Genesis, a Sci-Hub).
 
É evidente que este assunto convoca várias questões, várias das quais não são de fácil resolução. No fundo é uma situação que algo replica o rombo acontecido há décadas no mundo da edição musical (para facilitar a memória aludo ao caso Napster). Mas neste estralhaçar dos verdadeiros oligopólios editoriais, ficam pendentes (ou arrasadas) temáticas como as dos direitos autorais/de propriedade intelectual, da viabilidade das editoras, e a da sua pluralidade, a da indistinção entre a criação literária e o trabalho de índole científico-académica, o aplainar das diferenças entre trabalhos financiados a priori (na sua maioria estes científicos, promovidos por assalariados no âmbito das suas obrigações laborais) e os emanados de perspectivas remuneratórias captadas a posteriori, em particular literários ou os de investigadores franco-atiradores ("liberais"). Mas há uma temática sobre a qual não tenho dúvidas, a da pertinência do acesso livre aos arquivos do saber, o gigantesco acervo da literatura académico-científica produzida. E que está resguardado, sob preços altíssimos, até especulativos, de forma a obrigar as instituições reprodutoras do saber a enormes espórtulos para que possam servir os seus profissionais investigadores e docentes e seus alunos. E nisso, e por mim também falo, penalizando aqueles que fazem, por gosto ou necessidade, investigação independente, sem cobertura institucional - e nisso sem senha de acesso às tais caríssimas subscrições do acesso ao... que já foi feito e remunerado.
 
Sobre aquilo que é contemporâneo, agora produzido, não tenho qualquer dúvida, muito prefiro as plataformas de adesão individual, nas quais cada um pode optar por colocar o que entende divulgar da sua reflexão e trabalho: eu estou na Academia.edu e na Research Gate, nas quais coloquei alguns laivos (ou resquícios) do meu modesto percurso. Mas em relação ao legado societal, ao acervo de produção científica (e, vá lá, "humanística"), não tenho quaisquer dúvidas - ele deve ser "liberalizado", no sentido de libertado. Entenda-se, ficar sob acesso aberto ao público.
 
Dou o meu exemplo: há uns anos intentei um infausto projecto, o de uma tese de doutoramento em Antropologia. Pedi uma bolsa para tal - o que me possibilitaria financiar as propinas que a instituição pública cobra para esse processo - mas não me foi possível obtê-la (resumi o caso aqui). Face a isso avancei, quixotesco, na realização individual (ambicionando uma hipotética "candidatura externa" após a conclusão do texto). Trabalhei sobre Moçambique - país sobre o qual tenho em casa uma extensa bibliografia. E com o olhar de antropólogo - disciplina sobre a qual tenho uma decente "biblioteca". E tenho acesso gratuito, como cidadão, às bibliotecas institucionais do país, que estão providas de recursos suficientes. Mas não à rede das bibliotecas digitais institucionais, caríssimas - e espartilhada, de modo a obrigar a várias subscrições, em evidentes manobras especulativas. Então voz companheira chamou-me atenção (em 2016) para as bibliotecas-sombra, em particular para esta Z-Library. E, de facto, um novo mundo - um novo universo, melhor dizendo - se me abriu, na apreensão de um imenso manancial de saber, uma miríade de textos de que nem ouvira falar. E estou eu nos meus 50 anos, imagine-se o impacto que estas facilidades poderão ter nos mais jovens...
 
Por isto tudo, Viva o Acesso Livre. Viva a Z-Library, e as outras congéneres...
 

Latrinas universitárias

jpt, 04.06.22

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Uma prestigiada universidade lisboeta introduziu sanitários unissexo (aliás, unigénero) nas suas instalações. Ao que informa a imprensa as razões são totalmente curiais, dado que ali laboram pessoas (decerto que alunos, funcionários e professores) que "não se identificam com o género que lhes foi atribuído à nascença" - presumo que esta formulação algo excêntrica advirá de uma incompreensão do jornalista redactor, mas isso será pormenor que não apoucará a justa causa sanitária. Assim sendo, e dado o incómodo sentido por essas pessoas ao satisfazerem as suas necessidades fisiológicas, a progressista universidade encetou o processo de terminar com o apartheid fisiológico.

De facto, nada se poderá contestar face à justeza do princípio activado. Apenas um pudor culturalmente imposto nos conduz a apartar "homens" e "mulheres" (se é que estes termos ditatoriais ainda têm pertinência) nos seus momentos de micção e defecação - e é bem sabido que outras sociedades organizam de modo diferente essas práticas fisiológicas, tanto em termos de separação de "géneros" como de "gerações" (essa ditadura etária...) e mesmo de proclamação da "intimidade" requerida para os actos.

É certo que se poderá dizer que aqueles que querem recusar "o género que lhes foi (culturalmente) atribuído à nascença" (para usar a malévola construção do jornalista) também poderiam - e até mais facilmente -  apartar-se desse pudor culturalmente atribuído. Mas enfim, para quê violentar as suas sensibilidades em momentos, por vezes, tão aflitivos? Que justiça haverá em exigir-lhes ainda mais um expurgo cultural, exauridos que poderão estar dada a premente (e porventura pressionante) tarefa de se libertarem do peso cultural imposto pela genitália.

Em face do que exponho - e faço-o impregnado pelos saberes da antropologia, a qual estudei naquela mesma universidade, ainda nos tempos do apartheid sanitário - julgo assisada a decisão das autoridades académicas, e espero que num curto espaço de tempo os sanitários unigénero venham a ser norma, e não excepção, no ISCTE. E nas outras instituições nacionais de ensino superior.

Mas aduzo outra questão, correlacionada. A referente ao mobiliário sanitário que o Estado (trata-se de uma instituição de ensino público) impõe. Pois as atitudes corporais na micção e na defecação são culturalmente construídas (ou seja, ensinadas). E também nessas há o peso da construção do género, esse ferrete ditatorial imposto desde a mais tenra idade aos indivíduos. Daí a predominância do hábito dos "homens" urinarem em pé e das "mulheres" urinarem agachadas (ou sentadas) - algo que também não é universal, como saberá qualquer indivíduo mais lido. Nesse sentido, e neste passo de extirpar a ditadura do género sobre os actos fisiológicos, as novas instalações sanitárias unigénero deverão ser transformadas, conduzindo a uma homogeneidade pós-género no acto da micção. Assim deverão ser afastados os heteropatriarcais urinóis, cuja utilização demarcará uma identidade própria e denotará alguma ambição de poder, falocentrado.

Entretanto, é do conhecimento geral que os "homens" (no mero sentido de portadores de pénis mictórios) têm tendências a aspergir de urina de forma menos circunscrita as sanitas (as "retretes", como dizem os burgueses que estudam na universidade), nisso conspurcando os rebordos sanitários. Isso poderá causar desconfortos futuros às "mulheres" (no mero sentido de pessoas desprovidas de pénis mictórios), e mesmo doenças de foro infeccioso.

Assim sendo, será culturalmente libertador e sanitariamente precavido a harmonização do mobiliário destas instalações unigénero. Significa isso proceder à instalação de latrinas, refutando a referida ilegitimidade dos urinóis (pois algo descabidos às portadoras de vagina), e eliminando os perigos infecciosos das sanitas.

Um outro passo deverá ser encetado, nesta via de descondicionamento das práticas fisiológicas, refutando os valores culturalmente inculcados. Trata-se de ultrapassar o dogma da "intimidade" - o qual se afirmou na nossa sociedade mas que, também ele, inexiste noutras. Deste modo será de pensar, talvez num segundo passo ou talvez desde já, em abdicar da instalação dos cubículos destinados aos actos fisiológicos, em particular no que concerne à defecação. O "open space" é uma opção culturalmente libertadora e deve ser transmitida às novas gerações. 

ADENDA: meros momentos após ter publicado este postal comecei a receber mensagens privadas apelando a uma alteração (e um comentário aqui no blog). É certo que poderão ser contributos eivados de heteropatriarcado, mas tratam-se de testemunhos de "homens" (ou seja, pessoas portadoras de pénis mictórios) que afirmam ter tido, por vários motivos, acesso a sanitários exclusivos a "mulheres" (indivíduas portadoras de vagina), os quais apresentavam vestígios de urina bem mais ala(r)gados do que o habitual nos redutos falocêntricos. Noto esse assunto pois, de facto, sublinha a minha proposta, a da colocação de latrinas unigénero, menos dadas à proliferação de dejectos líquidos. E ainda por cima evitará o que me parece óbvio dado o imediato efeito do meu modesto postal: o da eclosão de um conflito de géneros sobre os piores urinantes...

A polícia na Faculdade de Arquitectura

jpt, 23.10.20

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Em Março de 2017 o professor Jaime Nogueira Pinto, homem consabidamente de direita, viu cancelada uma conferência para qual havia sido convidado, a realizar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. O motivo foi a ameaça de acção violenta feita pela Associação de Estudantes, disse-se que ligada ao BE, auto-legitimada pela ideologia do orador. A direcção da faculdade atemorizou-se e cedeu. Os organizadores propuseram pagar a protecção policial. A direcção negou-se a fazer entrar a polícia no espaço universitário, uma já saudável tradição académica, mesmo que para defender o fundamental direito de liberdade de expressão. E de associação. Então a organização propôs arranjar segurança privada. A direcção recusou, e cancelou definitivamente a acção. Seguiu-se polémica. Vários professores, dali e de outras instituições, vieram a público mentir - quem acredita que há um qualquer "Juramento de Hipócrates" vinculando os académicos à demanda da(s) verdade(s) está redondamente enganado - clamando que o objectivo da organização era convocar os holigões neo-nazis para a universidade. Em privado alguns académicos - daquele vácuo eixo MES/BE - foram-me dizendo, com desplante sorridente, "ah, também o Nogueira Pinto é muito reaccionário ...". Sê-lo-á, porventura. E depois, que interessa isso?, calei eu, já então enojado com o ambiente geringoncico desta pequena lisboa, do campo grande à avenida de berna, "do choupal até à lapa" ... Mas do episódio retive três dimensões: o aldrabismo de tantos intelectuais; a cobardia académica; que só em situações extremas é que a polícia entra nos campi, nem mesmo para defender direitos fundamentais.
 
Leio agora, através do texto do Pedro Correia, que a PSP foi chamada, por denúncia anónima, e acorreu à Faculdade de Arquitectura, com desconhecimento da Direcção académica. Que deteve e multou um professor à porta da sala de aula. Devido a ter este retirado a máscara durante um período da sua prelecção. Passaram alguns dias. Googlo e não encontro quaisquer reacções, daquela faculdade, do seu corpo docente, ou no restante mundo académico, individual ou organizacional.
 
Para além do choque com esta mentalidade delatora e com este excesso de zelo, inculto e ilegal, de uns quaisquer polícias, o que se pode retirar? Que para o mundo universitário português é normal, e até requerido, evitar a acção policial para defender as liberdades de expressão e de associação. Mas que é mais do que aceitável, até requerida, a sua acção para obrigar a usar máscaras em espaço académico. Mesmo sem permissão ou solicitação das autoridades universitárias.
 
Não haja dúvida de que se vive uma histeria sanitária, promotora de mentalidades antidemocráticas. Mas o silêncio corporativo também nos mostra outra coisa. Que naquele meio existem, como se diz na tropa, "filhos de muitas mães". E isto até para mau entendedor chega ...
 
(A latere: ao colocar este texto no blog pesquisei o logotipo da Faculdade de Arquitectura para o ilustrar. Para me deparar com uma figuração completamente .... maçónica! Como é isto possível, estes termos para a representação de uma instituição pública numa república laica? Como não se exige a depuração deste simbolismo?)

O comentário da semana

Pedro Correia, 12.07.20

«As universidades podiam (deviam) ter optado por exames presenciais. A maioria não o fez ou coloca tantas barreiras aos professores que os querem fazer que estes desistem (as instituições poupam no equipamento de protecção, na higienização dos espaços, etc.). Na minha instituição foram distribuídas máscaras a todos os funcionários, excepto aos docentes.

E sim, bastantes colegas meus, a pretexto do vírus, estão fora da universidade desde Março. Porém, há que ser justo, pois muitos deles raramente apareciam no local de trabalho antes da Covid-19 - agora têm um pretexto. Alguns funcionários recusam-se a vir, alegando pertencer aos grupos de risco. Muitos já não faziam nada, mas outros eram essenciais em alguns serviços (agora parados).»

 

Da nossa leitora Catarina Silva. A propósito deste texto do Sérgio de Almeida Correia.

A minha indignação bem expressa

Pedro Correia, 10.09.19

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Lamento muito ter de me pronunciar aqui contra a minha alma mater, mas acho péssimo que a Universidade Católica se promova no estrangeiro e no próprio País deturpando o nome da nossa capital.

Lisboa. Uma das mais belas palavras do idioma de Camões. Que, por acaso ou talvez não, coincide com nome da principal cidade portuguesa.

Acontece que a Católica, por motivos que não consigo descortinar, optou por abastardar Lisboa, adulterando-lhe a grafia, agora adaptada ao amaricano que vai dando cartas em certos círculos bem-pensantes.

É uma aberração.

 

Devíamos aprender com os nossos irmãos brasileiros. Alguém imagina uma instituição brasileira a deturpar os nomes das duas principais cidades do país, Rio de Janeiro e São Paulo - orgulhosamente escritos assim, na universal língua portuguesa que nos serve de poderoso traço de união?

Alguém imagina os brasileiros a escreverem "St. Paul" ou "River of January" para caírem nas boas graças do falso cosmopolitismo que galopa por aí?

Nem pensar.

 

Aqui fica o meu lamento. Aqui fica o meu protesto.

Aqui fica a minha indignação. Ao ver a falsa primeira página do Expresso do último sábado com a falsa manchete que aqui reproduzo e alguns dos títulos que junto também. Todos escritos num peculiar jargão luso-amaricano em que o português é praticamente empurrado para a borda do prato.

Deixaram-me envergonhado. E tenho a convicção de que muitos professores e muitos dos actuais alunos da Universidade Católica pensam como eu.

O que se passa com o centro-direita em Portugal?

Luís Menezes Leitão, 30.07.19

Se há coisa que caracteriza uma doutrina de centro-direita é defender o reconhecimento a quem tem mérito. No acesso ao ensino superior público isso expressa-se precisamente pelo facto de as vagas na universidade serem preenchidas pelos alunos com melhores classificações. Admitir que um aluno possa pagar para entrar numa universidade pública, ficando assim beneficiado face a colegas com classificações mais elevadas é estabelecer uma diferenciação no acesso ao ensino superior público com base na condição social. Tal não só seria claramente inconstitucional como seria contra os mais elementares princípios de justiça. Sinceramente estou muito preocupado com o estado actual do centro-direita em Portugal.

A academia

Alexandre Guerra, 08.05.19

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"A Escola de Atenas", Rafael, 1509-11, Palácio Apostólico, Vaticano

Numa das galerias adjacentes à Capela Sistina, no Palácio Apostólico do Vaticano, encontra-se uma das mais famosas pinturas renascentistas: “A Escola de Atenas”. Há quem diga que é a grande obra-prima de Rafael por representar tão bem a essência do Renascimento, uma época de luz, conhecimento e inovação. As figuras que supostamente lá estão representavam à época tudo o que de virtuoso tinha a Humanidade. Filósofos, matemáticos, historiadores, políticos, religiosos, militares, engenheiros, artistas, todos eles na vanguarda das suas artes e ofícios.

Poderemos considerar que o fresco de Rafael não simbolizará tanto o conhecimento em si, mas antes o processo para a produção desse mesmo conhecimento. Mais do que um espaço físico, a “Escola de Atenas” pode ser vista como um conceito, como um paradigma para a construção de saber. Ao estar a representar academia de Atenas, Rafael está a enfatizar a importância da troca de conhecimento e de experiências entre pessoas das mais variadas áreas do saber e da vida, do intelectual ao artístico, do filósofo ao político, do artífice ao militar. No seu âmago, trata-se de um princípio inerente à essência da “Escola de Platão”.

Hoje, tal como dantes, a academia é (ou deve ser) um lugar privilegiado de produção de conhecimento e de debate. Deve ser um fórum de vanguarda onde se (re)formulam doutrinas. As suas gentes, professores e alunos, devem ter liberdade de pensamento, sem dogmas e preconceitos, independentemente das suas posições políticas e convicções ideológicas. A academia deve ser um espaço de propagação de ideias e tendências, onde o espírito de arrojo deve estar aliado à humildade perante o saber dos outros.

Para a academia cumprir a sua função de excelência não pode ficar fechada sobre si própria, estanque ao mundo exterior, correndo o risco de asfixiar a sua criatividade intelectual. Universidades e centros de saber só se realizam na sua missão quando se enquadram e servem a pólis, ao procurarem dar respostas inovadoras aos desafios que se lhe impõe. Professores e alunos aprendem e ensinam-se mutuamente, cumprindo cada um o seu papel com o talento possível. Mas essa relação não deve ficar por aqui, nem se deve perpetuar no tempo circunscrita à mesma academia, anos e anos a fio, grau a grau, até se chegar ao topo da carreira, correndo-se o risco dos sistemas universitários ficarem resumidos a um micro-cosmos, dominado por alinhamentos ideológicos, partidários ou de interesses de proximidade.

Esta é uma realidade que se verifica nalguns polos universitários em Portugal, onde as elites de algumas destas universidades se perpetuam à frente dos mecanismos que, supostamente, originam a produção de saber e conhecimento. Facilmente se identifica no seio destes meios académicos correntes dominantes que partilham determinadas afinidades, numa lógica tribal fechada, de quase “endogamia académica”, em que pouco ou nada se expõem ao mérito e concorrência externas. Consequência: a academia fica desvirtuada no seu propósito, deixando de dar lugar aos melhores e às ideias de vanguarda, para servir de albergue aos “académicos da casa”, que sempre viveram para esse (e naquele) sistema.

Ainda recentemente, o Público abordava precisamente o tema da “endogamia académica” e concluía que este problema persiste na academia portuguesa. Aliás, aquilo que o jornal descreve como “situações de imobilidade profissional”, recorrendo ao relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) do ano lectivo de 2015-2016 sobre endogamia académica, manifestam-se no facto de cerca de 70% dos docentes das universidades públicas portuguesas se doutorarem na mesma instituição onde leccionam.

Por exemplo, nas áreas das Ciências Sociais (Relações Internacionais e Ciência Política) e Comunicação, aquelas que o autor destas linhas melhor conhece, é muito comum ver académicos e investigadores a desenvolverem uma carreira de 10, 15, 20 anos numa mesma instituição, sem qualquer contacto com outras realidades académicas, sociais e profissionais. É certo que muitos destes académicos detém um determinado grau de conhecimento teórico que não pode ser descurado, mas fica-se por aqui o seu contributo em termos de produção de novo saber e isso explica-se, em parte, pela ausência de outras componentes que vão além da universidade.

No artigo do Público aqui referido, Pedro Santa-Clara, professor na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, salientava precisamente essa consequência, ou seja, “o facto de as pessoas não terem mundo, não terem alternativas e terem crescido sempre no mesmo sistema”. Dizia ele que “o sistema torna-se impermeável à inovação e a novas ideias”.

Essa é uma das maiores críticas que se faz à academia portuguesa quando comparada com outros meios universitários, nomeadamente o anglo-saxónico. Nalgumas universidades nacionais existe um modelo instalado que privilegia, por um lado, um determinado conhecimento estático, e, por outro, determinadas figuras, algumas delas catapultadas para a condição de estrela através da sua mediatização. Mas, efectivamente, através de um olhar crítico e científico constata-se que a dimensão da sua obra é, por vezes, mediana, para não dizer medíocre. É um sistema que funciona como uma “bolha”, à imagem de outros sistemas da nossa sociedade, e que fomenta um “status quo” conservador, muitas vezes alimentado pela arrogância e falta de humildade.

Uma realidade que foi apontada no recente livro “Cientistas Portugueses”, do bioquímico e antigo jornalista David Marçal, no qual traça um retrato de quem faz investigação científica no país. Editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, o jornal Público fez a pré-publicação de um capítulo precisamente dedicado “aos cientistas que vivem fechados nessas bolhas”.

E neste capítulo lê-se o seguinte:

“Os investigadores Arcadi Navarro e Ana Rivero fizeram um grande estrondo em 2001 quando publicaram na prestigiada revista Nature uma carta que quantificava o fenómeno da contratação de professores universitários com base em critérios de proximidade social em vez de qualidade científica. A bem instalada lógica de que “mais vale bêbado conhecido do que alcoólico anónimo.”

Mais à frente, David Marçal escreve:

“Em Dezembro de 2006 entrevistei Arcadi Navarro (na altura tinha interrompido o meu doutoramento para participar no programa Cientistas na Redacção, integrado na secção de Ciência do PÚBLICO durante três meses). A entrevista foi a propósito de um debate sobre mobilidade e endogamia nas universidades portuguesas, que decorreu no Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras. […]Perguntei a Arcadi Navarro quais eram as consequências da endogamia nas universidades: ‘São horríveis. As pessoas em vez de ciência estão a fazer política de corredores e a universidade torna-se uma maneira de arranjar salários para os amigos’.”

Lê-se ainda:

“Damos um salto a Portugal, ao ano lectivo de 2015-2016. […]De acordo com os dados deste relatório da DGEEC, a Universidade de Coimbra é a campeã nacional da endogamia, com 80% de docentes doutorados na mesma instituição em que leccionam. Seguem-se a Universidade dos Açores e a Universidade de Lisboa (ambas com 74% de endogamia), a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (73%), a Universidade do Porto (72%), a Universidade de Aveiro (64%), a Universidade Nova de Lisboa (61%), a Universidade da Beira Interior (57%), o ISCTE (49%), a Universidade da Madeira (48%) e a Universidade do Algarve (40%). […] Globalmente, cerca de 70% dos professores das instituições de ensino superior em Portugal doutoraram-se na mesma faculdade onde estão empregados. Sete em cada dez vezes, um candidato interno ganha o concurso para a entrada no quadro. A menos que achemos que os candidatos vindos de fora são, por qualquer motivo, de facto muito maus, temos que presumir que há uma viciação sistemática dos concursos a favor dos candidatos internos.”

Toda esta informação vem apenas encorpar a noção pouco vanguardista que muitos têm da academia portuguesa. Há excepções? Claro que sim. Há exemplos de produção de conhecimento inovador? Sem dúvida. Temos académicos e investigadores de excelência? Seguramente. O problema é que, no geral, as grandes universidades portuguesas continuam a ser um reflexo da sociedade, não sendo de estranhar que se encontrem nelas os mesmos males e “jogos de interesses” que assolam outros sectores. É caso para dizer que a academia portuguesa está muito afastada do espírito virtuoso representado na “A Escola de Atenas” de Rafael, onde os melhores dos melhores se reuniam na produção de saber de vanguarda.

Passos Coelho na Universidade

jpt, 04.03.18

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Vejo no facebook uma mole de protestos face ao anúncio de que Passos Coelho passará a ser professor no ISCSP e, posteriormente, em outras duas universidades. Todos têm implícito que o problema é ser este indivíduo (PPC) o convidado, e muitos o explicitam. É relevante notar que se a adequação do perfil político-partidário ao exercício da docência universitária foi estruturante no Estado Novo, os "democratas" d'agora convocam-na agora como critério. 

E todos esses protestos contestam a transição profissional dada a inexistência de currículo académico de PPC. Face a esse argumento consulto o Decreto-Lei 448/79, o "Estatuto da Carreira Docente Universitária" (actualizado em 2009, aparentemente sem alterações à parcela de texto que aqui convoco). Diz no preâmbulo, no seu ponto 9:

"Com o objectivo e a preocupação de abrir as portas da Universidade a todas as competências (...) concede-se ainda a possibilidade de serem especialmente contratadas individualidades que, pela sua competência científica, pedagógica ou profissional, possam dar à Universidade o seu saber e a sua experiência. E esta possibilidade tanto existe para aqueles que queiram prestar serviço em regime de tempo integral como para quantos continuem a exercer uma actividade de investigação ou profissional fora da própria escola. ( ...)
O carácter de excepcionalidade do regime das equiparações por convite e o próprio conceito que ele encerra pressupõem, no entanto, que só possam ser contratados como professores convidados individualidades que, embora não tenham enveredado pela carreira docente normal, ou não possuindo os graus académicos exigidos para as categorias que as integram, tenham um currículo científico, ou científico e profissional, susceptível de permitir concluir que a sua colaboração pode ser efectivamente útil à Universidade".

Pode ser que o governo anterior tenha sido mau. Pode ser que PPC venha a ser um mau docente. Pode ser até que encare a actividade apenas como uma pausa na sua biografia. Mas será pertinente negar, a priori, que um tipo que foi PM durante uma legislatura, governando em coligação ainda por cima, e que cruzou uma enorme crise mundial que gerou articulações com ditames económico-financeiros e administrativos externos, vá leccionar Administração Pública ou Economia?

De facto, este coro de protestos só mostra o fascistazito (muitos em versão "(neo-)comunistóide") que há dentro de tantos destes auto-proclamados "democratas". E mostra também a profunda ignorância, atrevida e arrogante ainda para mais, sobre o que é a universidade. E que esta fúria seja partilhada por vários académicos deixa entender não só o como estão infectados da cultura ditatorial, como também o corporativismo (salazarento, já agora) que os conduz. E, ainda mais, o desconhecimento da própria profissão. Tétricos duendes.

 

Benefícios do Ensino Superior em Portugal

João André, 30.09.17

Num dia de "reflexão", decidi reflectir sobre outra coisa que não as eleições: o valor dos estudos em Portugal. Não sendo um especialista com acesso a dezenas de bases de dados nem com tempo para passar meses de volta de folhas de cálculo, fiz uns quantos rápidos baseados em dois dados: os rendimentos brutos anuais de acordo com o grau máximo de educação atingido (valores de 2014 do INE) e os valores de IRS a pagar de acordo com cada escalão.

 

Munido destes valores decidi descobrir qual o valor monetário de um grau académico. Há ressalvas a considerar:

- Apenas considerei como valor base o de pessoas com o secundário (a actual escolaridade mínima obrigatória). Os valores abaixo são ignorados.

- Considerei as seguintes durações: secundário sem reprovações até aos 18 anos de idade; o bacharelato como sendo de 3 anos (sem anos extra); a licenciatura de 5 anos (1 ano extra); o mestrado de 5 + 2 anos (2 anos extra); e o doutoramento de 5 + 2 + 4 anos (3 anos extra).

- A reforma chega aos 67 anos de idade (necessária para estimar os rendimentos e contribuição totais).

- Considerei que os alunos de mestrado e doutoramento recebem um salário anual do grau abaixo (de mestrado com salário de licenciado, de doutorado com salário de mestrado). Há um erro mas é a aproximação que decidi fazer.

- Para o salário anual de mestrado (não explícito nos dados do INE) estimei a média entre licenciatura e doutoramento.

- O valor que retirei dos dados do INE é médio para o resto da carreira contribuitiva. Isto é duvidoso especialmente porque é muito provável que alguém com mestrado obtido hoje acabe a aumentar significamente os seus rendimentos à medida que, ao longo das décadas, o valor da sua educação aumente. Mas é a aproximação que me foi possível.

 

Ressalvas feitas, vamos aos valores.

 

Valor do grau académico

No gráfico 1, está o valor dos rendimentos brutos totais que uma pessoa pode auferir ao longo da sua carreira contribuitiva. Também adicionei a diferença que se obtém em relação a uma educação a terminar no secundário.

 

rendimentos brutos totais portugal.jpg

Figura 1: rendimentos brutos totais ao longo da carreira profissional.

 

O valor de um grau académico em Portugal salta de imediato à vista. Um simples bacharelato aumenta em 65% os rendimentos. Curiosamente, ter uma licenciatura não ajuda muito, com os anos extra necessários à mesma a reduzirem os rendimentos totais (a diferença anual entre bacharelato e licenciatura é de apenas 250 €/ano). A partir do mestrado obtém-se paridade em relação ao bacharelato e com o doutoramento atinge-se o valor mais alto, embora não por valores muito elevados (cerca de 1.000 €/ano).

 

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Figura 2: rendimentos líquidos totais ao longo da carreira profissional.

 

E se optarmos por olhar para os rendimentos líquidos? Nesse caso a situação piora para os licenciados e mestres. A vantagem sobre o bacharelato chega apenas com o doutoramento e, em termos líquidos, é de apenas 450 €/ano. Em perspectiva, pagará os cafés diários.

 

Com base nestes valores parece claro que o melhor grau académico para a carreira profissional será o bacharelato. Em 3 anos está terminado, o que significa que a independência financeira está mais próxima, e ao longo da carreira não é muito pior que ter um doutoramento. Claro que aqui não está contabilizado o maior valor de reforma que o doutorado terá, mas num ponto de vista estritamente de carreira profissional, o bacharelato parece ter a melhor relação custo/benefício (quando o custo é o esforço pessoal e de tempo e o benefício os rendimentos).

 

Valor contribuitivo para o Estado

Fala-se sempre do benefício do grau académico, mas não olhamos muito para aquilo que ele oferece ao Estado do ponto de vista contribuitivo. Ora, se alguém tem rendimentos superiores, irá também pagar mais impostos (até devido à subida nos escalões). No que resulta isso?

 

contribuicao fiscal corrigida portugal.jpg

Figura 3: impostos pagos por cada indivíduo de acordo com a educação atingida (reflectindo rendimentos durante mestrado e doutoramento).

 

O que vemos aqui é que, um indivíduo que tenha um grau académico acabará a pagar ao longo da sua carreira contribuitiva essencialmente mais do dobro que alguém que tenha apenas estudos secundários. Ter um bacharelato faz entrar no cofre do estado tanto em valores extra como alguém com o secudário ao longo da sua vida. ou seja, um bacharel paga ao estado mais de 3.500 €/ano por ter estudado. Um licenciado um pouco menos. Um mestre e um doutor pagam ao estado pelo privilégio cerca de 4.00 e 4.500 €/ano extra, respectivamente (em relação ao bacharel).

 

Só que esta não seria a contribuição total. Idealmente adicionaríamos também o valor do IVA pago ao fazer compras. Aqui decidi fazer novas aproximações:

- A taxa de IVA escolhida foi a intermédia (13%), para reflectir que muitos dos gastos são com bens a IVA reduzido. O valor pode estar errado (não encontrei informação sobre taxas médias de IVA na minha busca rápida) e certamente será diferente de acordo com os rendimentos disponíveis (indivíduos com menores rendimentos gastarão uma maior percentagem dos mesmos em bens d eprimeira necessidade a uma taxa mais baixa). Seja como for, é a aproximação escolhida.

- O valor do IVA foi aplicado sobre a totalidade dos rendimentos líquidos. Isto estará novamente errado (haverá quem faça investimentos ou poupanças), mas é a aproximação que escolhi.

 

contribuicao fiscal corrigida portugal + IVA.jpg

Figura 4: Impostos toais pagos com IVA adicionado.

 

Os valores aqui não alteram o cenário relativo da figura 3, apenas aumentam em termos absolutos. Dessa forma podemos calcular o valor acrescentado que os graus académicos trazem ao estado: aproximadamente 4.500 €/ano para bacharelato e licenciatura, 5.000 €/ano para o mestrado e 5.500 €/ano para o doutoramento. Podemos colocar isto em perspectiva ao olha para o custo de um aluno do ensino superior em Portugal (figura 5, retirado da página 275 da tese de doutoramento de Maria Luísa Machado Cerdeira, "O Financiamento do Ensino Superior Português: A partilha de custos").

 

custo por aluno.jpg

Figura 5: Custo anual para o estado de cada aluno no ensino superior. Valores apenas até 2008.

 

Mesmo aceitando que o valor para o Estado era de apenas 3.610 €/ano/aluno em 2008 e que estes tenderiam a aumentar durante a recessão, podemos ver que a contribuição fiscal acrescida graças á posse do grau académico compensa largamente esse custo aos cofres do país. Imaginando um valor máximo de 4.438 €/ano/aluno (valores de 2001) e adicionando mil euros, uma licenciatura (aceitando 5 anos de estudos mais um ano extra) seria paga em sete anos e meio, com o resto da vida contribuitiva a ser lucro. No caso de bacharelatos, mestrados e doutoramentos, o curso universitário seria pago ainda mais depressa. Mesmo que se adicione um ano extra para compensar quem estuda e não contribui da mesma forma (porque não pode trabalhar, saiu do país ou abandonou os estudos antes de os concluir), parece óbvio que o estado beneficia financeiramente de oferecer a educação superior.

 

Obviamente que este retorno do investimento não leva em conta o valor acrescido que, esperamos, os indivíduos com graus superiores trarão à sociedade, seja do ponto de vista de eficiências, seja através de novos negócios que gerem riqueza. Estes benefícios deveriam ser então traduzidos em maiores receitas fiscais do lado do IRC (através do aumento de lucros) ou também do IRS (através de maior emprego). Não é linear, obviamente, mas seria esse o princípio.

 

Conclusões

E que concluir destas 3-4 horas de procura e escrita (e uns 10 minutos de leitura)? Bom, primeiro que nada que os estudantes pouco beneficiam de estudar para lá do bacharelato. As empresas portuguesas parecem não valorizar os dois anos extra de estudos através de salários mais elevados. As razões disso não conheço, apenas constato os valores. Por outro lado parece que ter mestrado e/ou doutoramento será benéfico, mesmo que por pouco. onde os graus mais elevados provavelmente se traduzirão em benefícios será no tecto salarial máximo que se pode atingir ao longo da carreira, o qual provavelmente aumentará com o nível de ensino atingido. Apesar disso, isso só será realidade em alguns casos.

 

Por outro lado, o Estado parece ter benefícios financeiros claros em oferecer os estudos. Dado que as propinas constituirão 20-25% dos custos por aluno, é possível argumentar que se o Estado tornasse o ensino completamente grátis não perderia muito. Dado que haverá certamente estudantes que decidem não seguir para o ensino superior devido ao custo das propinas (a que acrescem os de alojamento, alimentação, materiais de estudo, viagens, etc) e que alguns desistirão dos mesmos porque deixam de ter meios para os pagar, poderia muito bem suceder que um ensino 100% gratuito aumentasse a base de recrutamento de estudantes, o que só beneficiaria a qualidade.

 

Conclusão final? O país não valoriza os estudantes do superior como deveria mas beneficia imenso deles. Apesar das ineficiências, haverá certamente poucas áreas do estado onde haja tantas vantagens entre o serviço prestado e o benefício retirado. Ou, noutras palavras, o Ensino compensa. E muito.

Imbecilidade com respaldo institucional

Diogo Noivo, 07.03.17

Uma pessoa ia dar uma conferência numa universidade. Essa pessoa tem curriculum académico e profissional relevante. Nada indicava, sugeria, ou indiciava que da conferência resultaria um ataque aos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição. Porém, um grupelho, porque não gosta da pessoa que ia ministrar a conferência nem das pessoas que a organizavam, decidiu lavrar protesto, suscitar desordem e exigir à faculdade o cancelamento da conferência. O Caramelo que está à frente da faculdade, certamente por não entender as funções que desempenha e a missão da instituição que dirige, acedeu ao pedido.
Podia sair do campo da abstracção e dizer que raras vezes concordo com Jaime Nogueira Pinto, muito embora tenha por ele admiração intelectual. Podia defender a pertinência do tema que ia ser debatido. Podia ainda afirmar que, pessoalmente, os promotores da conferência me parecem um pouco anacrónicos. Mas, para o caso, o detalhe e as apreciações pessoais são extemporâneas. Houve um gravíssimo atentado a liberdade de expressão, mais grave por ter sucedido numa instituição que, por definição, deve ser um espaço de debate, de liberdade e de conhecimento. Em vez de pastar por locais como o esquerda.net, o grupelho teria muito a ganhar em ler um notabilíssimo escritor de esquerda chamado Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo pseudónimo George Orwell. Entre outras coisas relevantes para o assunto em apreço, escreveu Orwell que "...to be corrupted by totalitarianism one does not have to live in a totalitarian country. The mere prevalence of certain ideas can spread a kind of poison that makes one subject after another impossible for literary purposes. [...] But what is sinister, [...], is that the conscious enemies of liberty are those to whom liberty ought to mean most." Só por estes pequenos excertos, e se não forem completamente destituídos, já aprendiam qualquer coisinha. Eles e o Caramelo.

Méritos e desvantagens do 'estudante enquanto cliente' no ensino universitário

José Maria Gui Pimentel, 26.10.15

Yanis Varoufakis esteve em Portugal no fim-de-semana passado, para a 'Aula Inaugural' dos Programas de Doutoramento do Centro de Estudos Sociais (CES) - Universidade de Coimbra. Durante a exposição, num aparte que não terá sido dos mais recordados, insurgiu-se contra a tendência de 'mercantilização' das Universidades:

 

<A certo ponto, nas nossas grandes Universidades, foi-nos dito que deveríamos tratar os alunos como clientes. Ora, isso representa o fim da Universidade, uma vez que o cliente, como se sabe, “tem sempre razão", sabe o que quer e tem direito a isso. Mas, quando se vem para a Universidade, por definição, não se sabe o que quer. Caso contrário não precisaríamos de vir para a Universidade. A missão do professor, por isso, não é satisfazer o cliente, é confrontar os alunos, pedir-lhes que leiam o que não querem ler, examiná-los em tópicos em que não querem ser examinados.>

(tradução minha, livre)

 

Embora não seja um tema mainstream, é um ponto-de-vista que já tenho visto defendido noutros fóruns. E, curiosamente, é uma crítica capaz de granjear apoios tanto à esquerda como entre a direita - chamemos-lhe - ‘tradicional’.

 

Não sendo -- dizia -- a primeira vez que ouvi este lamento, a verdade é que me deixou a cogitar, até porque está, em alguma medida, em sintonia com a minha experiência enquanto estudante. Digo em alguma medida porque existem inegavelmente méritos na profissionalização do ensino universitário. Mas as desvantagens a que Varoufakis se refere são também manifestas para qualquer pessoa que tenha estado numa sala de aula no século XXI. 

 

O que está em causa, então, é a profissionalização da actividade pedagógica. A docência já era, claro está, uma categoria profissional, mas o enfoque era até aqui colocado sobretudo nos méritos académicos do docente, mais do que na sua capacidade pedagógica. Há, quanto a mim, claras vantagens em avaliar criteriosamente a capacidade de ensinar, a disponibilidade, a metodologia de ensino – entre outros factores – de cada professor. Não obstante, embora parte dessa avaliação tenha que se centrar na satisfação do beneficiário-último do ensino, o aluno, depender exclusivamente dessa aprovação acarreta, inegavelmente, riscos.

 

Enquanto estudante, frequentei durante a licenciatura uma instituição que era – à época, algo anacronicamente – em grande medida ainda imune à ‘mercantilização’ do ensino universitário. Posteriormente, dentro e fora de Portugal, tive contacto com instituições já claramente integradas na onda de mercado. Entre esta e aquela experiência, identifiquei rapidamente uma melhoria clara num aspecto: a probabilidade de encontrar um professor realmente fraco caiu drasticamente. A profissionalização da pedagogia tem, inegavelmente, esse mérito: deixa de ser possível a eternização no lugar de professores cuja falta de capacidade pedagógica é tão flagrante que, com o passar dos anos, chega a conferir-lhes, paradoxalmente, um estatuto de lenda-viva. Do outro lado do espectro, fui-me apercebendo de que a profissionalização trazia acoplada uma certa ‘estandardização’ do modelo de professor, coarctando a liberdade necessária à actuação daqueles professores que, sendo menos convencionais, são também muitas vezes os mais geniais e, na minha experiência, os que mais nos marcam para a vida. Por um lado, o estabelecimento, ex ante, de um modelo de aula cria entraves à adopção de um estilo mais idiossincrático, restringindo apartes que fujam à agenda pré-definida e métodos alternativos. Por outro lado, como nota Varoufakis, o peso dado à avaliação do professor coloca o aluno no lugar de cliente, um esquema que, trazendo vantagens, tem também o claro custo de incentivar o professor a abster-se de tudo aquilo que não tenha um benefício visível, imediato e relativamente indolor para o aluno. Com efeito, várias vezes reparei no desagrado de colegas com tarefas vistas como demasiado difíceis ou trabalhosas, quando estas, analisadas com a devida distância, eram claramente justificadas (outras vezes, certamente, terei sido eu próprio a lamentar-me erradamente do mesmo).

 

Em suma, parece-me necessário encontrar um meio-termo entre o ensino autoritário de antigamente e a via, de inspiração ango-saxónica, do ‘curso-enquanto-produto’.

 

Termino com um episódio que julgo exemplificativo. Recentemente, em conversa com um amigo que leccionou durante uns anos no ensino universitário, ele relatava-me uma experiência reveladora. No primeiro ano, com o entusiasmo típico do estreante, deu-se ao trabalho de programar as aulas à minúcia, de modo a torna-las tão interessantes e desafiantes quanto possível. No final do ano, a Universidade deu-lhe conta de que a reacção dos alunos tinha sido claramente negativa, dela sobressaindo desagrado com o excesso de trabalho e a exigência desmesurada. Conformado com a realidade, este meu amigo decidiu arrepiar caminho, e refez a cadeira no ano seguinte, abrandando o ritmo e estandardizando-a. O resultado? Avaliações transversalmente positivas, evidentemente.

O futuro da Universidade (1)

João André, 20.04.15

Na edição de 28 de Março da Economist surgiu um interessante trabalho sobre a presente situação das universidades (em geral, pelo mundo). Resumidamente, estes são os principais pontos do trabalho:

 

  • O modelo americano de universidades que são também centros de pesquisa foi o mais bem sucedido até hoje para criar conhecimento e atrair estudantes, mas dá sinais de se estar a esgotar.
  • O modelo americano é contudo aquele que tem sido seguido como modelo para a maioria das universidades do mundo inteiro.
  • Os rankings são uma excelente forma de avaliar a excelência das universidades como centros de pesquisa mas falham quando se tenta avaliar a qualidade do ensino.
  • Possuir um diploma ainda é – em geral – garantia de melhores salários ao longo da vida profissional (cerca de 15% por ano).
  • Tal melhoria de salário leva a uma enorme corrida aos lugares nas universidades, as quais – se privadas – fazem subir as propinas dos alunos (só nos últimos 5 anos terão subido mais de 50%).
  • A excelência das melhores universidades no modelo americano leva a uma enorme concorrência no acesso às mesmas. Sendo que as melhores universidades têm a ganhar em ser exclusivas, isso leva a que mantenham os custos muito altos (ou os aumentem) e não abram mais vagas.
  • Tal selectividade das melhores universidades é vista como a principal razão para as empresas procurarem diplomados das mesmas, i.e., as empresas procuram os alunos que foram pré-seleccionados pelas grandes universidades e não se focam naquilo que os alunos aprenderam.
  • Os pontos acima levam a que as universidades se foquem na investigação e desinvistam no ensino, uma vez que aquela leva a melhorias no ranking e este os influencie menos. Isto reflecte-se também nas atitudes dos professores, que darão prioridade às suas investigações.
  • O actual sistema – associado ao aumento de custos com saúde e reformas que advêm do envelhecimento da população – levarão a que o ensino universitário se torne cada vez mais caro. Cabe aos governos encontrar formas de democratizar novamente o acesso à universidade num mundo onde é cada vez mais necessário formar pessoal qualificado.
  • A revolução digital ainda não se estendeu à universidade e ainda não deu os frutos esperados. Três razões são identificadas: conservadorismo das universidades e professores; as universidades temem perder essa imagem de exclusividade se democratizarem os seus cursos e mantêm os custos dos e-cursos elevados; este tipo de e-ensino é mais simples de oferecer a adultos como forma de fornecer qualificações extra (funciona perfeitamente em modo pós-laboral).

 

Penso que os pontos acima resumem (bastante) o essencial do trabalho. Espero não ter cometido erros nem esquecido nada (se o fiz, peço já desculpa). Há obviamente várias explicações, especialmente na forma como os diversos pontos se influenciam mutuamente. Num próximo post deixo a minha própria reflexão sobre o trabalho e sobre o futuro da Universidade.

Universidades digitais

João André, 02.07.14

 

Na Economist desta semana vem um trabalho especial sobre a influência que o mundo digital e a internet estão a ter sobre as universidades. No artigo faz-se referência aos MOOCs (Massive open online course) mas também às diferentes parcerias que vão sendo criadas (especialmente a da Starbucks com a Universidade do Estado do Arizona para oferecer cursos universitários aos seus empregados).

 

Confesso que torci o nariz a estas inovações à medida que iam surgindo. Vi-as essencialmente como uma técnica das universidades para ganhar mais dinheiro (agora que se começa a notar que o investimento num curso superior começa a ser cada vez menos rentável) e para se publicitarem. Vi durante muito tempo a importância do mundo digital para a universidade mais como uma forma de disponibilizar conteúdos aos estudantes e fornecer a oportunidade a não-estudantes de aceder a bases de dados que dificlmente estariam disponíveis de outra forma. Para mim, a ausência de uma sala de aula e, especialmente, contacto directo com o professor, seriam aspectos que tornariam estes cursos como pouco desejáveis.

 

Obviamente que esta visão sofria de miopia devido a dois aspectos:

 

1 - vi as necessidades de ensino como relacionadas com a actividade futura e neste aspecto concentrei-me na minha própria experiência. Como necessito de preparar relatórios, apresentá-los em público, discutir planos, projectos, etc, muitas vezes de froma presente - a interacção pessoal é muitas vezes subestimada - acabei por considerar que a vertente humana seria descurada.

Obviamente isto esquece que muitas profissões não necessitam dessa componente (mesmo que sejam enriquecidas por ela). Para muitas pessoas não fará muita diferença ter os dados a ser transmitidos oralmente por uma pessoa à nossa frente; num ecrã de computador ou simplesmente de forma escrita no tablet. Por outro lado, a maioria das gerações mais jovens que se sentirão à vontade neste ambiente de ensino digital também terá a capacidade para, usando simplesmente os dispositivos digitais actuais (ou futuros), criar laços de relação pessoal semelhantes àqueles que a minha geração cria apenas com interacções mais físicas.

 

2 - o mundo necessita de um repensar da universidade. Neste aspecto não falo do óbvio relativamente ao digital e online, mas antes perante a cada vez maior disseminação de graus académicos. Ao contrário do passado, há hoje tantas pessoas com estudos superiores que se torna difícil distinguir aqueles que têm uma formação de facto superior dos que simplesmente têm um diploma na parede. Isto não se refere apenas a diferenças entre bacharelatos, mestrados, doutoramentos e outros que tais. Entre dois doutoramentos as diferenças podem ser abissais.

Desta forma, os MOOC vêm preencher uma lacuna: a da criação de cursos e formações tão específicas quanto os estudantes as desejem. Será então possível criar um especialista em história da filosofia da biologia da mosca da fruta sem ser necessário criar um curso de 5 anos para tal. A famosa engenharia do sapato (ou hortofrutícola) que deu origem a tantos comentários no passado, poderia ser reintroduzida sem custos acrescidos e fornecer especialistas a uma indústria sem que, após um curso generalista, estes tivessem que passar mais um ano a aprender as especificidades do seu trabalho (e sem o risco que a seguir se fossem embora).

 

Ou seja, os MOOC podem então oferecer um outro tipo de ferramentas de ensino, especialmente indicadas para determinadas profissões e, ao mesmo tempo, reintroduzir uma certa distinção entre níveis de ensino sem que deixem de criar especialistas em determinadas áreas. obviamente que continuo a ter grandes reticências: como avaliar os estudantes? Em casa, correndo o risco que outra pessoa faça o exame por eles? Na universidade ou noutro local designado, sabendo que alguns estudantes poderão não ter a possibilidade de se deslocar? Como compensar para vertentes de trabalho em equipa, apresentações orais (é bem diferente apresentar em pessoa ou por videoconferência) ou outros aspectos que não estou agora a recordar? Como reproduzir um aspecto frequentemente esquecido ou menosprezado: a "ida ao quadro", com o que isso ensina sobre confrontar uma situação de stress?

 

Ainda faltará até que a destruição criativa dos MOOCs (e semelhantes) mude o panoramena do ensino superior, mas haverá certamente aspectos que só poderão melhorar o ensino - e, consequentemente, a sociedade.

Desmistificar as fezes

Pedro Correia, 20.01.14

 

Uma caloira da Escola Superior Agrária de Santarém foi sujeita em Outubro de 2002 a uma "praxe" violenta que incluiu ser esfregada com excremento de porco e meterem-lhe a cabeça num bacio cheio de fezes. Denunciou o ocorrido numa carta ao ministro que tutelava o ensino superior e accionou judicialmente os responsáveis por tão edificantes práticas. O tribunal de Santarém acabou por dar-lhe razão em Maio de 2008, condenando seis ex-alunos daquela escola a multas entre 640 e 1600 euros. Um outro foi condenado por coacção.

Este caso - de que me recordei numa altura em que as praxes voltam a estar em questão a propósito da tragédia que vitimou seis estudantes universitários na praia do Meco - foi exemplar a vários níveis. Desde logo por culminar numa sanção judicial, embora pouco mais que simbólica, a autores de "praxes" degradantes e sexistas a que durante demasiado tempo as autoridades escolares fecharam os olhos, em nome de uma intolerável "tradição" académica. Também por constituir um acto de inegável coragem da ex-aluna da ESAS, que aliás se viu forçada a transferir a matrícula para o Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa.

Mas também foi exemplar por maus motivos. Quando um caso destes demora quase seis anos a ter um desfecho em tribunal, ficou tudo dito sobre o péssimo estado da justiça neste país que tanto gosta de proclamar a sua "modernidade" aos quatro ventos.

E é ainda tristemente exemplar também por isto: segundo relatou na altura o Público, em artigo da jornalista Andreia Sanches, entre os testemunhos abonatórios dos sete réus incluiu-se um ex-professor da Escola Superior Agrária que foi a tribunal garantir que "é preciso desmistificar as fezes". Enquanto o então director do estabelecimento assegurou que ali era "normal a praxe com bosta".

Com professores assim, com "responsáveis" assim, não admira que algum do nosso ensino "superior" esteja como está. Uma bosta.

Filhos

Patrícia Reis, 19.01.14

Um filho vai para a Faculdade, com 17 anos, média alta. Um filho escolhe o curso. Nada de pressões, excel ou pesquisas sobre isto ou aquilo, o rapaz deve estudar o que quiser. Um filho odeia o curso, a mediania e tudo o que por ali abunda. Continua a marrar e a ter boas notas. Vai ao director de curso e, respeitosamente, explica que se vai embora, para outro lado qualquer, para um curso que "alimente o cérebro". Uma mãe apoia. Um pai apoia. Um padrasto apoia. Fácil? Nah!

Não-assuntos

Ana Margarida Craveiro, 07.04.13

Noutros tempos, licenciaturas com fax e equivalências estranhas davam direito a gritaria, fecho de universidades e papéis a desaparecerem (ou a terem várias versões). Agora, um mesmo não-assunto deu direito a um processo, apresentado por um ministro do mesmo governo, e uma demissão. Podemos reclamar da crise, podemos reclamar dos orçamentos, podemos reclamar de muita coisa, mas que alguma dignidade está de volta, ai isso está.