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Delito de Opinião

Tempestade imperfeita

José Meireles Graça, 30.11.22

A Roménia vai no próximo ano dizer-nos adeus, somando-se a outros países que quanto ao PIB por cabeça, corrigido em paridades de poder de compra, já nos ultrapassaram. Foram eles a Polónia, a Hungria, a Estónia e a Lituânia. Não há muitos anos, na minha cidade, havia Romenos que andavam pelos cafés a pedir; e a uma fabriqueta de que sou sócio, pela mesma altura, foi roubado cobre, ao que se veio a descobrir por Romenos. Veremos, em devido tempo, emigrantes portugueses em Bucareste a arrancar dentes, projectar casas e engenheirar pontes, que Portugal aprecia investir na formação de quadros para promoverem outras economias.

De modo que o país político ficou comovido, e deve levar mais de uma semana a mudar de preocupação para outras infelizes notícias, das quais há cerca de quatro por mês.

Ouvi por acaso o programa Tempestade Perfeita, na Rádio Observador, onde a prestigiada académica Susana Peralta e o não menos ilustre Ferreira do Amaral se pronunciaram sobre esta matéria.

E o que dizem? Extraordinário: Para rebater a constatação do deslizamento sistemático do país para os últimos lugares do desenvolvimento (num continente que ele próprio cresce menos do que outras regiões do globo) começam por chamar a atenção para alguns aspectos em que esse deslizar não tem lugar. O que, evidentemente, não é o que está em questão e é apenas um mecanismo de anestesia da opinião pública ao qual a propaganda socialista vai recorrer. Depois, ao enunciar as razões do atraso vem o palavreado da desigualdade e das falhas e insuficiências disto e daquilo como se em todos os países que crescem mais não houvesse falhas e insuficiências. Acrescentam que Portugal está a crescer e, por definição, há sempre quem fique para trás, triste realidade que nos deve servir de refrigério; que a diferença prevista para a Roménia é de alguns poucos euros, uma irrelevância; que em Portugal se vive melhor, segundo os indicadores xis e ípsilon, do que em países que têm o atrevimento de nos ultrapassarem; e que o que tem faltado é investimento, o qual, ai, só não houve pelo compreensível esquecimento de se o decretar.

Estes dois comentadores são de esquerda e o que isso significa é que simplesmente não entendem os mecanismos de criação de riqueza e, além das tradicionais queixas sobre o que não funciona bem (como se falar nisso sem adiantar soluções servisse para alguma coisa), não fazem a menor ideia de como se inverte o acentuar do atraso relativo. A tragédia da nossa economia é que a esquerda tem uma data de bandeiras ideológicas que prejudicam o crescimento; e a direita é, com frequência, reaccionária nos costumes (o que não é necessariamente mau mas pouco tem a ver com economia), mas é refém do Estado obeso. E tudo isto sob o manto da suposta lucidez dos economistas, dos quais a maior parte nem sequer realiza o que lhes falta e que adquiriram uma injustificada importância na magistratura da opinião.

Não disseram, mas poderiam ter dito com orgulho que a Bulgária, a Grécia, a Croácia, a Letónia e a Eslováquia ainda estão para trás e que, fora da União Europeia mas dentro da Europa, há muitos países que tomaram eles ter o brilhante desenvolvimento que a esclarecida governação do nosso tem proporcionado. Um deles é a Albânia, para a qual podemos olhar com sobranceria, coitada, a par da Bósnia Herzegovina. E se a estes dois juntarmos a Sérvia, o Montenegro e a Macedónia do Norte, e este conjunto aderir à União Europeia, o PS poderá dizer com verdade e justificado orgulho que nos afastamos cinco posições do fundo da tabela.

Aqui está uma exaltante missão para o estadista Costa, se conseguir o lugar cimeiro que na UE deseja e merece.

Muito bem, Ursula von der Leyen

Paulo Sousa, 09.04.22

Enquanto que alguns líderes políticos internacionais não conseguem ir além duma retórica digna de uma Miss Universo, Ursula von der Leyen chegou-se à frente e deslocou-se à Ucrânia, onde, antes de se reunir com o Presidente Zelensky, fez questão de ir a Bucha, ao palco de um dos massacres perpetrados pelas forças invasoras de Putin.

Ursula em Bucha (1).jpeg

Efrem Lukatsky/AP

A imagem é forte. Prestar homenagem aos cadáveres que ainda não foram sepultados, não é comparável à colocação de coroas de flores junto a monumentos.

Não existem combates nas redondezas, mas o alcance dos rockets é significativo e por isso estamos também perante alguém que ao sair dos corredores dos burocratas de Bruxelas, mostra-se disposta a aceitar riscos de segurança pessoal.

Além do sinal político que constituiu a assinatura formal do pedido da Ucrânia em pertencer à U.E., as declarações da Presidente da Comissão Europeia sobre a guerra que está em curso, foram igualmente fortes e inequívocas.

“A vossa luta é a nossa luta também”

“Estamos convosco quando sonham com a Europa”

“Volodymyr, a minha mensagem hoje é muito simples: a Ucrânia pertence à família europeia”

"a democracia vai ganhar esta guerra, a liberdade vai ganhar esta guerra"

Para os que dizem que o ocidente tem falta de líderes fortes, Ursula von der Leyen mostrou ao mundo que a Europa tem uma palavra a dizer e que está disposta a assumir as suas responsabilidades.

Qual o futuro?

jpt, 26.02.22

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O futuro ao Acaso pertence, como sabem os idólatras. E como tal qualquer um - mesmo sem estar arvorado com "podcast" ou graduado em comentadeiro - pode aventar o que aí virá, e neste caso quais os objectivos da Rússia putinesca e os efeitos, em catadupa, que promoverão. Em sendo assim atrevo-me a perorar.

A resistência ucraniana à invasão russa - a "operação militar da Rússia na Ucrânia", no adoçado linguajar do partido dos tão simpáticos, e infelizmente não reeleitos, deputados João Oliveira e António Filipe, e do tão bem apessoado João Ferreira, mais da mulher até jovem que agora aparece na Assembleia - poderá ser mais ou menos longa mas não será suficiente. Talvez o país venha a ser amputado de algumas áreas ou fique com o mesmo desenho. Mas tornar-se-á noutra Bielorússia, um protectorado russo. 

A oposição "ocidental" compôs-se de alarido e sanções económicas. Estas são relativamente irrelevantes para a economia russa, dado que nem sequer terão um conteúdo maximalista, vedado devido à profunda imbricação das economias europeias com a economia russa, em particular as de alguns países muito industrializados (Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália), os quais se opõem a uma radicalização das medidas. Este processo de coalizão económica evidencia algo bem contrastante com a propaganda russófila, mostrando que o "motor da história" não é o "complexo da indústria de armamento" norte-americano - ainda que seja sabida a extrema influência que este tem na política americana, até visível se atentamente interpretado o rescaldo bem crítico que o presidente Bush fez do desempenho do presidente W. Bush. Pois, de facto, o que tem movido as relações do Ocidente europeu com a vizinha Rússia é uma crescente - e tendencialmente pacificadora - coligação económica, inscrita no "espectro da globalização".

Este titubear, de cariz economicista, dos países europeus terá um efeito interno interno: as políticas económicas que vêm sendo seguidas vêm agora destapada a sua imprudência estratégica, até incompetente. E assim é muito provável que se reforcem em diversos países movimentos políticos soberanistas, por mais mítico que possa ser o nacionalismo económico na actualidade. E também terá um outro efeito: os países do Leste europeu - entretanto agregados à União Europeia - decerto que sentem este evidente expansionismo russo com maior angústia, e por isso maior desilusão terão com a fragilidade da UE. Isso, para além dos crescentes nacionalismos (de mística autárcica, porventura), imprimirá maiores dissensões na União, e a sua crescente fragilização.

Isso leva-me ao verdadeiro - pois articulado - objectivo russo. É evidente - e anunciado (como na declaração de ontem "proibindo" os países escandinavos de integrarem a NATO) - que a Rússia quer manter uma "zona tampão" ocidental face aos militares norte-americanos. E parece explícito que quer recuperar o velho mapa, imperial, da URSS, nessa flutuação constante que a história dos Estados da Europa Central e Oriental. Seja em termos absolutos, seja em termos de disseminação de protectorados - e, agora ainda mais, do Báltico ao Cáspio não se deve pensar noutra coisa.

Mas parece-me notório que o desígnio de evitar a expansão da NATO a Leste é siamês de um outro, o de retroverter a expansão da União Europeia, tanto nas suas características de integração económica como, e até mais, de comunhão político-ideológica. Esta demonstração da (esperada) incúria e tibieza que vem impedindo o estabelecimento de uma verdadeira autonomia estratégica promoverá maiores dissensões e a concomitante fragilização da UE. O que alimenta o desígnio russo, o estabelecimento de um novo COMECON a oeste. Uma crescente área de influência política, económica e  militar. E que será um extraordinário reforço para enfrentar não a máquina bélica norte-americana mas sim a vigorosa extroversão chinesa, cuja tenaz na "Rússia" asiática aparece agora imparável. 

Se Putin, com o seu nacionalismo radical e até messiânico, sobreviver politicamente e se viver ainda mais um punhado de anos - e se legar o poder a sucessores competentes - será isso que nos espera.

Crime de falsas declarações

Paulo Sousa, 01.01.21

Para nos aliviar os quase mono-temáticos telejornais destes tempos de pandemia, e mesmo com a transmissão em directo dos foguetes de Ano Novo pelo mundo fora, a embrulhada da semana foi até refrescante.

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Imagem SIC

Já sabíamos que o governo escolheu o magistrado José Guerra para a futura Procuradoria Europeia, preterindo assim a candidata seleccionada pelo Comité de Selecção Internacional, Ana Carla Almeida. Havia algo que não batia certo nessa decisão, mas agora o Expresso e a SIC noticiaram que o Ministério da Justiça recorreu a dados falsos para justificar a sua improvável decisão.

A comoção nas redes sociais e nos corredores da política não se fez esperar. Rui Rio, líder da oposição por inerência, achou o caso tão grave que até teve o arrojo e a desfaçatez de criticar o governo.

No ar fica a dúvida se na hierarquia da gravidade destes “lapsos”, mentir à EU será mais ou menos grave do que mentir aos portugueses.

Oh meu!! A tua atitude é repugnante!! - A sequela

Paulo Sousa, 22.07.20

Já aconteceu há uns dias, mas não podia de deixar de aqui registar a sequela do já clássico Super Herói de Marvel, António Arrebenta Ministros Holandeses Costa.
As casas de apostas cotavam o combate de 9 para 1. O mais provável era o holandês sair dali de maca, em direcção ao hospital. 
Ele, com os nervos, já não dormia há dias.
Não fosse ele estar defendido pelo tipo da espada... e o 14 de Julho ficaria para a história como o dia em que o socialismo teria derrotado o liberalismo.
Será que vai haver mais acontecimentos que nos permitam avançar para a triologia?

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Cozinha europeia

José Meireles Graça, 07.05.20

Vital julga que isto é um problema de interpretações jurídicas da especialidade dele e, como bom constitucionalista que é, argumenta consistentemente a favor do aborto jurídico e lógico da UE, do Euro, do BCE e dos anónimos no Tribunal de Justiça da União.

Há mais de três décadas argumentava com igual consistência, abonado pela autoridade da sua cátedra (era um famoso professor doutor de Coimbra meu Deus), contra a saudosa CEE, antes de numa estrada de Damasco da vida ter sido atingido por uma chuva de estrelas que vieram alterar o tipo de cegueira de que sofria, substituindo, na qualidade de corpos celestes inspiradores, o lugar anteriormente ocupado pelo sol de Moscovo.

Em geral, questões de interpretação constitucional caseira, quando envolvam o Governo, costumam resolver-se do seguinte modo: os constitucionalistas que naveguem nas águas partidárias da Situação explicam, com paciência, profundidade, rigor e grande sofisticação técnica, por que razão esta tem razão; e os que naveguem nas águas partidárias da Oposição explicam, com grande sofisticação técnica, rigor, profundidade e paciência, por que não tem. O Tribunal Constitucional, como a Constituição na parte dos direitos económicos é de esquerda, costuma estar com a Situação quando se dê o caso de esta ser da mesma farinha daquele fundamental diploma e não estar caso seja vinho de outra pipa, com desculpa das metáforas.

Felizmente, desta vez antecipa-se uma esmagadora unanimidade porque a questão tem a ver com as nossas vidinhas, incluindo a de todos estes preclaros, e consiste neste facto irrefragável: a Alemanha banca ou não banca?

E juristas, economistas, políticos, técnicos de parqueamento automóvel, funcionários e trabalhadores unir-se-ão num grande clamor, ao mesmo tempo europeísta e nacionalista, que se lixe a contradição, clamando contra o egoísmo dos boches, se eles insistirem na loucura. Não faltarão procissões, levando num andor o ministro Nunes, que já ameaçou os banqueiros alemães e por isso não se lhe dá de ameaçar os juízes pindéricos de Karlsruhe, e o nosso Primeiro, que já pôs na ordem um ministro holandês e não hesitará, exsudando indignação e gordura, em dar à Europa uma lição sobre solidariedade e outras coisas superiores que lhe povoam a inspirada cabeça.

O Tribunal Constitucional alemão torce-se todo; o de Justiça da União põe-se em bicos de pés. Mas a questão não é de Direito Constitucional, nem Internacional, nem sequer do que realmente acha a chanceler ou a classe política dirigente alemã.

A questão é de opinião pública: O Euro é um absurdo disfuncional à sombra do qual os nossos políticos querem continuar a comprar votos mantendo uma classe média à sombra do Estado, para o que precisam de chumbo europeu dado; e aos Alemães, que o mandam para cá, convém uma moeda que é, para a economia deles, fraca, e que portanto lhes alavanca as exportações, e desconvém-lhes abanar um edifício, e um mercado, que representa ligeiramente mais de metade do total das suas exportações (à volta de 37% se só contarmos os países do Euro).

A classe política europeia, toda ela, defende a construção que é da sua autoria, à sombra da qual medrou, e que a recompensa generosamente. E fará o que for preciso para contentar toda a gente, incluindo os juízes alemães, nem que fosse preciso o Bundestag fazer na primeira maré umas emendas à Constituição, ou o Parlamento Europeu aos tratados.

E os teutões comuns? Na cabeça deles, os povos do Sul são uma boa récua de calões, mas não ignoram que o dinheiro (um pouco mais de 17 mil milhões de Euros em 2018) com que alimentam burocracias e parasitagens sortidas no espaço da União não chega a 2% do que exportam, e isto sem contar com o que regressa – pode-se lá fazer um investimento sem máquinas alemãs, incluindo Mercedes, Audis ou BMWs, para não falar das frotas de carros oficiais que enxundiam os ministérios? Não pode.

É certo que o que o BCE anda a fazer há muito deixou de ser algo que mentes comuns possam compreender, e o alemão que às sextas-feiras se embebeda só a sonhar etilizado é que pode descortinar algum sentido em coisas como juros negativos, dívidas triliónicas que excedem a imaginação, rotativas a trabalhar que não despertam o monstro da inflação, e outras maravilhas que quem explica tem o cuidado de o fazer de modo que não se entenda. Um ou outro haverá de, num pesadelo, intuir que as maluqueiras talvez sobrem para ele, mas ao acordar atribuirá o mau passo à cerveja.

Portanto, é pouco provável que aconteça alguma coisa de sério – algum cozinhado se há de arranjar, mesmo que o bodo aos pobres fique, como fica sempre, muito aquém da propaganda.

E Vidal e os outros vidais, que são mais que as mães nos 27? Têm muito trabalho pela frente, em negociações acaloradas entre os resignados que vão pagar o pato e os mal-agradecidos que o querem devorar. Os ossos, que se conservam muito tempo sem decair, sabe-se para quem ficam.

Aos repugnados dos últimos dias

Paulo Sousa, 30.03.20

A existência ou não dos Corona Bonds dependerá de equilíbrios vários, sendo que, independentemente da abertura que possa vir a haver nos órgãos europeus, cada governante terá de regressar a casa e justificar ao seu eleitorado o que ali terá aceite.

A força política de quem conta, nomeadamente a Alemanha, está limitada não só pela situação politicamente frágil da CDU como pela trajectória eleitoral dos partidos eurocepticos que cada vez estão mais perto do poder.

A existência desse instrumento financeiro tornaria os estados-membros solidariamente responsáveis por essa nova dívida, e isso ainda por cima não encaixa nos tratados europeus. Ultrapassar essa questão formal exigiria uma montanha de formalidades, mas nisso os eurocratas são exímios.

O ponto que se levantaria seria sobre que garantias orçamentais adicionais seriam exigidas aos países financeiramente mais frágeis para que isso alguma vez fosse possível. Não muito metaforicamente o nosso orçamento passaria a ser feito pelos nossos credores.

João Marques de Almeida explica isso com clareza neste artigo do Observador (acesso com assinatura), e quem já cá anda há algum tempo sabe bem que os que mais convictamente agora pedem solidariedade são exactamente aqueles que no dia seguinte se iriam revoltar com a ainda maior interferência de Bruxelas nas nossas contas públicas.

Sol na eira e chuva no nabal é que era mesmo bom. Quem é que não queria?

PS: Estava a escrever o título e lembrei-me de uma certa seita religiosa. E no fundo são mesmo isso, uma seita.

Oh meu!! A tua atitude é repugnante!!

Paulo Sousa, 28.03.20

Um fanfarrão que se preze sabe que há combates que não vale a pena travar.

Depois de começar a levar murraças do diabo invisível, aka covid-19, o António Arrasa Pandemias Costa convocou o “focus group” com urgência e foi-lhe recomendado que devia mudar rapidamente de nome artístico.

Foi tudo muito rápido. Ele ofereceu porrada à pandemia num dia e a ordem dos médicos desmentiu-o no dia seguinte. O público esquece as promessas, é certo, mas deviam ter passado mais umas horas.

O Conselho Europeu por video-conferência foi assim a ocasião ideal para fazer esquecer o desaire anterior.

Senhoras e senhores, e a nova estrela chama-se... António Arrebenta Ministros Holandeses Costa.

O bom senso recomenda que não se façam ameaças que não se esteja disposto a cumprir, mas isso não trava o António Arrebenta Ministros Holandeses Costa. Ou recuas ou a UE acaba!!

O público sabe bem que sem o dinheiro da UE para distribuir o PM português nunca teria público, mas a realidade é um detalhe, aqui joga-se com a ilusão. E ele não vacila, de mangas arregaçadas, grita para o écran, através do qual o holandês se protege: Oh meu, lembras-te do golo do Maniche no Euro? Não tás bem a ver com quem te estás a meter!! A tua atitude é repugnante!!

O público, que estava retraído já há uns dias (já havia quem dissesse que António Arrasa Pandemias Costa era um fanfarrão) levantou-se numa ruidosa ovação. Isto sim! Política espectáculo!

Agora que já só há futebol na RTP Memória, valha-nos o António Arrebenta Ministros Holandeses Costa para animar as hostes.

Por-tu-gal!! Por-tu-gal!! Por-tu-gal!!

Ser turcófilo passou de moda

Pedro Correia, 13.06.19

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1

Ao contrário do que por vezes se imagina, a passagem do tempo costuma ser clemente para os políticos. Se assim não fosse, estaríamos em 2019 a escrutinar todos aqueles que durante anos andaram por cá a defender com fervor a integração da Turquia na União Europeia. 

Não precisamos de recuar muito. Na campanha para as eleições europeias de 2009, este tema esteve em debate. Com os cabeças de lista do PS e do PSD, Vital Moreira e Paulo Rangel, convergindo no apoio à adesão turca.

«A União Europeia só teria a ganhar com a integração de um país muçulmano e laico», declarou Vital Moreira durante essa campanha. Enquanto Paulo Rangel deixou claro: «Devemos apoiar os esforços de negociação entre a Turquia e a UE.»

 

2

Ainda mais longe neste entusiasmo andou o ex-Presidente da República Cavaco Silva. Que aproveitou precisamente uma visita de Estado realizada há dez anos à Turquia para garantir o «apoio integral de Portugal» no processo de adesão, possibilitando que a maior potência da Ásia Menor se tornasse «membro pleno» da UE.

Indiferente ao facto de se tratar de um país com mais de 70 milhões de habitantes, aliás na esmagadora maioria residentes fora do continente europeu (em termos geográficos, o centro-sul/sudeste da Trácia é a única parcela de território turco que faz parte da Europa).

Indiferente também à inevitável pressão demográfica desta adesão, que conduziria à quebra de salários e rendimentos dos trabalhadores assalariados no espaço comunitário.

 

3

Havia já suficientes sinais de alerta para que tais entusiasmos fossem travados. Desde logo, a ocupação ilegal de parte da ilha de Chipre por forças turcas, à revelia do direito internacional. Depois, o contínuo desrespeito da minoria curda residente em solo turco. Sem esquecer a preocupante aproximação do partido do primeiro-ministro (agora Presidente da República) Recep Erdogan ao integrismo islâmico.

Sabemos o que aconteceu desde então: a Turquia tornou-se um Estado autoritário, onde se multiplicam as violações dos direitos fundamentais dos seus cidadãos - incluindo severas restrições às liberdades de expressão, de reunião, de manifestação e de imprensa, acentuadas desde a alegada tentativa de golpe ocorrida em 2016, que serviu de pretexto a Erdogan para uma gigantesca purga no aparelho de Estado, além do silenciamento de incontáveis vozes incómodas no jornalismo turco. Enquanto se vai diluindo o regime laico implantado em 1923 por Ataturk. 

 

4

Tudo isto já é suficientemente grave com a Turquia fora da UE. Agora imaginemos se as teses turcófilas dos generosos políticos portugueses tivessem prevalecido dez anos atrás, escancarando as portas a Ancara: haveria hoje uma séria deriva ditatorial no segundo país mais populoso do espaço comunitário (logo após a Alemanha).

Felizmente os desígnios de Erdogan foram travados pela sábia Angela Merkel e pelo arguto Nicolas Sarkozy, que vetaram a adesão. Felizmente também para alguns políticos cá do burgo, a nossa memória colectiva é muito curta: cada vez somos menos com memória suficiente para pedir-lhes contas do que disseram e fizeram.

Europa: o outro sítio

João André, 27.05.19

Nasci em 1975, num país mal saído da ditadura. Não passei pelo Verão Quente, senão no conforto do útero. Cresci num país a melhorar aos poucos, com momentos piores que outros mas que a minha idade não me permitia lembrar. A maior parte das minhas memórias vêm de 1985-86, pelo que qualquer memória que tenho associa Portugal à União Europeia (na altura a CEE). A minha vida activa apanha-me quase exclusivamente com Portugal como parte do EURO, que afortunadamente eliminou o termo ECU. A minha primeira viagem fora do país que não envolvesse comprar caramelos em Ayamonte foram umas férias a limpar escritórios em Londres. A entrada não requereu mais que um bilhete de identidade. O meu primeiro passaporte foi pedido já com uns 22 anos de idade e terá recebido um carimbo. Não visitei todos os países da UE nem do espaço Schengen, mas já visitei uns quantos. Vivo num país que não é o do meu nascimento e trabalho noutro, sendo que sou obrigado a deslocar-me a vários países da UE/Schengen com frequência. A Europa não é para mim um conceito ou um objectivo: é uma realidade diária.

É por isso que tenho dificuldade em conceber tanta gente a votar em partidos que, por ideologia ou populismo, estejam contra a UE. Isto não quer dizer que seja uma posição inválida ou errada por si mesma, apenas que tenho tanta dificuldade em concebê-la como em compreender que há pessoas que se mutilem extensivamente por motivos estéticos. Há bons argumentos contra a UE, contra uma integração mais profunda ou em favor de manter a UE mas reduzir a sua influência na vida dos estados membros. Infelizmente raras vezes vejo esses argumentos apresentados de forma séria. Em geral são-no conjuntamente com falsidades referentes à ingerência que a UE tem na vida dos países individuais (como em todo o debate em torno de Brexit).

Mas o maior falhanço da Europa provém dos seus partidos mais tradicionais, do centro ou não. Confrontados com a estridência dos partidos populistas ou extremistas (e nos extremos faz pouca diferença se de direita ou esquerda), esses partidos têm optado por cooptar parte dos argumentos para os tentar esvaziar. Casos há em que funciona, mas habitualmente é por pouco tempo e faz sempre lembrar a fábula da rã e do escorpião. A verdade é que as cópias são sempre piores que os originais e, quando temos os países tradicionais ou do centro a copiar os argumentos anti-Europa ou anti-imigração, normalmente soam ocos e falsos. Porque o são.

A Europa é para mim uma realidade diária, escrevi eu. É também um objecto da Evolução, tão real quanto a biológica. Nao há uma meta para um projecto Europeu, é um projecto cujas balizas estarão sempre a mover-se e, se as alcançarmos, teremos que procurar novas. A natureza humana é uma de descontentamento e será sempre necessário adaptar a Europa para que continue a ser um ideal em vez de realidade.

Em tempos a série The Twilight Zone teve um episódio chamado A Nice Place to Visit. Nele um ladrão morria depois de um assalto e acabava num lugar onde tudo lhe corria bem. Recebia o dinheiro que quisesse, ia ao casino e vencia sempre, com a bola da roleta a cair nas suas escolhas e as suas mãos nas cartas a serem sempre perfeitas. Ao fim de algum tempo comçava a odiar o lugar e pedia para ir para "o outro sítio". Claro que o twist é óbvio: ele já estava no outro sítio. Se a Europa não evoluir, se apenas for o melhor sítio do mundo para viver, não tardará muito a que seja também "o outro sítio". Nesse aspecto, introduzir imperfeições é boa ideia. Talvez possamos almejar, em vez de definhar.

Desleixo ou desinteresse

Alexandre Guerra, 14.11.17

Vinte e três Estados-membro da UE assinaram ontem a notificação conjunta para a instituição da Cooperação Estruturada Permanente (PESCO), um passo muito importante na tua almejada política de Segurança e Defesa europeia comum e pela qual Portugal se tem batido. Mas, com bastante surpresa, constatou-se que o nosso País não esteve no grupo fundador, ainda por cima sendo este um instrumento previsto pelo Tratado de Lisboa. É certo que se pode juntar mais tarde e que para já estamos apenas a falar de uma notificação, mas a verdade é que para a História, Portugal não esteve no grupo da frente, rompendo com a boa tradição da diplomacia portuguesa, de ter sabido sempre posicionar-se na vanguarda do projecto europeu. E que ilações se pode tirar disto? Das duas uma: ou desleixo nacional, por não se terem cumprido uns prazos quaisquer (segundo as justificações do próprio chefe da diplomacia nacional), ou desinteresse. Em qualquer dos casos, é lamentável que a diplomacia portuguesa, historicamente sempre de grande qualidade, desta vez não tenha percebido onde Portugal devia estar.

Independência dos tribunais?

Luís Menezes Leitão, 09.11.17

Confesso que tenho ficado absolutamente perplexo com a pressão que está a ser feita pelos governos da União Europeia para que o juiz belga se decida a extraditar Puigdemont a Espanha. Basta ver olhar para estas declarações absolutamente inaceitáveis de Manuel Valls, ex-Primeiro-Ministro e actual deputado francês, a declarar que não haverá espaço judicial europeu se Puigdemont não for extraditado para Espanha. Como é sequer imaginável que o ex-Primeiro-Ministro de um país estrangeiro se atreva a dizer o que é que um juíz belga deve fazer num processo que tem entre mãos? O que demonstra bem a anedota que constitui a União Europeia é os estados grandes acharem que podem fazer tudo em relação aos estados pequenos, inclusivamente dar ordens aos seus tribunais. Não haverá limites para esta absoluta falta de vergonha?

França e o futuro da UE

José António Abreu, 28.11.16

nomeação de François Fillon como candidato do centro-direita às eleições presidenciais francesas abre perspectivas interessantes. Se, como tudo parece indicar, for ele a defrontar Marine Le Pen na segunda volta, não apenas a eleição de Le Pen ficará quase impossível (por muito que a faceta social-conservadora de Fillon desagrade à esquerda «progressista», ele constituirá sempre um mal menor) como, qualquer que seja o vencedor, ficam garantidas mudanças fundamentais na política francesa – e, por arrasto, na europeia. É sabido que uma vitória de Le Pen conduziria a França para fora do euro e da UE, provocando o colapso desta. Mas uma vitória de Fillon garantirá uma alteração fundamental no balanço de forças entre os países que defendem e aplicam reformas estruturais e os países que, na prática, se lhe opõem. Fillon defende cortes no Estado e uma economia baseada na iniciativa privada e nas exportações. Num país como França, não é líquido que consiga fazer tudo o que pretende. No mínimo, enfrentará enorme contestação dos grupos que se alimentam do Estado. Mas terá o peso da estagnação francesa a seu favor (muita gente sabe que algo tem de ser feito) e uma legitimidade dupla: a conferida pela eleições e a decorrente da clareza, verdadeiramente admirável, com que tem exposto as suas ideias. Ora uma França reformista (honestamente, parece um oxímoro) estará muito mais alinhada com a Alemanha e tornará a União Europeia muito menos condescendente para com países que preferem ir arrastando os pés. Convinha que estes se preparassem – para qualquer dos cenários.

Uma importante notícia da Europa de que quase ninguém falou

Alexandre Guerra, 19.10.16

Não tenho dúvidas de que hoje em dia está na moda dizer mal da União Europeia e de tudo que ela faz e representa. Os políticos europeus estão na linha da frente desses "ataques", muitas das vezes esquecendo-se o que essa mesma União (ou Comunidades, dantes) deu e contribuiu para o progresso e salto civilizacional deste Continente. O povo, naturalmente, vai atrás, criticando sem saber bem do que fala, embora, também se deva dizer que as supostas elites pensantes que pululam pelos meios de comunicação social são mais críticas em relação à UE do que os cidadãos comuns, que, apesar de tudo, são mais justos na análise que fazem aos benefícios e virtudes da Europa Comum. E no meio desta ânsia mediática de se criticar e dizer mal, acaba-se por dar ênfase ao que está errado (e há muita coisa) e ignorar o que diariamente é feito de positivo ao nível comunitário e devidamente comunicado pelas instâncias de Bruxelas. Mas, a questão é que isso pouco interessa às redacções e essa informação não tem espaço nos alinhamentos de comentários dos muitos "especialistas" que se redistribuem pelos vários canais noticiosos. 

 

Há dias, tivemos um bom exemplo disso, com a União Europeia a dar um passo político muito importante na sua história ao ter, pela primeira vez, como um todo, ratificado um acordo internacional, optando por não esperar pelas ratificações nacionais dos Estados-membros. Pouco se ouviu falar sobre isso, mas o que é certo é que os ministros de Meio Ambiente dos países-membros da UE aprovaram no passado dia 30, em Bruxelas, a ratificação do Acordo de Paris, que determina as directrizes universais para o combate ao aquecimento global. A decisão foi aprovada por unanimidade, num raro avanço político na UE. Os ministros aprovaram, na prática, a aceleração do processo de ratificação, sem esperar pela implementação do acordo em cada Estado-membro. De notar que apenas sete países da União Europeia já tinham concluído esse procedimento de ratificação nacional. Entretanto, o Parlamento Europeu também já aprovou a ratificação do Acordo de Paris, estando, agora, fechado o processo político e aberto o caminho para a sua entrada em vigor, no prazo de 30 dias. Sublinhe-se que para entrar em vigor, o Acordo de Paris precisava da ratificação de, pelo menos, 55 países responsáveis por 55% das emissões de gases com efeito de estufa. Até agora já tinha sido ratificado por 62 países, mas estes representavam apenas 52% das emissões, incluindo os dois maiores emissores – a China (20% do total) e os EUA (18%) –, pelo que a ratificação da UE permitirá a implementação do compromisso, 30 dias depois de a mesma ser depositada na ONU.

 

Ora, além da importância óbvia da entrada em vigor do Acordo de Paris (e isso foi noticiado timidamente no meio de tantas outras notícias), existe a vertente política no âmbito do processo europeu e esse enquadramento esteve praticamente ausente da imprensa e televisões portuguesas. É pena, porque este processo é um dos bons exemplos de como a Europa pode estar ao serviço de grandes causas, desde que haja consenso entre os líderes europeus. E era bom que isso fosse explicado e salientado.   

(Euro)peu

Adolfo Mesquita Nunes, 12.07.16

O Europeu de Futebol, com as suas emoções, é uma -- mais uma, mas bastante elucidativa -- demonstração de que a Europa é feita de nações com histórias, culturas, emoções e percursos próprios. Cada nação a sofrer pelo seu país, a criticar a selecção do lado, a orgulhar-se do seu trajecto, chamando pelos seus, chorando com os seus. Não há qualquer problema nisso, é o que nos sai com naturalidade, sem maldade. E talvez devêssemos prestar mais atenção a essa demonstração, porque ela diz muito de nós, das nossas circunstâncias.

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Só um totalitarismo poderá impedir essa diversidade de percursos, ou pelo menos a sua manifestação. Só uma ditadura nos impedirá de nos sentirmos mais portugueses do que qualquer outra nação a competir pelo título. Só coagidos nos esqueceremos de aplaudir e chorar os nossos golos e as nossas falhas.

 

Qualquer projecto político ou institucional europeu que não dê conta dessa diversidade, que a não integre no seu processo decisório, que não faça dela um activo, só encontrará problemas e criará outros tantos. É evidente que estas nações se unem por valores comuns, e que partilham muito do que as fez sobreviver num Mundo que viu tantos apogeus e tantos declínios. Mas essa partilha, genuína, nunca as fez perder essa individualidade.

 

Num momento em que a Europa enfrenta tantos desafios, talvez fosse bom olhar para o Europeu com olhos de ver.  

Euro-snobbism

Adolfo Mesquita Nunes, 22.06.16

A 15 de Maio de 1992, em Haia, Margaret Thatcher sintetizava, num discurso intitulado de 'Europe’s Political Architecture', os seus principais receios sobre a moeda única e registava a forma como esses receios, as suas dúvidas, que lhe pareciam gritantes, não mereciam, no espaço público europeu, muito mais do que desdém, como se não merecessem atenção, como se fossem umas ideias antiquadas de uma provinciana (chegou a dizer-se que ela queria voltar ao Século XIX).

Aqui ficam, de novo, para que possamos dar-lhes a atenção que então não mereceram. E que pelo menos nos sirvam de lição, não tanto sobre o euro, mas sobre a forma como muitas vezes lidamos, no debate público, com as ideias com que não concordamos (o discurso integral pode ser lido aqui).   

If the European Community proceeds in the direction which the majority of Member State Governments and the Commission seem to want they will create a structure which brings insecurity, unemployment, national resentment and ethnic conflict.

Insecurity — because Europe's protectionism will strain and possibly sever that link with the United States on which the security of the continent ultimately depends.

Unemployment — because the pursuit of policies of regulation will increase costs, and price European workers out of jobs.

National resentment — because a single currency and a single centralised economic policy, which will come with it, will leave the electorate of a country angry and powerless to change its conditions .

Ethnic conflict — because not only will the wealthy European countries be faced with waves of immigration from the South and from the East.

Also within Europe itself, the effect of a single currency and regulation of wages and social costs will have one of two consequences.

Either there will have to be a massive transfer of money from one country to another, which will not in practice be affordable.

Or there there will be massive migration from the less successful to the more successful countries.

Yet if the future we are being offered contains so very many risks and so few real benefits, why it may be asked is it proving all but irresistible ?

The answer is simple.

It is that in almost every European country there has been a refusal to debate the issues which really matter.

And little can matter more than whether the ancient, historic nations of Europe are to have their political institutions and their very identities transformed by stealth into something neither wished nor understood by their electorates.

Yet so much is it the touchstone of respectability to accept this ever closer union, now interpreted as a federal destiny, that to question is to invite affected disbelief or even ridicule.

This silent understanding — this Euro-snobbism — between politicians, bureaucracies, academics, journalists and businessmen is destructive of honest debate.

So John Major deserves high praise for ensuring at Maastricht that we would not have either a Single Currency or the absurd provisions of the Social Chapter forced upon us: our industry, workforce, and national prosperity will benefit as a result.

Indeed, as long as we in Britain now firmly control our spending and reduce our deficit, we will be poised to surge ahead in Europe.

For our taxes are low: our inflation is down: our debt is manageable: our reduced regulations are favourable to business.

We take comfort from the fact that both our Prime Minister and our Foreign Secretary have spoken out sharply against the forces of bureaucracy and federalism.

Our choice is clear: Either we exercise democratic control of Europe through co-operation between national governments and parliaments which have legitimacy, experience and closeness to the people.

Or, we transfer decisions to a remote multi-lingual parliament, accountable to no real European public opinion and thus increasingly subordinate to a powerful bureaucracy.

No amount of misleading language about pooling sovereignty can change that.

Dez reflexões sobre o referendo

Pedro Correia, 22.06.16

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1

Vai haver um referendo amanhã no Reino Unido, vital para o destino europeu. Ninguém diria, vendo a televisão portuguesa – com destaque para o chamado “serviço público”. A avaliar pelos vários canais que confundem notícias com futebol, e confundem futebol com as mais ocas futilidades, o que importa é o penteado de Ronaldo, o sorriso de Ronaldo, a mãe de Ronaldo, o filho de Ronaldo, o penálti falhado de Ronaldo ao poste.

 

2

Também amanhã a Europa arrisca ver uma bola embater no poste. Há dois anos estava em causa a eventual saída da Grécia, que vale menos de 3% do PIB da União Europeia. A dimensão do problema é agora muito mais vasta: estamos perante a possível retirada do Reino Unido, segunda economia europeia e  terceiro maior contribuinte líquido do orçamento comunitário. Basta isto para se perceber que o problema não é “deles” – é também nosso. E de uma amplitude muito superior à da improvável derrota da selecção portuguesa esta tarde frente à da Hungria.

 

3

Durante décadas habituámo-nos a olhar para a Europa como a solução. Hoje sabemos que a Europa começa por ser o maior dos problemas pela ausência de respostas institucionais face ao tropel dos desafios. Enquanto este dilema não encontrar resposta todos os outros permanecerão em aberto – crise económica, crise demográfica, crise migratória, crise de modelo social, crise de segurança. Porque as dificuldades são de tal forma avassaladoras que exigem soluções à escala continental para encontrar antídoto eficaz. "As grandes questões do nosso tempo transcendem as fronteiras nacionais", lembrou o Guardian no artigo de fundo em que justificava a sua opção editorial eurófila. Nesta matéria todas as bolas têm embatido no poste.

 

4

Arrumemos ideias. É fundamental que o Reino Unido permaneça na União Europeia tal como há dois anos era fundamental que a Escócia permanecesse no Reino Unido. Não tanto porque Londres seja a maior praça financeira mundial, metade das trocas comerciais britânicas tenha como origem ou destino o espaço comunitário, oito dos dez principais parceiros económicos do Reino Unido pertençam à UE e os súbditos de Isabel II contribuam para 17,6% do PIB europeu. Mas sobretudo por motivos políticos: tal como uma suposta Escócia independente instigaria o rastilho nacionalista, inaugurando uma sucessão de reivindicações soberanistas por toda a Europa, também a vitória do Brexit no referendo de amanhã abriria um péssimo precedente, como se a unidade europeia tivesse a consistência de uma porta giratória: não por acaso, Marine le Pen já se apressou a reivindicar um referendo em França para 2017. Hoje os escoceses estão na primeira linha do apoio à manutenção do Reino Unido no espaço comunitário. Eles bem sabem de que lado sopram os ventos da economia: a cada segundo exportam 38 garrafas de scotch - um terço das quais, livres de barreiras alfandegárias, se destinam aos restantes países da UE.

 

5

Tal como sempre estive convencido de que os nacionalistas escoceses perderiam o referendo de 2014 e que a eleição plebiscitária na Catalunha se saldaria num claro recuo do separatismo, julgo que o Brexit será derrotado amanhã nas urnas pelos eleitores, mais racionais nas suas escolhas do que as manchetes do jornalismo tablóide deixam antever ao trocarem o histórico pelo histérico.

 

6

Neste referendo, os eurófilos mobilizam-se por valores – desde logo o da integração europeia, que por estes dias se joga muito para além dos estádios franceses anfitriões do campeonato de futebol. É a concretização do ideal concebido pelos artífices do maior período de paz e prosperidade já conhecido no Velho Continente – homens como Churchill, Adenauer, Spaak, De Gasperi e Monnet. Um ideal em boa parte tornado realidade: com apenas 7% da população do globo, a Europa produz cerca de 25% da riqueza mundial e sustenta 50% das despesas de carácter social do planeta. Os eurofóbicos, pelo contrário, mobilizam-se pela negativa contra os "eurocratas" dispostos a impor-lhes "passaporte e hino", segundo alegou o Sun num texto em que recomendava o sim ao Brexit. Hoje não hesitam em recorrer à mais rançosa retórica xenófoba, insurgindo-se contra a livre circulação de pessoas e bens. Amanhã não tardarão a insurgir-se contra a livre circulação de ideias.

 

7

Aqueles que um pouco por todo o território britânico repetem o estribilho de que “a Europa suga-nos dinheiro e manda-nos imigrantes” esquecem que o próprio país é fruto da imigração – começando pelos saxões e pelos normandos que na Idade Média iniciaram a configuração étnica e cultural desse mosaico tão multifacetado que é hoje o Reino Unido da Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Esquecem também que nunca a soberania de Londres esteve em causa no processo de integração: os britânicos mantêm-se fora do sistema monetário europeu e do Espaço Schengen, conservam a Rainha no trono e no hino, continuam a pagar as contas em libras esterlinas e até têm três selecções a disputar o Euro 2016 (Inglaterra, Gales e Irlanda do Norte), privilégio que não é reconhecido a nenhum outro Estado.

 

8

A campanha referendária que agora termina foi marcada por uma tragédia: o assassínio da jovem deputada trabalhista Jo Cox, firme defensora da manutenção do vínculo europeu do Reino Unido. As cerimónias fúnebres, com a campanha interrompida, constituíram um momento de compreensível consternação nacional, com o primeiro-ministro David Cameron a prestar um comovido tributo à malograda activista eurófila e o líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn, a expressar um oportuno apelo à decência no espaço comunicacional, conspurcado pelo ódio à solta nas chamadas redes sociais: na política não pode valer tudo.

 

9

A campanha trouxe no entanto algumas notícias positivas. Eis a primeira: a mobilização das gerações mais jovens pela causa europeia. Um eleitor médio britânico com mais de 43 anos tende a ser eurofóbico, enquanto os restantes já se habituaram, em grau crescente, a encarar a UE como casa comum de 500 milhões de pessoas num continente que antes da integração sempre foi devastado pelos demónios da tirania e da guerra. Não deixa de ser irónico que os jovens tenham aprendido esta lição que os mais velhos persistem em ignorar: a Europa é uma construção política demasiado frágil para podermos adormecer confiados em sonhos de paz perpétua. Os ingleses, que combateram Filipe II, Napoleão e Hitler, deviam saber isso melhor que ninguém.

 

10

Outra boa notícia que este referendo no Reino Unido já trouxe: a mobilização dos intelectuais eurófilos, que pareciam ausentes em parte incerta. Figuras tão díspares como o cientista Stephen Hawking, os escritores John Le Carré, Julian Barnes e J. K. Rowling, as actrizes Emma Thompson, Kristin Scott Thomas e Keira Knightley, o cineasta Ken Loach e os historiadores Brendan Simms e Timothy Garton Ash, entre muitas outras, pronunciaram-se a favor do Remain – isto é, querem o reino unido à Europa, não desunido. “O meu receio é que a vitória do Brexit produza uma separação geral e que, com o decorrer do tempo, a Europa volte a deparar-se com os seus velhos e aterradores fantasmas”, observou Ian McEwan, outro escritor eurófilo. Vale a pena reflectir neste testemunho ontem publicado no El País. Para que a Europa deixe de falhar penáltis e de marcar golos na própria baliza: são estes os lances que realmente interessam.