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Delito de Opinião

As malvadas democracias

jpt, 03.09.24

Espada de D. Afonso Henriques em foco - Portal de notícias do Porto. Ponto.

(A espada "de D. Afonso Henriques", imagem não gerada por Inteligência Artificial)

 

São-nos constantes as mistificações sobre passado e presente - cônscias ou involuntárias, cândidas ou interesseiras (parelhas cujos pólos não têm quaisquer correlações). Como deverá ser evidente, para a sua criação, sua reprodução e sua cremação é fundamental a liberdade de expressão. Em particular a liberdade de publicação, de imprensa e não só. As sociedades democráticas têm maiores quinhões dessa liberdade. E as digitalizadas exponenciaram-na. 

Ela é manipulável, nisso sendo moldadas as percepções do real, sendo até agente do antes dito "obscurantismo". Os exemplos são imensos e continuados. Cada um reconhecerá alguns mas de tantos outros nem dará conta, e assim desses sendo fruto. É um molde muito constituído pelas práticas da comunicação social, tanta dela pertencente a grupos económicos, nacionais ou globais, mais ou menos pessoalizados, e deles instrumentos mais lineares (veja-se o simbólico "Citizen Kane", já com 80 anos...) ou mais matizados. Na sua adesão a interesses privados específicos (como a junção siamesa de décadas entre o popular "A Bola" e a empresa Sport Lisboa e Benfica). Na militância seguidora do "a verdade a que temos direito" dos orgãos partidários, oficiais ou oficiosos (que não se restringem aos explícitos "Avante", "Portugal Socialista" ou quejandos). No controlo estatal, directo e indirecto, da imprensa pública e privada (quais os casos da prima e do filho do futuro presidente do Conselho Europeu, para além das pressões avulsas, mas constantes, das plêiades de "administradores não executivos"). E reforça-se pelo conúbio, assalariado ou avençado, dos profissionais da palavra pública (olhai o episódio da animadora do serviço público televisivo, Cautela, literalmente esfregando-se no deputado socialista Magalhães, em horário nobre apregoando-lhe a lei tão censória que teve de ser emendada; ou o caso dos prostitutos socratistas dos blogs "Jugular" e "Câmara Corporativa", alguns dos quais ainda "por aí andam" nos círculos do poder). E um imenso etc. de configurações.

Mas é também neste feixe de imprensa - ainda que esta muito menos rizomática do que possa parecer - típico das sociedades democráticas que grassa a contraposição, a possibilidade de nos depurarmos de muita da tralha que é disseminada. Esclarecendo um pouco, no mitigar do tal "obscurantismo", da velha "alienação" a la Marx. Ora, se (já) não sendo monopólio do "ocidente", estas liberdades predominam no tal "mundo ocidental", as democracias liberais de tipo "europeu".

É agora interessante assistir a serem os avessos a este tipo de sistemas políticos, os efectivos - mesmo que não explícitos - adeptos de regimes autoritários e/ou ditatoriais, que surgem em constantes "denúncias" do iminente apocalipse da liberdade. Anunciando como sintoma desse "fim de ciclo" o facto de as suas opiniões não serem maioritárias e queridas.

A nossa agenda noticiosa - e, de facto, também a política - está dominada por duas guerras, já desgraçadamente rotineiras. A de Israel, sobre a qual já disse estar cansado, pois há mais de 50 anos que aparece na tv. Resmunguei apenas ser a reacção israelita completamente destemperada, e gigantescos serão os seus custos, para aquele país e seus aliados. E parece-me óbvio - mesmo sem ser grande adepto de teorias conspiratórias - que aquele extemporâneo ataque do fascismo islâmico foi uma magistral jogada geoestratégica.

Pois liga-se (qual bater de asas de borboleta) à outra guerra afamada, a ucraniana. Sobre esta não tive ilusões, a Ucrânia seria vencida. Mas, e sem detalhar aquela alvorada bélica, lembro alguns episódios, pois significativos para hoje: a perspectiva russa de uma rápida vitória, assente na ideia da inexistência ucraniana - com as suas tropas de imediato "às portas" de Kiev, Putin apelava à adesão dos "ucranianos" (e uso aspas porque toda a manobra, militar e discursiva, sinalizava a crença na artificialidade, ilegitimadora ,daquele país) à investida russa, como se esta "libertadora". E o seu apodar do poder de Kiev como conjunto de "nazis" e "drogados" (e, por vezes, "judeus"), "golpista", acinte apontando à sua ilegitimidade.

Argumentos e epítetos que colheram apoio entre os adversários das democracias - desse rol lembro o escritor Agualusa clamando na imprensa brasileira "estou na Ilha de  Moçambique" (fica sempre bem dizer isso) "contra os nazis que alguns dizem defenderem a democracia" (+/- sic). A forma barrasca como o execrável António Filipe do PCP referiu  Zelensky quando este visitou verbalmente São Bento. Ou a comunista Mortágua, acusando os americanos pela crise, e defendendo o direito  da Rússia defender o seu "espaço vital" - um argumento, esse sim, nazi. Logo recompensada pelo seu partido com a promoção à sua chefia, sintoma do estado degenerado daquela amálgama esquerdista. Entre os antidemocratas europeus "à direita" grassou o mesmo repúdio ucraniófobo, ainda que por cá entre as figuras mais públicas, para além de um ou outro patusco Tânger, tenha reinado o silêncio. 

É também de lembrar a heterogénea reacção "ocidental" (da NATO e seus aliados), então tão dita como sintomática de "fragilidade" e "decadência". Nada li agora de especial sobre o assunto, as relações internacionais não são o meu ofício, mas até a esta vista desarmada, e memória distraída, foram notórias algumas diferenças: o prolongado esforço diplomático de Macron junto a Putin, as delongas alemãs no apoio militar, o peculiar rumo turco, o susto báltico e escandinavo, a bem posterior investida papal, etc.

São distinções relevantes pois os antidemocratas - à "esquerda" e à "direita" -, insistem ser a culpa desta guerra do "ocidente", das sociedades democráticas. Sempre tomadas como um todo, homogéneo e agressivo. O que é denotativo: os adversários da democracia são, por associação, antieuropeístas. E sempre apontam à "Europa" a fragilidade da sua multilateralidade, da sua complexa arquitectura política-administrativa. Disso ilustração foi o caso do arrogante sofá de Erdogan. Mais ainda o desprezo de Trump diante de uma "Europa" que segue sem um presidente. Sobrancerias próprias dos ideários autocráticos, sempre apreciadores de poderes armados de único (e enorme) falo. Ou - pois nesta era de igualdade de género - de também único (se ávido de voluptuoso) clitóris. Mas estes "inimigos internos" depois surgem como se cegos à diversidade entre as dezenas de democracias, reduzindo-as a uma unicidade. O que não lhes é contradição analítica, mas apenas efeito das retóricas por cardápio, embrulhadas como se augúrios fossem. Pois a escatologia tem sempre algum apelo.

Um dos tópicos deste pensamento mágico antidemocrático, de índole comunista ou de índole fascista, é a tal proclamação do estertor das "liberdades". A este propósito aqui mesmo Luís Naves proclama o fim - no tal "ocidente" das democracias, presume-se, pois é o único contexto aludido - da liberdade de imprensa e o baixar da liberdade de expressão aos cuidados paliativos. Tudo por culpa, e nisso vem insistindo, da perfídia europeia/democrática - e da "emasculação" (passe o termo) dos títeres seus dirigentes, ilegitimados eleitoralmente e assim fragilizados face a oponentes, esses sim verdadeiros líderes pois untados de legitimidades, históricas presume-se.

Ao ler isto lembrei-me de um caso semelhante. Há dois anos e meio 20 intelectuais portugueses, oriundos, grosso modo, do "espectro do comunismo", disseram o mesmo sobre o fim da liberdade. Queixaram-se de serem silenciados, perseguidos e até criminalizados, devido ao seu efectivo apoio (vá lá, pelo menos afectiva complacência) aos inimigos da NATO. Eu sobre isso escrevi o "A Empáfia Hipócrita", irado com o desplante daquele grupo. Conviria, passados estes dois anos e meio, indagar sobre quais e quantos desses intelectuais portugueses foram, de facto, efectivamente silenciados, perseguidos. E criminalizados. Devido à sua sanha antiamericana e antieuropeísta. À sua militância antidemocrática. E quando se encontram agora os veementes clamores sobre o estertor da democracia, cá e alhures, será de comparar com este caso.

Ou então, e de modo muito mais abrangente, questionarmo-nos sobre nós próprios. Cada um, com os respectivos defeitos, incompreensões, vieses, paixões, limites, "desinformação" em suma, está com a Orbe? Ou com Orban? É uma pergunta relevante, pois - e independentemente dessa mediocridade de cada um de nós -, nesses pontos de (tomada) de vista defendem-se coisas diferentes. Amam-se coisas diferentes. Mais do que tudo, pensam-se futuros diferentes. E, mais importante, é nesses limites, apenas sob eles, que é possível pensar.

O infatigável major-general putinista

Agostinho Costa anda há dois anos e meio a profetizar a derrota da Ucrânia

Pedro Correia, 22.08.24

Vão ter o que merecem

Pedro Correia, 07.06.24

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Estes são os dois deputados que o PCP tinha até agora no Parlamento Europeu. Sandra Pereira desde 2019, João Pimenta Lopes desde 2021

Deputados que alinharam com a Rússia na violação da soberania ucraniana - por vezes em coro afinado com a mais rançosa franja extremista da direita

A 1 de Março de 2022, apenas cinco dias após o início da invasão da Ucrânia pela clique moscovita, o Parlamento Europeu aprovou - por esmagadora maioria - um voto de condenação dessa agressão que violentou grosseiramente o direito internacional. Houve 637 votos a favor, 26 abstenções e apenas 13 votos contra. Pereira e Lopes integraram essa minoria absoluta pró-Moscovo.

Como vassalos de Putin, um e outro.

Vão ter - e o partido deles - o que merecem no escrutínio deste domingo. 

Cá está ele

Pedro Correia, 25.02.24

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Ontem à noite participou num debate na CNN Portugal. Com deputados de outros cinco partidos políticos. Sobre uma triste efeméride: o segundo aniversário da agressão russa à Ucrânia, com o seu brutal cortejo de mortos, mutilados, desaparecidos, violações, pilhagens e destruição de todo género. A maior invasão de uma nação europeia por um país vizinho desde a II Guerra Mundial - réplica exacta do que Hitler fez à Polónia em 1939 mal selou o pacto de amizade com Estaline.

Fixem-lhe a cara e o nome: chama-se João Pimenta Lopes, é representante do PCP no Parlamento Europeu. Foi um dos escassos deputados que se puseram ao lado do ditador Putin, recusando condenar a Rússia na eurocâmara. A 1 de Março de 2022 - cinco dias após a invasão, quando os blindados russos se encaminhavam para Kiev e os mísseis de Moscovo matavam dezenas de civis. A resolução foi aprovada por esmagadora maioria: 637 votos favoráveis, 16 abstenções e 13 miseráveis votos vontra - incluindo o de Lopes e da sua camarada Sandra Pereira.

Convém não esquecer. Faltam três meses para as próximas eleições europeias. Quem nos representa em Bruxelas deve ser avaliado - e chumbado - também por isto.

Slava Ukraini!

jpt, 24.02.24

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Há alguns anos (muitos, já, cada vez mais, raisparta) fui mais uma vez à Ilha de Moçambique. À porta da Fortaleza, então sob qualquer intervenção, estava isto. Resmunguei, decerto (eu conheço-me, ainda que mal), a um "portão" barrando o acesso ao agora sacrossanto "Património Cultural" ungido pela UNESCO, pintado com as cores das duas empresas de telefones (Vodacom, MCEL) que invadiam todos os recantos do país com as suas publicidades... Só muitos anos depois alguém me soprou que talvez isto fosse obra, "como quem não quer a coisa", de algum imigrante (quiçá ex-"coooperante") ucraniano, ali resguardado em coisas da construção civil... Talvez. E que belo argumento para um conto seria...

Lembro a fotografia hoje, dois anos após a invasão russa da Ucrânia. Para além dos russófilos actuais (essa mescla nada-excêntrica de bafientos fascistas e comunistas) vejo críticas à Ucrânia e aos seus aliados ("ocidentais") porque a derrota militar se apercebe como provável, exaurido o país. Não deixo de achar uma triste piada ao ver a rapaziada que se imagina de "esquerda", no afã do seu nojo pela democracia liberal dita "ocidental", a filiar-se assim no ideário do "sucesso", do "empreendedorismo" bem realizado, essa ideia de que a fraqueza relativa (a tal derrota militar contra um inimigo superior) significa a fraqueza absoluta, como se uma injusteza ôntica.

E também encontro nenhuma piada aos que vêm "denunciar" a propaganda pró-ucraniana, que para eles conduziu a isto. Ou seja, implicitam que se devia ter apoiado/exigido a rendição imediata. Como esse "eterno comentador" (e mau escritor, já agora) Sousa Tavares que do palanque televisivo veio perorar essa tralha. E tem lugar cativo como "fazedor de opiniões". Por falar de propaganda e estar a botar uma fotografia da Ilha lembro a abjecta consideração do escritor Agualusa, logo no início da guerra, botando no Globo brasileiro o seu lamento de estar na distante Ilha enquanto os "nazis" defendiam a Ucrânia, regurgitando a energúmena propaganda russa, forma canhestra de ser "Sul". Típica, aliás.

De tudo isto me lembrei há horas, ao ver no telejornal as comemorações (fogo-de-artifício e tudo) em Moscovo dos dois anos de guerra. Dezenas ou centenas de milhares de mortos sofridos, idem de baixas alheias causadas, por um regime que se propunha derrotar em três dias (!!!) um poder de "drogados", "nazis", e até "judeus". E comemora.... E estes escritores sofríveis, e intelectuais de merda, e seus enlevados leitores? Dizem o quê?

Slava Ukraini! Especialmente se vier a sua derrota.

Ja som Ukrajinec

Pedro Correia, 24.02.24

 

Na Ucrânia, faz agora dez anos, já se lutava pela liberdade contra os esbirros de Moscovo, quando Vladimir Putin, através de um fantoche do Kremlin, queria pôr a pata em Kiev. Não se lutava apenas nas ruas e nas praças. As batalhas da propaganda política também se tornaram decisivas, com o recurso às novas tecnologias. Este vídeo, por exemplo, teve rápida difusão mundial: em poucos dias recebeu 3,5 milhões de visualizações.

Dois minutos: não foi preciso mais. Uma jovem chamada Yulia difundiu a mensagem, clara e directa, recorrendo à técnica do vivo televisivo: "Queremos ser livres".

Foi quanto bastou para o essencial ficar dito. E para o eco se propagar: "Ja som Ukrajinec".

Marco vitorioso na luta contra o fascismo neocomunista: o fantoche foi derrubado.

 

Hoje volta a ser imperativo, quando se assinalam dois anos da criminosa invasão da Ucrânia pela Rússia, potência nuclear 28 vezes maior do que o mártir país vizinho: a autodeterminação dos povos não pode ser flor de retórica, há que erguer bem alto o clamor da liberdade.

E de novo proclamar: Ja som Ukrajinec.

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Foto: Nacho Doce / Reuter

Trump Carlson em Moscovo

João Pedro Pimenta, 08.02.24

Depois de se dizer que era mero boato, Tucker Carlson, que acabou despedido da Fox por confessar em privado que tinha dito disparates em notíciário, lá entrevistou Vladimir Putin, para "esclarecer os americanos da verdade", como se Putin não a tivesse divulgado em inúmeras ocasiões, embora nem sempre com a mesma base. Escolheu bem o dia: o mesmo em que a candidatura de Boris Nadezhin, o único contra Putin, acabou recusada, como acontece sempre que há um candidato contra o incumbente.

Entretanto, o Partido Republicano continua a recusar-se a enviar mais ajuda à Ucrânia, mas aprovou o envio de 16 mil milhões de euros para Israel.
 
Claro que não há qualquer ligação entre isto. Podia lá ser...

Figura internacional de 2023

Pedro Correia, 08.01.24

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VOLODIMIR ZELENSKI

Segunda vitória consecutiva do Presidente da Ucrânia como Figura Internacional do Ano aqui no DELITO. Do quase anonimato, Volodimir Zelenski. tornou-se celebridade à escala mundial. Pelo pior motivo possível, certamente, na opinião dele. Por ser um herói involuntário que soube manter-se de pé e liderar o seu povo agredido por Moscovo. É fácil presumir que nada disto estava nos seus planos quando se candidatou à presidência, em 2019.

Zelenski, que em 2022 teve um triunfo esmagador na votação do blogue, desta vez venceu por maioria simples.

Eis algumas das justificações apresentadas por quem votou nele:

«Essencialmente, pela capacidade de resistência.»

«Apesar de outros conflitos graves [em 2023], não pode ser esquecido.»

«Quem sabe o que sucederá, caso a Rússia ganhe a guerra.»

Enfim, um conflito gravissimo iniciado com a invasão decretada por Vladimir Putin, em 24 de Fevereiro de 2022, e que se mantém neste início de 2024. Sabe-se lá até quando.

 

E quem mais?

O segundo lugar coube à presidente da Comissão Europeia. Ursula von Der Leyen, que já tinha sido eleita Figura do Ano em 2020, esteve perto de revalidar esta distinção. «Interventiva, sem dúvida», houve quem dissesse, justificando ter votado nela.

A tal frase - provavelmente apócrifa - atribuída a Henry Kissinger sobre a impossibilidade de pegar no telefone e contactar alguém que «liderasse a Europa» talvez deixe enfim de fazer sentido com esta ex-ministra alemã da Defesa que tem assumido inegável protagonismo como porta-voz do espaço comunitário. E que parece estar muito longe da aposentação. 

 

O terceiro posto do pódio coube ao recém-eleito Presidente da Argentina, Javier Milei. Um assumido ultraliberal que venceu as eleições de Novembro para a Casa Rosada, com 56%, destronando o rival peronista Sergio Massa num dos países mais proteccionistas do mundo - e também um dos mais depauperados por décadas de péssima gestão económica e financeira.

Seguiram-se votos isolados no Papa Francisco (vencedor em 2013 e 2014), no Presidente norte-americano Joe Biden (Figura do Ano em 2022), na primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e no secretário-geral da ONU, o nosso compatriota António Guterres

 

Faltam mais três.

Ismail Haniya, líder do Hamas - «Pelas piores razões», diz quem votou nele.

Sam Altman, big boss da OpenAI. Motivo? «Abriu a porta para um futuro potencialmente tão assombroso quanto tenebroso – porque, quer queiramos quer não, o futuro já chegou e está em movimento uniformemente acelerado.»

Finalmente, um voto com dimensão colectiva. No povo palestiniano. «Vítima do Hamas, de Netanyahu e da inércia/impotência internacional. Não teve voz nem voto na matéria, limita-se a esperar a morte», assim foi justificado.

Para o ano há mais, fica prometido.

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson

Figura internacional de 2020: Ursula von Der Leyen

Figura internacional de 2021: Joe Biden

Figura internacional de 2022: Volodimir Zelenski

Ucrânia

jpt, 27.11.23

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1. Em primeira análise - e talvez a fundamental - esta fotografia nada tem de excêntrico. É normal que os eleitos se congreguem nos momentos de ritualização da república, neste caso as celebrações de 25 de Abril (de 2018?) organizadas pela Câmara Municipal de Loures. E também é normal e até desejável que esses eleitos, para além das diferenças ideológicas e partidárias, às vezes emitidas de formas tonitruantes, tenham entre si relações pessoais curiais, que lhes permitam convívios benfazejos. Num segundo registo analítico, mais centrado na fotografia, também é normal e salutar que eleitos de diferentes forças políticas celebrem a data fundacional do regime democrático nacional. Ou seja, o que a este caracteriza é a admissão das diferentes ideologias no espectro democrático (multipartidário), e que nenhuma delas possa legitimamente reclamar uma primazia patrimonial sobre a "democracia". E assim pode(re)mos criticar a democraticidade dos anseios de alguns mas, a priori, não os deve(re)mos retirar do âmbito democrático: sejam esses eleitos comunistas adeptos do modelo "brejnevista", eleitos "sociais-democratas" que, de facto, se revêm numa direita profunda soberanista. Ou quaisquer outros...

Ainda assim, apesar desses princípios, esta fotografia foi sendo (e vai sendo) gozada, num sarcástico "afinal?!". O que, num terceiro registo de análise, mais "hermenêutico" se se quiser, deixa perceber o quão encenado é o teatro político-partidário português e as retóricas da sua dramaturgia.

Mas há um outro ponto, num substrato mais enterrado. É o de numa mera fotografia se encontrar, com um laivo de sarcasmo intérprete, a demonstração de alguma até então inesperada... similitude, por mais paradoxal que possa parecer.

2. A invasão russa da Ucrânia (Fevereiro de 2022) convocou uma atenção geral e uma comoção muito abrangente. Neste blog também, como o mostram os arquivos dos meses subsequentes, onde está patente uma enxurrada de postais nossos sobre o assunto. Será de recordar que a "operação militar russa" foi pensada como uma blitzkrieg que fosse promotora de uma verdadeira anchluss, esta dita como legítima associação entre unidades histórico-culturais (que no passado eram também ditas raciais) conjuntas. Para tal seriam necessários apenas meia dúzia de dias, para isso contando com a adesão dos "ucranianos" ao movimento russófilo, sublevando-se até contra os seus dirigentes "nazis", "corruptos", também "drogados" e até contando com "judeus", os quais haviam chegado ao poder através de um "golpe de Estado" "antidemocrático". Estes eram os itens predominantes nos discursos explicativos de Vladimir Putin e dos seus  mais próximos - os quais, note-se, não têm sido dissecados pelos críticos da malevolência e obscurantismo da "propaganda" "americana" e/ou "ocidental".

Como é sabido, a afinal denodada resistência ucraniana (desde logo fazendo cair as aspas ao termo) e o forte apoio militar, mas também económico e diplomático, recebido do (sempre pérfido) "ocidente", impediu a rápida rendição do país. Assim se tornou aquela guerra uma desgraçada rotina, E - aqui entre nós - como é normal foi diminuindo a nossa verve (amadora e gratuita), decerto que também a nossa atenção (dispersável, como lhe é natureza). Vem então correndo aquela guerra situada num dos países, portanto fundamentalmente apenas nesse devastadora. E que opõe dois contendores com recursos bastante assimétricos, desde logo os demográficos...

Não sendo eu do ofício militar deixei-me presumir o rumo daquele conflito: "1) rendição imediata, salvaguardando vidas humanas e, secundariamente, bens materiais; 2) uma breve resistência, durante a qual se procura organizar uma hipotética futura guerrilha; 3) resistência extremada, até sacrificial, assente na fanatização nacionalista e na demonização do invasor (...); 4) mobilização geral dos recursos humanos com exaltação do patriotismo, possibilitando uma resistência algo prolongada, solicitando apoios externos, políticos-diplomáticos e mesmo militares. Tudo para procurar uma negociação final em termos o menos assimétricos possíveis, salvaguardando o que for possível para os desígnios nacionais." (7.3.2022).

Ou seja, pode ser que, com o passar do tempo, alguns mais incautos tenham pensado que os efeitos da disparatada retórica propagandística de Moscovo e os da desconchavada "operação militar especial" em curso fizessem ruir aquele poder. Mas era muito pouco provável - decerto que corroeram alguns dos alicerces mas talvez até tenham reforçado outros. E esses efeitos serão decerto notórios daqui a alguns anos, na configuração pós-Putin - ou seja, sobre o vigente poder russo será mais de esperar um "efeito afegão" do que um "terramoto I Guerra Mundial", passe a analogia de bolso.

Mas mais absurdo ainda seria pensar que a Ucrânia viria a "ganhar a guerra", sob o ponto de vista militar - e note-se que o grande apoio militar recebido foi sob condição de que o país se restringisse a uma guerra defensiva, sita apenas no seu território. Sim, terá havido a esperança (e talvez ainda a haja) de que a Ucrânia pudesse (possa) ganhar a guerra, trancando a Rússia numa guerra de trincheiras, que fosse (seja) para Moscovo insuportável de manter sob o ponto de vista político-económico e até moral, conduzindo assim a negociações menos desequilibradas. Mas com toda a certeza que não um "ganhar a guerra" com Zelensky a desfilar na Praça Vermelha encabeçando colunas de tanques Leopard, entre os quais os nossos poucos que funcionam. Mas é evidente que o discurso político e propagandístico, o mobilizador ucraniano e o solidário internacional, e por razões da sua produtividade, não se podia nem pode restringir a isso. Dizer a um povo mártir "aguentai mais uns mesitos", "morrei em barda por mais uns kms para negociarmos um bocadinho melhor"? Enfim, os analistas críticos do "obscurantismo" "ocidental" e da "demagogia" ucraniana neste âmbito surgem verdadeiros toleirões.

3. Entre nós, em Portugal e no tal "ocidente", desde o início da "situação" ucraniana que foram grassando as vozes apoiantes das reclamações russas. Em Portugal com algum sucesso: lembro que a então deputada em part-time Mariana Mortágua defendeu a posição de Putin reclamando a justeza da ideologia nazi, clamando pelo direito ao "espaço vital" da Rússia (1.3.2022). E, apesar da tal subscrição do ethos imperialista sob postura nazi, Mortágua não só não foi afastada da direcção do Bloco de Esquerda mas, pelo contrário, foi eleita sua líder. Dirigentes do Partido Comunista desdobraram-se em ditirambos contra a Ucrânia, tanto institucionalmente como em registo pessoal - no qual pontificou António Filipe, presente na fotografia que encima o postal. Chegando ao ponto de louvar em comunicado oficial a política estalinista relativa às "minorias" nacionais e/ou étnicas (1.3.2022), sem que nenhum dos vozeadores das causas identitaristas que tanto grassam na nossa imprensa e em alguns nichos do parlamento esboçasse a menor crítica. No mesmo eixo ideológico, um conjunto de atrevidas figuras públicas, reclamando-se como "intelectuais" e "artistas", opuseram-se ao apoio à Ucrânia (nisso chorando-se como "perseguidos e criminalizados") enquanto defendiam o primado da "Acta Final da Conferência de Helsínquia" (11.4.2022) - exactamente essa que consagra o direito dos países se associarem em organizações internacionais multilaterais, também de índole militar. Enquanto esses mesmos, e tantos outros do mesmo eixo de entendimento, radicavam a agressão russa na inadmissível ameaça sentida na Rússia pela expansão da NATO ao leste europeu... E nenhum deles foi retoricamente pontapeado por tamanho dislate.

Entretanto Europa afora vêm-se sedimentando ou reforçando movimentos políticos, ditos de "direita profunda" ou mesmo de "extrema-direita", alguns estabelecidos nos governos nacionais - como foi anunciada, de forma talvez exagerada, a nova governação italiana, se manteve a húngara, se renovou a polaca e agora a holandesa. Para além das crescentes oposições desse teor em alguns países - o anterior e apatetado Brexit, bem como as actuais flutuações partidárias na França e na Alemanha disso são exemplos. Movimentos que surgem assentes em perspectivas soberanistas, avessas ao incremento da interacção europeia, sob a velha retórica da "Europa das Nações". Mas que, talvez surpreendentemente, neste caso surgem avessos à soberania, apenas à ucraniana entenda-se, e veementes defensores do "multiculculturalismo" "federativo" russo. Talvez isto seja parodoxal mas talvez seja apenas uma mal esclarecida nebulosa ideologia. Ou devido a meras razões tácticas. E nem será necessário alongar-me sobre o peculiar espectro do ressurgir de Donald Trump, e da russofilia neo-imperialista do presidente Lula da Silva, como exemplos dessa deriva anti-ucraniana no extremo "ocidente".

Ou seja, se a Ucrânia enfrenta a exaustão após quase dois anos de desigual guerra, nós outros, cá longe, te(re)mos de enfrentar a vil retórica e a festiva felicidade dos seus oponentes "ocidentais". É a perspectiva do loquaz crescimento da coalizão real entre os decadentes movimentos comunistas e os ascendentes movimentos fascistas (no tal termo abrangente do "ur"-fascismo, que Eco celebrizou), neste embate militar buscando adubo para as suas ideologias. São estes aqueles que querem tornar sua justificação histórica a força dos sentimentos nacionais, a estes atribuindo virtude e essencialidade. Ou seja, indiscutibilidade.

Mas desde que, atente-se nisso pois é o fundamental, essa configuração soberanista, "nacionalista", sirva para agredir a democracia liberal, a esta fazer retroceder. Daí o carácter simbólico da fotografia acima, com aquele ramalhete de personagens pitorescas. Tão típicas desses anseios, apesar das suas diferenças.

4. Em 1990, ainda fumegantes os escombros do mundo comunista europeu, Ralf Dahrendorf escreveu - para "um cavalheiro em Varsóvia" - as suas "Reflexões Sobre a Revolução na Europa". Mais ou menos começa assim: "... a casa europeia que o senhor e eu queremos transformar no nosso lar comum termina onde começa a União Soviética, ou o que quer que venha a suceder-lhe. Esta é uma declaração importante, cuja justificação se impõe."

Talvez seja importante regressar ao velho texto de Dahrendorf - e aos avisos que ali deixou sobre a volúpia de se reforçarem "modelos" sociais na Europa. Mas também para com aquele velho e sábio conservador liberal melhor se perceber que este aborto, este ser siamês fascista-comunista - por mais ademanes historiográficos e meneios culturais que patenteie -, apenas quer a destruição da democracia. Europeia. Nisso a redução do seu âmbito. E da sua intensidade. Pois apenas sabe querer isso. E nesse rumo é produtivo, é porreiro, que a Ucrânia se foda. É só isso.

O Ocidente sob fogo no sofá

Pedro Belo Moraes, 27.10.23

Habituados ao fast food, os ocidentais só toleram a fast war. Viciados na transacção de emoções, na partilha de sentimentos, os ocidentais pululam entre Apps. Num dia ficam esmagados pelos pushes da torrente de notificações que dão acesso às imagens horríficas do terror do Hamas no dia 7 de Outubro; nos outros indignam-se, revoltam-se, enfurecem-se com a operação militar israelita que “ocupou” a miríade de Apps.

De palas nos olhos, os ocidentais passam a ver apenas a destruição de Gaza e o drama humano por ela provocado. E a emoção mais recente é a que os move. Comove. E tudo à distância de um clique num ecrã do telemóvel ou do lesto polegar carregando nas teclas do comando remoto do televisor. E o comando ser remoto é o eufemismo disto tudo.

É o Ocidente no sofá. Sempre descansado porque mero mirone a salvo das injustiças que o ofendem. Insurgido com as atrocidades cometidas sobre inocentes, claro!, mas raras vezes assustado, raríssimas vezes vislumbrando que a peça que o ofende é, apenas e só, uma pequena parte de um puzzle que uma vez construído - e o dito está em construção - destruirá a ordem mundial que nos coloca a nós Ocidente como a única representação dos valores da tolerância, liberdade, democracia, diversidade. Os mesmos que estão sob fogo porque como as normas que nos regem há séculos o Ocidente está sob fogo. E tem de se defender.

Mas voltemos às emoções. Lembremo-nos da comoção geral nos Parlamentos vários, muitos, das democracias liberais, de cada vez que foram bradadas declarações do tipo: “Os ucranianos estão a lutar por nós.”; “É a Ucrânia que combate aquele que ameaça o nosso estilo de vida.”; “Uma vez derrotadas as forças de Kiev, o imperialismo vai querer expandir-se Europa fora.” Tudo isto, claro, replicado, retuitado, reencaminhado redes sociais fora. A necessária e tão desejada ração de emoção servida minuto-a-minuto, hora a hora. Like it!

Não tenhamos dúvida: como os ucranianos, também os israelitas estão a defender-nos. A destruição de uns e outros faz parte de um puzzle. A invasão russa da Ucrânia e o ataque do Hamas a Israel (a única democracia liberal da região) fazem parte de um plano que tem como objetivo primeiro e último destruir o referencial de civilização que é o Ocidente.

Os que nos ameaçam e acossam, os nossos inimigos, são os mesmos numa guerra e noutra. Uns às claras, outros na sombra, juntos compõem um eixo anti-Ocidente, anti-democracia liberal. Reúnem-se, negoceiam, recebem-se com honras de Estado o presidente que se eterniza no poder e invade um país soberano; as lideranças do regime dos ayatollah detentores do poder supremo; os obreiros da aparente benevolente mas omnipresente e poderosa nova rota da seda. Todos estão às claras ou na sombra por detrás das duas guerras que emocionam, comovem e revoltam as sociedades ocidentais.

Não há coincidências. Não há.

As repetidas barbaridades cometidas pelo Hamas no interior de casas onde executaram com fúria famílias inteiras, violaram mulheres, degolaram bebés, e nas ruas onde espancaram homens até à morte e cujos cadáveres sobre os quais cuspiram com raiva e não menos desprezo, e mais ainda o massacre levado a cabo num festival igual em música, idêntico no espírito e na liberdade que sentimos nos festivais em que estivemos inteiros e seguros; tudo isso, tudo isto, no seu horror mais íntimo que acabou por provocar um grito de terror mundial, tudo isto coincidiu com a proximidade da assinatura de um acordo de normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita. Uma aproximação geopolítica, geoestratégica que ameaçava de morte o plano de poder regional do Irão, essa teocracia que – rufem os tambores! – é o grande financiador do Hamas. E também não há coincidências quando a Rússia quis aprovar uma resolução no Conselho de Segurança da ONU sem condenar o acto terrorista do Hamas. E não é mesmo coincidência a dependência russa dos drones iranianos na guerra da Ucrânia. Facto que coincide com outro: Irão e Rússia vêem nos EUA o Grande Satã. Expressão que não tenho tempo para traduzir para mandarim, mas que estou seguro será dita à boca cheia nos gabinetes de Pequim.

Sim, o Ocidente extravasa o mero hemisfério ocidental. É a NATO, a UE, e está na Austrália, no Japão, na Coreia do Sul, as democracias liberais na Ásia, etc. E não disputa o domínio dos EUA. Antes aceita que o Ocidente domina os valores que não são respeitados por quem disputa a civilização ocidental, desprezando a liberdade religiosa, os direitos das mulheres, a liberdade de imprensa, a democracia, a tolerância, a defesa das minorias.

Os ocidentais produzem e consomem muito entretenimento sobre ameaças terroristas ou conspirações de países e protagonistas com planos maléficos para destruir a antiga ordem mundial, fazendo nascer uma nova na qual são a força dominante.

O entretenimento é tanto melhor quanto mais verosímil for. Quem o consome sabe-o mas fica-se pelas pipocas. Quanto muito, entre tramas, passa para as bolachas e chocolates e, na medida do possível, mexendo-se pouco, pouquíssimo do sofá. Isso, quanto muito, fará para receber à porta de casa um Glovo ou um UberEats, pedidos feitos na App e pelos quais esperará enquanto recebe e abre as notificações dos horrores cometidos porque foi atacado e ataca. De verdade. Enquanto se comove com o drama de quem trava uma guerra existencial contra quem não lhe reconhece a existência. O direito a existir.

Convençamo-nos e preparemo-nos: não há fast-war. As guerras que existem não acabam, não se resolvem mudando de canal de TV ou apagando as notificações no telemóvel. E quem lançou os dois conflitos sangrentos que hoje minam a estabilidade mundial despreza as cadeias de fast-food e mais que isso considera abjectas as fast war. Mas amam as longas. As guerras que travam e alimentam são antigas, longas e preparadas. As que grassam no Médio Oriente e no Leste da Europa são disso exemplo.

E nós, Ocidente, temos de nos preparar e acordar para isso mesmo. Não podemos mais continuar apenas no sofá.

 

(Artigo de opinião publicado no dia 20 de Outubro na página da CNN Portugal)

Era uma vez...

Paulo Sousa, 08.09.23

Era uma vez um país que, deprimido, vivia obcecado com a grandeza de outrora. Mais do que ambicionar a voltar a desenhar o futuro, consumia-se numa masturbação eterna com o passado. Para entreter e mobilizar os seus nacionais, criou uma narrativa, um império por desígnio superior e direitos inalienáveis. Os territórios e os povos teriam de se vergar à vontade de quem conseguia drenar a vontade dos outros. A religião, também com medo do futuro, validou o desígnio e a todos abençoou. O resto do mundo não concordou e remeteu esse país à solidão que apenas os desalinhados conhecem.

Pelo caminho ficou um imenso rasto de destruição, uma geração de mortos e estropiados e muitas mais de memórias que, erradamente, irão tentar provar que, afinal, os sangues não são todos iguais.

De que país estou a falar?

Alguém do PCP me pode ajudar nesta escolha?

Sem surpresa e sem vergonha

Pedro Correia, 07.09.23

Ontem, na Assembleia da República, o PCP votou contra a visita (já realizada) do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa à Ucrânia. Foi, sem surpresa, o único partido parlamentar a fazê-lo - comprovando a sua colagem à tirania de Vladimir Putin, invasor da Ucrânia. Este voto aconteceu no próprio dia em que o ditador russo voltou a castigar a população civil do martirizado país vizinho, como responsável máximo pelo ataque a um mercado da cidade de Kostiantinivka, em Donetsk. Com consequências trágicas: pelo menos 17 mortos e 34 feridos. Gente simples, gente pobre - a tal gente que os comunistas tanto gostam de evocar na sua propaganda.                                                      

Votaram contra a ida (já consumada) de Marcelo. Sem uma palavra, mesmo que simbólica, de compaixão pelas vítimas. Sem um pingo de vergonha.

 

Ao lado de quem estão

Pedro Correia, 24.08.23

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Falta pouco para começar uma nova Festa do Avante! Organizada por um partido que apoia a invasão da Ucrânia pela Rússia. Um partido que recusou estar presente na sessão especial da Assembleia da República em que Volodimir Zelenski - lider da nação agredida e violentada - discursou por videoconferência. Um partido que votou contra uma resolução do Parlamento Europeu que condenou a agressão imperialista à soberania ucraniana ordenada pelo ditador russo. Um partido que se opôs, isoladamente, à visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Kiev.

Um partido que descreve assim o Presidente da Ucrânia: «Personifica um poder xenófobo e belicista, rodeado e sustentado por forças de cariz fascista e neonazi, incluindo de carácter paramilitar.» Palavras que replicam as de Putin. Podiam - e já foram - ter sido proferidas por ele.

 

Vale a pena indagar quem são os artistas que se preparam para actuar numa festa promovida pelo PCP. Artistas, aparentemente, sem um rebate de consciência por se associarem ao partido que em Portugal tem actuado como aliado objectivo da Rússia, potência invasora da Ucrânia. Em violação flagrante do direito internacional e da Carta da Organização das Nações Unidas.

Eis alguns dos nomes, estampados no cartaz oficial da Festa do Avante!:

Agir

Carolina Deslandes

Jorge Palma 

Mísia

Paulo de Carvalho

Ricardo Ribeiro

Rodrigo Leão

Rui Reininho

Tim

 

Vale a pena fixá-los. Para sabermos ao lado de quem estão. E para mais tarde recordar.

Negócios pagos com sangue

Pedro Correia, 16.08.23

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Os profissionais do futebol são também cidadãos. Muitos deles, com experiência de trabalho em vários países, são autênticos cidadãos do mundo. Incluo neste lote o treinador Paulo Fonseca, que sempre mereceu a minha simpatia pela competência e pela atitude cordata, dentro e fora de campo.

Este ex-técnico do clube ucraniano Shakhtar Donetsk e agora ao serviço do Lille, em França, acaba de lançar um apelo firme aos dirigentes do Sport Lisboa e Benfica e do Sporting Clube de Braga, pedindo-lhes para não fazerem negócios com emblemas russos visando transferir para o país de Putin os jogadores Chiquinho e Tormena.

Diz Paulo Fonseca - e é difícil não lhe dar razão - que tais negócios, a concretizar-se, serão pagos com preço de sangue.

«Uma coisa eu sei: se o Benfica e o meu Braga fecharem negócio com os clubes russos, esse dinheiro virá a pingar com o sangue das crianças que morrem todos os dias na Ucrânia. E muitas dessas crianças amavam o futebol.» Palavras do antigo técnico do FC Porto e Braga, casado com uma ucraniana.

Tem toda a razão, o treinador do Lille. Basta reparar nas notícias mais recentes da criminosa invasão russa da Ucrânia: sete pessoas, incluindo um bebé com apenas 25 dias de vida, foram mortas no domingo por mísseis de Moscovo na região de Quérson: uma família inteira ficou desfeita.

Dois dias antes, mísseis hipersónicos russos tinham assassinado um menino de oito anos na região de Ivano-Frankivsk. 

Civis indefesos perante o mal absoluto que vem do Kremlin, traiçoeiro e homicida. O meu aplauso solidário ao Paulo Fonseca pelas palavras sentidas e desassombradas que escreveu.

Dia 500

Pedro Correia, 09.07.23

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Foto: Beata Zawrzel / NurPhoto

 

Ontem foi o dia 500 da guerra soviética que a Rússia de Putin trava em solo ucraniano. Uma invasão iniciada há quase 17 meses, em grosseira violação do Direito Internacional - desde logo a Carta das Nações Unidas.

Segundo a Comissão de Direitos Humanos da ONU, os esbirros às ordens do ditador moscovita - incluindo a tenebrosa legião Wagner, agraciada com quase mil milhões de euros do Estado russo, segundo confessou o próprio Putin - já assassinaram pelo menos nove mil civis na Ucrânia. Incluindo crianças e até bebés.

Crimes de guerra, crimes contra a Humanidade. Em cidades como Butcha, Irpin e Mariúpol, reduzidas a escombros. Atrocidades de todo o tipo. Desprezo absoluto pela vida humana. O déspota do Kremlin responderá perante a justiça por este genocídio premeditado na nação vizinha. Estou cada vez mais convicto disto.

Slava Ukraini!

O crime

Pedro Correia, 29.06.23

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Acossado pelas sanções internacionais, líder crepuscular de um velha potência em declínio, humilhado pelo mais repugnante dos seus barões da guerra, Vladimir Putin reage com a pulsão dos autocratas. Entrincheirado, dissociado da realidade, numa Rússia que ameaça fragmentar-se em estilhaços repetindo o humilhante fim do Império Austro-Húngaro após a declaração de guerra à Sérvia em 1914. Com uma demografia devastada pela fuga maciça de jovens (mais de um milhão terão abandonado o país neste último ano e meio) e pelo morticínio na Ucrânia, num país onde a esperança de vida à nascença é de apenas 67 anos para os homens, o ditador do Kremlin vive numa realidade paralela. Acreditando só nas suas efabulações, numa réplica do Hitler confinado ao búnquer de Berlim naquele agonizante Inverno de 1945, resta-lhe mandar matar. Seja quem for, não importa quando, não importa onde. Já o fez com opositores políticos, jornalistas, antigos rivais que deixaram de prestar-lhe vassalagem. 

Pela enésima vez desde que decidiu anexar a nação vizinha, no seu delirante projecto de reconstituir o defunto império soviético, o antigo agente do KGB deu ordem para abater civis inocentes. Por terem cometido este pecado: estavam numa pizaria muito frequentada, à hora da refeição. Ontem foram onze, na cidade de Kramatorsk, no Leste da Ucrânia - incluindo três adolescentes. Registaram-se mais de 60 feridos, vários dos quais em estado grave. Atingidos por um míssil russo.

Outro míssil de Putin. Outro crime de Putin.

Entre as vítimas, encontravam-se as irmãs gémeas Anna e Iulia Aksenchenko - que fariam 15 anos em Setembro. Já não festejarão o aniversário.

Mais dois nomes inscritos num extenso memorial de mártires. Mais nódoas de sangue no vasto cadastro de crimes da Federação Russa.