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Delito de Opinião

Slava Ukraini!

Pedro Correia, 09.05.25

Excelente intervenção de Sebastião Bugalho, em nome do PPE, na conferência ontem organizada pelo Parlamento Europeu para assinalar o 80.º aniversário do fim da II Guerra Mundial no nosso continente.

Assinalo alguns trechos:

«A Segunda Grande Guerra confrontou a humanidade com o desumano, o patriotismo com o fascismo, a verdade com a raiva.»

«Aqueles que resistiram à invasão estão aqui, aliados àqueles que jamais invadirão novamente. Aqueles que disseram "Nunca nos renderemos" estão aqui, lado a lado com aqueles que dizem "Lembraremos sempre".»

«Devemos dizer [ao povo ucraniano] que a sua luta já foi a nossa, que a sua vitória será a nossa paz. Eles podem não ser nossos pais ou nossos filhos, mas são nossos irmãos. Nossos irmãos de armas e de direitos. Nossos irmãos na sua esperança e na sua resistência.»

«Hoje é a sobrevivência da liberdade e da democracia que está em jogo no nosso continente. (...) Que o fogo da memória acenda esta causa comum. Que as palavras "Dia da Vitória" também signifiquem - mais cedo do que tarde - "Slava Ukraini!"»

Indignidade moral

Pedro Correia, 15.04.25

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Manhã de Domingo de Ramos: Vladimir Putin ordena aos seus esbirros para bombardearem Sumy, na Ucrânia. Com total desprezo pela vida humana. 

Dois mísseis foram lançados para o centro da cidade enquanto centenas de pessoas iam à missa. Morreram 34 civis e 119 ficaram feridos, alguns em estado muito grave. Sete dos mortos eram menores.

Ao contrário do que apregoavam os propagandistas da Casa Branca, nem a guerra na Ucrânia terminou em 24 horas nem há qualquer sinal de que tenha fim à vista. Continuam a ser ali cometidas as maiores atrocidades - pelo quarto ano consecutivo. 

Confrontado com este mais recente crime de guerra, Donald Trump voltou a poupar Putin: nem um esboço de crítica ao carrasco da Ucrânia. Começou por uma declaração tipo Miss Mundo, geral e abstracta, dizendo que «as guerras são horríveis». Depois limitou-se a chamar «erro» à nova acção criminosa do psicopata russo. E desviou logo a rota, lançando culpas sobre o seu antecessor na Casa Branca. Parece convencido de que a campanha presidencial norte-americana ainda não terminou, daí nunca abandonar a rasteira linguagem de comício. Dando a entender que o responsável dos massacres na Ucrânia é Joe Biden, não Putin.

Em contraste absoluto com a reacção imediata de Keith Kellogg, para quem o bárbaro ataque a Suny «ultrapassa qualquer linha de decência». Palavras dignas que o colocarão ainda mais à margem do processo negocial: Donald Trump, que detesta Zelenski e admira Putin, parece já não contar com o general para contactos com Kiev.

Em Washington, apesar de tudo, acende-se uma ténue luz de esperança. Congressistas republicanos começam a pressionar Trump para se mostrar sensível ao sofrimento ucraniano. É muito provável que este esforço esteja condenado ao insucesso. Mas se não falarem agora arriscam-se a ficar tão contaminados pela indignidade moral como ele.

Cruzeiro, a rapper no PS

jpt, 11.04.25

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Eva Cruzeiro, a rapper Eva Rap Diva, será candidata a deputada pelo Partido Socialista. Na semana passada isso deu polémica, devido a declarações que proferiu há 3 anos, num contexto em que estava sob "liberdade criativa", como afirmou, pois declamou (cantou?) numa desgarrada típica no seu estilo musical: “Eu sou africana, tou-me a cagar para a guerra na Ucrânia. Esses gajos que se matem como nós nos matamos. Eles não se importam connosco, então, nós não nos importamos. Eu sei que isso se cair na net, muitos vão começar a falar mal, mas não me compete agradar a toda a gente.

O assunto é-me muito interessante. E é passível de abordagem por várias portas. Claro que se pode ser cáustico, e acusar o PS de demagogia por cooptar uma artista em busca de votos. Mas é até tradicional que os partidos convidem personalidades públicas para "animarem" as suas listas, assim "convidando" eleitores flutuantes (Rosa Mota no PS, Saramago no PCP, o fadista do PPM, para exemplos).  E também podemos invectivar os modos da rapper - alguém a autodenominar-se "Diva" é um bocado piroso. Mas, convenhamos, os nossos "cantautores" (ou "cantores de intervenção", se se quiser) mimetizavam os da chanson française (ou "franco-belga", para se ser mais exacto). E os nosso rockeiros seguiam os (bons) tiques e toques do rock'n roll alhures... Vamos criticar os da nova geração pela mesma tendência para a cópia identitária?

Mais corrosiva será a evidente comparação - o PS é o regime, mesmo se agora na oposição, tem-no sido desde há largas décadas. Uma rapper, com a parafernália simbólica do anti-sistema, a enfileirar-se no partido é um bocado como se o José Mário Branco tivesse sido candidato do PS em 1987. Ou o Cabeleira nas listas encabeçadas por Fernando Nogueira em 1995... Mas, sendo franco, vendo o perfil e percurso da ainda jovem candidata Cruzeiro, percebe-se que ela não é uma "rebel without a cause". É artista, sim. Mas também estudante, investigadora, e activista sobre questões políticas e sociais. Ou seja, não é (não será) um mero "cromo" nas listas, é uma jovem empenhada na política. Assim justificando a ascensão a lugar elegível. 

Há outra dimensão nisto: tantos lamentam que os jovens não se interessem pela política. E mais, que aqueles que surgem na política sejam meros (e rasteiros, nisso videirinhos) "jotinhas", a papaguearem o que as direcções dos partidos dizem, na volúpia da ascensão "laboral". E de repente aparece uma jovem a interessar-se pela política partidária, e a ter opiniões dissonantes - ainda para mais no passado - das lideranças. E critica-se? É um absurdo esta verrina crítica. Ou seja, e independentemente do meu desejo da derrota do PS, bem-vinda seja Cruzeiro.

Outra coisa que é salutar: Cruzeiro apresenta-se como portuguesa da Arrentela (mal comparado tal como eu sou dos Olivais). E sendo filha de angolanos exerce (vive, activamente) essa "duplicidade" (no bom sentido, o de multiplicidade, complexidade) identitária. Trabalha, empenha-se, debate, participa, nas questões daqui e nas do país dos seus pais. Isso é uma riqueza imensa, dela pessoal mas também de quem com ela interagirá. Chama-se, para incompreensão de muitos críticos, cosmopolitismo. Ou seja, e de novo, bem-vinda Cruzeiro. E seria bom que os outros partidos democráticos se associassem nesta recepção. Apriorística, para depois se passar às hipotéticas críticas às suas posições futuras.

Ficam-me três coisas para referir: a primeira é algo que as extremistas feministas - e Cruzeiro anuncia-se como feminista - chamam de "mansplaining", termo inglês que significa quando alguém com pénis explica uma coisa óbvia a alguém com vagina, mas que eu exijo que seja considerado como um "oldsplaining": entrar no PS implica que, mais tarde ou mais cedo, se fica igual aos tipos do PS. Não há nada a fazer, não há antídoto. E é letal (ainda que dê empregos).

A segunda é relativa ao choradinho da desgarrada por Cruzeiro proferida há três anos sobre a guerra da Ucrânia, aquilo dos sacanas dos brancos "não se importam connosco" (africanos), pelas matanças em África, etc. e tal. Pois há três anos, diante do coro de aleivosias similares veiculadas por maduros moçambicanos sobre o assunto - esse que se lixem os "europeus" (entenda-se, os "brancos") nisso da Ucrânia porque não nos ligam, que Cruzeiro também então balbuciou - botei um texto: "O Barómetro Moral do Sul". O qual, com toda a honestidade, é irrefutável, dada a sua base empírica. Entenda-se bem: este choradinho, da culpabilização dos "brancos" pela sua desatenção pelos "problemas" em África é argumentação ideológica dos cleptófilos, dos adeptos das cleptocracias, tantas delas assassinas, em África. E seria melhor que uma rapper e/ou política desgarrasse sobre isso... Em vez de apenas papaguear a demagogia servil.

Finalmente, e para além de Cruzeiro, a propósito desta situação fui ver o seu perfil nas "redes sociais", nas quais é abundantemente seguida. Tudo curial, uma artista e investigadora jovem, que se apresenta em palco, ou em convívio, na frescura do seu aspecto, às vezes mais formal, outras vezes menos, e também com os seus interlocutores, uns conhecidos, outros menos, um ou outro até célebre. Usando as "redes" para propagar o seu percurso, propagandear o seu trabalho - em particular como "rapper", esse forma musical menor, qual literatura "lite".

Há pouco tempo reagi à disparatada forma como um intelectual português, João Pedro George, investiu sobre uma ... jovem escritora, Madalena Sá Fernandes. Acusando-a de se valorizar através da visibilidade nas "redes sociais": "A "lisboa" Literária". Ora neste caso é exactamente a mesma coisa. Alguns, idólatras das "letras", virão dizer que "literatura" e "música popular" são diferentes, que a análise "sociológica" das formas de afirmação dos seus agentes cumprem um diferente "dever-ser". Poderão argumentar como quiserem: mas eu sempre ripostarei desta forma, lembrando esta cena da tão simpática série "The Byrds of Paradise" (de 1994), na qual o Arlo Guthrie remetia as origens do rap para o Dylan - sim, esse mesmo que depois ganhou o Nobel ... da Literatura.

Ou seja, os conteúdos e as formas, a vacuidade da "liberdade criativa", do contestatário "lite" da demagogia, de uma jovem "africana" (é assim que Cruzeiro se define, no seu militante racialismo), passa incólume à "crítica", contrariamente ao afã sanguinolento que se abate sobre uma jovem "branca", sua congénere. Isto é apenas efeito dos espartilhos ideológicos da tralha "decolonial", abundante em Lisboa.

Uma das figuras icónicas do nosso tempo

Pedro Correia, 03.04.25

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Sugestivo cumprimento de Giorgia Meloni a Zelenski há dias, na cimeira de Paris

 

A Ucrânia é um país agora dotado do segundo maior exército da Europa e uma vontade inquebrantável de se manter como nação soberana. Nem colónia americana, como deseja com avidez Donald Trump, nem protectorado da Federação Russa, como anseia o ditador de Moscovo.

Volodímir Zelenski surge em contraste absoluto com o grotesco Lukachenko, lacaio do Kremlin. Está hoje para Putin como o "frágil e vulnerável" Ho Chi Minh esteve para a administração Johnson da toda-poderosa América do Norte. Só para se concretizar o acordo de paz no Vietname decorreram cinco anos. E os Estados Unidos, depois disso, saíram de lá humilhados.

Mas Zelenski não se destaca apenas pela capacidade de resistência: é também um amante da liberdade. Daí ser pouco adequado compará-lo ao fundador do Vietname pós-colonial, que ali impôs uma tirania comunista. A maior semelhança é com Winston Churchill, que chegou a ser o homem mais solitário da Europa quando em 1940 ficou isolado na luta contra a besta nazi - hoje encarnada no agressor russo da Ucrânia.

Não há engano quando o vemos de cabeça levantada: é a grande figura icónica desta geração. O David de Kiev que enfrentou o Golias de Moscovo no próprio dia da invasão, esse trágico 24 de Fevereiro de 2022, ao declarar, enquanto os blindados do Estado agressor se aproximavam da capital violentada pela maior potência nuclear do planeta: «Quando nos atacarem, verão os nossos rostos, não as nossas costas.»

E assim foi.

Garantiu lugar nos futuros manuais de História desde esse instante em que ergueu o ânimo dos compatriotas, pronto a travar a marcha dos esbirros putinistas. Estatuto reforçado dois dias depois, com outra frase de pendor churchilliano, ao recusar sem rodeios o refúgio que Joe Biden lhe garantia no Ocidente: «Preciso de munições, não de boleia.»

Honrou a promessa: três anos depois, inabalável, permanece no posto de comando. Sem dobrar a cerviz. É um orgulho sermos contemporâneos dele.

Sempre com Moscovo, nunca com Kiev

Pedro Correia, 20.03.25

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A bancada do PCP rompeu ontem uma praxe parlamentar recusando aplaudir uma delegação de deputados da Ucrânia em visita a Lisboa, acompanhada da embaixadora de Kiev no nosso país, Maryna Mykhailenko. Enquanto os representantes dos restantes partidos se levantaram para o habitual gesto de cortesia aos visitantes na galeria dos convidados da Assembleia da República, Alfredo Maia, António Filipe e Paula Santos permaneceram nos seus lugares, indiferentes à presença daqueles deputados, todos membros do Grupo de Amizade Portugal-Ucrânia.

Atitude miserável, mas nada surpreendente.

A 24 de Fevereiro, o PCP esteve igualmente isolado ao recusar participar num minuto de silêncio no hemiciclo em memória das vítimas da guerra, no terceiro aniversário da invasão da Ucrânia pelas forças bélicas da Federação Russa.

A 28 de Fevereiro, rejeitou associar-se a um voto de solidariedade com o povo ucraniano apresentado na sala de sessões do parlamento pelo próprio presidente deste órgão. O documento redigido por Aguiar-Branco exprimia «o compromisso de Portugal para com a construção de uma paz justa, que preserve a ordem internacional baseada em regras, proteja a soberania e a integridade territorial dos Estados e assegure o respeito pelos direitos humanos, pela liberdade e pela democracia».

No final da votação, todos os deputados aplaudiram de pé. Todos? Todos não: os comunistas permaneceram sentados. Solidários com Moscovo, jamais com Kiev.

Comportam-se como vassalos de Putin, comungando da devoção beata de Álvaro Cunhal pela Rússia, que o histórico dirigente comunista venerava como «o sol da Terra».

 

P. S. - Alguns membros do PCP, nas redes sociais, acusam Zelenski de «ter ilegalizado» o PC ucraniano. Aldrabice, que o Polígrafo já desmascarou.

 

Leitura complementar: A "linguagem de rua" no blog

A "linguagem de rua" no blog

jpt, 19.03.25

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Há uns dias o Pedro Correia deixou aqui um postal referindo que uma simpática leitora do DO lhe confidenciara o seu desagrado pela utilização de palavrões neste blog. Acontece que por vezes eu me liberto da tenaz que a minha irmã e a minha filha constituem e deixo correr a "linguagem de rua" - serei o único a pecar entre os prezados (e educadíssimos) co-bloguistas, talvez haja algum comentador (mais ou menos anónimo) que me acompanhe nesse rumo de franqueza popular, assim também maculando o belo blog.

Ainda que ateu, penitencio-me por esses erros, advindos de graves falhas de personalidade. Pois quando vejo coisas como estas, isto dos deputados do PCP António Filipe, Paula Santos e Alfredo Maia (este último um tipo que foi durante uma década presidente do Sindicato de Jornalistas, o que imenso diz da "classe") não só recusando acolher com aplausos os visitantes parlamentares ucranianos mas, mais do que isso, dando-lhes as costas - não se trata apenas de uma recusa simbólica de aplauso, uma posição política, é mais do que isso - ocorrem-me alguns termos desagradáveis às simpáticas leitoras do DO.

E ocorrem-me outras coisas, neste perigoso registo de associação de ideias: um presidente da república estrangeiro, o ucraniano, é convidado a discursar na Assembleia da República. E um funcionário parlamentar deixa-se em dislates públicos apoucando o convidado e a situação. E nisso afrontando o órgão de soberania no qual trabalha. "O que é isto, então agora o pessoal menor tem estas atitudes?" dirá, curialmente, qualquer simpática leitora do DO. Eu, desse António Filipe, disse e digo outras coisas... E lembro-me do escritor comunista Mário Carvalho ("ai que belo escritor", dirão logo as educadas leitoras do DO) a clamar que os tipos das redes sociais (eu e outros) que associavam o PCP a posições pró-russas eram pagos para isso. E a filha dele, também escritora, choramingando junto ao Boaventura, ao Soromenho Marques e outros que tais, que eram "perseguidos", "censurados" e até "criminalizados" por serem inteligentes, iluminados e, nisso, ditos algo russófilos.  Ou seja, o Mário Carvalho pode dizer que eu sou uma puta, perdão, prostituta, e alguns outros também. Mas é a linguagem de rua que ofende, não o putinismo abjecto desta gente. E portanto eu não direi palavrões, não digo o que penso desse António Filipe, dessa Paula Santos, mais desse outro qualquer. E do Mário Carvalho e da sua velha pirralha. Para não ofender as senhoras...

Como também não digo o que penso dos democratas-cristãos, esses do zombie CDS, que muito apreciam Putin porque sabe distinguir homens de mulheres. Porque, como se sabe, os gajos do CDS são muito avessos a essas coisas da homossexualidade. Estes "gajos" (enfim, autocensuro-me assim...) não têm vergonha na cara.

Pois o problema, real, é o da "linguagem de rua". Não este lixo humano.

Trumpofobia e trumpofilia*

José Meireles Graça, 05.03.25

De Marcelo diz-se que é muito inteligente, culto, habilidoso e querido do povo que lisonjeia, ao qual passa a mão pelo lombo patrioteiro e amante de musiquetas e telenovelas. Tudo verdade. E todavia, com excepção de jornalistas que vivem das rodilhices da política, e dos políticos que são obrigados a tomar em linha de conta o que Sua Excelência diz, ninguém de consequência o leva a sério porque dali não vem nem nunca veio um pensamento com alguma profundidade, uma ideia com alguma originalidade e um desígnio que não seja a vulgata do europeísmo e das ideias que andam no ar da moda do extremo-centro.

De Trump diz-se que é um grosseirão, ignorante e bronco, com educação de carroceiro, gostos de empreiteiro e deslumbramento de pato-bravo. Tudo verdade.

O primeiro não fez nem uma ruga no lago da história do país democrático, e ainda menos no mar da história tout court. O segundo agita as águas do mundo, pôs a Europa em convulsão, quer pôr Israel a dar um já chega! no terrorismo palestiniano, acabar prestes com a guerra da Ucrânia, fazer as reformas do Estado que a direita impotente, que é quase toda, anda há décadas a dizer que vai fazer, e mandar para os cafundós da irrelevância a cultura woke, substituindo-a pelo senso e a tradição, e com tudo isso restaurar a grandeza dos EUA, que acha, e está, em risco.

Um abismo separa os dois homens, tanto neles próprios quanto na importância relativa dos respectivos países, quanto nas circunstâncias. De comum têm apenas o terem sido limpamente eleitos.

Quer dizer que o eleitorado português é lúcido porque elege um intelectual capaz de fazer nada e o americano estúpido porque elege um bully aldrabão com vontade de fazer muito?

Não. Foram ambos eleitos porque respondem a necessidades do eleitorado. E o que isto significa é que o que eles são interessa pouco e o que eles defendem muito.

Donde, deixem lá em sossego o perfil intelectual e psicológico de Trump, isso pode alimentar-nos a repulsa apenas na medida em que nos limita a compreensão.

Para o compreender comecemos por um ponto: Por que razão uma faixa de pessoas na Europa, incluindo entre nós, aprecia o que está a fazer? Um amigo meu da variedade ide-vos catar mais o que pensais fez um resumo indicativo (que se refere também à guerra da Ucrânia, já lá vou), em tom chocarreiro e que, porque o conheço bem, sei que não é para interpretar literalmente, mas suficiente para se perceber a tónica:

“A guerra que me interessa é cultural. É essa guerra que combato, literalmente, diariamente na universidade. Nessa guerra cultural, o Putin é meu aliado, o Trump é meu aliado, o Vance é meu aliado, o Órban é meu aliado… a Europa é minha inimiga. Sou, sem reservas, pró-Putin… entre ele e a comissão europeia, prefiro o Putin; entre o Guterres e o Putin, prefiro o Putin; entre o Starmer e o Putin, prefiro o Putin; entre o Sanchéz e o Putin, prefiro o Putin. Mas respeito quem não goste do Putin. Não vejo é qual é o problema do Putin quando comparado com gente que não distingue um homem de uma mulher. Não vejo mesmo…”

Esta lista podia incluir cancelamentos, educações para a cidadania, imigrações desregradas e um sem-número daquelas coisas que a direita boazinha, porque tolera, sufraga, e que constituem o corpus do que se chama cultura woke, que é a designação inventada para o esquerdismo insidioso. E como vivemos em sociedades democráticas, tenham lá paciência (e contenção para não cancelarem o resultado de eleições, como na Roménia, ou fecharem a matraca a desalinhados, como se planeia para as redes) se houver um número crescente de eleitores “extremistas”.

Este caldo alimenta a desconfiança sobre a razoabilidade da continuação de uma guerra sem fim à vista, que prossegue sob pretexto de Putin ser um demónio, Zelensky um santo e Trump um valentão ridículo.

Já eu acho Putin um czar agressivo e expansionista, Zelensky um herói não necessariamente ornado de qualidades de senso e Trump um epígono da América isolacionista.

Que Trump é um isolacionista, porém, não é uma opinião, é um facto. Que, na sequência disso, não está disposto a bancar o pato da NATO também parece evidente, e é aliás uma inclinação que já vem de anteriores presidentes. E que quer acabar com a guerra da Ucrânia e o seu sorvedouro de dinheiro resultou evidente da famosa conferência na Sala Oval, glosada em mil artigos indignados com a humilhação de Zelensky e a grosseria dos anfitriões.

Também fiquei indignado. Excepto pelo facto de que numa guerra onde todos os dias morrem e se estropiam soldados, e se destroem bens e infraestruturas, a indignação de quem não está disposto a mandar os seus filhos para lá, e não tem ainda consciência do que lhe sai do bolso para a alimentar, não ser a melhor conselheira.

De modo que peço desculpa por não dar nada para o peditório da guerra de trincheiras de paleio e reservar a minha opinião para quando souber:

Qual é exactamente o plano da administração Trump? Porque um acordo de paz implica concessões de ambos os lados, mas se o agressor retirar um benefício líquido demasiado importante pode isso ser o choco de guerras futuras – na Polónia, nos países bálticos, na Escandinávia, até mesmo em Taiwan se o isolacionismo americano der sinais de valer tudo na construção multipolar de esferas de influência.

As garantias de defesa são o quê? Investimentos americanos significativos na Ucrânia, por si, são um óptimo dissuasor, mas provavelmente insuficiente. Porém, a ideia de que é a UE que pode decidir que garantias os americanos devem prestar é uma boa receita, com Trump, para não se chegar a lado algum.

O plano dos países europeus da NATO de reforçarem as suas despesas militares é um bom plano, quer a NATO se desfaça quer não – si vis pacem para bellum e toda essa espécie de coisas.

Finalmente, o esbracejar de Starmer e Macron, com posições centrais porque representam países com a bomba, é por si compreensível mas suscita alguma estranheza porque ambos protestam ter boas relações com Trump. O que permite supor que talvez isso não seja apenas (boa) política, mas antes um acordo debaixo da mesa para nas negociações com Putin Trump ficar com o papel do polícia bom e os outros com o de polícia mau.

Não sei, realmente não sei, e duvido que entre os meus amigos putinistas de circunstância que querem acabar com a guerra dê lá por onde der; e os europeístas frenéticos que são completamente a favor de que continuem a morrer ucranianos: alguém saiba.

Quando tudo clarear também vou para as trincheiras da treta, de canhangulo.

* Publicado no Observador

Slava Ukraini!

jpt, 04.03.25

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(Esta vinheta tem o mais belo Corto, exactamente após o fuzilamento do oficial alemão Slutter. "Slava Ukraini" jamais teria dito o Corto. Mas decerto que teria andado por aquelas paragens, a levar armas, informações, a socorrer alguém - presumivelmente uma bela e complexa ucraniana. E estaria agora com este olhar - escondido do sempre insuportável Rasputine, esse meu alter ego).
 
Quando começou a "operação militar da Rússia" na Ucrânia bloguei imenso sobre o assunto. Alguns textos reactivos - furioso com os dislates lusos que ia lendo (e que António Araújo coligiu). Outros "pedagógicos" ("presunção e água benta..."), querendo avisar os interlocutores como poderiam entender o real e presumir o futuro. ("Devias ser comentador", dizem-me alguns amigos mais próximos, solidários com o meu desarrumo. No que sempre concordo, o meu sonho, utopia mesmo, de sexagenário é ser comentador futebolístico. O "novo Ventura", até me imagino).
 
Na madrugada - após saber da cessação do apoio americano à Ucrânia - reli o que escrevi há três anos, entre Fevereiro e Abril. Faço uma súmula, que é também forma de lembrar o que se retira disto. E faço-o em registo assumidamente auto-elogioso:
 
1. Em termos globais propus a leitura de dois livros que explicavam, por antevisão, este processo. Ao invés dos que mergulhavam na bibliografia da "ciência política" e similares (Kissinger et al) recomendei "O Americano Tranquilo", de Graham Greene, que anunciou (nos anos 1950) o conteúdo das relações dos europeus com os EUA. E o "O Último Adeus" de Balzac, uma espantosa evocação da batalha de Berezina. Nesses dois pequenos livros estava tudo anunciado.
 
Poucos dias depois da invasão os russos estavam à porta de Kiev. Putin, implacável ditador imperialista que quer refazer Yalta - por anexação e por tutela -, discursou aos ucranianos, invectivando os seus dirigentes como "drogados" (mote que foi perdendo peso) e "nazis" (mote que se mantém para os cães-de-fila das ditaduras cleptocráticas e para alguns "idiotas (de facto in)úteis" que se julgam de "esquerda"). E apelou a que os ucranianos se sublevassem e aderissem às forças russas, como se estas "libertadoras" - ideia assente na negação de uma nação ucraniana, que é o que subjaz o regime russo neste caso. Foi o que se viu, três anos de incontáveis sacrifícios ... russos para este passo, que julgavam fácil, na tal (re)"Yaltização". Para compreender este processo será aconselhável ler o (não muito recente) ensaio biográfico de Plutarco, dedicado a Pirro.
 
3. Para a tal "salvaguarda do que for possível", há dias a Ucrânia viu-se enxovalhada, "desmontada" até, em Washington. À (extrema-)direita e à (extrema-)esquerda alguns rejubilam e outros sorriem diante do que dirão "o auto-golo à Zelensky" - como há três anos bolçou o execrável comunista António Filipe.
 
E nesse mesmo registo alguns textos disso celebratórios são patéticos - acabo de ver partilhado no Facebook um particularmente disparatado, de militar comunista, esbracejando uma espécie de "sociobiologia", com pateta metáfora recorrendo à etologia, sob a simplória tese de que Zelensky é um estúpido incompetente e Trump um "animal territorial". A ideia, simples (mas não simplória) , de que uma pressão para que um aliado ceda se faz intra-muros e não "alive", para "boa televisão", não é agora acolhida. Por comunistas e por fascistas...
 
4. Desde há muito que as gentes comunistas (os da III e os da IV Internacional) usam o marxismo economicista, básico, para "explicarem" os EUA. Que estes se reduzem à influência do "completo industrial-militar". Está visto que terão de calibrar a tese...
 
5. Após o início da guerra - e mesmo não tendo fontes especiais de informação - deixei algumas notas relevantes: as associações russas de antropólogos e de arquitectos e urbanistas pronuciaram-se contra a invasão, tal como Kasparov. O PC de Espanha também. Uma plêiade de intelectuais magrebinos - comunistas ou marxistas - também. Em Portugal o PCP foi russófilo - a direcção e os poucos intelectuais que ainda ali militam. E recebeu criticas por isso. É interessante ver o que se passa: se o PCP, por óbvias razões históricas, passara incólume a Budapeste de 56 e a Praga de 68, tal como ao Afeganistão de 1979, sofreu forte em 1989, mas foi resistindo, decaindo mas paulatinamente. Até este vergonhoso disparate de 2022: pois é evidente que já ninguém quer saber o que têm a dizer.
 
Muito parecido com o que acontece com os comunistas da IV, o BE. No início da crise russofiliaram-se - Mortágua, então ainda comentadora em "part-time" (não declarado, como tal ilegal) atreveu-se a usar o argumento hitleriano para justificar o imperialismo de Putin. Depois titubearam, diante das botas no terreno (mas ainda assim há sempre um "bloquista" a relativizar as coisas, a falar em "nazis" ucranianos ou a pluralizar os "imperialismos"). Tudo lhes teve evidentes custos reputacionais - para presumível gáudio do Prof. Tavares ali ao LIVRE.
 
6. Desde logo eu (e tantos outros) me espantei e enojei com a desbragada putinofilia - até vituperando o patriotismo ucraniano - de alguns generais comentadores televisivos - um até exultava com a "libertação de Mariupol", tanto lhe agrada Putin. Ditos "especialistas em assuntos militares" (caramba, são generais, seriam especialistas de quê?). Para quem ache que são "especialistas", comentadores avisados e assim neutrais, deixo um exemplo, o do general Costa - um avençado por instruções dos (ex?-)jornalistas Nuno Santos e Santos Guerreiro. Enquanto trata todos os interlocutores por títulos académicos (o sacrossanto "Chô Doutor/a") gozou a cena da Sala Oval, referindo "Vance", "Trump" e "o Zelensky", assim denotando o desprezo pelo "mimado" ucraniano, como o disse. Tal como referiu o "Senhor Macron" - em evidente glosa do célebre e justificadamente sarcástico "Senhor Hitler" de Fernando Pessa. Terminando, o escroque fascista, a tratar os líderes eleitos da democrática União Europeia por "cavalheiros" e - imagine-se - "madames", como se estas fossem epígonas da Maria Machadão de Jorge Amado. Há 3 anos que Nuno Santos e Santos Guerreiro agridem o país com este lixo moral. Pois são isto.
 
7. Um conjunto de intelectuais comunistas - Boaventura Sousa Santos, Soromenho Marques, a escritora Ana Margarida Carvalho, Isabel do Carmo, etc. - logo surgiram a dizerem-se "censurados", "perseguidos" e até (!) "criminalizados" devido às suas (esclarecidas, reclamavam) posições anti-ucranianas. Três anos depois - e independentemente dos tétricos problemas do ex(?)-enverhoxista Sousa Santos - será conveniente aquilatar da pertinência dessa auto-vitimização: qual deles foi perseguido, censurado? Processado? Despedido? Julgado, multado ou aprisionado? Para nos lembrarmos disso, da próxima vez que esses inimigos da democracia venham com a mesma ladainha.
 
Slava Ukraini! Com todos os defeitos que aquela gente e o seu poder possam ter!

Reflexão do dia

Pedro Correia, 02.03.25

«O mundo está a mudar a uma velocidade vertiginosa porque a democracia americana foi tomada de assalto por um Presidente que nunca escondeu a sua admiração pelos "homens fortes" que sabem fazer-se obedecer. Que prometeu expandir o território americano, que quer fazer do Canadá o 51.º Estado, que diz que a União Europeia foi criada para "lixar" a América, que vê a NATO como um fardo, que elogia Putin. E que convive na Sala Oval com o homem mais rico do mundo, que fala por ele, age em seu nome, e está a destruir paulatinamente as instituições que faziam da América um exemplo para o mundo. Rodeado de fiéis sem um pingo de dignidade que se dobram por um prato de lentilhas.»

 

Teresa de Sousa, no Público 

Pensamento da semana

Pedro Correia, 02.03.25

 

A Ucrânia faz parte da Europa. Ao invadir a Ucrânia, Putin rasgou uma regra básica do direito internacional e da geopolítica definida em 1945, na Conferência de Ialta, e ratificada em todos os tratados e todas as convenções subsequentes. Nós, europeus, devemos encarar esta guerra de agressão como ameaça existencial ao nosso continente, que não queremos ver amputado nem submetido à rudimentar lei da força.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

Fazer frente a bullies

João André, 01.03.25

Um amigo escreveu-me ontem que futuros historiadores dirão que a reunião de ontem entre Zelensky e Trump (mais Vance e demais esbirros) marcará o fim da NATO. Não sei se concordarei, penso que terminou quando Vance se dirigiu aos antigos aliados na conferência de Munique.

Poderá no entanto marcar o início do fim do poderio americano. Não creio que haja ainda líderes europeus com um módico de inteligência e decência que creiam que os EUA os ajudariam em caso de necessidade. O Departamento da Defesa americano já indicou que irá reduzir os custos com bases e as europeias estarão quase certamente na lista de coisas a cortar (tal como os mísseis nucleares no continente). Sem esse poder dissuasor, aos europeus resta renderem-se à irrelevância ou descobrirem a vontade de se defender a si mesmos.

Só que os EUA perderão acesso aos recursos europeus e, de arrasto, aos de muitos outros antigos aliados. Mesmo na Ásia, será difícil imaginar a Coreia do Sul ou o Japão a confiarem em Trump ou Taiwan a acreditar que os americanos estariam dispostos a arriscar o seu sangue para os proteger. Acrescendo a isto os cortes nas missões diplomáticas (que provavelmente se irão reflectir nos "países de merda de África e Ásia"), e a influência americana irá desaparecer e ser substituída pela chinesa.

Todos perderemos (bem, talvez não os chineses) com um mundo onde os EUA abandonam os seus princípios (mesmo quando os defendiam apenas no seu interesse). Será um mundo de instabilidade e onde a - ainda - maior potência está dominada por bilionários infantis ou maliciosos que só têm interesse nos outros como clientes ou servos.

Na sequência do vergonhoso comportamento de Trump e Vance, temo (e ao mesmo tempo quase desejo) que os ucranianos acabem por remover Zelensky para lá colocar alguém que se mostre obsequioso ao ogre laranja. Temo porque demonstra que o bullying resulta. Desejo porque nos ganharia tempo. A questão é qual opção os ucranianos, como eslavos que são e como tal altamente orgulhosos, irão escolher: apoio e subserviência, ou orgulho e dificuldade. Uma oferece alguma segurança no curto prazo (embora nunca se saiba o que Trump e Putin, falsos como são, decidirão fazer no futuro). A outra oferece riscos claros, mas poderá ser a única forma de existir uma Nação ucraniana dentro de algumas décadas.

Sejamos claros: o momento de ontem poderá ter sido o fim da NATO e da ordem pós-II Guerra Mundial (ou mais um marco no caminho). Poderá ser o início de um conflito ainda mais alargado do qual os EUA se alhearão. Poderá no entanto servir como fundação para o estabelecimento de uma Nação e de mais uma fundação para uma Europa do futuro. É preciso querer (e saber, como cidadãos dessa Europa) que o caminho para isso vai ser duro e custoso.

O cerco a Zelenski na Sala Oval

Pedro Correia, 01.03.25

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Donald Trump só fala em dólares: nunca em princípios nem valores.

A legalidade internacional está ausente da sua incessante verborreia nas redes digitais.

Nunca o ouvimos enaltecer ou defender direitos humanos. Prefere mencionar, sem rodeios, a exploração de recursos naturais noutros países.

Governa em nome de uma nação, mas só a pensar numa claque. A sua.

Parece um político saído das páginas de "Império", o romance de Gore Vidal centrado nas presidências de William McKinley e Theodore Roosevelt, que tomaram de assalto as últimas parcelas ultramarinas espanholas nas Antilhas e no Pacífico.

 

Ontem recebeu na Casa Branca o seu homólogo da Ucrânia, Volodímir Zelenski, como se dignasse avistar-se com um serviçal. Exibindo um comportamento inaceitável. Quase aos gritos, de forma insultuosa, depois de lhe ter chamado "ditador" (algo que jamais fez com Putin) e de ter dito que foi a Ucrânia a iniciar a guerra (jamais se atreveu a dizer coisa semelhante sobre a Rússia invasora). 

Houve cerco a Zelenski na Sala Oval, para gáudio dos jornalistas, como se aquilo fosse um freak show. Estavam também o secretário de Estado e o secretário da Defesa, entre outros elementos da administração norte-americana. Mas o mais vociferante foi o vice-presidente. J. D. Vance - a quem alguns portugueses dignos de respeito prestam vénia por motivos insondáveis - ia repetindo, em tom provocatório, a ladainha putinista sobre a «falta de homens e de munições» sentida pela Ucrânia. E ousou dar lições de etiqueta política ao convidado - logo ele, que há duas semanas, em Munique, interferiu grosseiramente no processo eleitoral alemão com apoio explícito à direita mais exteremista e pró-russa.

O mesmo Vance que, enquanto senador republicano do Ohio, há um ano tudo fez para travar o pacote de ajuda a Kiev no Congresso norte-americano.

 

Ontem, a meus olhos, Zelenski agigantou-se ainda mais ao enfrentar isolado aquela assembleia hostil, onde nem faltavam repórteres com questões provocatórias: um idiota chegou a perguntar-lhe porque não usa fato.

Mas receio por ele. Putin anda há três anos a tentar eliminá-lo. Agora que a cumplicidade entre a Casa Branca e o Kremlin se tornou indisfarçável, essa ameaça avoluma-se: os esbirros de Moscovo sentem-se mais encorajados a riscá-lo do mapa.

Quem imaginar o contrário mora no País das Maravilhas - muito longe deste mundo concreto e cada vez mais perigoso em que vivemos.

Trump & Vance vs Zelensky

jpt, 28.02.25

Trump e Zelensky batem boca na Casa Branca — Foto: Brian Snyder/Reuters

Poder-se-á dizer que hoje é um dia histórico. Pois não creio que até agora tenha havido um caso de diplomacia pública deste estilo. Trump e Vance agredindo Zelensky, para além da pressão e/ou discordância - e nisso, já agora, dando incontáveis trunfos ao regime moscovita. Uma coisa inaudita. E, para o meu gosto, execrável.

Um qualquer cidadão português nada pode diante disto. Não é apenas a irrelevância individual, é mesmo nem sequer ter voto. Aliás, um tipo até vota no seu país para depois perceber - e quase por acaso - que dos 37 tanques Leopards comprados só 2 estão operacionais, e que nem sequer têm munições. Ou seja, o voto também nem serve para muito.

Mas vendo a até inenarrável situação, abjecta, há algo a retirar para um vulgar cidadão português. Repito, nada se pode fazer diante dos poderosos do mundo. Mas pode-se diante dos vizinhos, outros meros cidadãos. Ou seja, diante dos energúmenos que para aqui pululam tecendo loas a Trump é necessário perceber que a sua imbecilidade não se restringe a isso. São tão energúmenos quando grunhem elogios sobre Trump como quando falam de uma qualquer "lei dos solos", "empresas imobiliárias" ou "junta de freguesia em Campo de Ourique", "Sócrates" ou "Montenegro", "Cristiano Ronaldo" ou "Roberto Martinez", "orçamento geral de Estado", "segredo de justiça" ou outra coisa qualquer. São umas bestas imundas. Desrespeitáveis. E nisso, na impaciência radical diante do pateta da mesa ao lado, o vulgar cidadão pode fazer algo.

Nem que seja franzir o cenho. Ou, como eu prefiro, "não ir à bola" com eles.

"Zé, então e como está aquilo em Moçambique?..." (2): um novo ciclo

jpt, 25.02.25

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(A fotografia retrata uma exposição da Magma Fotografia, na estação dos CFM de Maputo, em 2009. A fotografia exposta será de Solange dos Santos ou de Dominique Andereggen, não tenho a referência completa)

"Zé / Zezé, então e como é que está aquilo em Moçambique?...", perguntam-me diariamente amigos, agora que "as coisas" de lá se afastaram um pouco dos "escaparates" da imprensa. - escrevia eu há um mês. Agora perguntam-me menos, as notícias por cá escasseiam e outras questões prementes convocam o interesse: as nossas inúmeras trapalhadas do CHEGA, às quais se seguiram as previsíveis de Montenegro. Lá fora mantém-se a desgraça de Gaza, acoplada ao patético/pateta anseio de uma Riviera ali medrada. E, agora mesmo, a ascensão final da Criatura TrumPutinEsta tanto animando essa execrável mescla, vigente desde a invasão da Ucrânia, fez ontem três anos (!), dos nossos comunistas - das versões III e IV Internacionais - e fascistas - entre estes em especial os que estiveram estas décadas travestidos de "sociais-democratas" pêessedistas ou "demo-cristãos". Os quais andam agora, eufóricos pois "saídos do armário", quais "bichas loucas" em histriónica "parata fascista".

Enfim, olhando a História, percebemos que a revivemos. Pois a oriente temos hordas de guerreiros norte-coreanos rumo a Viena, os boiardos russos vão sendo defenestrados em massa, o pretendente Navalny foi morto há um ano (cumpriu-se há pouco). Entretanto, a oeste Drake vagueia pelas nossas costas, reforçado por frota de mercenários vikings, convertidos ao calvinismo africano. E há dias, arrogante, mandou-nos como emissário um puritano de Salem, para exigir "tributo". E esta nossa gentalha rejubila. Porquê? Por não gostar que "Roma" imponha alguns limites às superstições locais... São uns labregos, já o referi.

Neste ambiente como atentar nas coisas de Moçambique? Mesmo assim ainda há quem me pergunte novidades sobre o país. Faço então um curto resumo, para não cansar os (um pouco) interessados. O candidato presidencial Venâncio Mondlane, autoproclamado "presidente do povo", continua as suas sortidas, colhendo impressionantes e espontâneos banhos de multidão: agora em Vilanculos, há dias em zonas populares de Maputo e em localidades da sulista província de Gaza (a Gaza moçambicana, não a mediterrânica, como julgou o ex-viking Musk). Alguns dos seus seguidores mais próximos continuam a sofrer tentativas de assassinato, ditos como praticadas pelos consabidos "esquadrões da morte". A isso reage a população, destruindo algumas instalações estatais e do partido do poder, fenómenos mais correntes no Sul do país, algo relevante pois em zonas de tradicional adesão maioritária ao Frelimo. E continuam a grassar bloqueios rodoviários e em torno de zonas comerciais, sinalizando a imprevisibilidade do rumo nacional e a atrapalhação da "ordem pública". Como detalhe, verdadeira minudência, lembro que algumas rádios de Nampula viram-se impedidas de transmitir, tendo regressado algum tempo depois, decerto que tendo tomado em conta o "aviso à navegação" recebido. Bastante preocupantes são as notícias da disseminação de grupos amotinados (agora ditos "namparamas", num uso inovador do termo, que vem substituir os anteriores "bandidos armados" ou "insurgentes"), os quais alastram, principalmente nos distritos da Zambézia. E diante dessa epidemia de "jacqueries" temo que se venha a tornar em pandemia.

Entretanto há dias houve a ansiada reunião do Comité Central do Frelimo, sobre a qual muitos diziam ser o momento da passagem do testemunho, efectivando uma maior autonomia política do actual presidente Chapo, abrindo assim o "novo ciclo" de poder - este por cá já há tempos "anunciado na tv" pelos comentadores lóbistas Paulo Portas e Miguel Relvas -, e concomitantes novas práticas de exercício governativo. 

E alguns dias após essa reunião magna houve pronunciamentos dos próceres moçambicanos, delineando o conteúdo desse "novo ciclo". O antigo presidente Guebuza deu uma conferência na semana passada, explicitando que "o colono trouxe a ideia que o africano é corrupto". Entenda-se, que a premente acusação de corrupção generalizada do regime se deve ... à maldade exploratória dos colonialistas. Para os alheados das questões moçambicanas (e africanas) esta formulação tem de ser esmiuçada, pois não é apenas uma diatribe. As elites políticas que ascenderam ao poder após as independências sempre se legitimaram pelo seu papel anticolonial. E o Frelimo sempre insistiu nesse tópico. Agora, 50 anos depois da independência, com o país naquele estado, face a uma população cuja esmagadora maioria tem menos de 35 anos - netos e bisnetos dos colonizados -, tentar insistir neste tópico (certeiro ou errado, pouco importa) é evidência de que a elite política (na qual Guebuza é importantíssimo) não compreende o real, não reflecte sobre ele. E assim nunca assumirá um qualquer "novo ciclo" (apesar do que por cá dizem os comentadores televisivos Miguel Relvas e Paulo Portas...).

Logo de seguida o novo presidente Chapo foi mais longe no sistematizar do conteúdo desse "novo ciclo": primeiro que a luta contra as "manifestações é a continuidade da guerra dos 16 anos". A expressão é um programa político: por um lado, o epíteto "guerra dos 16 anos" é um lema dos frelimistas (ladeado por outro "título", o de "conflito armado"), que nega a referência a uma "guerra civil", forma de então - e ainda agora - negar a realidade social da Renamo, reduzindo-a a marioneta de agressão estrangeira. E, por arrasto, afixando essa "inexistência" ao que se passa agora. Por outro lado, Chapo - mais novo que Guebuza - ao afirmar isto não só procura reduzir os manifestantes a agressores (externos) como busca a legitimação do poder na invocação da pacificação de uma guerra terminada há... 30 anos. E um discurso autolegitimador que, como o anterior, não colhe diante desta pirâmide etária. Ou seja, tanto pela negação sociológica como pela retórica autolegitimadora, a via do actual presidente sublinha que a elite política - e nesta caso a das fracções vigentes - não compreende o real, não reflecte sobre ele. E assim, repito, nunca assumirá um qualquer "novo ciclo"...

Depois, e para que não restem dúvidas sobre as suas intenções e as do poder instituído, foi a Pemba discursar e anunciou ontem que "Vamos derramar sangue para combater as manifestações", enfatizando ainda que "vamos fazer jorrar sangue"...

Enfim, "Zé/Zezé, então e como está aquilo em Moçambique?...", perguntam-me os amigos, diante da imperial do fim da tarde. "Não sei", respondo, entristecido. 

TRUMPUTIN

Pedro Correia, 25.02.25

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Washington juntou-se ontem a Moscovo, na Assembleia Geral da ONU, num voto contrário à condenação do assalto russo à Ucrânia e ao apoio à integridade territorial deste país soberano. No própria dia em que se assinalava o terceiro aniversário da criminosa agressão a Kiev, a mando do regime totalitário de Vladimir Putin. 

Só 16 países representados na Assembleia Geral acompanharam russos e norte-americanos nesta posição. Entre eles, a Bielorrússia, a Nicarágua, a Guiné Equatorial, a Eritreia, o Mali, o Sudão e a Coreia do Norte.

Podemos concluir: nunca os EUA andaram tão mal acompanhados.

Isto não impediu a resolução - proposta pela generalidade dos países da União Europeia e pela própria Ucrânia - de ser aprovada por larga margem: 93 votos a favor, 18 contra e 65 abstenções.

Assim se consumou, para quem ainda alimentasse dúvidas, a ruptura do consenso euro-atlântico por decisão unilateral da Casa Branca. À vista de todo o mundo, num lugar tão emblemático.

Confirma-se: esta administração de Donald Trump e J. D. Vance vai conduzindo os Estados Unidos da América a um colapso moral. Não demorou meses ou anos, como muitos previam. Bastaram trinta e poucos dias.

24 de Fevereiro

Pedro Correia, 24.02.25

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Estamos a 24 de Fevereiro: é dia de honrar a memória dos mártires ucranianos. Centenas de milhares de pessoas, incluindo numerosos civis, assassinadas às ordens de Vladimir Putin. Os sinos dobram por elas.

É também o dia de evocar os milhares de cidadãos russos que o tirano do Kremlin enviou para a fogueira homicida da guerra. Cerca de um milhão de vítimas - entre mortos, feridos e desaparecidos - na tentativa frustrada de "conquistar" e anexar a Ucrânia, iniciada faz hoje três anos.

Desde então, os sipaios de Moscovo conseguiram avançar apenas cerca de 40 km em terreno devastado e despovoado, sem valor estratégico. Sem capturarem uma só capital de província. Sem exibirem superioridade terrestre e marítima. Forçados a recuar após terem estado a escassa distância de Kiev na primeira fase do conflito. Humilhados quando o mundo soube que as forças ucranianas, num fulminante contra-ataque, penetraram em solo russo, apoderando-se de 560 km² na região de Kursk. Foi há seis meses, em Agosto passado, e continuam lá. 

Trágica ironia da História: ninguém até hoje, neste século, vitimou tantos russos como o próprio Putin.

DELITO há três anos

Pedro Correia, 24.02.25

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Beatriz Alcobia: «A Ucrânia assentiu em destruir as suas armas nucleares com condições. As condições incluíam a garantia de que a Federação Russa se comprometesse a não atacar a Ucrânia. A Rússia concordou e essas condições e garantias ficaram escritas no memorando de Budapeste que foi assinado a 5 de Dezembro de 1994, pelos líderes da Ucrânia, Rússia, Grã-Bretanha e Estados Unidos.»

 

João Pedro Pimenta: «Não tenhamos dúvida: é um desafio mais perigoso e exigente do que o dos mísseis de Cuba e dos instalados na RDA nos anos oitenta. E mais uma prova de que este século XXI, depois do optimismo que se viveu nos finais do anterior, está a ser uma desgraça. Começou com um atentado apocalíptico, prosseguiu com a maior crise financeira das últimas décadas, tivemos uma pandemia há dois anos que ainda não acabou e agora esta séria ameaça de guerra. Um primor de século.»

 

Luís Menezes Leitão: «A fraqueza da actual liderança dos EUA e a falta de preparação do Ocidente para suster a ameaça russa conduziram a Europa uma guerra que se pode revelar absolutamente dramática. E esperamos que isto não sirva de exemplo para outras potências procurarem também resolver pela força os conflitos que têm há muito congelados. Recorde-se a China em relação a Taiwan.»

 

Paulo Sousa: «Se a Rússia fosse uma democracia razoavelmente funcional, onde o poder estivesse diluído num parlamento verdadeiramente representativo e não tão concentrado no círculo extremamente restrito que rodeia Putin, todo o enquadramento seria diferente. Todo o poder russo assenta na força da autoridade não escrutinada e numa propaganda que condiciona os seus meios de comunicação.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Nestes momentos é preciso saber de que lado se está. E manifestá-lo sem receio. Eu estou do lado de Yaremchuk e do povo ucraniano, em defesa da sua liberdade de escolha, do seu direito a viver em paz, e de um mundo mais livre e mais seguro, contra a ditadura de Putin, os seus amigos, os idiotas úteis, os parceiros de ocasião, a sua corte de mercenários, dependentes e capangas.»

 

Eu: «Os trágicos acontecimentos que presenciamos, vendo devorar uma nação europeia com 43 milhões de habitantes, não se esgotam nas três frentes de guerra na Ucrânia. Está em curso um sismo de máxima magnitude na geopolítica mundial, com a formação de um eixo Moscovo-Pequim, análogo ao pacto estabelecido em 1940 por Hitler e o seu fiel vassalo Mussolini (representado nos nossos dias por Lukachenko, o grotesto ditador bielorrusso) com os sinistros mandarins de Tóquio.»

 

Até ao fim do mês, por motivos óbvios, lembro o que aqui se escreveu há três anos e não há dez

Trair a Europa, apunhalar a Ucrânia

Pedro Correia, 21.02.25

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Foi notícia esta tarde: Donald Trump poderá viajar em 9 de Maio a Moscovo, onde se sentará ao lado de Putin no chamado "desfile da vitória" - grande parada bélica na Praça Vermelha. Falta confirmar, mas com o antecessor/sucessor de Joe Biden nada é garantido. Por ter uma relação muito atribulada com a verdade. 

Inequívoca é a sua aversão a Zelenski, que - diz ele - «não tem lugar à mesa das negociações» para pôr fim a três anos de invasão russa. Enquanto confessa estar «já farto de ouvir» o homólogo ucraniano.

Decalcando cada vez mais a narrativa do Kremlin, o novo-velho inquilino da Casa Branca trai a Europa e apunhala a Ucrânia. Em velocidade furiosa, no 32.º dia do seu mandato presidencial. 

Há muitas maneiras de passar à História: pode ser também pelos piores motivos. Trump candidata-se desde já a isso.

O rolo compressor de Putin

Pedro Correia, 21.02.25

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Oiço falar muito em "paz" por estes dias. Não há palavra tão pervertida como esta: já Orwell havia lançado o alerta nos anos 40.

Vladimir Putin não quer acabar com a guerra na Ucrânia. Quer a Ucrânia, ponto.

O seu vassalo Dmitri Medvedev, sem rodeios, já declarou que a Ucrânia, como Estado, deixou de existir em 1925 e não faz sentido manter-se como entidade soberana. Digam o que disserem a Carta da ONU, a Acta Final de Helsinquia aprovada em 1975 e os tratados subscritos pela própria Rússia.

 

Putin não agrediu a Ucrânia por uma questão de território. A Rússia ocupa um oitavo da área terrestre do planeta. Em 80% desse espaço não vive ninguém.

A questão é geopolítica. Putin ambiciona reconstruir o império russo, crente de que só isso permitirá restaurar a influência de Moscovo à escala global.

É conhecida a frase dele, proferida em 2005, sobre o fim da União Soviética, que a seu ver foi «a maior catástrofe do século XX».

Esta frase é todo um programa. Só não vê quem não quer.

 

O ditador moscovita não se deterá neste desígnio, que ameaça engolir a actual Europa Central e de Leste.

Já o fez na Bielorrússia, em parte da Geórgia e em parte da Ucrânia. Tentou o mesmo na Moldávia, tendo sido travado porque os ucranianos lhe fecharam o caminho.

A ideia quase angelical que desta vez Putin irá satisfazer-se se lhe derem "face" é a negação das lições da História.

Sabemos o que aconteceu depois de Chamberlain e Daladier terem dobrado a cerviz a Hitler em Setembro de 1938, dando-lhe também face: a propalada "paz" serviu apenas de via-rápida para acelerar a guerra.

 

Sem dissuasão militar, Putin intensificará o rolo compressor. Tarde ou cedo, tal como Hitler, inventará outro pretexto para novas acções de "conquista".

Com esta agravante: uma Ucrânia absorvida pela Rússia, com o seu território, os seus meios logísticos, as suas vias de comunicação, as suas riquezas naturais e parte da população transformada em carne para canhão do Kremlin tornaria ainda mais perigoso o ditador. E mais ameaçador cada pacote de novas exigências de Moscovo.

Convém não esquecer: o tirano do Kremlin protagoniza desde 2022 o maior acto de guerra registado no nosso continente desde a II Guerra Mundial. Impedi-lo de cometer novas carnificinas não é opção facultativa: é um imperativo de sobrevivência para a Europa livre.