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Delito de Opinião

Táxi escondido com o rabo de fora

Diogo Noivo, 05.01.17

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Na segunda-feira, dia 2, o Observador deu grande destaque a um trabalho de fundo sobre a precariedade laboral na Uber. Um dia depois, dia 3, o mesmo jornal publica uma notícia onde se refere que os taxistas exigem nova reunião com o Governo, se queixam dos “ilegais” (leia-se Uber e Cabify), e alertam para a “revolta” que sentem. Por outras palavras, o primeiro texto debilita a reputação da Uber e o segundo, publicado 24 horas depois, dá nota da força dos taxistas. Pura coincidência, certamente.
Mas – hipótese académica – admitamos que não é uma coincidência. Partindo deste princípio, não é difícil encontrar nestas duas notícias o reflexo de uma campanha de comunicação contra a Uber. Em primeiro lugar, depois do desastre calamitoso que foi a última manifestação de taxistas, o sector do táxi precisa de enfraquecer o opositor e, por outro lado, de abrir espaço mediático para a sua causa (um espaço que tem estado fechado em virtude das alarvidades feitas e ditas durante a última manifestação, muitas das quais visaram jornalistas). Estas duas notícias, e em particular a sua sequência, servem estes objectivos na perfeição. Em segundo lugar, os taxistas precisam de mudar o terreno de jogo. Explico-me: até agora, o debate público Táxis versus Uber deu-se sempre no âmbito do serviço prestado ao consumidor. Ora, neste campeonato a Uber ganha 10 a 0. Por isso, os táxis têm que levar o debate para outro lado. Por exemplo, para o lado das condições laborais, um assunto intimamente relacionado com a lei e com a fiscalização, algo que (surpresa!) vai ao encontro da narrativa dos taxistas. Mais uma vez, estas duas notícias - sobretudo a primeira - cumprem o serviço.
Voltemos à realidade. A hipótese académica que aqui desenhei é um disparate. Se o sector do táxi mete as condições laborais na arena de combate dá um tiro no pé. E uma campanha contra a Uber tão óbvia no conteúdo, na forma e no timing seria de tal forma amadora que é mau demais para ser verdade. Só pode ser fruto de coincidência. Se não for, os taxistas têm um estratega de comunicação para demitir.

O paradoxo de Abril

Diogo Noivo, 25.04.16

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Há poucas certezas na vida. A morte, os equinócios e a ocorrência de alarvidades em jogos de futebol figuram entre as poucas coisas que podemos dar por certas. Pelo contrário, ano após ano o dia 25 de Abril é uma sucessão de infalibilidades: cravos vermelhos, discursos no parlamento, música de intervenção e, mais recentemente, gente nas redes sociais a partilhar uma entrevista de 2011 onde Otelo Saraiva de Carvalho pede um novo Salazar para Portugal. Mas o dia da liberdade presenteia-nos com outra certeza: o sequestro da data e do seu simbolismo por quem pretende manter feudos de privilégio onde, por definição, a liberdade é intrusa. É o supremo paradoxo: usar o dia da liberdade para combate-la. Este ano, os táxis são os protagonistas e a Uber é o alvo.

 

Claro que a lei é igual para todos e, por isso, todos a devem cumprir. O que não é tão claro são as razões que levam os taxistas a acusar a Uber de incumprimento. Uma simples pesquisa dir-nos-á que a Uber paga impostos. Aliás, ao contrário do que sucede no sector do táxi, todas as transacções ficam registadas. O Estado agradece e eu, na minha qualidade de contribuinte, também. Percebemos ainda que os veículos associados à Uber dispõem de seguros e pagam licenças (são táxis letra A ou táxis letra T, operadores turísticos devidamente habilitados a fazer transporte de pessoas e empresas de ‘rent a car' que alugam veículos a turistas). Há, no entanto, uma decisão de um Tribunal de Lisboa que suspende a actividade da Uber em Portugal, mas os peticionários erraram no alvo e parece que erraram igualmente nos pressupostos.

 

Vista a Uber, se olharmos para o sector do táxi veremos que o paradoxo de Abril deste ano se declina noutro. O enquadramento legal do transporte em táxi em Portugal data de 1998, mas tem por base regras e princípios definidos na regulação de 1948. Portanto, para além do empenho em retirar liberdade aos consumidores, os taxistas usam o 25 de Abril para defender princípios estabelecidos pelo regime autoritário que Abril enterrou.