Cenário e personagens:
Uma típica middle class teenager americana: bonitinha, loira, filha única, mimada, indolente, insolente, a caminho da obesidade a passos largos.
Em suma - uma criaturinha insuportável.
Um típico middle class teenager americano, namorado oficial da dita: ar razoavelmente saudável mas apatetado, convencido, feiote, indolente, insolente, magro e borbulhento.
Em suma - uma criaturinha insignificante.
Uma típica middle class housewife americana: diligente, puritana, dependente, preconceituosa, opinativa, ignorante, resignada, lamechas, numa batalha perdida contra a obesidade.
Em suma - uma criatura frustrada.
Um típico middle class male americano: alarve, machão, preconceituoso, ignorante mas convencido da sua superioridade, obeso assumido, todo-poderoso, cruel, ditador.
Em suma - uma criatura perigosa.
***
Os pais não gostam do namorado da filha, acham que ela merece muito melhor. O namorado não gosta dos pais dela, e acha que ela tem muita sorte em tê-lo fisgado. A filha defende o namorado (sem grande convicção, diga-se) mas acha que não perde nada em dar o benefício da dúvida a mais alguns candidatos a um lugar no seu coração.
E começa o espectáculo: os pais entrevistam vários jovens, à vez - as perguntas de selecção são simplesmente inenarráveis - e cada um deles escolhe o que lhe parece o melhor para a filha. O pai escolhe um troglodita parecido consigo, mas numa versão teen e musculada, porque acredita que ele "tomará conta da filha" e que não deixará que lhe falte nada, no futuro. A mãe escolhe um invertebrado meloso e supostamente romântico, porque acredita que assim a filha terá sempre ramos de rosas e joelhos em terra, coisa que ela própria jamais soube o que é.
A filha presta-se ao papel de passar algumas horas com cada um dos dois eleitos, que tentará seduzi-la e conquistá-la com as armas que tiver e com as preciosas dicas que os pais lhe facultaram. Os pais ficam no sofá da sala, com o namorado entre eles, assistindo todos, na televisão (e comentando a três...) a evolução desses encontros, filmados em directo. Ouve-se frases tão extraordinárias como "O filho da puta está apalpá-la toda!", uma legítima indignação manifestada pelo namorado e logo secundada pelo pai, pela primeira vez concordantes e irmanados no ciúme mais primário, ou "Estão a ver como ele é romântico? Até a deixou repetir o gelado!", uma frase da mãe, embevecida, que lhe vale dois olhares de absoluto desprezo.
Por fim, a princesa tem de escolher o seu príncipe. O namorado a-ser-substituído-ou-não, um duque de paus que acredita firmemente no seu trunfo - um conhecimento mais aprofundado - volta ao baralho, em igualdade de circunstâncias com os dois ases finalistas: o Rei dos Músculos e o Rei das Frases Feitas. A menina, melíflua, aponta os defeitos e qualidades de cada um, reflectindo interiormente na contabilidade mais satisfatória. Por fim, baixa o polegar a dois deles, sem contemplações, e ergue-o ao terceiro, sorridente. Qual deles escolhe? Pasmem: não o namorado, que dizia amar e defendia da injustiça dos pais, não a inflamada lêndea que lhe ofereceu rosas e gelados batendo as pestanas, mas... o egótico brutamontes que era a aposta do pai e que virá a dar-lhe, seguramente, um tratamento parecido com aquele que a mãe recebe desde sempre.
Esta aberração chama-se "Parental Control" e é - ou foi (não sei se a programação era requentada) - um aclamado programa de televisão nos EUA. Mais um produto do voyeurismo televisivo, de infindável capacidade imaginativa. Quando eu penso que o modelo está esgotado e já bateu no fundo definitivamente, há sempre mais um lixo destes que me surpreende. É por estas e por outras que praticamente já não vejo televisão. Tenho plena consciência de que a maior perversão destes reality shows é o facto de serem tão hipnóticos que, sob os mais diversos pretextos, ficamos invariavelmente a vê-los até ao fim. Foi o que me aconteceu.