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Delito de Opinião

A Casa da Rússia

Maria Dulce Fernandes, 25.10.22

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A generosidade e nobreza russas, em tempo de guerra, não cessam de espantar o Mundo.

As Casas da Rússia sediadas em várias cidades europeias, condoídas dos padecimentos a que os rigores do Inverno possam eventualmente sujeitar os povos europeus vítimas das políticas equivocadas praticadas pelos seus governantes, tão ou mais magnânimas do que o seu líder, abrem as suas portas a quem necessitar fugir das intempéries geladas e quiser aquecer-se, carregar o telemóvel, levar os filhos para verem desenhos animados na TV ou tomar um chá quentinho (de preferência sem Novichock).

Estou para lá de perplexa, com tanta munificência e já nem sei se me comove ou me faz rir à gargalhada.

(Fonte:José Milhazes in Guerra Fria, 25/10/2022)

(Imagens Google)

Bye Bye, Claxon

Maria Dulce Fernandes, 31.01.21

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Sábado à noite, era noite de Claxon.

Crime, mistério, sexo, muita acção, violência e um sem-número de alusões à nona arte da nossa juventude, esta fantástica série foi gravada em 35mm com pós-produção cinematográfica, provavelmente a pensar no grande ecrã, quando se ficou por 13 fantásticos episódios televisionados.

O país em 1991 ainda não estava preparado para este tipo de seriado dito de antologia.

António Cordeiro protagonizou o anti-herói Claxon, um detective desorganizado que se movimentava nas sombras da noite e nos meandros do submundo do crime na cidade corrupta. Nas suas quase sempre emocionais investigações, contava com a ajuda inestimável da sua secretária Ruby Tuesday (Margarida Reis) e do enciclopédico repórter Rick Planeta (Ricardo Carriço) que o traziam informado e focado nas averiguações.

Com dezenas de participações especiais, Claxon foi uma série fora de série e considerada uma das melhores ficções nacionais de todos os tempos.

António Cordeiro deixou-nos ontem, vítima de doença prolongada.

Até sempre, Claxon

 

Foto retirada do Google

The show must go on

Ana Vidal, 17.12.12


Há qualquer coisa de necrófago e pornográfico na forma como os media filam uma tragédia e a descascam até ao tutano, fazendo-a render o mais possível sem qualquer pejo ou hesitação. Não o fazem pelo desejável brio profissional de revelar a verdade, mas para manter altas as audiências, numa concorrência desenfreada que os faz perder completamente as mais básicas noções de decência e de respeito pela privacidade. O osso só é largado quando outra qualquer desgraça, maior, mais sangrenta ou mais escandalosa, se perfila no horizonte. 

Agora, descobriram um pai que se despediu em português da filha pequena morta na carnificina da escola americana, e esse facto irrelevante parece ter-se tornado importantíssimo em todos os telejornais, como se fosse uma espécie de deferência especial para com Portugal. E como se o horror anónimo, em qualquer língua, não fosse já suficientemente insuportável.

E depois dizem que não querem ser tratados assim

José Navarro de Andrade, 26.08.12

Um das expressões mais bizarras do léxico português é o substantivo plural “políticos”, quase sempre acompanhado pelo artigo definido, pronunciado com inflexão e acinte – “os políticos”.

É uma estranha palavra porque indiferencia uma ampla e heterogénea colecção de objectos, abrangendo na mesma penada os deputados Ribeiro e Castro e Mariana Aiveca, que nada têm em comum, e é incapaz de distinguir entre o sr. Luís Montenegro, prestimoso líder da bancada do PSD, e o sr. Sérgio Azevedo, por exemplo, importante figura do PSD da freguesia do Sacramento (624 eleitores) e de resumidíssima intervenção parlamentar. Um substantivo que se aplica tanto a um Presidente de Junta de Freguesia como ao Presidente da República, deve faltar-lhe alguma qualidade.

E no entanto a expressão “os políticos” costuma fazer todo o sentido na linguagem comum. Porquê? Será porque as pessoas são grosseiras, incultas e pouco dextras com a língua? Ou será porque há qualquer coisa muito nítida que atravessa todos “os políticos” que permite reduzi-los à indiferenciação?

Por exemplo: no dia 29 de Junho a Assembleia da República (AR) votou por unanimidade a transmissão do Canal Parlamento na TDT. Disto pode-se retirar uma importante conclusão: a AR, na abstracção jurídica representante da nação, na prática representa tão somente os interesses corporativos dos seus ocupantes – precisamente “os políticos”.

Tal como os rios, a atmosfera, ou a orla marítima, as frequências televisivas e radiofónicas são considerados bens comuns, pelo que se diz que devem estar sob a alçada do Estado. Este só as cede à prática de terceiros, mediante minuciosa e cuidadosa legislação, concurso público e caderno de encargos. Ora, quando a AR toma a TDT como propriedade sua e não do Estado e delibera o usufruto próprio de uma frequência de TDT, fora das condições que impõe ao resto da sociedade, ela está a ser autocrática, conveniente e irresponsável. Havendo unanimidade nesta votação, só demonstra que os deputados, ou por ignorância ou por má-fé, agiram como uma corporação, ou seja, mesquinhamente em busca da satisfação dos seus interesses particulares.

Assim sendo, a expressão “os políticos” é estúpida, mas, talvez por isso mesmo, faz todo o sentido.

Santos da casa fazem milagres (1)

Rui Rocha, 13.02.12

 

Levanta-te e anda

 

Na SIC Noticias Rúben de Carvalho indignou-se contra o “servilismo português” e a “arrogância alemã”, isto porque o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, “se manteve sentado” a conversar com o seu homólogo, Vítor Gaspar, enquanto o português estava debruçado. “Schäuble não teve a delicadeza (de se levantar)”. Há aqui um pequeníssimo detalhe: o ministro das Finanças alemão senta-se numa cadeira de rodas desde o atentado que sofreu em 1990.

Helena Ferro de Gouveia, aqui.

A nova Judite

Helena Sacadura Cabral, 31.01.12

Não sei o que se passa com a Judite de Sousa. Antes tinha um chic natural e uma conversa inteligente. Agora o espalhafato das toilletes e dos penteados, o botox labial, a cor das unhas e a dimensão dos aneis distrai-me de tal modo, que não oiço o que diz. Medina Carreira, esse, parece que a não vê. Estranho...

Contra Corrente.

Luís M. Jorge, 11.01.12

Manuela Ferreira Leite voltou a exibir o seu tacto diplomático na televisão. Com a internet em chamas (é um déjà vu), temo que nos afastemos da pergunta que ontem fazia a mim próprio e hoje gostaria de fazer a alguém: que motivos existem para que um programa de análise política convide o proprietário do canal em que é transmitido, o partner de uma grande sociedade de advogados lisboeta, o presidente de uma fundação da Jerónimo Martins e uma senhora que ainda há pouco criticava os ”ataques àqueles de acumulam vencimentos” para discutirem, vejam bem, os sacrifícios que é preciso impor ao país?

 

Há aqui uma resistência à vergonha de que os nossos jornalistas aparentemente não suspeitam, enquanto promovem mandarins a senadores.

Entre os melhores

Pedro Correia, 18.12.11

 

Pelo segundo ano colectivo, o DELITO DE OPINIÃO volta a ser nomeado -- desta vez em duas categorias -- para melhor blogue do ano, por iniciativa do programa Combate de Blogs, da TVI 24. O júri foi composto por Filipe Caetano, Nuno Ramos de Almeida, Tomás Vasques, Duarte Lino, Rodrigo Moita de Deus, João Távora, Rui Bebiano, Samuel Paiva Pires, José Manuel Fernandes, André Abrantes Amaral, Miguel Cardina, Ana Matos Pires, Nuno Teles, Pedro Pita Barros, Ricardo Alves, Mariana Mortágua, Pedro Lains, Marta Rebelo, Paulo Coimbra e João Gonçalves.

Quem quiser, pode votar. Até 6 de Janeiro.

Do sempre iminente fim do malogrado comércio tradicional

José Maria Gui Pimentel, 10.10.11

Foi ontem transmitida, no Jornal da Noite da SIC, uma reportagem sobre os antigos comerciantes de Lisboa, na qual foi amplamente vendida a tese, que já não é nova, de que as grandes superfícies comerciais (esses demos!) têm vindo estragar o negócio aos pequenos comerciantes. Implícita nesta tese está a ideia de que a culpa, por assim dizer, é também dos consumidores (esses vendidos!) que desprezaram o comércio tradicional e acorreram aos centros comerciais, apenas por razões de conveniência, esquecendo as fidelidades antigas. Este tipo de postura sempre me irritou profundamente. E se é relativamente compreensível nos comerciantes mais velhos, já não o é nas gerações mais novas, que deveriam ter uma mente mais aberta, mas que também patrocinam essa ideia.

A respeito desta questão, importa ter em mente, fundamentalmente, dois aspectos. Por um lado, a ideia de concentrar os diferentes comércios num espaço comum, não tendo existido sempre, já não é propriamente nova. Aliás, estes agora denominados antigos comerciantes (ou algo do género) já representam essa escola. Toda a zona comercial compreendida entre a Baixa e o Bairro Alto é (ou era) exemplo disso. Por outro lado, bastaria a estes comerciantes tradicionais da baixa (e de outros bairros circundantes) subir a Rua do Carmo em direcção ao Chiado para ver lojas permanentemente cheias, beneficiando das inúmeras pessoas que ali trabalham ou passam durante a semana. De resto, até bastaria andarem alguns metros para verem aquelas lojas na baixa que – tendo-se adaptado à mudança dos hábitos – têm hoje uma clientela regular. Com efeito, se os centros comerciais têm algumas vantagens evidentes, as zonas comerciais tradicionais têm também os seus atractivos, que, se bem capitalizados, podem render até mais, como creio que o futuro próximo vai demonstrar.

Para isso é preciso que as pessoas procurem os clientes, em vez de se refugiarem numa postura reactiva, e que tenham a humildade de perceber que, se calhar, o serviço que oferecem não é superior, mas sim inferior, ao da concorrência.

As aparências iludem

José Maria Gui Pimentel, 14.09.11

A SIC fez uma emissão especial do programa "Alta Definição" sobre o 11 de Setembro. Para tal convidou Luís Costa Ribas (LCR), uma escolha sensata, visto que o jornalista cobriu o evento de perto. Embora tenha logo achado estranho o Alta Definição fazer uma reportagem daquele tipo, a verdade é que, durante 20 dos 35 minutos que durou a emissão, o entrevistador e LCR vão fazendo uma análise muito interessante àquele dia fatídico. Porém, a partir dos 20 minutos de emissão, e sem qualquer pré-aviso, o programa transfigura-se, passando ao habitual registo, com uma entrevista sentimental a LCR, na qual este fala da sua vida preenchida, da família, etc. A conversa até foi, diga-se, interessante, mas talvez fosse de inserir noutro contexto, não?

Politologuês

Pedro Correia, 08.08.11

As tribunas televisivas são tomadas, à vez, por revoadas profissionais. Houve o tempo dos sociólogos, que pareciam ocupar mais tempo de antena do que a Júlia Pinheiro. Seguiu-se a fase dos psicólogos - acompanhados pela subespécie dos pedopsicólogos - em antena até à náusea. Quando também estes passaram de moda, avançaram os economistas: um batalhão quotidiano na pantalha, cada qual revelando as receitas mais infalíveis para salvar a pátria. Vários deles, curiosamente, ocuparam a pasta das Finanças sem porem em prática as tais receitas milagrosas no exercício de tão relevantes funções. Paciência: ninguém é perfeito.

Agora chegou a vez dos politólogos: todas as semanas é revelado ao País um novo talento televisivo nesta área. Acabo de escutar mais um, que não conhecia de parte nenhuma, pronunciando-se vigorosamente contra as medidas "assistencialistas" contidas no Plano de Emergência Social anunciado pelo ministro da Solidariedade. "Era importante que não houvesse assistencialismo. Estas medidas não seriam necessárias se houvesse crescimento económico", proclama o politólogo, com vigor.

Impossível discordar dele: "se houvesse crescimento económico" - isto é, se a anémica economia portuguesa funcionasse ao ritmo da alemã, ou mesmo da canadiana, já para não falar da turca - as medidas "assistencialistas" seriam dispensáveis. Infelizmente, num país com dois milhões de pobres e pelo menos 700 mil desempregados, com as finanças públicas em situação de pré-ruptura, como acorrer de outro modo às situações mais prementes de exclusão, miséria e fome?

Basta termos mais "crescimento económico", proclama o politólogo recém-estreado nas lides mediáticas. A resolução dos problemas parece sempre tão fácil nuns quantos minutos de protagonismo televisivo. Em último recurso, poder-se-ia sempre anexar Portugal ao Brasil, como recentemente referia o Financial Times, numa rara manifestação de ironia. Se há país que tem registado um espectacular crescimento económico, é precisamente o Brasil. O que não inviabilizou frequentes e emblemáticas medidas "assistencialistas" tomadas pelo presidente Lula da Silva. Um disparate, concluiria o nosso politólogo, sem dúvida metódica alguma.

Enquanto o escuto, vou-me interrogando sobre que espécie de país seria este sob um governo dos campeões da teoria política. E vem-me à memória, sei lá porquê, aquele diálogo d' Os Maias entre Carlos da Maia e João da Ega quando o primeiro, visitando a casa do segundo, descobre nesse local - sem disfarçar a surpresa - um busto do odiado imperador Bonaparte: "Para que tens tu aqui Napoleão, John?", questiona. Resposta pronta do anfitrião: "Como alvo de injúrias. Exercito-me sobre ele a falar dos tiranos..."

Será que percebi bem?

José Maria Gui Pimentel, 29.06.11

Os dirigentes das duas televisões privadas (quem diria) queixam-se da entrada da RTP 1 no mercado, sob o argumento de que “não há espaço” para um terceiro canal privado, o qual fará repartir o bolo das receitas publicitárias, já de si diminuto, por mais um conviva. Isto porque a RTP 1 não compete livremente com os outros canais, uma vez que está limitada pelas regras a intervalos de 7 minutos.

Não o manifestando abertamente, estes dirigentes estão, se bem percebo, a defender que a RTP 1 permaneça na esfera estatal não porque o considerem do interesse público, mas sim por interesse próprio, porque não querem perder espaço no mercado. Trocado por miúdos, o argumento é o seguinte: os senhores não querem ter de repartir o mercado com a RTP 1 e, por conseguinte, defendem que o contribuinte deverá continuar a financiar os prejuízos da televisão pública. Mas, claro, dito assim não soava tão bem nas televisões.

O facto de ser necessário recorrer a este argumento falacioso demonstra, já de si, um reconhecimento implícito da bondade da medida. Com efeito, nada na programação da RTP 1 justifica que o canal continue a ser financiado pelos contribuintes (ao contrário do que sucede com a RTP 2).

O som pelas orelhas

João Carvalho, 16.04.11

«A pedido da direcção de Informação da TVI venho informar que as imagens do primeiro-ministro a testar o som, no púlpito, em São Bento, fornecidas pela RTP, não são para utilizar.» Ficamos a saber que S. Bento tem um púlpito, mas... quando um primeiro-ministro, preocupadíssimo com uma comunicação ao País sobre a chegada do FMI, pede a um Luís que lhe diga se fica melhor mostrar a orelha direita ou a orelha esquerda, está a testar o som?

Bater no fundo

Ana Vidal, 18.03.11

 

Cenário e personagens:

 

Uma típica middle class teenager americana: bonitinha, loira, filha única, mimada, indolente, insolente, a caminho da obesidade a passos largos.

Em suma - uma criaturinha insuportável.

 

Um típico middle class teenager americano, namorado oficial da dita: ar razoavelmente saudável mas apatetado, convencido, feiote, indolente, insolente, magro e borbulhento.

Em suma - uma criaturinha insignificante.

 

Uma típica middle class housewife americana: diligente, puritana, dependente, preconceituosa, opinativa, ignorante, resignada, lamechas, numa batalha perdida contra a obesidade.

Em suma - uma criatura frustrada.

 

Um típico middle class male americano: alarve, machão, preconceituoso, ignorante mas convencido da sua superioridade, obeso assumido, todo-poderoso, cruel, ditador.

Em suma - uma criatura perigosa.

 

***

 

Os pais não gostam do namorado da filha, acham que ela merece muito melhor. O namorado não gosta dos pais dela, e acha que ela tem muita sorte em tê-lo fisgado. A filha defende o namorado (sem grande convicção, diga-se) mas acha que não perde nada em dar o benefício da dúvida a mais alguns candidatos a um lugar no seu coração.

 

E começa o espectáculo: os pais entrevistam vários jovens, à vez - as perguntas de selecção são simplesmente inenarráveis - e cada um deles escolhe o que lhe parece o melhor para a filha. O pai escolhe um troglodita parecido consigo, mas numa versão teen e musculada, porque acredita que ele "tomará conta da filha" e que não deixará que lhe falte nada, no futuro. A mãe escolhe um invertebrado meloso e supostamente romântico, porque acredita que assim a filha terá sempre ramos de rosas e joelhos em terra, coisa que ela própria jamais soube o que é.

 

A filha presta-se ao papel de passar algumas horas com cada um dos dois eleitos, que tentará seduzi-la e conquistá-la com as armas que tiver e com as preciosas dicas que os pais lhe facultaram. Os pais ficam no sofá da sala, com o namorado entre eles, assistindo todos, na televisão (e comentando a três...) a evolução desses encontros, filmados em directo. Ouve-se frases tão extraordinárias como "O filho da puta está apalpá-la toda!", uma legítima indignação manifestada pelo namorado e logo secundada pelo pai, pela primeira vez concordantes e irmanados no ciúme mais primário, ou "Estão a ver como ele é romântico? Até a deixou repetir o gelado!", uma frase da mãe, embevecida, que lhe vale dois olhares de absoluto desprezo.

 

Por fim, a princesa tem de escolher o seu príncipe. O namorado a-ser-substituído-ou-não, um duque de paus que acredita firmemente no seu trunfo - um conhecimento mais aprofundado - volta ao baralho, em igualdade de circunstâncias com os dois ases finalistas: o Rei dos Músculos e o Rei das Frases Feitas. A menina, melíflua, aponta os defeitos e qualidades de cada um, reflectindo interiormente na contabilidade mais satisfatória. Por fim, baixa o polegar a dois deles, sem contemplações, e ergue-o ao terceiro, sorridente. Qual deles escolhe? Pasmem: não o namorado, que dizia amar e defendia da injustiça dos pais, não a inflamada lêndea que lhe ofereceu rosas e gelados batendo as pestanas, mas... o egótico brutamontes que era a aposta do pai e que virá a dar-lhe, seguramente, um tratamento parecido com aquele que a mãe recebe desde sempre.

 

Esta aberração chama-se "Parental Control" e é - ou foi (não sei se a programação era requentada) - um aclamado programa de televisão nos EUA. Mais um produto do voyeurismo televisivo, de infindável capacidade imaginativa. Quando eu penso que o modelo está esgotado e já bateu no fundo definitivamente, há sempre mais um lixo destes que me surpreende. É por estas e por outras que praticamente já não vejo televisão. Tenho plena consciência de que a maior perversão destes reality shows é o facto de serem tão hipnóticos que, sob os mais diversos pretextos, ficamos invariavelmente a vê-los até ao fim. Foi o que me aconteceu.

Obviamente

Pedro Correia, 13.09.10

A RTP, instituição de serviço público, "não deve ser veículo dos ataques deferidos à instituição Justiça, sem dar lugar ao contraditório da parte dos magistrados e investigadores envolvidos neste processo, aliás, nas circunstâncias processuais, impedidos de o fazerem", conclui Paquete de Oliveira, provedor do telespectador da RTP, a propósito do generosíssimo tempo de antena concedido pelo canal público a Carlos Cruz e a membros do seu clube de fãs. Obviamente, tem razão.

A segunda morte de António Feio

Pedro Correia, 10.08.10

 

Conheci António Feio ainda antes de ele se chamar António Feio. Explico melhor: nessa altura todo o País o conhecia por Luisinho. Era assim que se chamava a personagem do miúdo que ele representava naquela que foi a primeira telenovela portuguesa. Muito antes de Vila Faia e de o próprio termo telenovela estar popularizado em Portugal. Era ainda no tempo da TV a preto e branco, no final dos anos 60, e essa telenovela chamava-se Gente Nova. Foi um fenómeno de popularidade nessa época, concorrendo apenas com a série televisiva norte-americana O Fugitivo.

Eu era um miúdo nessa altura, bastante mais novo do que o Luisinho que via no ecrã, adolescente já embora sem perder a cara de garoto que afinal acabaria por conservar durante toda a vida. Mas fazia os possíveis por não perder cada episódio desse “folhetim”, como então eram conhecidas as telenovelas, adaptando o termo clássico popularizado pela imprensa oitocentista.

Sou incapaz de reconstituir hoje pormenores da trama: lembro vagamente que o Luisinho era filho de um casal da classe média. Tinha dois irmãos e era um miúdo irrequieto e desembaraçado. Eventuais complexidades do enredo escapavam obviamente ao meu olhar infantil em busca de modelos e de senhas de identidade. Mas aquilo que recordo bem é do elenco. Já nessa altura tinha o costume de fixar fichas técnicas e fichas artísticas, memorizando os nomes dos actores. Conhecia o David Janssen, protagonista d’ O Fugitivo. E o Don Adams, da série Get Smart. E, claro, a incomparável Elizabeth Montgomery, de Casei com uma Feiticeira. Mas o elenco daquela irrepetível Gente Nova era o primeiro conjunto de actores portugueses que me atraía a atenção. Actores como Rui de Carvalho e Helena Félix, que interpretavam os pais do Luisinho. A loira Leonor Poeira, a morena Henriqueta Maia. O Carlos Queirós – não o seleccionador de futebol, mas o irmão de Florbela Queirós, que viria a radicar-se nos EUA. E, claro, o Luisinho/António Feio, que rapidamente se tornou um dos rostos mais conhecidos do País. Tão depressa o víamos na TV como nas capas das revistas (da Flama à Plateia, do Século Ilustrado à Rádio e Televisão) ou em vistosos cartazes publicitários (lembro-me dele num anúncio de Fosgluten, um “fortificante da memória”).

 

Sabia-o muito doente. Era, aliás, impossível não saber: as publicações mais vampirescas da nossa praça iam dando nota, em parangonas sem qualquer resquício de pudor, da “evolução do cancro” deste actor que tanto fez rir os portugueses sem recorrer à ordinarice nem ao trocadilho fácil. Há pouco mais de um mês vi-o ser entrevistado pela Fátima Lopes na televisão: bastou ver o seu rosto, ouvir a sua fala já arrastada e algo hesitante, reparar naquele olhar que parecia já despojado da centelha da vida para se perceber cruamente que o fim estava próximo. Chegou agora, mais cedo do que muitos esperavam – a morte chega sempre cedo de mais. Os vampiros com carteira profissional de jornalista têm de procurar novos alvos: certamente não lhes faltarão motivos para novas capas que reduzam a estilhaços o direito à privacidade, garantido pela Constituição da República Portuguesa mas diariamente violado com total impunidade.

 

A RTP, que tornou António Feio familiar aos portugueses, tem um canal Memória que bem poderia voltar agora a exibir aquele “folhetim” que nunca mais revi.

Será talvez pedir demasiado à televisão pública: aposto que a primeira telenovela portuguesa já não consta do arquivo da RTP. De uma televisão que foi capaz de apagar grande parte das gravações do histórico Zip Zip e todos os registos do inesquecível concurso A Visita da Cornélia podemos sempre esperar o pior em matéria de conservação e gestão de arquivos. Se for assim, e espero estar enganado, esta seria a segunda morte do Luisinho, desta vez às mãos do “serviço público”. Nada mais feio.

 

Na foto: o jovem António Feio com Carlos Queirós e Henriqueta Maia, seus parceiros no folhetim Gente Nova

Um miúdo, um cavalo, um cão

Pedro Correia, 31.07.10

 

 

Da minha infância guardo calorosas recordações de uns livrinhos escritos por uma autora com um belo nome que jamais esqueci: Cécile Aubry. Esses livros narravam as aventuras de Poly, um pónei, e do seu dono, um miúdo que teria a minha idade à época. As aventuras de Poly, a par dos álbuns de banda desenhada, ajudaram-me ainda em criança a ler e amar a língua francesa - o que viria a ser reforçado com a adaptação dessas histórias a uma série televisiva que me prendia a atenção dado o meu gosto de sempre por animais. O próprio filho da autora interpretava esta e uma outra série - Belle e Sébastien, em que o pequeno cavalo dava lugar a um grande cão.

Nunca mais ouvi falar em Cécile Aubry. Até esta semana, quando soube da notícia da sua morte. Antes de se dedicar à literatura infantil, como autora de grande sucesso, tinha-se destacado como actriz em filmes como Manon, de Henri-Georges Clouzot, hoje um clássico do cinema francês, e A Rosa Negra, ao lado de Tyrone Power e Orson Welles. O rosto correspondia ao nome: era uma mulher muito atraente - como se comprova pelas capas da Life e da Paris Match aqui reproduzidas - que, no entanto, não se deixou enredar nas malhas do show business.

Escrevo estas linhas e sinto que estou a discorrer sobre tempos pré-históricos: Cécile Aubry é um nome oriundo de um mundo que deixou de ser o nosso. Um mundo muito mais simples, em que uma tarde de Verão podia ser preenchida a ler exemplares da revista Tintim, romances como O Príncipe e o Pobre, de Mark Twain, ou as narrativas desta mulher que abandonou o cinema para encantar a minha geração com histórias de miúdos e dos respectivos animais de companhia.

Histórias de um mundo ainda sem computadores que deixaram um rasto de ternura imune à erosão do tempo e à voracidade de todas as modas.

 

 

A TVI que não houve, a TVI que há

Pedro Correia, 25.05.10

 

Marcelo Rebelo de Sousa, que a RTP não quis, regressou a um lugar onde já foi feliz: a sua tribuna dominical na TVI. E regressou em forma, como se pode perceber, acompanhado por mais de um milhão de telespectadores. Em tão boa forma que torna ainda mais inexplicável a guia de marcha que a Direcção de Informação da televisão pública lhe passou, sob o ridículo e capcioso pretexto de que António Vitorino pretendia abandonar o seu espaço de opinião e o "serviço público" de TV não pode contar só com o comentário de alguém do PSD. O pretexto é ridículo porque não faltariam socialistas prontos a preencher a vaga de Vitorino - na própria RTP N há vários. E é capcioso porque se estivesse realmente preocupada com o pluralismo a Direcção de Informação da RTP não devia contentar-se com um Marcelo socialista: seria também necessário haver um Marcelo comunista, um Marcelo bloquista e um Marcelo democrata-cristão.

Pretextos, só pretextos. O que interessava era calar Marcelo, repetindo-se - com uma dose consideravelmente superior de hipocrisia - o sucedido em 2004 na TVI que agora recebe o professor de volta.

São realmente sinuosas, as vias da "comunicação social" quando se cruzam com a política. Aqui está um tema que devia merecer uma reflexão actualizada de Pacheco Pereira. Mas duvido que ele tenha tempo para ver a TVI que há, tão ocupado anda com a comissão de inquérito à TVI que nunca houve.

 

Adenda: Registo, com natural satisfação, que Marcelo aproveitou o regresso ao comentário político semanal na televisão para defender sem rodeios a redução do número de deputados. Com argumentos nada distantes dos que exprimi aqui.