Jean Daniel e os Velhos do Restelo
Fascina-me esta tendência de tantos colunistas da imprensa portuguesa de lançarem anátemas sobre as mudanças em curso no mundo. Ainda agora se viu, nestes dias, a propósito das revoltas populares que derrubaram as decrépitas ditaduras da Tunísia e do Egipto: de súbito, descobrimos que em Portugal era imensa a legião de fãs de Mubarak e Ben Ali - a tal ponto foram derramadas lágrimas de pesar pelo fim dessas tiranias nas colunas dos nossos jornais. Profissionais do pessimismo, daqueles que se gabam de em mil novecentos-e-troca-o-passo terem vaticinado que tudo daria para o torto, desataram a garantir que o fim das ditaduras árabes marcará o início de um ciclo de terríveis cavalgadas do islamismo mais fanático, capaz de perturbar o nosso doce modo de vida e de impor à bomba as suas crenças. A democracia é incompatível com o mundo islâmico, asseguram. Esquecendo, muitos deles, que aplaudiram a invasão norte-americana do Iraque em 2002 precisamente em nome dos valores democráticos. Curiosa concepção de democracia, que só vale se for imposta à bala...
Penso nisto enquanto releio no El País uma entrevista com Jean Daniel, ex-director do L’ Express e do Nouvel Observateur, um dos mais prestigiados jornalistas europeus – testemunha privilegiada de tantos acontecimentos históricos, desde a II Guerra Mundial. Aos 90 anos, mantém um olhar de esperança perante a vertiginosa sucessão de factos que são notícia dos telejornais de hoje e têm já garantido um lugar na História. “Maravilha-me ter vivido o suficiente para ver um negro chegar à Casa Branca, ou os tunisinos e os egípcios revoltando-se contra os respectivos ditadores. A importância destas rebeliões não está no que possa suceder, mas no simples facto de terem ocorrido”, sublinha este decano do jornalismo que há muito aprendi a admirar.
Se Jean Daniel fosse português, faria um discurso carregado de nuvens negras e maus presságios: por cá, ninguém consegue congregar tão vasto auditório como os profetas da desgraça. Mesmo quando não têm razão nenhuma, o que aliás sucede quase sempre.