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Delito de Opinião

O dia mais longo do ano

Pedro Correia, 05.11.24

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Imagem do único debate entre Donald Trump e Kamala Harris, em Filadélfia a 10 de Setembro

 

Nestes dias os canais televisivos foram sendo invadidos por tudólogos que a cada quatro anos se transformam em especialistas da vida interna dos EUA. Alguns saltitam do futebol para a geoestratégia mundial, passando por voos rasantes à política doméstica. Fazem aquilo que é possível esperar de um tudólogo: espreitam as tendências dominantes do eleitorado hoje disponíveis em pesquisas rápidas nos motores de busca. Com tanta ânsia de aparecer, acabam por empurrar os verdadeiros especialistas para horários impróprios, remetendo-os ao último lugar da fila. Quem perde com isso são os canais que lhes dão guarida.

Hoje é a data do escrutínio oficial na corrida à Casa Branca. Mas a eleição decorre há semanas: cerca de 78 milhões de americanos, incluindo o ainda presidente Joe Biden e a candidata democrata, Kamala Harris, optaram pelo voto antecipado. Nas semanas precedentes, esses pára-quedistas da pantalha andaram a picar sondagens, pulando desta para aquela sob o invariável signo do "empate técnico". Com as atenções centradas nos sete estados flutuantes ou oscilantes, logo crismados de swing states em "amaricano" com sotaque tuga.

Entquanto debitavam banalidades, os tudólogos mal repararam em dois aspectos cruciais na letra pequenina das pesquisas de opinião. O primeiro relaciona-se com o índice de rejeição de cada candidato: nas eleições actuais, grande parte de quem vota mobiliza-se mais contra aquilo que não quer do que a favor de alguma pessoa ou sigla. O segundo é a crescente clivagem sexual nas opções de voto: mulheres e homens tendem a dividir-se cada vez mais. Acima das diferenças raciais ou de classe social.  

Tudo isto é ignorado pelo tais especialistas em coisa nenhuma que pululam nas pantalhas, embora seja realçado por quem verdadeiramente percebe da dinâmica eleitoral nos EUA, reflexo da própria mobilidade social no país. Fica como pista de reflexão neste dia mais longo do ano, em que as atenções mundiais estão viradas para aquele que ainda é o Estado mais poderoso do planeta.

Dia tão longo que pode arrastar-se por semanas ou meses. Já faltou mais para sabermos.

Monarquia em alta no Reino Unido

Pedro Correia, 12.09.23

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Foto: Reuters

 

Os tudólogos tugas garantiam que ele seria um Rei impopular. Percebem pouco ou nada do que falam. Um ano depois de subir ao trono britânico, Carlos III regista elevada taxa de aprovação dos súbditos: 59% consideram que tem feito bom trabalho - enquanto apenas 17% pensa o contrário. E não era fácil substituir a mãe, Isabel II, que usufruiu sempre de imenso prestígio durante 70 anos de reinado.

Questiono-me quantos titulares de repúblicas europeias poderão gabar-se de números semelhantes. Estes foram recolhidos numa sondagem YouGov agora divulgada em Londres.

No mesmo inquérito, 62% dos britânicos consultados mantêm preferência pela monarquia como sistema político, enquanto apenas 26% optariam por um chefe do Estado eleito. Diferença considerável. Daria motivo de reflexão aos tais tudólogos. Se eles soubessem reflectir em vez de se limitarem a debitar palavras para encher chouriços nos canais de televisão.

Os tudólogos

Pedro Correia, 17.03.23

É um espanto ver e ouvir tantos (ia a escrever tontos) sábios instantâneos nas pantalhas, serão após serão. Alguns falam da Igreja à segunda, de bola à terça, de economia à quarta, de política à quinta, de física nuclear à sexta. Com a máxima autoridade de quem tem na sua posse todas as chaves para decifrar o mundo.

Alguns deles peroram no espaço mediático há trinta anos, outros há quarenta ou perto disso. Falham sempre nas previsões. Mas falam falam falam falam...

A grande cambalhota

Pedro Correia, 10.02.22

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COSTA ERRÁTICO: VAI PERDER TUDO

Clara Ferreira Alves, SIC Notícias, 27 de Janeiro:

«Não houve discurso mais errático. António Costa foi errático. Isto dá uma aparência de desonestidade intelectual. E é muito grave.»

«António Costa pode estar a milímetros de acabar, ingloriamente, a sua carreira política. Não há cargos europeus para quem perde eleições neste cenário.»

«António Costa acabou a fazer uma espécie de discurso de caixeiro-viajante, à porta, a vender escovas e sabões.»

«António Costa não é capaz de negociar com ninguém, nem com ele mesmo. Sabe que está a muito pouco de perder - de perder tudo. E de rematar uma longuíssima carreira, desde 1995, da pior maneira.»

«Rui Rio foi mais claro desde o início.»

«António Costa tinha propósitos de maioria absoluta, que era evidentemente uma miragem.»

 

COSTA CORREDOR DE FUNDO: ERA INEVITÁVEL GANHAR

Clara Ferreira Alves, Expresso, 31 de Janeiro:

«Era inevitável. António Costa é um corredor de fundo e desta vez apostou tudo, incluindo ele mesmo. Ganhou.»

«O valor máximo de António Costa foi o de escolher, ou ser obrigado a escolher, ficar em Portugal e governar com as cartas que lhe dão. Não desertou, não ameaçou desertar.»

 

RIO ERRÁTICO: A GERONTOCRACIA DO PSD

Clara Ferreira Alves, SIC Notícias, 3 de Fevereiro:

«O PSD tem um sistema esfrangalhado e que o próprio Rui Rio, com o seu jeito errático e disperso e temperamental, ajudou ainda... [com] mensagem errada.»

«Olha-se para aquela gerontocracia do PSD e pensa-se: esta gente está toda a cair da tripeça.»

«O PSD era um ponto de interrogação. Era o Rio e o Albino, o gato.»

«De facto, Costa venceu os debates.»

Fugir ao tema

Maria Dulce Fernandes, 18.01.22

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No universo mágico de Harry Potter, todos os personagens têm uma característica especial. Uns são lobisomens e outros transmorfos, outros vampiros, muitos elfos,  duendes,  bruxas e bruxos, etc.

O Professor Horace Slughorn é um feiticeiro, professor de poções mágicas, bonacheirão vaidoso, que colecciona celebridades e sucessos do mundo da magia, usando os contactos que adquiriu ao longo da sua carreira docente para seu proveito e seu conforto. Não é um portento, mas tem algumas bugigangas extraordinárias.

Da sua imensa panóplia de objectos mágicos, sobressai a ampulheta verde.

A ampulheta verde do Professor Slughorn mede o tempo de um modo peculiar: mede e avalia o passar do tempo pela qualidade da conversa.

Independentemente dos temas, e porque os participantes normalmente são grandes crânios em todo o tipo de matérias, a ampulheta faz deslizar os fluidos grãos verdes um a um, se o teor da conversa for estimulante. Por outro lado se imperar o enfado, a areia desliza para a câmara de baixo da vítrea clepsidra mais veloz do que uma inspiração, exactamente por falta da mesma.

Creio que seria um artefacto extremamente útil nestes tempos de tudólogos. Era ver a areia cair lesta, apenas para fugir ao tema.

E ainda por cima é verde, o que lhe prova um extremo bom gosto!

Delírios

Pedro Correia, 22.12.17

Ontem à noite, comentando o resultado das eleições catalãs na SIC Notícias, Pacheco Pereira imaginava a cosmopolita Barcelona sob “ocupação militar” e garantia que os partidos pró-separatismo somavam “70% dos votos”.

Os pequenos e médios delírios de comentadores que peroram sobre tudo e um par de botas nas televisões portuguesas já mereciam um estudo académico. É tema inesgotável e dá pano para muitas mangas.

Catalunha: mitos e factos (2)

Pedro Correia, 20.12.17

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Nestes dias de campanha eleitoral, tenho ouvido e lido os maiores disparates sobre a Catalunha. Proferidos por gente manifestamente ignorante que só agora acordou para esta questão, juntando-se de imediato aos tudólogos de turno - os que falam sobre tudo sem nada saberem de coisa nenhuma.

Vale a pena desmontar alguns destes mitos.

 

1. Os catalães querem recuperar a independência

Falso.

A Catalunha nunca foi um Estado independente. Integrou o Reino de Aragão até ao século XV, quando ocorreu a união dinástica através do casamento de Isabel a Católica, Rainha de Castela, com Fernando de Aragão.

 

2. Espanha é um Estado de formação recente

Falso.

A conquista de Granada aos mouros, em 1492, e a incorporação pacífica de Navarra, em 1516, deram ao Estado espanhol a sua configuração actual. Já com mais de 500 anos, Espanha é muito mais antiga, por exemplo, do que a Bélgica (existente desde 1830), Itália (1870) ou Alemanha (1871)

 

3. Portugal só é independente graças à Catalunha

Falso.

Portugal é um país independente há quase nove séculos. Já o era havia meio milénio quando recuperámos a plena soberania, em 1640, pondo fim ao domínio de seis décadas da coroa espanhola em Lisboa, coincidindo com a revolta catalã, iniciada semanas antes. Madrid enviou então tropas para a Catalunha, integrando aliás efectivos portugueses, mas manteve uma forte guarnição militar em Portugal - o que não impediu a vitoriosa rebelião dos conjurados e a rápida proclamação de D. João IV. Seguiu-se uma guerra fronteiriça que durou 28 anos e terminou muito depois de ter sido neutralizado o conflito catalão, em 1652.

 

4. A língua catalã é a dominante na Catalunha

Falso.

As estatísticas desmontam esta fantasia. O castelhano é a única língua verdadeiramente veicular na Catalunha - falada e entendida por 99% dos seus habitantes. É menor a influência do catalão, entendido por 90% e falado por 65% dos residentes.

 

5. A Catalunha tem sido explorada por Espanha

Falso.

A Catalunha é uma das parcelas mais ricas do Estado espanhol, com um PIB per capita equivalente a 28,5 mil dólares. Superando a riqueza de Aragão (26 mil dólares), Leão e Castela (22 mil), Galiza (21 mil), Valência (21 mil), Astúrias (20,9 mil) Andaluzia (17 mil) ou Extremadura (16 mil). E ultrapassando a média nacional espanhola, avaliada em 24,1 mil dólares - dados sempre de 2016. Por curiosidade, refira-se que Portugal tem um PIB per capita de 19,8 mil dólares.

 

6. A Catalunha não tem autonomia

Falso.

A Catalunha é uma das regiões não-independentes com mais poderes próprios no mundo - consagrados no Estatuto Autonómico de 2006. Tem bandeira própria, hino próprio, órgãos de governo (Executivo e Parlamento) próprios, sistema educativo e sistema sanitário próprios, forças de segurança próprias, órgãos judiciais autónomos, receitas tributárias autónomas e uma língua autóctone difundida sem restrições em todos os graus do ensino oficial.

 

7. Existe um povo catalão

Falso.

Não há nenhum carácter diferenciador, do ponto de vista étnico ou rácico ou religioso, que permita distinguir um catalão de qualquer outro habitante do resto de Espanha. A maioria dos apelidos dos habitantes da Catalunha é de origem castelana e ao longo dos séculos a população foi-se mesclando através de processos cíclicos de migrações internas, levando a Catalunha a absorver largos milhares de andaluzes, extremenhos, castelhanos, leoneses, asturianos, valencianos, galegos e gente oriunda das restantes parcelas do país. Aqui subscrevo, com a devida vénia, as sábias palavras do filósofo Fernando Savater: "Chamar povo ao conjunto dos cidadãos não é pecado, tal como não o é chamar corcel a um cavalo: são liberdades poéticas, de duvidosa retórica. Mas é ilusório acreditar que o corcel é mais do que um cavalo ou que o povo está acima dos cidadãos."

 

8. A democracia não chegou à Catalunha

Falso.

Os catalães foram chamados às urnas 35 vezes nos últimos 40 anos. Em três referendos, todos vinculativos: o de 1978, destinado a validar a Constituição (em que foi a região de Espanha com maior índice de aprovação à lei fundamental, favorecendo-a com 90% dos votos) e os estatutos autonómicos de 1979 e 2006. E em sucessivas eleições de carácter nacional, regional, municipal e local.

 

9. Os catalães não têm acesso aos órgãos do Estado

Falso.

Há representantes da Catalunha em todos os órgãos políticos que resultam de eleição no Estado espanhol: Câmara de Deputados e Senado, além do Parlamento Europeu. Dois dos sete constitucionalistas que redigiram a lei fundamental do país eram catalães - Miguel Roca e Jordi Solé Tura. Tal como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Landelino Lavilla, que foi também ministro da Justiça e líder da União do Centro Democrático. Ao longo dos anos vários outros catalães têm-se distinguido no Governo nacional. Alguns exemplos: Narcis Serra, que foi vice-presidente do Governo socialista de Felipe González; Josep Borrell, que ascendeu à presidência do Parlamento Europeu após ter sido ministro e deputado em Madrid; Josep Piqué, titular da pasta dos Negócios Estrangeiros no governo conservador de José María Aznar; Carme Chacón, primeira espanhola a ocupar a pasta da Defesa, durante o executivo do PSOE liderado por Rodríguez Zapatero; ou Dolors Montserrat, actual ministra da Saúde.