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Delito de Opinião

O umbigo do eleitor

Paulo Sousa, 20.04.23

Almocei há dias com um amigo que vive nos EUA. As conversas circularam por diferentes assuntos. Os que mais lhe interessam, e que o levaram a ir tentar a sorte fora daqui, são os negócios. Por cá não é de bom tom alguém se assumir como material e financeiramente ambicioso, mas esse não é o registo dele nem dos americanos. O optimismo corre nas veias dos empreendedores dos EUA.

Há uns tempos, numa visita que lhe fiz, reparei no detalhe da resposta habitual à coloquial pergunta “Como vais?/How are you?”. Na esmagadora maioria das vezes ouvi a resposta “Great!”, que não podia ser mais díspar do nosso tradicional “Vamos andando”. A diferença de atitude que estas duas respostas encerram é bem maior do que o Atlântico que nos separa.

Depois de esgotar a primeira ronda de assuntos, tornou-se inevitável abordar o tema Trump. Logo desatou a elencar todas as vantagens que quem tem negócios sentiu no seu mandato e de como agora, com Biden, se sente claramente a diferença e para pior. É do senso comum do círculo onde ele se desloca, associar-se o crescimento económico à diminuição do desemprego e por essa via espera-se, e verificou-se, uma diminuição da criminalidade. Pelo contrário, explicou-me, os apoios sociais distribuídos pelos democratas estão por de trás do aumento do desemprego e, simetricamente, do crime.

Quando lhe falei no assalto ao Capitólio, que em muito pouco se distinguiu de uma tentativa de golpe de estado, e na gravidade que isso encerra numa democracia, fez uma pequena pausa, e logo regressou ao relambório do crescimento económico.

Dei por mim a pensar como é que tanta gente faz por desprezar questões de princípio nas suas escolhas eleitorais, preferindo centrar-se nos seus interesses materiais.

Nesta conversa com este meu amigo emigrado nos EUA, senti que ao falar-lhe do assalto ao Capitólio, tive a mesma reacção que teria de um eleitor socialista se lhe lembrasse todos os escândalos do PS, o nepotismo, a endogamia, a tomada do estado pelo partido, o consulado do engenheiro Sócrates, a terceira insolvência, os incêndios de 2017, a TAP, a Efacec, os emails para as embaixadas, o financiamento do partido via contratos com Joaquim Morão e tantos e tantos outros. Engolem igualmente em seco, abdicam de decência democrática e a escapatória da conversa passa sempre pelo seu respectivo umbigo.

Capitalizar com a desgraça

Maria Dulce Fernandes, 26.04.22

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"Em entrevista ao programa ‘Piers Morgan Uncensored’, Donald Trump concordou com o apresentador britânico na opinião de que Putin é um “monstro genocida” e que a guerra na Europa é “terrível”.

Quando questionado sobre conversas que teve com o presidente russo enquanto estava na liderança dos EUA, Trump frisou que o ameaçou “como ele nunca foi ameaçado antes”.

“Temos uma guerra que nunca teria acontecido se eu fosse presidente”, frisou.

O jornalista Piers Morgan foi um dos vencedores de "The Apprentice", (tv show onde Trump fazia de Deus; agora tem o QAnon) mas nem sempre mostrou subserviência ao criador. Desta vez a entrevista deve ter sido incómoda o bastante para Trump sair a meio apelidando o jornalista de desonesto e idiota.

Desonesto e idiota na boca de Donald Trump é até elogioso.

Os psicopatas americanos no Congresso

João Pedro Pimenta, 09.01.22

American Psycho, ou Psicopata Americano, é um romance, chamemos-lhe assim, escrito no início dos anos noventa por Bret Easton Ellis que retrata de forma crua, amoralmente ostensiva e exaustivamente descritiva a idade de ouro dos yuppies na segunda metade dos anos oitenta, no pré-crash de 1987. A narrativa centra-se no modo de vida de Patrick Bateman, um financeiro de Wall Street com menos de trinta anos, de início mais nas suas obsessões materiais - a casa, a decoração, os aparelhos de alta fidelidade, os produtos de beleza e de higiene, o culto do corpo, os fatos, as gravatas, os restaurantes de luxo, as drogas, as amantes e as prostitutas - e mais à frente na sua faceta (ainda) mais negra que justifica o título da obra, tudo entrecortado pelas detalhadas críticas musicais dos músicos favoritos da personagem, que surgem como curiosa Hybris normalmente em situações inesperadas.  

O livro, já de si um sucesso comercial e de crítica, foi adaptado ao grande ecrã em 2000, com Christian Bale a compor um impressivo Bateman num desempenho que projectou a sua carreira. Como já se percebeu, o protagonista espelha uma ganância e uma obsessão materialista tais (de que é exemplo o seu acesso de fúria só porque os correligionários têm cartões de apresentação mais caros e polidos que os dele, o que terá consequências funestas) que é capaz de transformar Gordon Gekko, outra personagem fictícia deste peculiar mundo dos yuppies, num voluntário caridoso. É claro que nem todas as partes das descrições torrenciais de Ellis puderam ser transpostas para o filme, mas o essencial manteve-se.

Uma das alusões na obra a figuras reais, mais presente no livro que na película, é o culto do peculiar universo que rodeia Bateman pelos bilionários ostensivos, em geral, mas com uma especial admiração: Donald Trump. Sim, Trump e as festas que ele dá, os locais que frequenta e os seus carros. Trump é o modelo, a bússola e farol, aquilo que esta mole de gente endinheirada, entediada e amoral pretende ser.

Recordei-me de novo do livro/filme e das suas alusões a propósito do primeiro aniversário da invasão do Capitólio por aquela horda estranhíssima e alucinada, que deixou como resultado cinco mortos e uma imagem de ultraje e vergonha à democracia americana, mais própria de um país do interior de África. Tinham vindo de vários pontos dos Estados Unidos, numa das alturas mais gélidas do ano, para ouvir o discurso de Trump em frente ao congresso. Um discurso aliás de acusação e de incitamento directo contra a câmara legislativa, na senda da não aceitação do resultado das eleições de dois meses antes e das alusões a supostas fraudes. As palavras eram demasiado explícitas para que não se possa ligá-las ao que sucedeu a seguir. Aliás, até parecia que alguns adoradores trumpistas, mesmo deste lado do Atlântico, já o estavam a pressentir, referindo-se a "demonstrações do triunfo do "America First" que iriam surgir em Washington. Até tinham razão, como se viu.

Trump flutua entre um instinto político eficaz e uma mitomania que se torna pública muitas vezes. Era sem dúvida este último sentimento que o dominava naquele dia. Provavelmente, no embalo daquele discurso a meio caminho entre um ditador sul-americano e o general Custer lançando ordens contra os índios, não previu que as consequências pudessem ser tão funestas. Mas foram (por pouco não o foram para o próprio Mike Pence) e são indissociáveis do seu discurso de raiva que levou aquela mole desvairada habituada a "informar-se" no Qanon a cometer um acto tão grotesco.


O contraste entre esta gente e a retratada em American Psycho é gritante, a começar pela forma de trajar e a acabar na capacidade económica. As respectivas mundividências também são abissalmente diferentes. O que as une é a admiração e a confiança quase ilimitada em Trump, embora por razões diversas. Mas é bem mais compreensível vinda dos segundos, já que Trump é ele próprio um símbolo do materialismo (e de muito exibicionismo, como se observa na sua Trump Tower e no seu avião, por exemplo) e da ganância de um lado mais perverso do "sonho americano", além de ser nova-iorquino e de ter vivido quase sempre na Big Apple. Já da parte dos invasores do Capitólio é bem menos lógico, pois falamos de gente mais proveniente do Midwest e do Deep South, menos cosmopolita e mais susceptível a propaganda e com muito menos poder económico. Trump e a fauna de Wall Street estão a anos-luz desta massa de proletários sem rumo, em muitos casos desprezando-os até, e são o oposto aos princípio cristãos (com uma interpretação muito própria do cristianismo, é certo, muito WASP) e aos modelos de família por eles defendidos.

Em suma, Patrick Bateman admira Trump não só pelas suas posses mas sobretudo por não olhar a meios para atingir os seus fins e por possuir um ego do tamanho do mundo - pela fortuna, antes de mais, e depois pelo poder político - o que o faz sentir-se quase uma divindade omnipotente perante os outros seres que o rodeiam. Combina o dinheiro, o poder e o sexo, a avaliar pelas suas bravatas. Aquela frase de que "podia dar um tiro a alguém na Quinta Avenida que não perdia um voto" seria certamente do agrado de Bateman e poderia perfeitamente ser dita por ele. Ao criar a personagem, Ellis pôs muito de Trump nela, embora não pudesse prever que uma tal levaria à invasão do Capitólio. Com a diferença de que Patrick sabe certamente muito mais de música popular contemporânea do que Donald.

O pior presidente na história dos EUA

João André, 08.01.21

Li abaixo o post do José Meireles Graça e fiquei pasmado. Não entro pela sua opinião sobre a qualidade do trabalho que fez (cada um que tire as suas opiniões), mas pela forma como viu estes últimos meses como «uma mancha indelével no seu mandato». Deixo duas notas que me parecem relevantes.

1. Não houve fraude eleitoral nas eleições. Isto foi confirmado múltiplas vezes pelos estados, pelas instituições federais e pelo simples facto de os democratas não terem tido resultados tão bons no Congresso e Senado como para a presidência. Deixo este ponto aqui porque é importante deixar factos, não fantasias propaladas por pessoas com alucinações de conspirações por répteis que tomaram conta dos EUA.

2. e mais importante. Mesmo que alguém pense que Trump fez um bom trabalho legislativo e administrativo, não há forma de contornar o facto de ele ter fomentado uma divisão na população do país que não se via desde a Guerra Civil, bem como não há forma de ignorar que ele motivou e atiçou a turba de aloucos que invadiu o centro da Democracia dos EUA. Donald J. Trump é o homem que, enquanto presidente, quis dividir o país e iniciou uma insurreição. Isto não é desculpável nem que ele tivesse conseguido eliminar a pobreza no país.

Não compreender este aspecto fundamental faz-me confusão. A atitude de Trump perante qualquer norma democrática (e ao longo de todo o seu mandato, não apenas nos últimos meses) não é uma mancha. Mancha no mandato é o que teve Bill Clinton quando perdoou Marc Rich ou mentiu para esconder um encontro sexual. Se um presidente não cumpre a sua função primária, defender a Constituição do país e liderar toda a população e acaba por quase ser o arquitecto de uma descida aos infernos, então não há outra forma de ver as coisas: Donald J. Trump é o pior presidente da história dos EUA.

«Para eles, Trump é um Messias»

Cristina Torrão, 28.10.20

Excertos de uma entrevista dada pelo sociólogo norte-americano Philip Gorski, Professor na Universidade de Yale, à edição de 11 de Outubro de 2020 do Jornal Católico da diocese alemã de Hildesheim, em que se analisa o apoio incondicional dado a Trump pelos evangélicos norte-americanos:

Qual a razão de muitos evangélicos serem apoiantes incondicionais de Trump?

Para eles, o essencial é a condenação do aborto e do casamento entre homossexuais. Até podem criticar a política migrante de Trump, ou não aprovar o comportamento pessoal do Presidente - no fim, tudo isto é secundário. Aqueles dois temas estão acima de quaisquer outros.

Porque consideram eles esses temas tão mais importantes do que outros temas cristãos, como a justiça social, o clima, ou a proteção dos refugiados?

Isso explica-se, em parte, do ponto de vista psicológico. Muitos temas políticos permanecem abstractos para certos conservadores norte-americanos, como impostos, alianças internacionais ou protecção do ambiente. Têm dificuldades em estabelecer uma relação com questões desse tipo. Já no que concerne ao aborto ou ao casamento homossexual, estabelecem, de imediato, uma ligação emocional, porque vêem aí uma ameaça aos seus valores familiares tradicionais. O casamento monogâmico e heterossexual é, para eles, muito central - pretendem manter a sociedade limpa de todos os comportamentos que não se coadunem com estes seus valores. Os Republicanos vêm propagando a ameaça a estes valores familiares nos últimos anos, a fim de espetar uma cunha entre os conservadores católicos e o Partido Democrata.

Como se explica que especialmente os evangélicos brancos se sintam ameaçados?

Para eles, os Estados Unidos da América são uma nação branca e cristã, fundada por Protestantes brancos e prósperos. Sentem esta identidade ameaçada pela secularização, pela imigração e pelos não-cristãos. Sentem-se realmente como o grupo mais ameaçado e perseguido dos EUA. E consideram necessitar de um protector forte e impiedoso, que os defenda a todo o custo.

E esse protector é Trump?

Exactamente. Muitos acreditam mesmo que Trump é um enviado de Deus, um instrumento de Deus. Trump é, para eles, um Messias. Comparam-no ao rei Ciro do Velho Testamento, que libertou os israelitas do cativeiro babilónico. Muitos evangélicos leva a Bíblia à letra e estabelecem permanentemente paralelos entre a política actual e o Apocalipse. Consideram estar no meio de uma luta entre o Bem e o Mal. Eles, os evangélicos, estão naturalmente do lado do Bem - os seus opositores políticos e culturais corporizam o Mal.

E Trump fomenta essa sua crença?

Sim, ele vê o mundo tal como eles: divide-o entre amigo e inimigo, Bem e Mal. O seu princípio é olho por olho, dente por dente (…) Ficaria surpreendido se me dissessem que ele, em toda a sua vida, tivesse mais de uma hora de leitura da Bíblia. Mas, como todos os demagogos, ele possui grande capacidade de sentir como o público reage à sua pessoa e de escolher os temas que provocam a reacção mais forte.

Quão importante é para os eleitores cristãos a manutenção da democracia?

Não tão importante como se possa pensar. Sobretudo os brancos evangélicos e muitos católicos conservadores vão tomando uma direcção cada vez mais autoritária. Eles consideram inclusive a democracia ser um obstáculo que os impede de alcançar os seus fins políticos. Muitos dizem abertamente desejarem uma ditadura.

Declaração de voto II

José Meireles Graça, 24.08.20

Em 2016 escrevi, a propósito da eleição de Trump, um texto seminal onde a determinado passo se dizia assim: “Vai ser, então, um bom mandato? Acho que sim”.

Um amigo já morto, detentor com justiça da notoriedade que com a mesma justiça a mim me falta, e que tinha opinião oposta, disse-me: És capaz de ter razão!

Tinha. E passado pouco mais de um ano pude, com assinalável modéstia, lembrar aos incréus o bem fundado do meu palpite.

Em 2018 fiz o ponto: “Talvez fosse tempo de a direita lhe dar o benefício da dúvida”.

Não deu. Tudo o que Trump diz (e, infelizmente, o homem nunca aprendeu a pensar duas vezes antes de falar, em vez de fazer precisamente o oposto) é passado ao pente fino do hipercriticismo, enquanto as suas reais conquistas, no plano interno como no externo, são votadas a um silêncio desdenhoso e revelador. Isto enquanto a guerra suja do Partido Democrata, inconformado com a rejeição de um acquis que julga civilizacional, e é na realidade a versão americana do mesmo socialismo que todos os dias faz a UE um pouco mais irrelevante, vai atingindo píncaros de promiscuidade com o Poder Judicial, e destruindo a credibilidade de uma comunicação social que há muito, lá e cá, deixou de cultivar a independência opinativa e a seriedade noticiosa.

Fora destes textos, raramente abri a matraca, porque Trump não deixa: não se pode razoavelmente defender um tipo que vai todos os dias expectorar tolices para o café reles, manhoso e primário que o Twitter é. E de tanto gritar olhem para o que o homem faz, não para o que diz, corria o risco de ficar rouco.

A guerra verdadeira não é entre as grosserias de Trump e o palavreado delicodoce de Biden, uma versão medíocre do demagogo Obama; é entre uma América grande, que talvez esteja numa decadência que é o destino inelutável de todos os impérios, e que Trump quer retardar, e outra que se condena a suicidar-se na dissolvência do socialismo mole que matará a competitividade, a vitalidade e a superioridade da economia americana.

Biden, praticamente uma não-pessoa, escolheu como colega de ticket uma preta (afro-americana, como dizem lá pela mesma razão que, aqui, os arrumadores de carros passaram a chamar-se técnicos de parqueamento automóvel). E como não ando ao corrente das trincas e mincas da politiquice americana, aguardei que me dissessem quem é a personagem. É isto.

A manobra é transparente e bem vista: trata-se de garantir o voto dos negros e das mulheres. Kamala Harris não é lésbica, que se saiba, nem portadora de uma deficiência qualquer, senão fazia o pleno.

Não faltam vozes a defender o valor simbólico da eleição de uma mulher, por o ser; e preta pela mesma razão.

Esse valor simbólico existe, e é por existir que talvez tenha valido a pena a eleição de Obama: ao menos acabou-se com a generalizada convicção de o racismo histórico da América impedir a eleição de um preto. Mas não me parece que existam os mesmos obstáculos a mulheres – basta ver a votação de Hillary, um exemplo acabado do que de pior pode produzir a classe política americana. De modo que as feministas e os feministas (sim, não faltam por aí uns tipos que passam a vida a lisonjear os preconceitos e ambições de parte do mulherio, para o efeito de lhes agradar como se elas não tivessem inclinação para escolher os homens que não lhes convêm) o que têm a fazer é arranjar uma candidata convincente. E há: Nicky Haley, por exemplo, mas não é democrata, que maçada.

Que fique claro, por causa da brigada bem-pensante: se Thomas Sowell fosse novo, e gay, e candidato, e eu fosse americano, teria o meu voto; a tal Nicky Haley também, com a condição de a conhecer um pouco melhor; e ter um genro preto, e netas pretinhas, nem por um segundo me afligiria. De modo que quem quiser interpretar as minhas opiniões à luz do racismo pode bem, com licença, ir para a puta que o pariu.

O que sucede é que, lá como cá, a riqueza não se multiplica pelo efeito de se a dividir, a eficiência não aumenta pelo efeito de se a regulamentar, e um Estado forte não é a mesma coisa que um Estado grande. Escolher um chefe de Estado não é equivalente a escolher um namorado, um sogro, um amigo, um sócio, a pessoa com quem se gostaria de jantar ou aquela com quem se apreciaria discutir a obra de Elena Ferrante.

Se bem que, no caso do jantar, Trump talvez levasse vantagem sobre Marcelo. Ao menos, a ementa não seria vichyssoise e Trump alardearia a sua imensa e genuína ignorância, em vez do vasto manancial de superficialidades de Marcelo. Mas o meu post não é sobre esta importante diferença.

A liberdade de desmentir

Paulo Sousa, 07.08.20

Pela primeira vez o Facebook removeu uma publicação do Presidente Trump com a justificação que a mesma não era verdadeira.

Faço parte do imenso grupo de vários biliões de seres humanos que desprezam o sujeito Donald Trump. Mas este grupo tem uma grande diversidade. Nele junta-se quem ache que os EUA pelo que representam, e pelo que contribuíram para o actual concerto das nações, nunca tiveram um representante de tão baixo nível, em termos humanos inclusivamente. Mas este grupo inclui também os que apoiam regimes autoritários e até totalitários. Esses odeiam Trump pelo que é, mas acima de tudo pelo que os EUA representam.

Uns e outros, com maior ou menor contenção, alegraram-se pela remoção desta publicação de Trump. Mas, pergunto eu, em que outro país com dimensão para ter uma rede social própria (seja a Qzone, a Weibo, a VK, a Odnoklassniki, a TikTok, ou outras) seria possível desmentir desta forma o líder do próprio país?

Terrorismo, violência e antifascismo [Pub]

Diogo Noivo, 07.06.20

"É verdade que existem paralelismos entre o ANTIFA e as organizações terroristas do passado e do presente. A crença em messianismos históricos, a inversão do ónus da responsabilidade – dizem actuar porque as circunstâncias a isso os obrigam, não por vontade própria – e a atribuição à violência de um papel transformador da sociedade são semelhanças inegáveis. Ademais, exacerbam e instrumentalizam sentimentos de revolta invocando ânsias de justiça quase sempre definidas de forma sectária. Procuram cavar abismos comunitários para dividir as sociedades e acender rastilhos ideológicos junto das populações. Mas há elementos essenciais em falta para cumprir os critérios inerentes a uma organização terrorista." - no Observador.

A Saga da Gronelândia (reescrita)

Cristina Torrão, 21.08.19

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Pintura de Carl Rasmussen

Apesar de ter governo próprio, a Gronelândia pertence à coroa dinamarquesa. A Dinamarca é um país pequeno, mas dos mais ricos do mundo, com uma qualidade de vida de causar inveja. A rainha da Dinamarca, pessoa civilizada e simpática, convidou o Presidente Trump para uma visita oficial ao seu reino. O convite foi aceite. Porém, pouco tempo antes de se iniciar a visita, agendada para o início de Setembro, Trump não resistiu a dar um ar da sua graça e, como não quer a coisa, postou, no Twitter, que gostaria de comprar a Gronelândia, um ponto estratégico que daria muito jeito aos Estados Unidos.

Depois de um momento de perplexidade, o governo dinamarquês considerou tratar-se de uma brincadeira. Nessa atmosfera jocosa, o Presidente Trump, novamente via Twitter, anunciou que prometia não construir uma Trump Tower na Gronelândia, quando a ilha lhe pertencesse. A Primeira-Ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, resolveu então comunicar que a venda da Gronelândia estava fora de questão e que não valia a pena sequer discutir o assunto, durante a visita. Trump agradeceu a resposta directa, dizendo que a chefe do governo dinamarquês tinha poupado trabalho a todos. Poucas horas mais tarde, um porta-voz da Casa Branca comunicou ao governo da Dinamarca que a visita fora cancelada.

A porta-voz da Casa Real foi discreta, disse que era uma grande surpresa, mas que mais nada tinha a dizer. Já os chefes dos partidos da oposição manifestaram o seu desagrado e a sua indignação. Morten Ostergaard, do Partido Social Liberal, disse mesmo: «a realidade supera a ficção - este homem é imprevisível», outros consideraram uma grande ofensa em relação ao povo dinamarquês e da Gronelândia o cancelamento de uma visita oficial, quase em cima da hora. Mesmo o chefe do Partido Populista de Direita, que se diria ser mais chegado a Trump, usou a palavra “farsa”, para classificar todo este absurdo.*

O executivo dinamarquês anunciou uma tomada de posição ainda para esta tarde, mas, até ao momento, não me é conhecida, pelo que se adivinha um segundo volume desta saga.

 

* O link é em alemão, pois foi lá que reuni estas informações. Para quem queira ler mais sobre o assunto, é só ir ao Google, que encontra muitos artigos escritos em português.

Muito bem, Alemanha!

Cristina Torrão, 01.08.19

A Alemanha recusou tomar parte na “Operation Sentinel” de Trump, no Estreito de Ormuz. Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão declarou estar fora de questão seguir a estratégia de confrontação dos EUA, que pode levar a uma escalação perigosa do conflito (link em alemão). O governo alemão continua a considerar a via diplomática como a melhor forma de lidar com o problema.

Apoio a posição da Alemanha que visa, acima de tudo, preservar a união europeia e distanciar-se da linha conflituosa de Trump. Com Boris Johnson, a Grã-Bretanha mudou de estratégia, deixando de apelar a uma acção conjunta europeia, para se pôr sob a protecção dos EUA. Este país, no entanto, solicitou a colaboração alemã, numa óbvia tentativa de forçar a Europa a dançar sob a sua batuta (e a dividi-la). Esteve bem o governo alemão, ao declarar que, não chegando a diplomacia, a Alemanha só admitirá o envio de forças militares para o Estreito de Ormuz numa acção conjunta europeia, dispensando o comando norte-americano.

Trump 2.5 (anos)

João André, 25.07.19

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Ao fim de sensivelmente dois anos e meio de uma presidência Trump, estamos agora em plena viagem de pré(?)-campanha presidencial nos EUA. É de lamentar que nos ciclos noticiosos de hoje em dia mal haja tempo para uma administração americana começar a funcionar antes de começar a campanha seguinte.

Que dizer ao fim deste período de era Trump? Independenetemente de quaisquer juízos de valor, tem que se aceitar que Trump tem sido altamente eficaz na forma como tem cumprido as suas promessas de campanha. A sua mais emblemática, a do muro na fronteira com o México, não se concretizou. Aqui terá falhado de forma estranha, especialmente quando teve quase dois anos de maioria no Congresso e Senado, mas teve também uma oposição interna no Partido Republicano que terá complicado a implementação esta promessa. Hoje tem o Partido Republicano (quase) completamente controlado mas o Partido Democrata controla o Congresso, pelo que o muro, se vier a ser construído, terá que esperar pelas próximas eleições intercalares. Na ausência do Muro (não que faça muita diferença, existe muro em larga parte da fronteira, construído por presidentes republicanos e democratas no passado), Trump aumentou as medidas dissuasoras para imigrantes e pessoas em busca de asilo. O Muro não existe, mas dificilmente os apoiantes de Trump se podem queixar.

 

 

Um postal cansado: El Salvador, Passos Coelho e o resto

jpt, 05.07.19

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Há dias aqui escrevi um breve postal a propósito das reacções portuguesas às mortes por afogamento  de dois salvadorenhos que tentavam cruzar a fronteira norte-americana, reacções essas que invectivam o governo americano. E comparei-os com as reacções que o mesmo tipo de locutores tiveram aquando da discussão sobre os fluxos migratórios portugueses durante o anterior governo - os quais, já agora, não só eram anteriores como lhe sucederam.

Logo alguns comentários surgiram, com aquela rispidez que aqui no DO se mantém constante, querendo ensinar-me que as migrações oriundas da América Central não têm as mesmas causas e conteúdos das que emanam do nosso Portugal ("o que é que um tipo responde a este tipo de comentários?", resmungo-me. "Nem respondas ...", respondo-me). Outros (de facto, os mesmos) reavivam - como se fosse isso o relevante no meu postal - que o anterior primeiro-ministro mandou os portugueses emigrar, em particular os professores. E assim, entre a reprodução de chavões construídos por políticos e ecoados pelos jornalistas avençados, e a mania presumida de dar lições com a mão na anca, as auto-certezas se vão mantendo e reafirmando. O mero achismo.

Enfim, a única coisa que procurei dizer é que não é inteligente apontar apenas causas norte-americanas às derivas dos fluxos migratórios oriundos da América Central. Que estes terão causas endógenas. E que é estranho que ninguém as refira quando tanto discurso, e tão exaltado, há sobre o assunto. Que, neste caso, ninguém na imprensa, blogs ou redes sociais, surgisse a falar de El Salvador. Eu pesquisei, o assunto da situação político-económica da América Central e de El Salvador é bem secundário no mundo google mas encontra-se algo. Mas a esmagadora maioria fica presa à fúria anti-yankee (ou anti-partido republicano) e nem liga a isso. É uma mundividência. Ignorante. E racista, no sentido de desvalorizar dinâmicas sociais em contextos não "ocidentais", com o pântano nocional que este termo carrega.

E ontem li no New York Times as declarações do novo presidente de El Salvador, sobre o drama daquela família migrante. Certo que é um discurso de quem acaba de chegar ao poder. Mas é significante. Será que os comentadores do DO, em particular os (quase)sempre ariscos, porão as mãos nas ancas diante destas declarações?

Há mais um assunto que quero abordar neste postal cansado. Eu nunca votei no PSD liderado por Passos Coelho. Em 2011 bloguei que votaria CDS, apesar de não ser demo-cristão (se é o que o CDS ainda o era), "porque não tem aparelho autárquico", voraz como todos estes o são. E nas eleições seguintes bloguei que votaria PAN (do que me arrependo agora) exclusivamente porque Passos Coelho acabara de discursar na terra natal de Dias Loureiro apontando-o aos jovens como um exemplo. Entenda-se, num país homogéneo como o nosso (e para os da mão-na-anca, dizer um país homogéneo não é dizê-lo sob uma unicidade sociocultural) as dinâmicas anti-democráticas vêm da degenerescência do sistema político, da sua cleptocratização. Como tal, apoiar Dias Loureiros ou Silva Pereiras não é apenas uma imoralidade ou uma parvoíce clubística, é cumprir (ou deixar cumprir) uma agenda anti-democrática. Por mais meneios que se tenha. Coloco estre intróito para contextualizar o que se segue: não sou um eleitor PSD ou um "seguidor" de Passos Coelho.

Eu fui professor (português) em África (Moçambique) durante quinze anos. Antes disso tive como trabalho a obrigação de acompanhar (não coordenar, mas acompanhar) as actividades dos professores portugueses no país - alguns ainda na figura de "cooperantes"- bem como das escolas locais, que existiam em várias cidades, com paralelismo pedagógico com o sistema português, algumas das quais tinham professores portugueses. Depois, uma década depois, a minha filha estudou durante cinco anos na Escola Portuguesa de Maputo, então já uma escola oficial (instalação a qual acompanhara profissionalmente). Conheci vários professores portugueses dessa e doutras escolas, e com alguns constituí amizades. E ao longo dos anos conheci inúmeros professores moçambicanos, universitários meus colegas, secundários e primários. E trabalhei com professores secundários e primários, tanto como informantes em trabalhos avulsos, como na condição de intérpretes. Após a crise portuguesa de finais da década passada recebi uma assustadora quantidade de pedidos de ajuda e/ou informação sobre como emigrar para Moçambique. Muitos deles de professores. Na sua maioria de gente que não conhecia (muitos contactos vinham através do google, imensos através do célebre "amigo de amigo ..."). Sobre isso escrevi algumas vezes, até em registo sorridente.

Assim sendo, e apenas por isso, e ainda que com a cinquentenária consciência das minhas limitações intelectuais e da monumentalidade da minha ignorância global, em 2011, quando Passos Coelho falou de emigração de professores, eu sabia - por razões biográficas e interesse profissional - muito mais, incomparavelmente mais, sobre professores portugueses em África do que a esmagadora maioria dos meus conterrâneos. E, por maioria de razão, do que os comentadores actuais do Delito de Opinião.

Sei que alguns membros do governo de então aconselharam, assim como se que en passant, os compatriotas a emigrarem (ao longo da vida quantas vezes me perguntei, sobre gente no poder ou no topo da administração pública, "onde irão buscar estes bandalhos?". Nunca terei encontrado ninguém mais diminuído intelectualmente do que Vitalino Canas - expliquei aqui - mas há outros que se aproximam ...). Mas ao saber que Passos Coelho falara sobre a hipotética emigração de professores para África fui ler, com enorme interesse e com o tal meu conhecimento privilegiado. E o que era imediata e nitidamente claro é que o homem respondera muito competentemente - até de modo surpreendente para um primeiro-ministro, que tem inúmeros assuntos para apreender. Ele não mandou emigrar nem sequer aconselhou. Explicitou, acertadamente, a situação. Escrevi então sobre isto (até com citação da famosa entrevista), o postal "Passos Coelho e a emigração dos professores.". Caramba, alguém que conhece a realidade em questão que mais poderia pedir de um PM? Bem pelo contrário, só se poderia esperar menor conhecimento e reflexão. Alguns dias depois botei o postal "O Emigrão", sobre o significado do desatino generalizado em torno daquela entrevista. Um desatino demagógico mas, acima de tudo, ignorante.

Porque volto, e de modo tão detalhado, a esta velha questão, despicienda hoje? Porque há decerto imensa coisa que se pode criticar a Passos Coelho sem termos que cair na inanidade de papaguear o que políticos e colunistas avençados então botaram, fazendo as pessoas crer naquilo que não é verdade. E a operação intelectual é exactamente a mesma no que se refere aos migrantes, seja para a Europa, seja para os EUA, seja para a África do Sul (desta temática não se fala, por outras razões), ou para outros pólos de atracção. Não precisamos de ser trumpianos, de crer que muros impedem migrações, de abominar emigrantes (nunca percebi como há portugueses que abominam emigrantes, mas isso é outro assunto). Não precisamos de negar as assimetrias no mundo, os efeitos da velha doutrina Monroe e da sua perenidade. Mas também  não precisamos de papaguear as inanidades, mais ou menos moralistas, que os "teclados arrebitados", tantas vezes mercenários, rabiscam. Sobre os EUA, sobre Passos Coelho. Ou sobre outras coisas, por exemplo a excelência de Silva Pereira, para falar na espuma dos dias.

E isto tudo passa, evidentemente, pela atitude nas caixas de comentários bloguísticos. Apenas como detalhe. Mas também. E são estas que me provocam esta longa jeremíada, até memorialista.

Donald goes to London

jpt, 04.06.19

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Há algumas semanas não só uma qualquer dignitária da Comissão Europeia como, depois, o próprio presidente francês, Macron, enviaram públicas mensagens de apreço ao nosso primeiro-ministro. Em período pré-eleitoral pareceu um bocado intromissão externa. Nada de particularmente grave, por mais que nos queixemos a democracia portuguesa vai um bocado adulta (já trôpega?) e resiste a uns floreados metediços. Talvez por isso deu para este (e outros?) velhadas sorrir(em?), na memória do vero slogan "dos tempos", aquele do "meu amigo Miterrand", com o qual Soares capitalizava o apreço que no estrangeiro por ele tinham, aquilo do "A Europa connosco", em particular a sacrossanta França, a sempre Pátria de Victor Hugo, como nos ensinou e ainda ensina aquele (de facto reaccionário) Eça de Queirós. 

Mas esta "aisance" (assim mesmo, na língua de Gambetta) não foi universal. Li vários patrícios algo ofendidos com o atrevimento francófono e europeísta, isso de aparecerem políticos estrangeiros a congratularem o (de facto malvado) António Costa. Patrícios esses que nos chegam doutores e praticantes da opinião política, nos por enquanto órgãos de comunicação social e nas fervilhantes "redes sociais".

Acalmado que foi o período eleitoral esquecidos foram esses momentos. Entretanto Trump vai à Grã-Bretanha, celebrar o 75º aniversário do heróico Dia D. No caminho diverte-se a pontapear o Medina londrino, a celebrar o André Ventura lá do sítio e a propor a liderança daquele antigo estudante da Escola Europeia de Bruxelas (quereis compreender o anti-europeísmo do rapaz?). Qual a reacção dos nossos patrícios, mui liberais, veementes direitistas? Ei-los nas redes sociais congratulando-se com a bela posição do presidente americano.

A gente não tem que ser coerente (na realidade até nem o deve ser). Mas para quem anda, até arisco, a botar sobre política, a publicar livros-manifestos, a abrir partidos, a propor novos caminhos, renovar e regenerar o envelhecido degenerado, convirá ter alguma ... consistência. Um bocadinho, pelo menos. É que, em não a tendo, o pessoal depois não vai votar nestas "novidades".

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Entretanto, e só para aqueles mais conservadores, ligados aos valores patrióticos, de sacrifício pelo bem comum: utilizar a celebração deste tipo de heroísmo extremo para "mandar bocas" aos medinas alheios é mesmo sinal de pequenez. Reconhecível, excepto pelo mentecaptismo liberalóide.

Sim, falar falamos

Sérgio de Almeida Correia, 14.05.19
TASS33281723.jpg(créditos: Anton Novoderzhkin / TASS)

 

In illo tempore, em Moçambique, um médico foi chamado a arbitrar um conflito que, creio, opunha um curandeiro a um régulo num lugarejo remoto. Não falando o dialecto local o clínico recorreu a quem o acompanhava para a tradução. Passados uns bons minutos, durante os quais os intervenientes iam, pensava ele, terçando argumentos enquanto faziam vénias e trocavam sorrisos e gargalhadas, o árbitro interrompeu para perguntar o que já tinham dito. "Até agora nada, doutor, têm estado só a falar", respondeu o tradutor ad hoc.

Vem isto a propósito porque ao chegar a casa liguei a televisão e dei de caras com a conferência de imprensa de Mike Pompeo e Sergei Lavrov, em Sochi.

Pelo que ouvi, praticamente todos os assuntos importantes e que interessam à comunidade internacional foram passados em revista. Venezuela, Síria, Irão, Ucrânia, eleições presidenciais nos EUA, "democracia" na Líbia. Calculo que o ataque de drones na Arábia Saudita também tenha sido ventilado.

Estranhei, apesar de tudo, que não tivessem falado das incidências dos jogos da "Liga Nos", nem do "VAR". Mas o tempo não dá para tudo nos canais internacionais. E lá fora não se podem dar ao luxo de ter um exército de "paineleiros", de todas as formas e feitios, com os penteados, as gravatas e os sotaques mais mirabolantes, durante horas, dias, anos a fio, em múltiplos canais de televisão, falando em futebolês criativo, faça chuva ou faça sol,  gritando e gesticulando, oferecendo-se reciprocamente mimos, não raro desafiando-se para duelos "lá fora", como se fossem Jaime Nogueira Pinto e Ruben de Carvalho a discutirem a crise dos mísseis cubanos. Têm sempre pano para mangas. E audiência, o que é ainda mais espantoso.

De qualquer modo, deu para perceber do encontro em Sochi que a atmosfera foi muito "amigável", de grande respeito mútuo e admiração. Nas palavras do MNE russo foi uma "conversa franca e útil". 

Confesso que não vejo grande diferença entre o que aconteceu no Vale do Limpopo com o conflito que opunha o curandeiro ao régulo e o que, ultimamente, Trump e Xi Jinping dizem de cada vez que se reúnem. "We have a good dialogue with China", diz o estado-unidense. Quando não corre bem não passa de um "we had a little squabble with China". Acontece o mesmo nos encontros com o celerado Kim, da Coreia do Norte, com excepção da parte da conferência de imprensa. Porque há sempre um que amua antes da sobremesa. 

A situação não foi hoje muito diferente no diálogo de Pompeo com Lavrov. Para todos os efeitos, conversa franca e útil, claro.

Os impasses, como as crises, os refugiados, o perigo nuclear, o terrorismo, a catástrofe ambiental, o drama da fome, as epidemias, a miséria moral, a estupidez humana e a ignorância é que são hoje permanentes. E cada vez mais universais.

Ivanka Trump e o Banco Mundial

jpt, 18.04.19

Isto de Donald Trump ter oferecido à sua filha a presidência do Banco Mundial dirá muito sobre como estão os EUA e o mundo em geral. Mas diz também sobre o estado do jardim à beira plantado e dos seus habitantes. Dei uma volta pelas "redes sociais", secções portuguesas. Nas quais, desde há anos, Trump é visceralmente criticado. E não serei eu quem virá contestar a pertinência de muitas dessas críticas. Mas agora? Encontro, naquilo que vejo, na "rede" egocentrada que me é disponível, um silêncio total. As vozes e teclas mais anti-trumpianas, sempre tão activas na crítica ao presidente americano, distraíram-se e não estão frenéticos nas "partilhas" e "denúncias" desta escandalosa deriva nepotista. Decerto que não por estarem ocupados nas bichas das bombas de gasolina: poderiam ter usado os telemóveis durante as esperas para "denunciar", com redobrado ímpeto, este episódio.

Mas agora não. Convém nem referir o assunto, já basta de falar de redes familiares nos cargos de nomeação política. Mesmo que tão mais importante seja a possibilidade da nomeação da filha de Trump para o Banco Mundial do que mais um primo de Carlos César ser colocado num qualquer posto, ou a rábula do secretário de estado invertido ninfomaníaco que queria o capitão garanhão como motorista. Mas nem essa diferença de escala lhes diminui o silêncio. Não querem parecer "parolos" aos olhos de Augusto Santos Silva, como tal preferem calar-se, preocupar-se com outras coisas. Ou, por outra, antes parecer Trump do que parolo, dirão, fiéis ao perversor ministro.

Gente muito fraquinha. Se gente.

 

Bolsonaro e Trump

João André, 03.10.18

Leio em muitos lados a comparação entre Trump e Bolsonaro e fico incrédulo. Bolsonaro não é Trump. Trump é um populista, com tendências autoritárias e uma ténue compreensão de democracia. No entanto é o presidente de um país com créditos democratas bem fundados e que compreende que tem limites no seu poder (mesmo que não goste deles).

 

Bolsonaro é um fascista que apoia ditadores, louva torturadores, ameaça mulheres, gays e pessoas não brancas. Se for eleito (o que é improvável, embora as alternativas não sejam para sorrir) Bolsonaro ou será um presidente paralisado pela sua incapacidade de se mover em democracia (pelo que percebi, só conseguiu passar 2 leis em toda a sua carreira de mais de duas décadas no senado) ou optará pela força. Nenhuma das opções é agradável e são infinitamente piores que aquilo que acontece nos EUA.

 

Trump é mau, não tenho dúvida. Mas Bolsonaro seria um desastre.