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Delito de Opinião

O legado de Sócrates

Pedro Correia, 07.04.21

Faz agora dez anos, o primeiro-ministro José Sócrates, pressionado pelo ministro das Finanças e vergado pela força das circunstâncias, anunciava ao País um pedido urgente de intervenção estrangeira para salvar in extremis as contas públicas em derrapagem alucinada.

Quarenta e oito horas antes, havia jurado aos portugueses, pela enésima vez, que não solicitaria ajuda das instituições financeiras internacionais. Cedeu no dia seguinte, perante um ultimato em uníssono dos banqueiros, protagonizando um dos rumos mais erráticos na política nacional dos últimos 45 anos. Quando a nossa credibilidade externa valia zero.

Seis anos depois de chegar ao Governo, e prestes a cessar funções, legava aos compatriotas um cenário arrasador: a mais alta carga fiscal de sempre, a maior dívida pública, o mais elevado défice externo, a maior taxa de desemprego, o estado social à beira do colapso. Fizera da mentira um instrumento político permanente, deixando o país em dupla bancarrota: financeira e moral. 

Feridas que levaram anos a sarar. Mas nem todas: algumas permanecem entre nós. E podem reavivar-se enquanto os seus herdeiros espirituais andarem por aí. 

Isto é um assalto

Paulo Sousa, 08.10.20

Desde o início da pandemia que a chamada “elite” socialista que nos governa, alterou o seu padrão de comportamento.

Já nos tínhamos habituado a que todas as esquinas e cruzamentos da cada vez maior e mais pesada máquina do estado, tivessem controlados pelos boys e girls que desde o tirocínio na jota nunca mais nada fizeram na vida. Até aqui sem novidade.

Mas a sacudidela nas frágeis contas pública causada pelo COVID deixou os postiços todos à mostra. A pandega socialista acaba sempre com mais um pedido de assistência financeira e eles, que são os mesmo da última vez, já viram este filme. Vivemos uma sequela de mau gosto de uma crónica de uma morte anunciada.

Já sabemos que eles vão apontar em todas as direções à procura de culpados e nos vão garantir que, tal como acontece com a diarreia dos leitões, cinco segundos antes de começar estava tudo impecável. Mas não estava.

O cheiro a fim de festa, e a antecipação do cheiro que se segue, levou a uma mudança de padrão de comportamento. Eles deixaram de disfarçar.

Começou com o relaxamento das regras para a distribuição da esmola aditivada a que chamam bazuca. Seguiram-se os alertas do Tribunal de Contas sobre o facilitismo à corrupção que essa mudança acarretava. O Presidente TdC foi oportunamente trocado por outro, já com saber de experiência feita (em ajudar os amigos do PS entenda-se) e hoje soubemos que a lei que impedia os familiares de governantes de poderem negociar com o Estado, foi alterada.

Eles sabem que correm contra o tempo e que depois da próxima falência nem o “melhor povo do mundo” (o actual PR faz parte da clique) lhes voltará a deixar pôr as mãos na gamela. O tempo urge, eles andam frenéticos e agora vale tudo.

Desequilíbrios

Paulo Sousa, 07.04.20

Há dias lembrei-me de uma conversa telefónica que tive durante os tempos da Troika.

Atendi o telefone a alguém que não fazia parte dos meus contactos e que me perguntou se conhecia quem comprasse móveis usados. Indiquei-lhe um armazém aqui próximo que negoceia espólios de falências, mas não sabia se estavam compradores. A conversa desenrolou-se por mais uns instantes e acabei por ficar a par da situação. Era uma rapariga com vinte e poucos anos que trabalhava numa cerâmica - aqui perto existem umas quantas - e que ia emigrar. Além de referir que recebia o salário mínimo, terminou a explicação do que a tinha levado a essa difícil decisão com a seguinte frase:

- E o meu pai morreu há dois meses e já não me pode ajudar.

 

Depois de engolir em seco, entendi que esta frase resume uma parte silenciosa, esquecida mas significativa do que o Portugal moderno, democrático e europeu conseguiu dar a demasiados dos seus millennials.

A forma como a geração que viveu a mudança de regime anterior definiu as regras com que nos organizamos acabou por levar a que uma imensidão de gente nova não consiga ser financeiramente independente. Não estamos a falar de gente que pede dinheiro aos pais para enfrentar um percalço pontual mas sim de quem o faz sistematicamente como complemento de rendimento.

Os pais, que naturalmente aceitam apoiar os seus filhos, transferem automaticamente uma parte das suas reformas para que os filhos possam evitar o permanente sufoco.

Observando à distância, o que vemos é um sistema em que as gerações mais velhas tem um rendimento assegurado e grande parte das mais novas não. E esse rendimento assegurado é alimentado por elevados encargos sociais que são retirados à economia produtiva e que, também por isso, perde a capacidade de remunerar mais condignamente os mais novos.

Falar nisso tem o risco potencial de poder parecer que se está contra os mais velhos, e nenhuma força política arrisca em antagonizar tão importante faixa do eleitorado. E por isso, este desequilíbrio tem todas as condições para ser um ´não assunto´.

Mas mesmo dentro do universo dos reformados existem desequilíbrios indecentes. Nas terras pequenas, como aquela onde vivo, é fácil fazer um exercício de comparação entre uma pessoa que se reformou como funcionário público e o valor total das reformas da rua onde vive. Posso simplificar as contas dizendo que num universo de sete reformados, a pessoa em causa recebe 50% do valor total.

O sistema de cálculo das reformas é por isso um factor de desequilíbrio social, dentro dos seus beneficiários, e também por comparação com os contribuintes em idade activa.

A crise com que teremos lidar nos próximos tempos não será por isso igual para todos. Isto é um facto, e um dia no futuro quando estudarem a actualidade essa será uma das características do regime fundado pelo 25 de Abril.

Ter memória

Rui Rocha, 16.09.15

Não sei se se lembram, mas eu não me esqueço. Não me esqueço que, de acordo com vozes autorizadas como a do teólogo João Galamba e a do tudólogo Pedro Adão e Silva, a crise que se abateu sobre Portugal durante a governação socialista liderada para José Sócrates tinha a sua origem exclusiva em factores estruturais de natureza externa: a gestão ineficiente da crise das dívidas soberanas, a arquitectura enviesada da moeda única, sempre em benefício do centro e em prejuízo das periferias, o imobilismo do BCE. Isto é, nunca, jamais, em tempo algum, a governação de José Sócrates teria qualquer responsabilidade nas consequências desastrosas sofridas por Portugal. Ora, sendo esta a narrativa subjacente à crise, não se percebe agora a necessidade de o PS sacudir responsabilidades na vinda da troika. A culpa não era do BCE, da moeda única, das Instituições Europeias? O que é que o pobre José Sócrates e o seu governo poderiam fazer? Pois. Nestas coisas é fundamental ter memória. E não é menos importante ter vergonha

O pecador arrependido.

Luís Menezes Leitão, 19.02.15

 

Mostrando que não tem vocação para imitar Durão Barroso, que chegou a ameaçar o seu próprio país de que estaria o caldo entornado se não fizessem o que a troika mandava, Jean-Claude Juncker assume o papel de pecador arrependido. Veio assim reconhecer que a Comissão Europeia pecou contra a dignidade de Portugal e Grécia. Só lhe faltou dizer as palavras sacramentais: "Confiteo Deo omnipotente, omnibus sanctis et vobis frates quia peccaui nimis cogitationes, verbo et opere, mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa".

 

Perante esta confissão integral e sem reservas, só poderíamos esperar que a União Europeia viesse a responsabilizar-se formalmente, assumindo todas as culpas pelos pecados cometidos contra Portugal e Grécia. Efectivamente, os memorandos de entendimento celebrados com a troika foram um exercício de sadismo e punição, só comparáveis ao contrato de submissão das 50 Sombras de Grey. Não admira por isso que os gregos queiram fugir a correr desse contrato enquanto que Schauble grita furiosamente que o mesmo há-de ser cumprido até ao fim.

 

Já Portugal, que há poucas semanas era considerado como tendo perdido ímpeto (et pour cause!), agora passou a ser visto por Schauble como um exemplo a seguir. Comovido com o elogio, já veio o Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares considerar infelizes as declarações de Juncker já que a dignidade dos portugueses nunca foi beliscada. Beliscada de facto não foi. Chicoteada foi seguramente. Mas pelos vistos há quem ache, mesmo perante o arrependimento dos outros, que ainda não foi suficiente.

A petição que vai salvar os eleitores portugueses que usam bibe e calções

Rui Rocha, 11.05.14

Há, pelo visto, um conjunto de almas democráticas e sensíveis que vive momento de particular agitação pelo facto de, no dia em que se realizam as eleições para o Parlamento Europeu, se iniciar um fórum do Banco Central Europeu, em Lisboa, com a presença dos presidentes do FMI, BCE e Comissão Europeia – precisamente os organismos internacionais que constituem a troika. Vai daí, indignados como estão, decidiram recorrer ao agarrem-me que eu dou cabo deles dos nossos tempos, isto é, à subscrição de uma petição. O argumento fundamental que sustenta a petição, subscrita até este momento por Mário Soares, Manuel Alegre, Boaventura Sousa Santos, Carvalho da Silva e mais mil e seiscentos patriotas, é um efeito de ingerência na escolha livre e democrática dos portugueses. Confesso que não percebo. A acreditar em tudo o que tem sido dito pelos promotores, estas instituições, mancomunadas com o governo em funções, são autoras confessas, voluntárias e deliberadas de políticas de terrorismo social e económico que provocaram o sofrimento generalizado e profundo da população. Sendo assim, o evento que se inicia no dia 25, se alguma consequência eleitoral tivesse, seria sempre a de provocar um sentimento de repulsa e revolta que favoreceria as propostas políticas da oposição e, de forma genérica, as que são defendidas pelos principais subscritores da petição. Serão então os referidos democratas de tal forma guiados por princípios de civilidade e isenção que se obrigam até a recusar circunstâncias que poderiam vir em seu proveito? Pois, claro. Isso e um par de botas ortopédicas. Mas mesmo que acreditássemos na pureza das preocupações dos promotores da petição, sempre sobraria uma inquietação. Nesse caso, teríamos de concluir que os promotores e subscritores consideram que os eleitores portugueses são de tal forma pueris, volúveis e pouco informados que determinam as suas decisões de voto em função da realização de um evento com estas características. É, convenhamos, um entendimento bastante ridículo. Mais do que isso, tal visão seria portadora, portanto, de uma mal disfarçada falta de respeito pelos portugueses e de uma desconfiança de princípio sobre a sua maturidade democrática. Infelizmente, é um tique comum numa certa esquerda que cede recorrentemente à tentação de infantilizar os cidadãos para se arrogar de seguida o direito originário de moldar as suas ideias ou substituir-se ao seu pensamento.

Sinais

Sérgio de Almeida Correia, 18.03.14

É claro que sondagens nunca substituem eleições e que a prova dos nove far-se-á nas legislativas. De qualquer modo, os resultados da sondagem que o Expresso publicou, na minha modesta opinião, dão sinais muito aproximados daquele que é o sentir da maioria dos portugueses relativamente ao caminho que tem vindo a ser seguido sob a batuta da chanceler alemã, da troika e, vá lá, do primeiro-ministro Passos Coelho.

Desta sondagem, aquilo que mais importará reter são os sinais para o futuro. E estes são claros: a avaliação do programa é claramente negativa e a opção a tomar deverá passar por um programa cautelar.

Quanto ao mais, já ninguém tinha dúvidas que três anos depois a situação dos portugueses piorou e que o país também está pior, ao contrário da peregrina ideia que o líder parlamentar do PSD quis fazer passar. Como se fosse possível dizer de uma família em que todos os membros ficaram mais pobres que aquela tivesse passado a viver melhor.

Alguns dirão que não havia alternativa. E quanto a isso direi que não podíamos continuar a viver à tripa-forra, fazendo de conta que éramos ricos, como se não houvesse amanhã, endividados até ao tutano para glória dos senhores banqueiros e nossa desgraça.

Mas continuo a pensar que, para além de erros crassos, políticos e de gestão, actuais e passados, muitos em resultado de decisões tomadas por ignorantes e gente impreparada para governar, por pura teimosia ideológica e ressabiamento em relação ao passado próximo, sem curar das consequências para todos aqueles que não tinham, nem têm, culpa nenhuma da incompetência de quem nos dirigiu nas últimas décadas, talvez chegue um dia em que será possível fazer o deve e haver das asneiras, imputando a cada um a sua dose de irresponsabilidade e de culpa.

Porque até agora os únicos que pagaram o preço do despesismo, da generalizada incompetência dos políticos saídos dos sinistros aparelhos partidários, e da austeridade "para além da troika", são os portugueses, os que produzem algo de útil, as suas famílias e todos os que entretanto foram obrigados a sair de Portugal. Quanto aos outros, todos esses em que estão a pensar, esses safam-se sempre, seja agilizando negócios, traficando influências a troco de comissões pelos telefonemas que fazem, ou tirando partido das permanentes e corriqueiras ineficiências do sistema de justiça e de todos os outros sistemas que sobrevivem à custa deste.

Tirando isso, continuaremos todos à espera das reformas que um dia hão-de chegar e que uma vez mais ficaram por fazer. Só que desta vez ainda mais tristes, mais sós e infinitamente mais pobres. De trocos, mas também da companhia e dos afectos dos que partiram.

Incontornável leitura

Sérgio de Almeida Correia, 16.02.14

"Moreover, many ministers from the current government acknowledged that, while revising the MoU, they specify existing measures, or even include new ones, with the specific purpose of decreasing opposition on policies that they favoured all along. In other words, ministers from the centre right used the intervention as a clear window of opportunity so as to induce a ‘paradigm policy shift’ towards their favourite neo-liberal stances."

 

"However, recent surveys asking voters about evaluations of the current MoU (after its seven revisions), and not about the original one, show that two years after the beginning of the enforcement of the MoU an overwhelming majority of the Portuguese (82.5%) defends either denunciation or renegotiation of the MoU.
This bailout, thus, have consequences for the democratic process. Even if it was originally not opposed by a majority of the Portuguese population, few of them might know (given the lack of transparency surrounding negotiations) how the bailout has been used by the government to pass reforms that it wanted all along. Moreover, the crisis and the intervention have divided the voters and their MPs to a large extent; and there is a huge mismatch of view between the rightist voters and their MPs on whether the government is allowed (or not) to renegate its former (2011) electoral commitments. This latter element is particularly worrying. A similar worrying picture (and the same huge mismatch between right-wing MPs and their voters) was found concerning the enforcement of the MoU and the increase in socioeconomic inequalities. Thus, even if some of the reforms taken in the last two years might be virtuous or necessary, the consequences of the bailout are not at all good news for the quality of democracy in Portugal."

 

As duas transcrições foram extraídas de um magnífico texto - Austerity Policy and Politics: The Case of Portugal - acabado de publicar na revista Pôle Sud, n.º 39, e os seus autores foram os Professores Catherine Moury (Universidade Nova) e André Freire (ISCTE-IUL, CIES-IUL). Constituindo o resultado de um extenso trabalho de investigação, em que para além de inquéritos, foram entrevistados quase três dezenas de membros do actual e do anterior governo, entre ministros-chave e membros "júnior", estou certo de que à medida que os anos forem passando e se for escrevendo a história, com os factos e os números que a maioria desconhece, vai haver muita gente a emudecer.

Uma estratégia brilhante

Rui Rocha, 18.09.13

O PS avançou de forma decidida com uma proposta de flexibilização do défice de 2013 para 5%. O PS reuniu com a troika e é justo presumir que terá defendido essa proposta com unhas e dentes. Apesar desse esforço titânico, tudo o que o PS conseguiu foi retirar uma conclusão. Na verdade,  o secretário nacional do PS veio acusar a troika de ser inflexivel. Pelo visto, e de acordo com Eurico Brilhante Dias, "a percepção é que há uma enorme relutância na flexibilização [da meta do défice]".. Isto é, o PS apesar dos dentes e das unhas afiadas com que terá entrado na reunião, nada conseguiu. Dando de barato que a flexibilização do défice teria efeitos positivos e que o governo tentará igualmente defendê-la, Passos Coelho ganhou o dia graças a esta, chamemos-lhe assim, estratégia do PS. Se não tiver sucesso, a coisa é compreensível: pois se o próprio PS não conseguiu e se a troika é inflexível... Pelo contrário, se conseguir obter uma margem de flexibilização, terá obtido sucesso onde o PS falhou. Se é certo que o PS foi representado na reunião por Brilhante Dias, não é menos verdade que há dias em que a estratégia do PS é brilhante.

Que se lixe o quê?

Pedro Correia, 19.11.12

 

A expressão "Que se lixe a troika" - multiplicada nos espaços de intervenção pública, a começar nas redes sociais - inaugura, por via indirecta, um debate que vale a pena travar em Portugal. Funciona, desde logo, como um corolário do que poderíamos denominar "doutrina Pedro Nuno Santos", o deputado socialista que abriu caminho ao actual slogan quando proclamou sem rodeios "Estou-me marimbando [isto é, lixando] para os credores."

Confesso que não aprecio particularmente esta contaminação do discurso político pelos plebeísmos de linguagem que nos induzem a estar "lixando" para tudo, dos credores às eleições, passando pela inefável troika. Isto decorre do mesmo caldo de cultura que leva meio mundo a insultar a outra metade nos fóruns da Net e estimula as micromultidões de vaiadores de conselheiros de Estado e outros protagonistas da cena política nacional, com direito a longos directos televisivos e registo antecipado nas reportagens dos telejornais. Daí ao insulto mais desbragado como paupérrimo sucedâneo da argumentação racional vai um curto passo.

Mas desagrada-me ainda mais o alastramento do jargão tecnocrático ao discurso político. Ao menos o calão tem a vantagem de ser claramente perceptível pelo cidadão comum.

 

As palavras nunca são indiferentes ou neutras no debate político. Podemos dizer "Que se lixe o défice" ou "Que se lixe a dívida". Podemos - e devemos - gritar "Que se lixe o desemprego". Mas quando elejemos a expressão "Que se lixe a troika" temos a obrigação de saber onde esta palavra de ordem nos conduziria caso fosse seguida à letra. Rasgar o memorando com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, assumindo o incumprimento, levaria Portugal a ser expulso da zona euro.

E este é, portanto, o debate que vale a pena ser travado: devemos ou não permanecer no euro?

 

É um debate que urge travar, mesmo que algumas forças políticas que mandam "lixar a troika" o evitem. Essa foi uma clarificação que faltou à esquerda na recente campanha legislativa grega e que explica porventura o desaire eleitoral do Syriza, contrariando o que diziam as sondagens: há uma contradição insanável entre a proclamada intenção de manter o euro como moeda enquanto se recusa o cumprimento das mais elementares obrigações impostas aos membros deste clube - à cabeça das quais está, naturalmente, o pagamento das dívidas.

Tal como o Luís Menezes Leitão, gostaria de ver esse debate travado em Portugal. Com argumentos sérios, não com slogans. Alguns economistas têm defendido sem rodeios a saída de Portugal do euro: são poucos, como João Ferreira do Amaral e Octávio Teixeira, mas os seus argumentos merecem ser escutados. E é bom que não haja dúvidas sobre as consequências dessa opção. Mandar fora a troika seria mandar fora o euro mas sem que nos livrássemos da pressão dos credores. Porque, mesmo de regresso ao velho escudo, necessitaríamos de financiamento externo como de pão para a boca. Nenhum dos nossos actuais problemas terminava - e vários outros começariam. Resta saber que slogans iríamos gritar então.

Boas notícias

José Maria Gui Pimentel, 09.11.12

À margem das previsões de Outono, a Comissão Europeia (CE) – ou mais precisamente Olli Rehn, o Comissário Europeu dos Assuntos Económicos e Monetários – afirmou que se irá focar no défice orçamental estrutural, e não no défice nominal, do Estado espanhol. Rehn argumentou que estão a trabalhar no sentido de “medir se foram tomadas medidas concretas, em termos de esforço estrutural, para reduzir o défice orçamental”. Esta é precisamente a postura que a troika deveria adoptar face a Portugal, como defendi aqui. Note-se, de resto, que enquanto Espanha, segundo as previsões da CE, apresentará défices estruturais de 6.0%, 4.0% e 5.3%, em 2012, 13 e 14, respectivamente – ultrapassando os valores acordados em Julho com os Ministros das Finanças do Euro –, Portugal deverá registar défices estruturais de 3.1%, 2.5% e 0.9%, respectivamente. Estes valores são, de resto, mais optimistas do que as previsões do Governo (4.0%, 2.4% e 1.1%, respectivamente), e significam, a confirmar-se, que Portugal ficará já em 2012 virtualmente sobre o limite de 3% pretendido. Por outras palavras, Portugal tem todo o direito de exigir a utilização face ao Estado português da regra que Olli Rehn afirma aplicar-se a Espanha, a qual permitiria ao Governo concentrar-se em reformas estruturais, em detrimento de aumentos de impostos apenas para fazer face ao ciclo económico. O busílis da questão é, evidentemente, a falta de vontade política da troika (à qual Espanha ainda não está sujeita). Não obstante, são notícias como estas que me tornam cada vez mais apreensivo em relação à determinação do Governo em obter da troika condições mais favoráveis.

Ora...

José Maria Gui Pimentel, 01.11.12

...sejamos francos e cinjamo-nos ao que interessa.

 

A responsabilidade do Governo no estado a que as coisas chegaram é essencialmente uma, que terá uma gravidade tão grande que ficará para a História, se se confirmar, mas deixará o Governo numa posição de bode expiatório se não se comprovar.

 

Refiro-me à acusação de que o governo Governo (leia-se, Passos e Gaspar) é de uma ortodoxia obstinada, um “lacaio” da Alemanha. Por outras palavras, a ideia de que o Governo não faz ver à troika quão contraproducente é obrigar o país a tomar medidas pró-cíclicas que não sejam de carácter estrutural porque não quer, e não porque não pode.

 

Infelizmente, a questão de se o Governo tem, ou teve alguma vez, latitude para persuadir as instituições internacionais a mudar de rumo, é algo que permanece (quiçá permanecerá para sempre) envolto em incerteza. Sobretudo, não se percebe se esta ortodoxia aparentemente convicta é um disfarce, no sentido de ganhar leverage sobre os credores, ou antes a própria pele da ideologia do Governo. De uma coisa podemos estar certos: se o Governo tem tentado, de facto, tomar passos nesse sentido, disfarça-o muito, muito bem.

 

Regressando à premissa (oculta) inicial, a culpa do Governo seria/será apenas esta na medida em que, um, a situação actual não lhe é imputável, dois, um ano e quatro meses não são suficientes para fazer mudanças estruturais na economia, e três, as dificuldades que têm surgido na execução do plano derivam muito mais do modo deficiente como este foi arquitectado pela troika (e da própria conjuntura externa) do que da ineficiência do Governo em cumpri-lo.

 

Começando pelo último ponto, o plano, como o próprio FMI reconheceu recentemente (antes de, esquizofrenicamente, ter feito ouvidos de mercador em vez de tomar a posição que se impunha), pressupunha que o impacto da austeridade sobre a actividade económica seria muito mais moderado do que aquilo que efectivamente se observou. Esta divergência levou, como se sabe, automaticamente a um aumento  da despesa e a uma diminuição da receita do Estado, deitando consequentemente por terra os objectivos estabelecidos no programa.

 

Relativamente ao segundo ponto, importa compreender que, enquanto as medidas do lado da receita são extremamente fáceis de levar a cabo (basta "primir um botão", se descontarmos a dificuldade, nao despicienda, em diminuir a fuga ao fisco), as políticas de diminuição da despesa do Estado sao extremamente difíceis de implementar. Senão vejamos: i) os contratos das PPP têm que ser renegociados; ii) as fundações estão quase na sua totalidade na prática fora das mãos do Estado; iii) institutos, centros regionais e outros organismos estão, muitas vezes, protegidos constitucionalmente; iv) não são permitidos despedimentos no sector público. Trata-se apenas de alguns exemplos que não consideram sequer o facto de o sector Estado ser hoje uma estrutura mastodôntica, cujas peças é dificílimo mover.

 

Em suma, é ainda muito cedo para avaliar a capacidade reformadora deste Governo. O escrutínio público deveria concentrar-se, isso sim, em perceber se o Governo está a fazer tudo o que pode no sentido de persuadir as instituições internacionais a estabelecer condições mais razoáveis, que assegurem, sim, a tomada de medidas de carácter estrutural, contudo escudando-as de uma conjuntura que é por inerência exógena.