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Delito de Opinião

Destarte vos engano

José Meireles Graça, 02.01.20

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Já contei algures, mas conto outra vez, a história daquele aluno que, a seguir ao vinte e cinco do quatro, chumbou num exame de escultura – quando quase ninguém chumbava.

Tinha um impecável aspecto de extrema-esquerda, com guedelha, roupa sebenta e coçada, calças por dentro da bota de meio-cano, e um ar geralmente porco.

Os coleguinhas examinandos iam ao sucateiro, soldavam uns ferranchos, juntavam-lhes umas pedras toscas e uma memória descritiva em que a classe operária levantava o facho do progresso social contra o facho propriamente dito, tudo embrulhado em muito palavreado artístico e pouca gramática, e em geral bastava. Se o conjunto fizesse lembrar vagamente alguma forma humana, melhor. D. Quixote, esgrimindo a espada da revolução contra os moinhos do falso discurso democrático-burguês, era um sucesso garantido.

O meu herói fez porém um armário cheio de escaninhos e em cada um pôs um frasco, devidamente etiquetado com a descrição do conteúdo: compota de pregos, de punaises, de anilhas, de outros materiais ainda, e um de dejectos, com inteiro rigor descrito como compota de merda.

Ao trabalho chamou “O compotador”, mas infelizmente ninguém descortinou no empreendimento uma jornada de luta contra o imperialismo ou as classes possidentes, nem muito menos era possível ver-lhe uma simbologia qualquer que autorizasse a interpretação de a “escultura” se inserir no necessário movimento para partir os dentes à reacção.

Tempos infelizes. Hoje, a obra de arte não está a favor da revolução, nem da democracia, nem de ideologias, e pouco contra as alterações climáticas ou a indústria de plásticos, mas ao serviço de si mesma: o passante é convidado a ver na instalação não o que lá está mas o que o artista com ela quis dizer. E como o objecto é enigmático precisa de um intérprete, que é o próprio artista, o qual explica, em palavras definitivas que os entendidos coonestam, ou, cúmulo do requinte, em palavreado pedante significando nada, o que devemos ver.

As vigas grotescas que desfeiam uma praia de Matosinhos, e que custaram ao contribuinte mais de 300.000 euros, são descritas como “apresentando uma nova perspetiva sobre a linha de horizonte do mar e sugerindo diversas interpretações através da forma e geometria e da sua sobreposição com o oceano”. Isto não quer dizer absolutamente nada, e é a moeda corrente no discurso artístico – aplica-se a tudo, que é apenas mais uma maneira de não se aplicar a nada.

Os mecanismos de adjudicação por trás deste e doutros trabalhos semelhantes, quem ganha com eles, quem os paga, tem-se Telmo Azevedo Fernandes dado ao trabalho de explicar, no Blasfémias e no seu mural no Facebook, com algum detalhe – histórias de amiguismo e de gestão local, a tal que, segundo alguns ingénuos, se distingue da central pelos benefícios da proximidade. E histórias também do que vale o Polígrafo. Telmo faz serviço público, é provável que seja pago em inimigos.

A mim interessar-me-ia compreender por que razão boa parte das artes plásticas contemporâneas é a tal ponto não-arte que os espectadores só as reconhecem como tais se disso informados; se é razoável desejar que os poderes públicos adquiram obras de arte para decorar espaços públicos; e a que critérios devem obedecer tais compras.

Dou a minha tentativa de resposta, a traço muito grosso, por partes.

A arte moderna, que durou desde fins do séc. XIX até ao fim dos anos 60, reagiu contra a representação aparentemente realista dos corpos, dos interiores e das paisagens, por esgotamento dos movimentos artísticos que a precederam e pela evolução tecnológica (fotografia e cinema, entre outras invenções) que lhe retiraram parte da utilidade prática. Os artistas passaram a interpretar a realidade com as luzes da sua intuição, as profundidades da sua alma e as inovações técnicas da sua imaginação, mais do que da sua perícia. Num certo sentido, a arte moderna representa o sucesso tardio e duradouro do romantismo, que endeusou o artista.

As artes plásticas contemporâneas levaram estas tendências ao paroxismo. E, ao fazê-lo, abriram a porta a uma infindável quantidade de trafulhas que para pintar não acham necessário saber desenhar, e para esculpir dispensam o longo aprendizado, e o duro trabalho, de transformar os materiais tradicionais.

Daí a treta, e daí as redes de cumplicidades: se a obra de arte não é reconhecida como tal é preciso expô-la em lugares adequados, para a promover, e imprescindível que beneficie da recomendação do especialista, com frequência albardado de uma cátedra numa escola da especialidade, que utiliza um jargão obscuro. O cidadão, que a detesta, é vítima de chantagem: não gosta, diz o entendido, porque é ignorante; e como ignorante quase ninguém reconhece ser ou, pior, reconhece, curva a cabeça perante a autoridade, e, como contribuinte, paga.

Pergunta-se: as nossas cidades estariam pior ou melhor se nunca os poderes públicos (ou patronos) as tivessem decorado com obras de arte? A minha resposta é que estariam pior, e nem me dou ao trabalho de tentar fazer a demonstração.

Se era assim no passado justifica-se que seja assim no presente. Não posso dizer que o critério deva ser o gosto popular porque a imagem de Nossa Senhora de Fátima não é um bom exemplo de estatuária, nem o Menino da Lágrima um de pintura. E como os senhores edis são geralmente da mesma massa que os eleitores, não lhes recomendo que se guiem pelo seu gosto.

Na realidade, o grande mestre, que é o tempo, fará a devida selecção, mas não tem assento nos elencos municipais. Pelo que recomendaria às autarquias três coisas:

Publicitem nos boletins municipais e nos jornais das terras, em vez dos discursos ocos do Mirabeau local, dados sobre as finanças do município, os custos dos investimentos em arte (incluindo instalações e manutenções) e os critérios pelos quais se regeram as adjudicações;

Desconfiem militantemente dos experts: são parentes ou sócios de quem, que ligações têm ao artista, de onde lhes vem a autoridade?

Exercitem o senso comum: o artista é um tipo com um discurso abstruso quando descreve o seu trabalho, as obras parecem sucata ou restos de obras, ninguém em seu juízo as compraria para as oferecer à sua cidade, mesmo que tivesse meios, há ligações partidárias suspeitas? T’arrenego.

A carochinha de Pedrógão

Pedro Correia, 05.07.17

Dezoito dias depois, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera descarta a hipótese da "trovoada seca" ter estado na origem do brutal incêndio de Pedrógão Grande, que ceifou 64 vidas humanas em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas.

Fica assim excluída a história da carochinha contada ao País logo na manhã seguinte à tragédia pelo director nacional da Polícia Judiciária, que se apressou a apontar a tal trovoada inexistente como origem do fogo assassino. Almeida Rodrigues deve, no mínimo, um pedido imediato de desculpa aos portugueses. A menos que se encontre também já de toalha estendida em Maiorca, seguindo o exemplo do primeiro-ministro. Nesse caso os minorcas podem esperar.

Discursos da treta(2)

Carlos Barbosa de Oliveira, 27.02.09

Manuela Ferreira Leite está indignada com a ausência de Sócrates na Cimeira Europeia do próximo domingo. A líder do PSD continua a demonstrar que tem memória curta e rapidamente esquece a sua própria irresponsabilidade. É bastante mau para uma candidata a dirigir os destinos do país....
Além do mais, parece-me menos grave Sócrates faltar a uma Cimeira onde estará representado por um Ministro de Estado (é para estas coisas que servem os Ministros de Estado, ou não?) do que  Durão Barroso ter  mandado às malvas  os compromissos com os portugueses que o elegeram e fugido para Bruxelas. 

Ainda os discursos

João Carvalho, 27.02.09

Acresce ao post abaixo do Carlos Barbosa de Oliveira uma outra afirmação do indignado presidente do banco do Estado que é, no mínimo, curiosa. Diz ele que a CGD actuou «em defesa intransigente do interesse público, do accionista, da instituição e dos clientes». Quer dizer: defendido o interesse de todos, saíram todos a ganhar? Faria de Oliveira é o homem certo no lugar certo no momento certo. Andam a aborrecê-lo, mas afinal conseguiu fazer um milagre...