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Delito de Opinião

Os Golias irão visitar o David

Paulo Sousa, 26.08.21

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Após uma inédita e bem-sucedida sequência de jogos nas pré-eliminatórias da Champions, o Sheriff de Tiraspol conseguiu apurar-se para a fase de grupos, onde irá defrontar o Real Madrid, o Inter de Milão e o Shakhtar Donetsk.

Esta quase desconhecida equipa que oficialmente representa a Moldávia, mas que é originária do invulgar território da Transnistria (Pridnestróvia segundo os locais) será certamente notícia em cada um dos jogos que se seguem. Os confrontos entre o David e os Golias tem sempre uma camada adicional de interesse. Vou estar atento.

Este território já foi referido no DO por mim e pelo José Navarro de Andrade.

Livros que inspiram viagens (3)

Paulo Sousa, 09.05.20

Na sequência dos dois textos anteriores, salto hoje uns quilómetros para vos relatar a visita a um país que não existe.

Foi de carro que chegamos à Transnistria.

A informação que recolhemos na preparação da viagem sublinhava o exotismo cinzento de um território que teimava em viver num regime de inspiração soviética.

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Após o colapso da URSS, a minoria russa da ex-república moldava soviética socialista não aceitou a mudança da língua oficial de russo para a língua mãe da maioria romena e desencadeou-se um conflito. Após alguns meses de combates, em 1992 estabeleceu-se um equilíbrio de forças com o rio Dniestre a fazer de fronteira. A Rússia mantém o apoio militar e económico à Transnístria mas a falta de contiguidade territorial não lhe permite descongelar o conflito. Desde então a Pridnistrovian Moldavian Republic (PMR), como se autodenominam, tornou-se um 'país' independente de facto embora sem reconhecimento internacional. Tem governo próprio, hino e bandeira com foice e martelo, imprime moeda e selos, tem tropa e polícia, sistema de ensino e de saúde.

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As trocas comerciais entre as duas margens troçam dos políticos e realizam-se com fluidez. Algumas empresas transnistrias até exportam para a UE com etiqueta ‘Made in Moldova’. É tão habitual ver matrículas PMR em Chisinau como veículos moldavos em Tiraspol.

A Sheriff Tiraspol FC, equipa de futebol da ‘capital’, é campeã moldava há nove anos consecutivos e representante da Moldávia nas competições da UEFA. Para cumprir o calendário do campeonato todas as equipas atravessam semanalmente os checkpoint militares. Este limbo de independência leva a que os documentos dos cerca de meio milhão de habitantes não sejam reconhecidos fora do seu território. Além das visitas esporádicas ao outro lado do rio e a Moscovo, o universo dos destinos possíveis é bem reduzido. Os indicadores económicos dizem também que esta região é mais pobre que o resto da Moldávia, que já é o país mais pobre da Europa.

Algumas fontes referem que toda a nomenclatura deste ‘estado’ é composta pelo círculo de confiança de uma família, o que cria uma ideia de um Simcity em 3D mas com a possibilidade de saborear o vinho da Cricova vizinha e com miúdas mais giras do que qualquer avatar informático poderá alguma vez ambicionar.

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Chegamos a Tiraspol vindos de Chisinau. Tivemos a sorte de apanhar um dia iluminado por um sol daqueles em que até as ditaduras, cinzentas por natureza, ficam coloridas.

Ao contrário da ideia criada pelas reportagens que tínhamos visto no YouTube, a cidade aparenta organização e planeamento. Tudo está pintado e as estátuas de Lenin exibem um polimento que fazem inveja às poucas que restarão em Moscovo.

Para evitar o que seria um processo de registo nos serviços de emigração durante um fim de semana optamos por regressar a Chisinau no mesmo dia. Passeamos a pé pela cidade e almoçamos num restaurante local, onde nos deparamos com a maior surpresa da curta visita. Algumas pessoas nas mesas vizinhas estavam a rir!!! Como é possível? Gargalhadas quase obscenas. Toda a informação que recebemos ao longo da vida associam as ditaduras a dias enevoados e a pessoas tristes. Será que se confirma a teoria de que a natureza humana se ajusta mesmo a tudo?

Texto publicado no Jornal de Leiria em Outubro 2018

 

O livro que recomendo, que refere também este "país", é O Despertar da Eurásia, de Bruno Maçães, editado pelo Circulo de Leitores. Trata-se de uma abordagem fora da caixa que contraria a normal divisão da placa euroasiática em dois continentes, a Europa e a Ásia. Lembra-nos que apenas a história e a cultura dos povos criaram esta divisão artificial, e leva-nos a viajar com ele por este imenso território. Sem deixar de ser literatura de viagem é tambem um master class em geopolítica. Lê-se de rajada.