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Delito de Opinião

Torga, 50 anos depois (4)

Pedro Correia, 03.07.25

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3 de Julho de 1975

«Nunca li tantos jornais juntos na minha vida. Nem no tempo da Guerra Civil de Espanha e no da Mundial. Embora profundamente empenhado em cada lance dessas duas grandes tragédias, uma só gazeta da época punha-me ao corrente da situação. A carcaça dos factos era sempre a mesma, qualquer que fosse a agência noticiosa. Teruel conquistada ou um porta-aviões afundado não tinham duas versões. Além de que, por maior que fosse o meu interesse pelos acontecimentos, nem Teruel ficava em Portugal, nem o navio era português. Mas agora trata-se da pátria, da carne colectiva a que pertenço. E devoro carros de prosa diariamente, a mais contraditória e parcial, a vomitar as tripas quase sempre, mas sem arredar pé do tronco de tortura. E o pior é que não corro a maratona noticiosa à procura de vislumbrar qualquer milagre de salvação. Dou cabo dos olhos apenas na ânsia de encontrar uma desculpa que torne a vergonha menos dolorosa. Sou como aqueles doentes do coração que fazem electrocardiogramas sucessivos, a ver se num deles não existem sinais de enfarte.»

 

Diário XII, de Miguel Torga

Torga, 50 anos depois (3)

Pedro Correia, 01.07.25

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1 de Julho de 1975

«Estamos a viver em pleno absurdo, a escrever no livro da História gatafunhos que nenhuma inteligência poderá decifrar no futuro. Todas as conjecturas têm as mesmas probabilidades de acerto ou desacerto. Jogamos numa roleta de loucos, que tanto anda como desanda. O que apelidamos de revolução é um despautério social a que teimamos em dar esse nome sagrado. Quem faz revoluções não exibe revoluções.

 

Diário XII, de Miguel Torga

Torga, 50 anos depois (2)

Pedro Correia, 20.06.25

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20 de Junho de 1975

«Estranha revolução esta, que desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou. A mais imunda vasa humana a vir à tona, as invejas mais sórdidas vingadas, o lugar imerecido e cobiçado tomado de assalto, a retórica balofa a fazer de inteligência. Mas teimo em crer que apesar de tudo valeu a pena assistir ao descalabro. Pelo menos não morro iludido, como os que partiram nas vésperas do terramoto.»

 

Diário XII, de Miguel Torga

Torga, 50 anos depois (1)

Pedro Correia, 15.05.25

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15 de Maio de 1975

«O país real, o povo concreto, as suas necessidades tangíveis, o seu futuro, pouco ou nada contam para os que legislam pelo desvanecimento de legislar, que falam pelo prazer de se ouvir, que agem pela descontracção de agir. Revolução singular, na verdade, não por ter encontrado soluções originais para os problemas que nos afligem, mas por ser mais psicológica do que sociológica. Cada comparsa que nela figura apenas se representa a si mesmo. Em vez da modificação do panorama social, procura meramente no acto revolucionário a sublimação da sua própria imagem.»

 

Diário XII, de Miguel Torga