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Delito de Opinião

Timor ontem, Ucrânia hoje

Pedro Correia, 13.06.22

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Xanana Gusmão, na resistência ao invasor indonésio

 

Algumas almas angelicais abraçadas a velhas aves de rapina hoje travestidas de pombas, como Henry Kissinger, andam obcecadas com isto: há que «evitar humilhar os russos».

Como se não fossem eles os agressores da Ucrânia.

Como se a tropa de Moscovo não devorasse território ucraniano com fúria expansionista - o Kremlin ocupa agora, ilegalmente, cerca de 125 mil km² de superfície territorial do país vizinho, quase o triplo dos cerca de 43 mil km² que ocupava desde 2014.

Como se vissem a realidade invertida: soldados da Ucrânia envolvidos em operações de conquista e anexação da Rússia.

Como se a agressão moscovita devesse ser recompensada, encorajando futuras campanhas bélicas decalcadas do guião nazi naqueles alucinantes meses que levaram Hitler a engolir a Áustria, os Sudetas, a Checoslováquia e enfim a Polónia. Até tudo desembocar num conflito global já imparável.

 

Esta amálgama de gente - neofascistas, comunistas, falsos pacifistas e alguns idiotas úteis - procura iludir uma evidência: a Ucrânia equivale hoje, numa escala muito superior, à resistência timorense que enfrentou com êxito o imperialismo neocolonialista indonésio entre 1975 e 1999, suportando as maiores atrocidades cometidas pelos esbirros de Jacarta naquele solo onde durante séculos flutuou a bandeira portuguesa.

Também nessa altura pululavam por aí os "realistas" recomendando o reconhecimento da situação de facto, imposta pelos canhangulos indonésios, e desencorajando o apoio ocidental à abnegada guerrilha timorense. Diziam esses tais que eram impossível vergar um dos exércitos mais numerosos e bem equipados do planeta.

Pela lógica actual, o PCP deveria ter gritado então contra o levantamento das sanções ao regime de Jacarta e exigido a «paz» imposta pelos fuzis. Com Timor-Leste debaixo da pata indonésia.

É curioso vermos hoje Jerónimo de Sousa fazer coro com Henry Kissinger. Este, enquanto responsável máximo da diplomacia norte-americana, deu luz verde à brutal invasão de Timor-Leste pela tropa do ditador Suharto, em Dezembro de 1975, sob o argumento de que o Ocidente não deveria «humilhar a Indonésia». Nada melhor, portanto, do que outorgar-lhe direito de pernada e garantir-lhe aquilo a que chamam «concessões territoriais» - eufemismo para designar a anexação de uma nação soberana por um Estado vizinho em grosseira violação do direito internacional.

 

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Henry Kissinger (à esquerda) em Jacarta, Dezembro de 1975

 

Kissinger estava redondamente enganado, como sabemos: a força da razão derrotou a razão da força. Foi preciso esperar 24 anos, mas aconteceu.

Aprendamos com as lições da História. Ontem em Timor, hoje na Ucrânia.

Ao lado de quem é agredido, não de quem agride.

Solidários com as vítimas, não com os verdugos.

Ninguém humilha tanto a Rússia como Vladimir Putin, que já provocou danos reputacionais incalculáveis ao seu país. Com fatais reflexos nas gerações futuras.

Recordação de Timor-Leste.

Luís Menezes Leitão, 07.06.17

Estive em Timor-Leste em 2000, no ano seguinte ao referendo, a fazer uma formação aos magistrados timorentes. Nessa altura encontrei a cidade de Dili completamente destruída, praticamente sem nenhum edifício de pé, dando a perceber a violência que ali tinha ocorrido. Na altura visitei ainda Baucau, Liquiçá e Ermera, e senti sempre uma profunda vergonha pela actuação dos portugueses nos diversos momentos da nossa história recente com Timor-Leste. Olhei para a ilhota de Ataúro e não percebi como foi possível em 1975 um governador português ir refugiar-se ali, deixando o território a ferro e fogo. Pensei na campanha do Lusitânea Expresso e questionei-me que sentido fez mandar um barco para ali para dar de frosques ao primeiro aviso da marinha indonésia. E finalmente, fiquei a pensar como foi possível organizar um referendo sem as mínimas condições de segurança, permitindo que meia dúzia de milícias mais uma vez dessem cabo daquilo tudo. Como um timorense me disse, num português de que ainda se lembrava, quando olhei para a destruição: "Os gajos ficaram zangados com o resultado da nossa votação".

 

Se há coisa que era visível em 1999, mesmo a partir de Lisboa, era o pânico que essas milícias tinham causado a quem lá estava. Como é óbvio, os membros da delegação portuguesa só pediam que os tirassem de lá rapidamente e mesmo os jornalistas faziam directos a solicitar exactamente a mesma coisa. Ana Gomes, a partir de Jacarta, respondeu-lhes uma vez em directo: "Os senhores sabiam que não vinham para Cacilhas". E, de facto, mais uma vez toda a gente debandou e teve que ser uma força australiana, vinda de Darwin, a meter na ordem aqueles arruaceiros. Lembro-me de ter visto pela televisão um australiano a dizer: "Os portugueses criam sempre estes sarilhos e nós é que temos que ir apagar os fogos em vez deles".

 

Não tenho por isso pena nenhuma de que o indigitado chefe das secretas tenha tido que renunciar por causa do que aconteceu em Timor-Leste. Se já vai tarde a assunção de responsabilidades pelo que aconteceu naquela altura, mais vale tarde do que nunca. António Costa, que lhe deu total cobertura política num assunto muito sério, bem podia aprender a lição.

Ironias históricas

Alexandre Guerra, 10.08.16

Díli, 10 de agosto de 2016

 

Comunicado de Imprensa

Reunião do Conselho de Ministros de 10 de agosto de 2016

 

O Conselho de Ministros reuniu-se esta quarta-feira, no Palácio do Governo, em Díli, para avaliar o apoio de Timor-Leste à República Portuguesa no combate aos incêndios que assolam aquele país e que já provocaram uma vítima mortal. Foi aprovada a doação de 2 milhões de euros para reforço da capacidade de resposta no terreno. Deste valor, 1 milhão e 250 mil euros destina-se a apoiar as autoridades portuguesas no combate aos incêndios e 750 mil euros são para socorro direto às populações afetadas.

O Primeiro-Ministro de Portugal, António Costa, alertou para a dificuldade que o país irá atravessar nos próximos dias, devido às previsões meteorológicas que apontam para vento forte e temperaturas elevadas. Anunciou ainda que vai ser acionado o pré-alerta do mecanismo europeu de proteção civil, assim como um acordo de auxílio assinado com a Rússia para apoio em casos de dificuldade.

Segundo a Proteção Civil de Portugal, estão ativos mais de 100 incêndios no território continental e na ilha da Madeira. Estão a ser combatidos por cerca de 3 mil bombeiros, mais de 900 viaturas e 22 meios aéreos.

No Alto Minho, foi acionado o plano distrital de emergência, que permite às autoridades locais solicitar o reforço de meios do Governo. Este plano foi anteriormente acionado em 2005.

O Primeiro-Ministro, Rui Maria de Araújo, considera a situação alarmante, pelo que convocou esta reunião extraordinária de Conselho de Ministros e anunciou a transferência urgente deste apoio financeiro  às autoridades e à população de Portugal. FIM

Ainda a propósito de Timor-Leste e da expulsão dos magistrados portugueses

Sérgio de Almeida Correia, 02.12.14

A Northern Territory Bar Association, que corresponde à Ordem de Advogados de Darwin (Austrália), publicou no seu site um comunicado e um relatório assinado por Alistar Wyvill, datado de 20 de Novembro pp. sobre a expulsão dos juízes estrangeiros de Timor-Leste.

 

"It is not clear to me that any of the expelled judges and lawyers listed above had any connection with the tax cases against the resources companies. In fact, it has been  positively asserted to me that the expelled judges “had nothing to do with the $30m case”. The President of the Court of Appeal also confirmed this to me. It is also difficult to see how a member of the Anti-Corruption Commission might have any role to play in a tax recovery case. Nor, in spite of request, has any material been provided to me which might justify the criticism of the judges that did have the conduct of these cases and, if criticism might be appropriate, why that could not have been pursued in an appeal.
Further, almost every “insider” to whom I have spoken who is independent of the Timor LesteGovernment (including the judges to whom I spoke) connects these events with the corruption cases against 8 members of the current government including the speaker (‘president’) of Parliament and to other cases related to corruption which are presently proceeding through the courts."

(...)

"The position of the judges in Timor Leste is made more problematic because, as far as I could see, they cannot rely upon the advocacy, support or protection of an organised and independent legal profession. JSMP appears to be almost the only local voice attempting to defend judicial independence and the rule of law in Timor Leste. Further, the expulsion of the Portuguese judges – part of whose function was to assist in the training of the local judges - has left the local judges even more isolated."

 

A informação chegou-me via Ponto Final e o relatório pode ser lido na íntegra aqui.

Ingenuidades

Sérgio de Almeida Correia, 06.11.14

Xanana_2011.jpgPoucos, entre os quais não me incluo, conhecerão objectivamente as razões que ditaram o afastamento dos magistrados portugueses e de um oficial da PSP, creio, que estavam ao serviço em Timor-Leste ao abrigo da cooperação judiciária com aquele Estado. Por isso mesmo, não me abalanço a fazer juízos, nem a retirar conclusões apressadas sobre o que aconteceu. Mas parece-me cristalino que a reacção do Governo de Timor-Leste foi excessiva, ofensiva para Portugal e para a dignidade dos visados. As declarações de Xanana Gusmão, manifestando o seu espanto pela reacção portuguesa, só podem radicar no foro da ingenuidade, o que para um líder da sua estirpe e com a sua experiência será sempre difícil de engolir.

Para quem tem a sua vida organizada e cumpre uma função de interesse público, neste caso do interesse de Timor-Leste, convenhamos que uma ordem de expulsão com a amplitude e consequências daquela que foi tomada, para ser cumprida em 48 horas, e com acusações de incompetência à mistura, não é fácil de digerir.

E inaceitável na perspectiva do relacionamento entre dois Estados soberanos com relações de amizade e cooperação a diversos níveis, partilhando o mesmo património cultural e linguístico.

O primeiro-ministro timorense, pura e simplesmente, esqueceu-se do papel desempenhado por Portugal e pelos portugueses no caminho que foi cumprido desde a invasão indonésia até à proclamação de independência e consolidação do Estado timorense. Dizer que com a declaração de expulsão não se visou Portugal nem os portugueses, sabendo-se que estes seriam os primeiros atingidos, e sem pensar nas consequências, evidencia laivos de hipocrisia. As declarações subsequentes agravam esse sentimento. Deste modo, só posso manifestar a minha compreensão pelas palavras do primeiro-ministro português e aplaudir as declarações da ministra da Justiça sobre esta matéria. República das bananas mas não tanto. Nada de confusões.

Penso rápido (30)

Pedro Correia, 24.07.14

Dizem-me que, se Portugal voltasse a recusar a entrada da Guiné Equatorial, a CPLP corria o risco de se desintegrar. Pois bem: prefiro pagar o preço da desintegração da CPLP a ver Obiang na mesa de honra da organização. Sinto como uma humilhação nacional ver o Presidente da República e o primeiro-ministro sentados àquela mesa. E o mesmo sucede ao ver grandes defensores de direitos humanos, como Dilma Rousseff e Xanana Gusmão, dobrarem a cerviz ao tirano de Malabo.
Dilma, que combateu a ditadura militar brasileira, abraça agora o ditador Obiang, tão repugnante como os generais e almirantes dessa era de triste memória no Brasil. Com uma agravante: Obiang já ocupa o poder há quase o dobro do tempo que durou a ditadura militar em Brasília.
Xanana, que liderou o povo timorense na luta contra o regime ditatorial do general Suharto e a ocupação ilegal de Timor-Leste pela Indonésia, devia ser o primeiro a pôr Obiang à distância. Lamentavelmente, pelo contrário, deu-lhe honras de astro-rei da política internacional na cimeira de Díli.
A realpolitik justifica muita coisa. Mas não devia justificar tudo.

Foi há 21 anos

Pedro Correia, 12.11.12

 

 

Não havia então "redes sociais" a proclamar indignações portáteis subscritas por revolucionários de sofá. Nem a difusão de imagens tinha a facilidade de um clique cibernético, tão comum nos nossos dias. O tempo passa, veloz. Parece ter sido ontem mas decorreram já 21 anos. A brutalidade indonésia liquidou naquela data várias dezenas de jovens timorenses que se limitavam a reclamar para o seu povo, por meios pacíficos, aquilo que nenhum de nós dispensa em qualquer quadrante onde se erga uma voz humana: liberdade.

A 12 de Novembro de 1991, o mundo começou a despertar para o imenso pesadelo de Timor-Leste, terra em transe, ocupada naqueles anos de chumbo pelas baionetas de Jacarta. E foi precisamente nesse dia, neste mesmo local que continua a ser alvo de emocionadas e emocionantes romagens da população timorense à memória dos seus mártires, que a soberania do mais jovem país da comunidade lusófona começou a ser resgatada.

No cemitério de Santa Cruz, em Díli. Onde se rezava e reza em português.

Défice democrático

João Carvalho, 07.12.11

"Considero que as autoridades só podem tomar uma decisão: anular os resultados das eleições e organizar nova votação." Estas palavras sobre o processo eleitoral na Rússia são do ex-presidente russo Mikhail Gorbatchev, personalidade de peso que teve um papel decisivo na democratização do país. Mas parece que essa democratização ainda sofre de um défice considerável.

Pode ser uma maldade tentar encontrar uma semelhança entre o trânsito eleitoral na Rússia e em Timor-Leste, mas a receita aparentemente comum a Vladimir Putin e a Xanana Gusmão devia deixar-nos desconfortáveis, como portugueses.