O vendedor de ilusões
Faz hoje dez anos, o primeiro-ministro José Sócrates montou um dos monumentais balões de propaganda a que foi habituando os portugueses. Naquele estilo inconfundível de quem parecia acreditar nas próprias patranhas que lhe saíam pela boca, anunciou ao País o vencedor do primeiro projecto de alta velocidade ferroviária em Portugal, correspondendo ao troço Caia-Poceirão: um consórcio entre a Brisa e a Soares da Costa.
Nessa sessão de ilusionismo, semelhante a tantas que marcaram aquela época, o Governo exibia o seu calendário sem margem para dúvidas: a construção do referido troço seria «iniciada em 2010, devendo entrar ao serviço em 2013».
Havia crise? Pormenor irrelevante para o expedito Sócrates, sempre disposto a falar pelos cotovelos: «Este é justamente o momento para que o projecto da alta velocidade passe do papel para o terreno. A crise é mais uma razão para o fazermos. É neste momento que o país precisa de investimento, de oportunidades de emprego. Há muita gente à procura de emprego e muitas empresas à espera desta oportunidade.»
Puro cenário virtual, sem a menor correspondência com a realidade. Mas Sócrates nunca deixava que o factos estragassem uma boa história.
A coisa implicaria um investimento de 1.500 milhões de euros. Dinheiro que não havia, exigindo um empréstimo que ninguém nos creditava, numa altura em que o défice externo se agigantava a um ritmo imparável. Os mais atentos aos sinais do tempo podiam ouvir um tique-taque: a contagem decrescente para a perda de soberania financeira do País já começara.
Nem o troço se construiu nem a alta velocidade saiu do papel: recordar tudo isto, à distância de uma década, chega a ser confrangedor. Como é que este pífio vendedor de ilusões conseguiu enganar tanta gente durante tantos anos?