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Delito de Opinião

O vendedor de ilusões

Pedro Correia, 12.12.19

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Faz hoje dez anos, o primeiro-ministro José Sócrates montou um dos monumentais balões de propaganda a que foi habituando os portugueses. Naquele estilo inconfundível de quem parecia acreditar nas próprias patranhas que lhe saíam pela boca, anunciou ao País o vencedor do primeiro projecto de alta velocidade ferroviária em Portugal, correspondendo ao troço Caia-Poceirão: um consórcio entre a Brisa e a Soares da Costa.

Nessa sessão de ilusionismo, semelhante a tantas que marcaram aquela época, o Governo exibia o seu calendário sem margem para dúvidas: a construção do referido troço seria «iniciada em 2010, devendo entrar ao serviço em 2013».

 

Havia crise? Pormenor irrelevante para o expedito Sócrates, sempre disposto a falar pelos cotovelos: «Este é justamente o momento para que o projecto da alta velocidade passe do papel para o terreno. A crise é mais uma razão para o fazermos. É neste momento que o país precisa de investimento, de oportunidades de emprego. Há muita gente à procura de emprego e muitas empresas à espera desta oportunidade.»

Puro cenário virtual, sem a menor correspondência com a realidade. Mas Sócrates nunca deixava que o factos estragassem uma boa história. 

 

A coisa implicaria um investimento de 1.500 milhões de euros. Dinheiro que não havia, exigindo um empréstimo que ninguém nos creditava, numa altura em que o défice externo se agigantava a um ritmo imparável. Os mais atentos aos sinais do tempo podiam ouvir um tique-taque: a contagem decrescente para a perda de soberania financeira do País já começara.

Nem o troço se construiu nem a alta velocidade saiu do papel: recordar tudo isto, à distância de uma década, chega a ser confrangedor. Como é que este pífio vendedor de ilusões conseguiu enganar tanta gente durante tantos anos?

PPP à grande vitesse

José António Abreu, 05.01.15

25 O modelo para a implementação da rede ferroviária de alta velocidade em Portugal, sem paralelo em termos internacionais, assentava em seis contratos PPP cujos encargos para os parceiros públicos ascenderiam a 11,6 mil milhões de euros. 
26 Os riscos de procura relevantes recairiam sobre a CP e a REFER, empresas públicas economicamente deficitárias. Em contrapartida, os pagamentos pela disponibilidade da infraestrutura às concessionárias gozariam de estabilidade, característica típica das rendas. 

 

64 Os estudos preliminares demonstraram que o investimento na rede ferroviária de alta velocidade não apresentava viabilidade financeira.

65 Os mesmos estudos demonstraram que o eixo Lisboa-Madrid, o primeiro que se previa vir a ser implementado, também seria financeiramente inviável. 

 

77 Não há evidências de um plano de negócios, no âmbito do setor público, que tivesse contextualizado a viabilidade financeira do projeto, tendo em especial consideração a concreta situação económica e financeira das entidades do setor público direta e indiretamente envolvida.

 

83 No contrato da concessão Poceirão-Caia os fundos acionistas representavam menos de 4% do financiamento do projeto e previa-se uma TIR acionista de 11,9%.  
84 Tendo em conta que as receitas comerciais não financeiras corresponderiam a cerca de 0,073%, a rentabilidade acionista referida decorreria, quase totalmente, dos pagamentos dos parceiros públicos. 
85 Mais de 71% do total dos fundos aplicados no projeto corresponderiam a pagamentos dos parceiros públicos.

 

86 A comportabilidade dos encargos, para o Estado e para a REFER, com a concessão Poceirão-Caia foi analisada no respetivo estudo estratégico.  
87 Esta avaliação teve caráter preliminar, não teve em conta o efeito do investimento na situação financeira da REFER e baseou-se em premissas que deixaram de se verificar, tais como as relativas às taxas de crescimento reais do PIB e aos limites admissíveis para o défice público. 
88 As estimativas não foram atualizadas durante o processo de contratação e em sede de visto não foi demonstrado o cabimento dos encargos do Estado, nem dos encargos a satisfazer pela REFER
 

Do relatório do Tribunal de Contas. Tem de se reconhecer, porém, que os juízes não tiveram em consideração o aumento de tráfego que uma oportuna paragem em Évora poderia trazer, agora que tantos residentes em Lisboa a elegeram como destino de peregrinação.

 

O Senhor D. Manuel II e o Mendonça

João Carvalho, 27.03.12

 

Foi a 4-12-1909, conforme se lê. O Rei de Portugal acaba de regressar de uma viagem a Inglaterra.

Esta entrada em Lisboa de comboio pode indicar que um grupo em torno de Sua Majestade tinha arranjado tempo (naqueles primeiros dias de Dezembro que nunca foram os melhores para ir dar uma volta ou preparar alguma caçada) para um encontro recatado, talvez para pôr o monarca a par das maquinações republicanas durante a ausência — uma ausência que serviu para um encontro (premonitório?) entre D. Manuel II e Eduardo VII.

No momento da foto, estão à vista o conde de Mafra Thomaz de Mello Breyner, o visconde de Asseca, el-Rei D. Manuel II e o conde de Sabugosa.

Nesse preciso instante, o ministro Mendonça e o secretário Campos tinham entrado numa das carruagens para contactar o pessoal de serviço, a fim de saber se a composição não seria capaz de se mover a alta velocidade para que pudessem ir jantar a Madrid a horas decentes — nem que isso custasse mais alguns milhões ao pobre Orçamento, que os republicanos mais cedo ou mais tarde haveriam de pagar.

Bonnie and Clyde

Laura Ramos, 29.12.11

João Carvalho:
- Não achas que o TGV protegeria os portugueses do risco de assaltos como este?
Não tarda nada e a vida estará para os novos Bonnies&Clydes, que farão parar qualquer inocente comboio alfa...
É  que é pendular! Quero dizer: patibular.

Todos os caminhos vão dar a Madrid

João Carvalho, 09.10.11

 

Ao partir da grande estação central de Pequim (na foto), o TGV chinês tem dois destinos possíveis, um dos quais é doméstico: Xangai. O outro destino provável é, obviamente, Madrid.

Tempos houve em que todos os caminhos iam dar a Roma. Hoje em dia, como em Portugal bem se sabe, todos os caminhos-de-ferro vão dar a Madrid. O mundo mudou muito...

O último dos Jerónimos

João Carvalho, 06.09.11

 

Nunca tentei hibernar, mas tenho andado a estiar tão bem e por tão sérias razões que só um valentíssimo e ruidoso susto poderia chocalhar-me e despertar-me tão completamente: Jerónimo de Sousa não quer que o TGV seja suspenso. Assim mesmo, tal e qual.

Ainda estremunhado, procurei descortinar um bom motivo. Encontrei-o. O líder do PCP diz que «temos de continuar ligados à Europa». Cruzes! Bem avisava o Sócrates: o mundo mudou muito.

Portugal pode safar-se?

João Carvalho, 15.07.11

Na China, «o Ministério do Transporte Ferroviário garantiu ir solucionar os problemas de fornecimento de energia e outras deficiências do serviço de alta velocidade entre Pequim e Xangai inaugurado no início do mês.» Nos 1318 quilómetros do percurso, os cortes de energia (e não só) têm constituído uma enorme dor-de-cabeça para as autoridades e ilustram bem os contrastes da China de hoje, entre a modernidade galopante e a incapacidade para ultrapassar um passado que se arrasta e conserva.

Esta incompatibilidade dramática na actual vida dos chineses parece que está a levar o Ministério do Transporte Ferroviário a ponderar a possibilidade de convidar para Pequim o ex-ministro Mendonça — não tanto por este poder liderar uma política de desenvolvimento permanente, mas pela prática que tem para garantir que o desenvolvimento avança às segundas, quartas e sextas, embora fique suspenso às terças, quintas e sábados.

Com um ex-primeiro-ministro em Paris, um ex-ministro em Nova Iorque e um ex-ministro em Pequim, assistimos aos primeiros sinais de que Portugal talvez se safe — não tanto pelo prestígio que eles levam, mas pela distância que os separam de nós.

Talvez uma volta de teleférico, não?

Rui Rocha, 29.06.11

 

José Blanco é o ministro Espanhol do Fomento. Para simplificar, pode dizer-se que é o irresponsável local pelas obras públicas faraónicas e pelas parcerias impúdico-privadas de nuestros hermanos. Mal comparado, um maluquinho dos comboios como o nosso Mendonça. Ao que parece, ficou muito incomodado com a suspensão do TGV. Pelo visto, o ministro Blanco também estava entusiasmado com a possibilidade de utilizar o TGV para ir a banhos na Caparica. É claro que talvez não fosse pior que o ministro Blanco se entretivesse com questões como o número de passageiros de alguns troços do TGV em Espanha. A utilização média diária atingiu os 9 passageiros, circunstância que, naturalmente, obrigou ao encerramento do serviço. Ou com o aeroporto de Castellon que, à falta de aviões, será utilizado como ponto de partida de uma etapa da Volta a Espanha. É que nós por cá já temos com que nos entreter com os estádios do Euro, os 7 passageiros semanais do aeroporto de Beja e os 150 milhões de euros que o consórcio ELOS se prepara para pedir ao Estado como indemnização pela suspensão do TGV. Entre outros legados da mesma espécie. Por isso, e atendendo a que estamos no início da época estival, penso que José Blanco devia ir passear. À falta de TGV que o leve à Caparica, sugiro-lhe uma outra praia, bem mais próxima de Madrid. E, na falta de comboio de alta velocidade, recomendo uma voltinha no teleférico da Penha, em Guimarães. É uma espécie de TGV. Suspenso.

Para o chá de despedida

João Carvalho, 16.06.11

Como sabem, tenho sido um fã assumido do demissionário ministro Mendonça e não seria capaz de vê-lo partir, seja lá para onde for, sem lhe desejar que mande de lá saudades, que é coisa que cá não deixa.

 

 

À laia de lembrança pelos bons tempos que agora terminam (felizmente, tempos bem mais curtos do que ele esperava), aqui fica a minha oferta especial: uns bolinhos TGV fresquinhos para o último chá com a família governamental. O chá, esse, não posso oferecer: ou já se tem, ou não se tem definitivamente.

Adeusinho

João Carvalho, 04.06.11

Consta que a locomotiva estacionada este fim-de-semana à porta do Ministério das Obras Públicas tem despertado alguma curiosidade. O DO foi saber e está em condições de informar que a máquina e o respectivo vagão estão ali para carregar as peças do TGV na próxima segunda-feira e levá-las para longe, como já andamos a prever aqui há bué de tempo.

É com este fim triste e inglório que acaba o TGV em kit encomendado pelos dois últimos ministros das Obras Públicas. Mas é sempre mais triste assistir ao fim inglório dos dois homens que quiseram meter a política nacional entre carris sem conseguirem raciocinar para lá da bitola estreita que se sabe.

Então adeus, sim?