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Delito de Opinião

E que tal exibirem a bandeira no Irão?

Pedro Correia, 25.10.23

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Estes fervorosos fãs do Hamas que se manifestam no Rio de Janeiro contra Israel e a favor dos terroristas islâmicos, para serem consequentes, deviam exibir aquela bandeira arco-íris em qualquer dos 22 países árabes.

E também, claro, no Irão.

Voltariam certamente de lá com histórias interessantes para contar. Se voltassem.

Como engoliram a propaganda do Hamas

Pedro Correia, 24.10.23

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New York Times foi reproduzindo propaganda do Hamas, em versões diferentes, na sua manchete digital

 

A 17 de Outubro, o New York Times engoliu a propaganda do Hamas - via Al-Jazeera - dando nota de que Israel tinha "bombardeado" um hospital na Faixa de Gaza e provocado ali "mais de 500 mortos". Número redondo, para ter ainda mais impacto, e que lamentavelmente alguma imprensa de referência reproduziu de imediato, em cascata, a partir daí. Acriticamente, sem nada questionar, como se estivesse perante uma fonte credível, independente e desinteressada.

Nem faltou, logo a seguir, uma "conferência de imprensa" debitada pelo «Ministério da Saúde de Gaza" (totalmente controlado pelo Hamas) com médicos envergando imaculadas batas brancas, munidos de um púlpito e bem iluminados por luzes de projectores e holofotes (aparentemente sem o menor receio de voltarem a ser "bombardeados", com toda aquela sinalização luminosa a meio da noite).

 

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Tresandava a aldrabice. Fake news, como se diz agora. Mas os papagaios de turno repetiram-na até à exaustão. Procurando derrotar Israel na guerra da propaganda, em benefício dos terroristas do Hamas, que têm inscrito na sua carta de princípios o mandamento de que é preciso «matar judeus» seja onde for e quando for.

Ontem, num inequívoco gesto de honestidade intelectual, o mais influente diário norte-americano reconheceu ter errado. Numa nota editorial sobre o assunto, que passo a citar na íntegra até pelo seu valor documental:

 

«On Oct. 17, The New York Times published news of an explosion at a hospital in Gaza City, leading its coverage with claims by Hamas government officials that an Israeli airstrike was the cause and that hundreds of people were dead or injured. The report included a large headline at the top of The Times’s website.

Israel subsequently denied being at fault and blamed an errant rocket launch by the Palestinian faction group Islamic Jihad, which has in turn denied responsibility. American and other international officials have said their evidence indicates that the rocket came from Palestinian fighter positions.

The Times’s initial accounts attributed the claim of Israeli responsibility to Palestinian officials, and noted that the Israeli military said it was investigating the blast. However, the early versions of the coverage — and the prominence it received in a headline, news alert and social media channels — relied too heavily on claims by Hamas, and did not make clear that those claims could not immediately be verified. The report left readers with an incorrect impression about what was known and how credible the account was.

The Times continued to update its coverage as more information became available, reporting the disputed claims of responsibility and noting that the death toll might be lower than initially reported. Within two hours, the headline and other text at the top of the website reflected the scope of the explosion and the dispute over responsibility.

Given the sensitive nature of the news during a widening conflict, and the prominent promotion it received, Times editors should have taken more care with the initial presentation, and been more explicit about what information could be verified. Newsroom leaders continue to examine procedures around the biggest breaking news events — including for the use of the largest headlines in the digital report — to determine what additional safeguards may be warranted.»

 

Traduzo a frase sublinhada: 

«Os editores deveriam ter sido mais cuidadosos na divulgação inicial e mais explícitos sobre o tipo de informação realmente confirmada.»

Rectificar quando se erra é um imperativo deontológico, ético e moral. Que o New York Times cumpriu, embora com vários dias de atraso.

Falta agora que a líder do Bloco de Esquerda faça o mesmo.

Convém recordar aquilo que Mariana Mortágua se apressou a verter na rede social X, ecoando - também ela - as trombetas da propaganda do Hamas:

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Ainda vai a tempo. Vale mais tarde que nunca.

«Se há um judeu atrás da árvore, mata-o»

Pedro Correia, 19.10.23

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Dizei aos que não crêem: "Sereis, sem dúvida, derrotados e reunidos no Inferno. O vosso lugar de descanso será o mais terrível".»

Alcorão, 37: 171-173

 

Este 7 de Outubro será sempre conhecido como dia da infâmia em Israel. O dia da incursão de cerca de dois mil terroristas do Hamas em território israelita que provocou 1500 mortos e mais de três mil feridos, além de 300 pessoas de mais de 30 nacionalidades tomadas como "reféns". Ignora-se se ainda estarão vivas.

Ainda nem uma das vítimas tinha sido enterrada, já havia por cá quem relativizasse o massacre, invertendo o ónus da culpa, que terá sido das vítimas. Seguindo a lógica daquele juiz desembargador que absolveu o violador alegando que a jovem violada usava uma saia demasiado curta e, portanto, estava mesmo a pedi-las...

Para tal gente toda a barbárie, singular ou colectiva, assenta neste axioma que desafia a lógica mais elementar. Inocentar os criminosos, culpar as vítimas. Daí, no próprio dia 7, não ter faltado logo quem estabelecesse equivalência moral entre a Alemanha nazi e o Estado judaico. Qual o efeito prático de tudo isto? Branquear a página mais negra da história humana, que se traduziu no assassínio sistemático e meticuloso de seis milhões de pessoas às ordens de um estado totalitário, onde qualquer dissidência equivalia a morte.

 

Não faltou até, nesta linha de raciocínio cada vez mais alucinada, quem metesse Gaza e Auschwitz no mesmo saco. Omitindo, desde logo, toda a cartilha xenófoba e racista do Hamas - declaração de ódio visceral não apenas ao Estado de Israel mas ao conjunto do povo judeu. 

Esta cartilha está disponível na rede, para quem queira ficar elucidado.

Proclama coisas como estas:

«Não há solução para o problema palestino a não ser pela guerra santa. Iniciativas de paz, propostas e conferências internacionais são perda de tempo e uma farsa.»

«Os hipócritas não podem ser superiores aos crentes, e devem morrer em desgraça e aflição.»

«Os sionistas estiveram por detrás da I Guerra Mundial, por meio da qual obtiveram a destruição do Califado Islâmico, tiveram altos ganhos materiais, passaram a controlar numerosos recursos naturais, obtiveram a Declaração Balfour e criaram a Liga das Nações Unidas (assim no original), para poderem governar o mundo por meio dessa Organização. Estiveram, também, por detrás da II Guerra Mundial, através da qual juntaram um tremendo lucro com o comércio de materiais de guerra e abriram caminho para o estabelecimento do seu Estado.»

Destaco sobretudo esta: 

«A hora do julgamento não chegará até que os muçulmanos combatam os judeus e terminem por matá-los e mesmo que os judeus se abriguem por detrás de árvores e pedras, cada árvore e cada pedra gritará: "Oh! Muçulmanos, Oh! Servos de Alá, há um judeu por detrás de mim, venham e matem-no!"»

 

Ao menos não enganam ninguém: dizem exactamente o que pensam - se é que podemos chamar pensamento a isto.

Tal como fez Hitler há cem anos, quando publicou esse execrável panfleto antijudaico chamado Mein Kampf. Sabemos muito bem o que aconteceu depois.

Jamais se repetirá. Os judeus não voltarão a deixar que o inimigo os conduza ao matadouro. Tenha esse inimigo o rótulo que tiver, chame-se ele como se chamar.

Rushdie

jpt, 13.11.22

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Aqui deixei nota da minha preferência pelas revistas antigas, com os anos passados sobre a sua edição a depositarem uma pátina, um composto químico de carinho e ironia, sobre as grandes proclamações, inevitabilidades, sensações e novidades que nelas se anunciam, algo que me delicia como leitor retardatário. No fundo, é a produção do ambicionado "olhar distanciado", coisa que o decorrer dos tempos ajuda a florir ainda que não seja - nem de perto nem de longe - factor suficiente. Mas nem sempre é esse o fruto desta distância, há casos em que um exemplar antigo nos surpreende, na sua qualidade e pertinência, num espontâneo "caramba, já faziam coisas assim naquele tempo?", óbvia distracção a confundir o pó (e odor) acumulado em meia dúzia de anos com uma evidência de eras bem transactas, qual verdadeira "escavação" na história intelectual...

Tenho a casa atafulhada dessas velhas revistas, grande parte delas legado paterno e algumas até de origem avoenga, e vou folheando-as por desfastio. Para por vezes me encantar, com peças mais excêntricas ou recuadas ou, como agora, com algo bem mais vizinho, um belíssimo produto lisboeta com apenas meia dúzia de anos. Falo do nº 144 (Inverno 2016/2017) da LER, revista com a qual durante tive uma relação de completo evitamento, abominando-lhe paginação, corpo de letra e, acima de tudo, as cores do miolo - uma malvada conspiração gráfica que a fazia verdadeiramente ilegível, e isso numa época em que eu nem sequer usava óculos. Felizmente há já bastante tempo que a  publicação sofreu uma revolução "artística", tornando-a acessível ao "povo óptico", decerto que sob o glosado lema "a revista a quem a leia..."

Pois esta LER 144 é uma preciosidade: pela panóplia das então "novidades" editoriais e os necessários debates / polémicas - e o Nobel acabara de ser atribuído a Dylan, algo que fora um abalo tectónico no "campo literário". E nas rubricas habituais, como a coluna de Eugénio Lisboa, veemente no resmungo com James Joyce (iconoclastia que vem continuando, nas suas magníficas entradas no De Rerum Natura). Ou em peças mais construídas, como um interessante artigo de Vasco Rosa sobre o início da carreira literária de Raul Brandão, enorme escritor que muito mais deveria ser lido, e cujo centenário então se comemorava, ou uma abrangente entrevista de António Araújo sobre o seu livro "Da Direita à Esquerda" (que nunca li mas que aceitarei emprestado). Tudo isto quase culminando em dois preciosos, de fundamentais, artigos: "Liberdade vs Politicamente Correcto", de Camille Paglia, e "O Firme Princípio da Liberdade" de Timothy Garton Ash. Enfim, tudo isto será suficiente para transformar esta "revista velha" em algo de muito apetecível, pelo interesse e pela actualidade. 

Mas de facto tem ainda mais: uma entrevista (de 6 páginas, realizada por Isabel Lucas) de Salman Rushdie, feita aquando da sua visita a um festival literário em Óbidos. A qual tem uma parcela comovente, na qual o escritor - então aproximando-se de septuagenário - alude ao final, em 2000, do longo período em que viveu sob protecção devido à condenação à morte emitida pelo terrorismo estatal iraniano. Dizia ele: "Ter aquele aparato de segurança durante 11 anos e de repente decidiram parar. Para mim, 48 horas depois foi como se nunca tivesse acontecido. (...) É tão maravilhoso. (...) Só penso nisso quando tenho de responder a perguntas de jornalistas. O resto do tempo estou a ter uma vida normal. (...)

Eu não sou uma metáfora. Sou uma pessoa. Não me sinto metafórico, mas muito exa[c]to, concreto. Fiquei muito cansado disso tudo, porque já não vivo mais assim. Houve um tempo em que sim, e agora, e desde há muito tempo, não. Estou muito interessado no que se passa no mundo, mas essa já não é a minha história. É a história de outras pessoas. O meu capítulo particular terminou." (pp. 104-105).

Anos passados, e face aos efeitos devastadores do brutal atentado que Rushdie veio a sofrer já este ano, estas declarações, a crença que nelas vivia, são comoventes. E servem-me também para sublinhar o meu desprezo pelos políticos da "esquerda socialista" que fazem gala em matizar o repúdio face ao terrorismo do fascismo islâmico - algo sobre o qual, metendo o nome aos bois, botei neste postal.

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 21.08.22

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Hoje é O Dia Internacional em Memória e Tributo às Vítimas do Terrorismo 

"Esta data assinala-se em honra das vítimas e sobreviventes do terrorismo e com vista à promoção e protecção dos seus direitos e liberdades fundamentais.

Embora o terrorismo se faça sentir num maior número de estados membros da ONU, as suas vítimas têm-se concentrado num pequeno número de países. Estas pessoas são continuamente negligenciadas e esquecidas, logo após o rescaldo dos ataques terroristas, compromentendo a sua recuperação fisíca e psicológica a longo prazo.

O Dia Internacional da Lembrança e do Tributo às Vítimas do Terrorismo foi proclamado pela Assembleia Geral da ONU a 28 de Janeiro de 2018."

 

Todos os dias, alguém acorda para o mal. Qual será o primeiro pensamento de um assassino? Existirá em si aquilo a que se convencionou chamar consciência? 

Há pouco mais de uma semana, um jovem perpetrou um acto indizível contra um homem velho, que passou grande parte da sua vida adulta escondido e com medo. Muito antes de esse jovem nascer, uma besta fundamentalista do terror ordenou a execução do homem velho, porque escreveu um livro. Essa perversidade plantou a semente do mal e muitos anos após a morte da besta, a semente continuou a germinar na inconsciência de quem crê que o mal é a salvação. Se o ataque ao homem velho foi um crime de oportunidade, não sei, mas sei que quem vive com o mal em si, não perde uma oportunidadede o demontrar e ecravizar o mundo pelo terror .

 

(Imagem do Google)

A propósito do ataque a Salman Rushdie

jpt, 15.08.22

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O atentado sofrido por Salman Rushdie, 33 anos depois da sua condenação à morte pelo ditador Khomeini - em cujo país a imprensa já louvou esta acçãoconvoca a que se reflicta sobre como se concebe esta teofilia constituída como fascismo islâmico, que se vem alastrando nas últimas décadas. Pois na Europa há uma tendência "compreensiva" do fenómeno, de facto desresponsabilizadora dos seus agentes. Esse rumo tem dois grandes dínamos: 1) o viés autopunitivo da civilização ocidental, dominante nas correntes "identitaristas" tendentes a interpretações "multiculturalistas" deste fenómeno político, nas quais se enfatiza a relevância das suas raízes "culturais" - como se estas assim fossem legítimas, qual uma segunda natureza. No fundo, esta é a actualização da "obsessão antiamericana", oriunda do conservadorismo oitocentista europeu, neste ambiente impulsionada pela sua refracção em Foucault - ele próprio arauto da teocracia iraniana -, um grande inspirador desta deriva "identitarista"; 2) o reforço do pensamento antiliberal, um estatismo sempre tendente a impor limites à liberdade de expressão e de consciência, demonstrado em particular no anseio de reverter o direito à blasfémia e da aceitação - em primeiro lugar para as minorias residentes - da censura à liberdade de apostasia.

 

A barbárie está no meio de nós

Pedro Correia, 22.04.22

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O Mal existe. Tem nome e rosto. Tem identidade própria. Tem alegadas «motivações», propaladas aos quatro ventos através da caixa de ressonância dos órgãos de informação. Tem até defensores - uns por razões políticas, porque interessa «destruir o sistema», outros simplesmente porque sim.

Não faltam aqueles que procuram negar a existência do Mal. Desde logo por crerem na bondade intrínseca à natureza humana: essas excelentes almas acreditam convictamente que não há rapazes maus. Ou por negarem validade às estruturas axiológicas: esses são os que argumentam pela irrelevância das fronteiras entre o Bem e o Mal, sobretudo porque as imaginam sempre contaminadas de conteúdo religioso. Sem repararem que tantas vezes, ao difundirem tal crença, assumem com frequência um fervor simétrico ao dos mais ortodoxos fiéis de uma determinada igreja.

E no entanto o Mal existe. Podemos vislumbrá-lo em múltiplas erupções quotidianas. No indivíduo que pela calada da noite, há poucos anos, punha uma bomba no carro de um autarca basco e encolhia indiferentemente os ombros quando a explosão desse veículo matava crianças que ignoravam o significado da palavra nacionalismo, considerando-as «danos colaterais» - o homicídio mais aleatório elevado à categoria de instrumento de acção política. O monstro de sorriso gélido que planeou friamente a execução sumária de algumas dezenas de adolescentes num acampamento de férias na Noruega e acabou classificado de inimputável por um colégio de psiquiatras. O fanático anti-semita que transforma o ódio étnico, cultural ou religioso em senha de identidade à margem de todos os considerandos de ordem moral, convertendo o massacre de seres humanos numa espécie de mandamento ditado pelo sectarismo mais irracional.

Foi preciso correr o sangue de inocentes para também a França republicana e laica reparar que albergava a semente do Mal no seu seio iluminista com atentados como o de 2016 em Nice ou o massacre na redacção do Charlie Hebdo.

 

Não adianta proclamar, como fazem saudosos discípulos de Sartre, que o inferno são os outros. Não tenhamos ilusões: a barbárie está no meio de nós. E ganha terreno quando tentamos justificá-la com indiferença cúmplice invocando argumentos de sociologia política para validar as cartilhas ideológicas que autorizam a dissolução da dignidade humana em benefício de impulsos liberticidas. Como se os fins justificassem todos os meios. Como se houvesse equivalência moral entre carrascos e vítimas. Não há, em absoluto: a tragédia na Ucrânia bem o demonstra.

«Observar um crime em silêncio é cometê-lo», ensinou-nos José Martí. Nada mais certo. Não podemos resignar-nos ao poder da barbárie. Nem tolerá-la. Nem «compreendê-la». Nem deixar que ela se banalize a tal ponto que comece até a ser encarada com indiferença. Enquanto os cadáveres se amontoam e mastigamos qualquer coisa à hora do telejornal.

 

Imagem: O Massacre dos Inocentes (1609-11), de Rubens

Minority Report

Maria Dulce Fernandes, 13.02.22

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Terei sido apenas eu nos últimos dias a ter uma sensação recorrente de déjà vu?

Quer-me parecer que o pré-crime saltou da ficção de Philipe K. Dick para a realidade e em grande estilo.

Depois segue-se o maior espectáculo do mundo com anónimos e obscuros protagonistas a saltarem da realidade para a ficção. 

Ready when you are, mr DeMille.🙄

FP-25

jpt, 29.12.21

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Enquanto alguns intelectuais e vários jornalistas se afadigam para "refazer" a História, tornando-a "exacta", querendo afrontar o que dizem "silenciamento" e "falsificação" do passado, e nisso considerando que as formas como entendemos o real e nele actuamos são simples reflexos das maldosas mundivisões de Bartolomeu Perestrelo, Gomes Eanes de Zurara e coevos facínoras, em 2021 assistiu-se a um curioso esforço colectivo de "desenvendamento", de "reescrita da História", com o evidente propósito de nos desalienar, de nos tornar mais capazes de interpretar o real, de entender os ideais vigentes e as categorias intelectuais que comandam as práticas dos agentes sociais na actualidade. Curiosamente nenhum desses intelectuais e jornalistas avessos aos aparentes proto-sorelianos Duarte Barbosa, João dos Santos ou João de Barros, se associou a este movimento de esclarecimento histórico.
 
Falo da publicação de vários textos dedicados às FP-25, dirigidas pelo entretanto falecido Otelo Saraiva de Carvalho, e aos múltiplos ecos que esses textos tiveram. O que terá servido, espero eu, para derrubar o esforço falsificacionista de uma certa intelectualidade da esquerda - alheia ao PCP - que sempre usou a glorificação desse indivíduo para reclamar o monopólio do ideal democrático entre aqueles que adeptos da insurreição armada avessa à democracia liberal. Nisso falsificando a História recente de Portugal, procurando apagar a realidade do terrorismo assassino de que aquele Carvalho foi líder.
 
Claro que há renitentes em enfrentar tal situação. À minha pequena escala também o assisti: entre outros textos dedicados ao falecido terrorista, botei sobre um académico do CES de Coimbra que continua o esforço de falsificação histórica, elidindo o terrorismo de Carvalho e reduzindo os que nisso atentam a adversários da democracia, e notei o total silêncio dos pares de Coimbra (e da comunidade universitária nacional) diante de tal dislate. E a esse propósito logo tive aqui [no meu mural de FB] um lusomoçambicano, antigo (se é que há "antigo" nestas coisas) agente da SNASP (a polícia política da I República moçambicana) a chamar-me "fascista", no que foi secundado por gente com algumas similitudes biográficas, entre as quais antigas (mas não futuras) visitas de minha casa. Num verdadeiro caso de admiração pelo terrorismo que bem mostra que "les beaux esprits se rencontrent"...
 
Esta longa introdução "desabafante" vem a propósito de um belo texto agora publicado pelo "Observador" dedicado à história das FP-25: "FP-25 de Abril: As Bombas, as Balas, e os "Inimigos a Abater". Trata-se de um bom trabalho de investigação, que não deixa campo para os que insistem na elisão da dimensão daquele processo, e ainda nos mostra como alguns desses terroristas continuam na actualidade vinculados aos mesmos ideais de insurreição armada - sabendo nós também que alguns deles ocupam postos nas listas eleitorais do BE e cargos de relevância universitária.
 
Deixo ligação para o excelente artigo de leitura recomendável - para não cair no sempre irritante imperativo do "leitura obrigatória". Chamo a atenção para que tem um belíssimo grafismo, o qual torna ainda mais apetitosa a leitura. E, muito relevante, é de acesso livre. Ou seja, serviço público. Em prol da democracia. E nisso avesso aos intelectuais e jornalistas aldrabões, carpideiros do "otelismo". E, também, decerto, avesso aos agentes da SNASP e seus apoiantes.

Um terrorista no poder

jpt, 01.11.21

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Quando há meses morreu o coronel Carvalho, antigo dirigente do movimento terrorista FP-25 que assombrou o país nos anos 80s, bloguei (1, 2) - e recordei um recuado texto sobre o otelismo - uns textos resmungando contra o vil culto que alguns lhe prestavam. Há menos tempo repeti o resmungo, face à falsificação da história feita por um professor de Coimbra, colunista habitual do boletim "Público", que surgiu a invectivar de antidemocratas os que não louvam o líder da organização assassina. Numa abjecta manipulação da história, que colhe o silêncio cúmplice da corporação a que pertence. Claro que um tipo bota coisas destas e é logo dito "fascista"...
 
Mas note-se esta notícia: Soares Neves, o "TóZé" dirigente terrorista das FP-25, condenado a 15 anos de prisão, pena que não cumpriu ["não pagou a dívida à sociedade", na vox populi] devido à amnistia promovida devido ao perverso imbróglio jurídico daquele processo, tem integrado júris no Centro de Estudos Judiciários nos concursos de acesso à magistratura. E é agora subdirector do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE (uma universidade pública), e ainda director do diretor do Observatório Português das Atividades Culturais do ISCTE [que faz avaliações das políticas governamentais].
 
 
 

Terrorismo em África e no Cabo Delgado

jpt, 31.03.21

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De Palma, capital do distrito a nordeste do Cabo Delgado, sede das grandes unidades de exploração de recursos combustíveis, chegam imagens do rescaldo em curso após o violento ataque da passada semana, já reclamado pelo "Estado Islâmico" da África Central. Evito mostrar as mais duras. Fica esta, como ilustração do que vem acontecendo.

No sábado passado participei num debate sobre a expansão do terrorismo em África, com particular enfoque na situação moçambicana - algo ainda mais sublinhado pelo ataque a Palma. Foi uma conversa entre Cátia Moreira de Carvalho, Paulo Baptista Ramos, eu jpt, Luís Bernardino e moderada por Miguel Ferreira da Silva, numa organização da Africa Sessions. Aqui deixo a gravação da sessão, para quem tiver alguma curiosidade sobre o fenómeno no continente e, em especial, em Moçambique.

Terrorismo, violência e antifascismo [Pub]

Diogo Noivo, 07.06.20

"É verdade que existem paralelismos entre o ANTIFA e as organizações terroristas do passado e do presente. A crença em messianismos históricos, a inversão do ónus da responsabilidade – dizem actuar porque as circunstâncias a isso os obrigam, não por vontade própria – e a atribuição à violência de um papel transformador da sociedade são semelhanças inegáveis. Ademais, exacerbam e instrumentalizam sentimentos de revolta invocando ânsias de justiça quase sempre definidas de forma sectária. Procuram cavar abismos comunitários para dividir as sociedades e acender rastilhos ideológicos junto das populações. Mas há elementos essenciais em falta para cumprir os critérios inerentes a uma organização terrorista." - no Observador.

Terrorismo

Maria Dulce Fernandes, 02.06.20

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Li hoje na imprensa internacional disponibilizada online que as pessoas aproveitam qualquer pretexto para se amotinar, saquear e pilhar, normalmente em nome da igualdade e da justiça.

A morte de um ser humano às mãos de um seu semelhante nunca é um “qualquer pretexto". É um acto de extrema barbárie, independentemente do contexto. Não tem desculpa nem justificação. É algo deontologicamente desprezível e totalmente inaceitável na cultura ocidental.

Dito isto, pergunto-me se amotinar-se, saquear e pilhar se justificam pelo sentimento de revolta, genuíno e esmagador, em crescendo contínuo na sequência da morte violenta e sem sentido de mais um ser humano às mãos de quem o devia ajudar e proteger. Mortes, violência sem justificação nem sentido acontecem infelizmente todos os dias e a todas as horas, por esse mundo fora, e a grande maioria nunca chega ao nosso conhecimento.

O que é que esta morte por brutalidade policial tem de diferente de todas as outras? Nada. Não tem nada de diferente. É mais um crime contra a humanidade, como tantos milhares de outros crimes. Apenas o mediatismo é extrapolado: apela à revolta, à instabilidade e ao terrorismo. Apela ao medo e à justiça sumária. Apela à selvajaria. Apela ao crime.

Não é possível apagar um crime hediondo praticando milhares de outros que tais, igualmente injustificáveis e desprezíveis.

Se moralmente poderão estes levantamentos populares na sua essência,  serem considerados actos de terrorismo? Podem, sim. Este "fim" não justifica os meios. De modo nenhum.

A linha invisível

Diogo Noivo, 31.01.20

A 7 de Junho de 1968 a Europa estava com os olhos postos no outro lado do Atlântico. As cerimónias fúnebres de Robert Kennedy, senador norte-americano e irmão do antigo Presidente John Fitzgerald Kennedy, captavam o interesse da generalidade da imprensa mundial. Mas, nesse mesmo dia, do lado de cá do oceano, ocorreu um facto que mudaria para sempre a história do País Basco e de Espanha: a organização nacionalista basca ETA matou pela primeira vez.

Txabi Echebarrieta e Iñaki Sarasketa, ambos membros da ETA, viajavam num carro roubado pela estrada Nacional I Madrid-Irún. Tinham como destino Beasáin, em Guipúscoa, localidade onde receberiam um carregamento de explosivos. Por força de obras na via, tomaram um desvio pela estrada local de Aduna, também na província guipuscoana, onde passaram por uma operação de controlo de tráfego da Guardia Civil composta por dois militares em motociclo. Porventura por ter associado o carro a uma informação interna sobre uma viatura roubada, José Antonio Pardines, um dos gendarmes, seguiu-os e deu-lhes ordem para parar. Estacionou a motorizada em frente ao carro e pediu a documentação aos dois ocupantes. Após detectar irregularidades foi alvejado cinco vezes no torso.

O cadáver foi encontrado com o coldre da arma de serviço fechado, o que demonstra que Pardines foi surpreendido - facto, de resto, corroborado por análises forenses e testemunhos. Ao contrário da versão divulgada pela propaganda etarra, o jovem Guardia Civil de 25 anos não morreu numa troca de tiros, mas foi executado a sangue-frio. A 7 de Junho de 1968 a ETA decidiu atravessar a linha que separa aventureirismo e terrorismo para dar início a uma espiral de violência que só terminou em 2018.

A história do primeiro homicídio terrorista da ETA foi agora adaptada à ficção televisiva na série 'La Línea Invisible', a estrear em Abril no serviço de streaming da Movistar. Teve como consultor o historiador Gaizka Fernández Soldevilla, um dos mais prolíficos e rigorosos investigadores da história do terrorismo nacionalista basco, autor de vários artigos e livros, entre os quais a primeira monografia dedicada ao caso de José Antonio Pardines. O trailer é sugestivo e a série um dos acontecimentos televisivos do ano em Espanha. A não perder.

Carta para a minha filha devido ao atentado de Londres

jpt, 30.11.19

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Quando te digo para não cederes ao politicamente correcto não estou a ser o tal pai apenas velho e reaccionário, que decerto pareço. E não, não estou a ser apenas o tal pai que despreza, visceralmente, a turba de demagogos - quantos deles meu colegas antropólogos ou similares - sequiosos dos financiamentos socratistas ou quejandos, viçosos na estufa do "Choupal até à Lapa", de Telheiras ao Bairro Alto, e tão loquazes na defesa da "tolerância" e no ataque a nós-todos, "brancos" "ocidentais" (excepto eles próprios, porque homossexuais aka gays, guevaristas, "genderistas" ou tralhas semelhantes).

Quando te digo para não cederes ao politicamente correcto é para que possas pensar o mundo, nele actuar ou apoiar. Com sentido crítico. O que implica tino, imenso tino. E independência dos financiadores, burocratas estatais quase sempre.
 
E digo-te isto, comovido e até um pouco aflito - apesar do mim-mesmo que se vê rude pois experimentado, nada atreito a histerismos, mas pai -, ao ler esta notícia, a mostrar como aí nas universidades onde andas também vigora esta mentalidade, do medíocre e torpe "correctismo":
 
 
Minha querida, o problema não é o "Boris", goste-se ou não dele. O verdadeiro problema, horrível, é esta gente, vizinha, colega (até amiga) que faz por incompreender e esconder - por interesse, para ter ganhos económicos e estatutários, nos meneios e trejeitos em que se anima - que "tolerância" é sinónimo de "segurança". Urge afastar-nos deles. Que as polícias, em democracia, cuidem dos escassos guerrilheiros terroristas. E que nós, cidadãos, nos afastemos, combatendo-os, destes colaboracionistas "intelectuais".
 
Um beijo, muitas saudades.

Escondido à vista

Diogo Noivo, 28.06.19

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Arnaldo Otegi é um dos mais conhecidos e importantes dirigentes da esquerda abertzale, sector político nacionalista que apoiou o terrorismo etarra. Participou na fase inicial da última negociação entre o Governo de Espanha e a ETA, facto que usa como pedestal para se erigir como “homem de paz” e, dessa forma, ocultar condenações em tribunal por sequestro, enaltecimento do terrorismo e por tentar reconstruir o partido Batasuna (à época ilegalizado) a mando da cúpula da organização terrorista basca.

A televisão pública espanhola entrevistou-o esta semana, o que gerou a indignação colérica da imensa maioria dos partidos políticos do país. Tratava-se de mais uma operação de branqueamento, arguiam. Ainda que se perceba a fúria dos protestos, a crítica não tem cabimento. Parte da grandeza do Estado de Direito Democrático reside precisamente em garantir liberdades até àqueles que sempre o quiseram destruir. Por outro lado, tendo tempo para falar, Otegi é incapaz de esconder a sua verdadeira natureza e esta entrevista provou-o.

Abundaram os exemplos de mitomania e de apologia da violência, ainda que cínica e cobardemente encapotada, e há uma frase que os resume a todos na perfeição: “Lo siento de corazón si hemos generado más dolor a las víctimas del necesario o del que teníamos derecho a hacer”. Atente-se em mais do que tínhamos direito a fazer. Otegi referia-se a 850 mortos e 2500 feridos, 95% dos quais já em plena vigência do actual regime democrático. Sem nunca condenar a violência ou pedir perdão aos milhares de vítimas, Otegi explicita o princípio sinistro e insano que sempre conduziu a sua vida política: o direito a provocar dor, o direito a matar.

Como alguém escreveu, Otegi não é um homem de paz, mas sim um terrorista no desemprego. Quem conheça o personagem e a história de violência na qual foi protagonista não se espanta. Mas conclui que o fim da ETA não equivale ao óbito de uma cultura política de ódio que vê na violência um instrumento político legítimo, o que é preocupante porque Otegi e os seus correligionários têm hoje lugar em instituições políticas tanto em Espanha como na Europa. A dimensão desse lugar pode ser ampliada uma vez que Pedro Sánchez, Presidente do Governo espanhol, poderá celebrar acordos com as forças políticas abertzales para conseguir governar em minoria. Entre outras coisas, estes factos evidenciam o quão absurdo é atribuir ao VOX o lugar cimeiro na lista de ameaças à democracia em Espanha.

Descobrir o passado

Diogo Noivo, 25.06.19

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Begoña Urroz tinha 22 meses de idade quando morreu queimada na sequência de um atentado bombista. Foi a 27 de Junho de 1960 na estação ferroviária de Amara, em San Sebastian, no País Basco. Durante décadas o atentado foi atribuído à ETA. Begoña seria, aliás, a primeira vítima mortal do terrorismo basco. Em 2010, a data do atentado foi instituída pelo parlamento espanhol como o dia de homenagem às vítimas do terrorismo.

Um estudo publicado hoje pelos investigadores Gaizka Fernández Soldevilla e Manuel Aguilar Gutiérrez desmente essa tese, provando que a acção foi da responsabilidade do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL), um grupo armado luso-espanhol composto por militantes anti-salazaristas e anti-franquistas. Na sua ala portuguesa, o DRIL contou, entre outros, com Humberto Delgado, Henrique Galvão, Camilo Mortágua e Victor Cunha Rego.

 

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Muerte em Amara: La violencia del DRIL a la luz de Begoña Urroz”, uma edição do Centro Memorial de las Víctimas del Terrorismo, resgata um pedaço de História contemporânea do canto obscuro onde esteve esquecido. O estudo é fruto de um trabalho de investigação notável assente em muita documentação inédita. E permite vislumbrar o que foi a participação portuguesa em actos de violência política além fronteiras. Só por isso merece atenção por cá. Os interessados podem descarregar a versão em pdf de forma gratuita aqui.

Rebeldes, separatistas e equívocos [pub]

Diogo Noivo, 22.05.19

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Em vésperas de eleições europeias impera a preocupação com nacionalismos e com extremismos. Mas há um nacionalismo que escapa à preocupação apesar de ser responsável por mais de 800 homicídios e de defender esse legado de violência a partir de instituições democráticas.

Até para precaver reincidências, importa chamar as coisas pelos nomes. No referente à ETA, as palavras “rebeldes” e “separatistas” são equívocos que devem ser evitados, pois foi uma organização terrorista. Defendo este argumento hoje, no Observador.

O Sri Lanka e o estado do Ocidente

jpt, 22.04.19

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Não há muito para dizer sobre os terríveis atentados no Sri Lanka que a imprensa não tenha já relatado (ou venha a relatar, acontecida que foi há pouco outra explosão) - talvez lembrar que nos últimos dias houve um ataque do ISIS no Congo, e que a "insurgência" islamita em Moçambique se vai disseminando para sul. Entre tantos outros países onde formas super-agressivas de islamismo político se vão disseminando, isto para além das habituais formas de ditaduras políticas e intolerância sociocultural - os militantes "activistas" e "identitaristas", bem como os Estados europeus, são completamente excêntricos ao autoritarismo religioso do Islão, patente nas formas inaceitáveis de tratamento da apostasia e de perseguição dos ateus, bem como da perseguição e discriminação de minorias religiosas. Tanto nos países de maioria muçulmana como nas práticas das populações muçulmanas residentes na União Europeia "dos direitos humanos". Alguém se interroga sobre como actuam os líderes religiosos muçulmanos em Portugal (e na UE) face aos que querem abandonar a sua religião, como pregam sobre o assunto, que pedagogia da tolerância praticam, que modalidades institucionais instauram? De facto, a liberdade de culto, um dos valores fundamentais conquistados na Europa é posta em causa no interior de núcleos crescentes da população sem que isso seja apontado pela maioria dos intelectuais dos países europeus (algemados aos pós-marxismo identitarista) e sob o silêncio (timorato) dos Estados. 

Um dos grandes problemas é o do negacionismo do processo em curso. Trata-se de uma "guerra civil" islâmica, uma "guerra santa" endógena, uma enorme conflitualidade interna ao islamismo, uma religião política por excelência, talvez a mais política de todas, promovida pela desvairada violência do "integrismo", querendo esmagar (converter ou exterminar) outras correntes. Aquilo  que é um "ur-fascismo", para usar a problemática definição de Umberto Eco. Mas também, concomitantemente, de uma "guerra santa" contra os cristãos (e também contra os hindús, mas mais calma em termos de atentados ainda que a conflitualidade latente entre Índia e Paquistão não augure nada de bom neste domínio). É tendencialmente uma guerra universal, inegociável, pois os "integristas" tudo querem, não há como negociar.

Nesse âmbito temos o supremo problema de que o "ocidente", ao confundir democracia com "multiculturalismo" - versão secularismo, à qual em Portugal Rebelo de Sousa deu carta de corso logo que tomou posse, diante do silêncio ignorante e estuporado da classe intelectual e dos políticos (dos jornalistas já nem se fala) - não coloca o problema tal e qual ele existe. Começa isso por não o nomear, em requebros e meneios que são verdadeiramente suicidários. O exemplo do dia, tonitruante por vir de quem vem, é a forma como Obama e Clinton se referiram às vítimas dos horríveis atentados no Sri Lanka. Repare-se bem nisto: se há um mês o desgraçado morticínio numa mesquita neo-zelandesa foi enunciado pelo ex-presidente americano como uma agressão à "comunidade islâmica" (e não aos "Adoradores do Profeta" ou aos "Adoradores do Pedregulho"), agora os atentados são por ele (e pela sua ex-vice) considerados como atingindo os "Adoradores da Páscoa" (e não a "comunidade cristã"). Nesta vergonhosa pantomina retórica reina o substrato negacionismo, o propósito de não identificar, sonoramente e com exactidão, os alvos: os cristãos.

O inimigo é, evidentemente, o ur-fascismo islâmico. Mas é evidente que Obama, e os tantos "Adoradores do Obama", são perigosos. Chamberlains actuais, nada mais do que isso.

Futebol e terrorismo

Diogo Noivo, 14.01.19

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Serei o único português que não percebe nem gosta de futebol. Não sei o nome dos jogadores, não percebo as tácticas, e tenho uma reacção de convulsão visceral aos inúmeros e intermináveis programas de comentário desportivo.

Se não me falha a memória, a última vez que entrei num estádio teria uns oito ou nove anos. Foi no Restelo e pela mão do meu querido avô, antigo dirigente de modalidades amadoras no Belenenses, que sofreu até ao último dia pelo clube do seu coração. Recordo-o como um gentleman. Sereno e cortês, de uma amabilidade quase anacrónica. O aprumo era militar, com um bigode branco cuidado ao milímetro e a capacidade paranormal de chegar ao final do dia com a camisa impecavelmente engomada.

Talvez por guardar esta imagem dele tenho tanta aversão ao futebol. A psicanálise explicará. Para mim, o mundo do futebol era o meu avô e o meu avô era radicalmente diferente daquilo que se vê nos relvados, nas bancadas e nos estúdios de televisão onde a bola dá o mote para horas de conversa inenarrável.

Esta digressão ao passado vem a propósito de uma pergunta que me foi feita pelo Diário de Notícias no final da semana passada: o sucedido em Alcochete foi terrorismo? Analisei o sucedido, dissequei os factos, ponderei o que está demonstrado. Cheguei a duas conclusões. Primeiro, tenho razões para execrar o mundo da bola. Segundo, o sucedido dificilmente configura um caso de terrorismo – como é óbvio, apenas esta última conclusão consta da notícia publicada no DN. Defendo quatro argumentos:

 

1 - O terrorismo é, por definição, político. A violência, ou a ameaça do seu uso, destina-se a inocular o medo para, dessa forma, condicionar comportamentos sociais e políticos. Estará por demonstrar que a violência em Alcochete esteve ao serviço de um projecto de poder.

2 - Mais importante para o caso em apreço, os alvos directos do terrorismo nunca são os seus reais destinatários. As vítimas são um símbolo, uma representação daquilo que a organização terrorista entende ser o inimigo (i.e. um agente da polícia enquanto representante da autoridade do Estado, ou um cidadão europeu enquanto símbolo de uma sociedade alegadamente hedonista e "infiel"). Isto dificilmente se verificou em Alcochete, uma vez que os reais destinatários terão sido os jogadores.

3 - Uma das características que distinguem o terrorismo de outras formas de criminalidade organizada é o facto de este precisar de publicidade. Uma organização dedicada ao tráfico de armas não deseja atenção sobre a sua actividade, mas, pelo contrário, o terrorismo precisa de ampla divulgação da sua acção - sob pena de não disseminar o medo, que é o principal objectivo imediato de qualquer terrorismo. Está por demonstrar que os indivíduos envolvidos nas agressões em Alcochete desejassem a ampla divulgação do crime que cometeram.

4 - Por fim, o objectivo último das organizações terroristas não estatais é o Estado e as suas instituições, bem como a sociedade - ou pelo menos uma parte dela. Daí o terrorismo ser tão grave e insidioso. Também este critério dificilmente se verifica no caso de Alcochete.

 

Seja como for, os motivos para não regressar a um estádio permanecem intactos.