Ainda sobre os palermas
Paulo Tunhas presenteia-nos semanalmente no Observador com alguns detalhes captados pelo seu olhar treinado na filosofia e que escapam aos banais observadores da realidade, onde me incluo.
Hoje escreve sobre as palavras certas das pessoas simples, sobre a forma linear como as vítimas dos bombardeamentos russos explicam aquilo por que têm passado, mas não só. Às páginas tantas diz:
“Ouvir um comunista é ouvir uma máquina de palavras – a célebre “cassete” – cujo contacto com a realidade é puramente acidental. Até a maníaca repetição de fórmulas sublinha esse lado maquinal. E as máquinas de palavras são indiferentes à verdade. Como são indiferentes à verdade os conspiracionistas sortidos, de esquerda ou de direita, que vêem na invasão da Ucrânia a resposta justa e inevitável a uma urdidura dos Estados Unidos e dos seus velhos aliados britânicos, que arrastariam consigo a União Europeia. Os conspiracionistas são, em geral, analfabetos que confundem uma desconfiança originada pelo que se chama “egoísmo lógico” com uma forma de cepticismo. Dito de outra maneira: recusam-se a acreditar no que o comum acredita porque isso os faz sentir intimamente detentores de uma verdade oculta que não está ao alcance da maioria. Também a estes a mentira os atrai como uma luz inesperada e lhes faz descobrir um mundo de possibilidades infinitas que o banal respeito pela verdade infalivelmente restringiria.”
Aderir a uma religião ou a uma ideologia é aceitar uma grelha de interpretação da verdade que garante uma bateria de respostas para perguntas difíceis. Uma teoria da conspiração é muito mais fácil de levantar, pois basta juntar duas ou três coincidências e, como quem une os pontos, em vez de os ligar com segmentos de recta, recorre a criativas formas curvilíneas que têm de cruzar também os seus medos e ódios. Há sempre uns tontinhos que, por partilharem os mesmos medos e ódios, acabam por engolir a embalagem toda sem mastigar. São os palermas.