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Delito de Opinião

Como matar dois coelhos com uma só machetada

Rui Rocha, 26.10.14

Não satisfeito com o comportamento inqualificável de revelação em público de assuntos que deveriam estar sujeitos a reserva absoluta, Rui Machete dedica-se agora a negar o que não pode ser negado. A indicação de que um grupo de 2 a 3 pessoas de um universo de 12 a 15 pretende desertar é, obviamente, uma quebra lamentável de sigilo relativamente a um tema que deve ser tratado com pinças. Pedro Passos Coelho, entretanto, também já se apressou a manifestar solidariedade com o seu ministro. Pelo visto, as declarações de Machete não lhe causaram incómodo. Nada que surpreenda, realmente, em quem já nos habituou a escolher no mesmo sentido (errado) sempre que se trata de decidir entre ser solidário com incompetentes ou ser solidário com Portugal e com os portugueses. No meio desta falta de vergonha e trambiqueirice, só tenho pena de uma coisa. É de facto lamentável que, com o jeito que Machete tem para guardar um segredo, Passos Coelho não lhe tenha confiado informação sobre os valores que recebeu da ONG da Tecnoforma que agora, apesar do seu esforço, não consegue recordar. Machete não tardaria a pôr a boca no trombone. Depois bastar-nos-ia soprar ao ouvido de Passos Coelho que um dos seus 14 ou 15 ministros, homem, já entradote e com o primeiro nome começado por erre, tinha cometido uma terrível inconfidência. Creio que Passos Coelho e Machete ficariam de imediato esclarecidos sobre a gravidade, que persistem em ignorar, das suas omissões e dos seus actos.

Rui Rocha entrevista João Miranda (Blasfémias) sobre o caso Passos Coelho/Tecnoforma

Rui Rocha, 28.09.14

RR - João, obrigado por nos ajudares a perceber alguns dos aspectos relacionados com o processo Passos Coelho/Tecnoforma.

JM - Hã, ok, sem problema. Um gajo também não pode passar a vida a fazer gráficos sobre o salário mínimo.

RR - Bem visto. Então, antes de mais, gostava de perceber o que pensas sobre a situação de Passos Coelho e a presunção de inocência.

JM - As regras da presunção de inocência são para o processo judicial. No processo judicial, é-se inocente até prova em contrário e não se pode ser condenado por provas proibidas por lei. Mas isso é no processo judicial.

RR - Distingues então o plano político e o plano judicial?

JM - A questão não é apenas judicial. É também política. E a questão política é aquela que mais interessa à opinião pública e é também aquela em que a opinião pública conta. A opinião pública não conta para saber se Passos Coelho é um criminoso. Para isso existem os tribunais. Mas conta para saber se Passos Coelho é um bom primeiro-ministro. O cargo de primeiro-ministro é um cargo de confiança. O primeiro-ministro está ao serviço do soberano (os eleitores) e tem que merecer a confiança do soberano. Portanto, o que deve ser avaliado no caso Tecnoforma não é se o primeiro-ministro é um criminoso mas se o seu comportamento permite que o soberano tenha alguma confiança no seu servidor.

RR - Defendes então que quando existe uma suspeita sobre o primeiro-ministro é a este que cabe o ónus da prova no âmbito da sua relação com o soberano?

JM - Note-se que, na sua relação com o soberano, em nada adianta o primeiro-ministro dizer que é inocente até prova em contrário. O soberano não está apenas interessado num primeiro-ministro contra quem não se pode provar nada. O soberano quer um primeiro-ministro que esteja acima de qualquer suspeita. Tendo em conta que o primeiro-ministro é um servidor do soberano, não lhe basta alegar que é o soberano que tem que provar a culpa. Porque não é. O primeiro-ministro é que tem que prestar todos os esclarecimento que provem que merce a confiança do soberano. Ou seja, na relação entre o primeiro-ministro e o soberano, inverte-se o ónus da prova. Quem tem que provar que está acima de suspeita é o primeiro-ministro. O soberano não tem que provar nada, porque é o soberano.

RR - Não podias ser mais claro, João. E deixa-me dizer que concordo integralmente contigo. Chame-se o primeiro-ministro Sócrates, Pato ou Coelho.

JM - Er... claro. Nem podia ser de outra maneira. Queres que te fale agora dos efeitos nocivos do salário mínimo?

RR - Não, deixa estar. Tenho mesmo de ir andando.

 

* hat tip Mr. Brown

 

Não estou esclarecido

Rui Rocha, 27.09.14

Não posso confiar num primeiro-ministro que demora uma semana a lembrar-se se cumpriu ou não cumpriu a lei. Não confio num primeiro-ministro que diz ter recebido despesas de representação mas se recusa a revelar o respectivo valor. Passos Coelho teve tempo e condições para esclarecer integralmente a sua relação com a Tecnoforma e a ONG adjacente. Não o fez. Recuso ver o meu direito à opinião e ao sentido crítico prescrito por manobras infantis de ilusionismo e ocultação. Só posso presumir que seja culpado.

Queixas anónimas só se forem contra opositores políticos

Sérgio de Almeida Correia, 25.09.14

Teresa Leal Coelho, aquela senhora deputada que queria punir os juízes do Tribunal Constitucional e inverter o ónus da prova nos casos de "enriquecimento ilícito", insurgiu-se hoje na TSF contra o facto da denúncia da situação verificada com os pagamentos da AR e da Tecnoforma ao primeiro-ministro ser anónima. E perguntava por que razão a queixa seria anónima.

Eu que sou contra todo e qualquer tipo de anonimato, incluindo em matéria de queixas e denúncias, gostaria apenas de recordar à criatura que são múltiplos os portais em que serviços públicos, com o aval da maioria e do seu governo, disponibilizam formulários para apresentação de queixas anónimas. E registo que na perspectiva da senhora deputada possa haver umas queixas mais anónimas do que outras consoante a qualidade do visado e a natureza das provas. Mas o que me deixou ciente sobre a sua postura ética e moral foi saber que a sua preocupação não era com o esclarecimento da verdade nem com as amnésias do primeiro-ministro sobre os avultados montantes que recebeu, mas sim com o facto da queixa ser anónima e não poder perseguir o malandro que destapou mais um rabo-de-palha do bando. Elucidativo.

Passos Coelho e o erro de Piaget

Rui Rocha, 23.09.14

Regressemos então a Piaget e aos seus estudos sobre o sentido moral nas crianças, submetendo-os a nova análise à luz de factos recentes. De acordo com o epistemólogo suiço, no primeiro estádio de desenvolvimento, até aos 2 anos, a criança não é capaz de perceber a existência da moral e não tem a capacidade para fazer julgamentos (anomia). A partir dos 2 anos, a criança já é capaz de conformar-se e agir de acordo com regras. Mas a moral é heterónoma. A criança precisa que alguém, uma autoridade, lhe diga o que está certo e errado. A partir dos 12 anos a criança passa por um conjunto amplo de transformações e passa a ser denominada de adolescente. É o período em que deve chegar ao estágio cognitivo denominado operatório-formal, no qual se torna apta a alcançar o estádio do raciocínio moral denominado autonomia. Ao alcançar o estádio da autonomia, o indivíduo torna-se responsável por suas própria escolhas, que passam a ser avaliadas de acordo com um referencial interno e não pela imposição de terceiros. É claro que as idades de transição entre estádios identificadas por Piaget teriam sempre de ser entendidas como meramente indicativas e dependentes, obviamente, da maturidade de cada um. Mas uma coisa é uma variação de meses, outra coisa é um desvio de décadas. Tomemos então o caso de Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro de um país da Europa dita civilizada. De acordo com informações não desmentidas, precisa, aos 50 anos de idade, da intervenção de uma autoridade (no caso, a Procuradoria-Geral da República) para esclarecer se agiu bem ou mal no caso das remunerações eventualmente recebidas da Tecnoforma. Ora convenhamos: se Piaget não estivesse completamente errado, Passos Coelho deveria ter abandonado, no mínimo há um bom par de anos, a fase da heteronomia.

A salsicha ética de Passos Coelho

Rui Rocha, 23.09.14

A investigação do Público torna o assunto ainda mais premente. E as questões são muito simples. Recebeu Passos Coelho, ou não, contrapartidas económicas pelos serviços prestados à Tecnoforma? Em caso afirmativo, declarou, ou não, tais importâncias em sede de imposto sobre o rendimento? E, ainda em caso afirmativo, omitiu ou não tais rendimentos para obter algum tipo de benefício cuja atribuição estivesse dependente do exercício de funções de deputado em regime de exclusividade? Independentemente da aplicabilidade ou não do regime de prescrição, dos registos mais ou menos fiáveis do Parlamento ou de quaisquer outras questões administrativas ou burocráticas, há uma pessoa que sabe, tem de saber, a verdade dos factos. Essa pessoa é Passos Coelho. O primeiro-ministro de Portugal, o mesmo que pediu sacrifícios sem precedentes aos portugueses, que usou e abusou da imagem da frugalidade, que prometeu cortar gorduras e resquícios, que introduziu na discussão política um discurso baseado na ética e numa suposta superioridade moral em ruptura com o passado recente, não pode ficar calado sobre este assunto. Não pode escudar-se em dificuldades de memória, nem remeter esclarecimentos para terceiros. A situação do país é demasiado grave, a vida dos portugueses está demasiado difícil, foram já quebradas demasiadas promessas eleitorais, para que seja possível manter em funções um primeiro-ministro (ainda mais) ferido na sua credibilidade. Passos Coelho nunca poupou nas palavras. Dos rótulos de piegas aos conselhos sobre emigração, nada ficou por dizer. Pois bem. Agora é o momento de falar claro. Recebeu ou não recebeu? Declarou ou não declarou? Omitiu ou não omitiu em benefício próprio? Em resumo, abusou ou não abusou do sistema? É só isto que Passos Coelho tem de dizer. É a tudo isto que Passos Coelho tem urgentemente de responder.

Passos Coelho, o da má memória

Rui Rocha, 20.09.14

Pretende-se então esclarecer se o Dr. Passos Coelho, um dos mais extraordinários produtos da universidade de Verão do PSD, recebeu, ou não, uma determinada importância (ao que parece o equivalente a 150.000€) não declarada quando se encontrava a exercer funções de deputado em regime de exclusividade. Tal pagamento, a ter sido efectivamente realizado, constituiria a contrapartida, entre outros prestimosos serviços, da promoção de indispensáveis acções de formação para funções que não existiam em diversos aeródromos espalhados por este venturoso país fora. Perguntado sobre o recebimento da simpática remuneração que teria sido paga em confortáveis prestações mensais de 5.000€, o Dr. Passos Coelho respondeu "não ter presente todas as responsabilidades que desempenhou há 15 anos, 17 e 18". Deixando de lado o facto de aparentemente se recordar das exercidas há 16 anos, não pode deixar de sublinhar-se que o que está em causa não são propriamente as responsabilidades mas as contrapartidas financeiras que terão (ou não) sido recebidas. Não sendo a primeira vez que o caso Tecnoforma vem à praça pública, ou o actual primeiro-ministro é um idiota chapado, hipótese que não é de excluir para já, ou é evidente que já teria arranjado tempo na preenchidÍssima agenda para reunir informação e factos que lhe permitissem ter presente, a dias de hoje, se recebeu ou não tais importâncias. Eu, por exemplo, lembro-me sem grande esforço de não ter recebido 5.000€ em todos os meses da minha vida laboral em que não os recebi. Daí que uma resposta deste teor perante um caso desta natureza nos obrigue a colocar como possíveis apenas duas, e não mais, possibilidades. Ou o Dr. Passos Coelho é um idiota chapado com necessidade urgente, para além do mais, de tomar Memofante, ou tem o rabo trilhado. O que é certo, em qualquer circunstância, é que o Dr. Passos Coelho, não tendo presente se recebeu ou não o que não devia ter recebido, tem pouco ou nenhum futuro daquele resto que ainda lhe sobrava.