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Delito de Opinião

A lei da rolha na Casa da Democracia

Pedro Correia, 25.05.23

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Na Assembleia da República, nota-se mais que nunca o rolo compressor da maioria absoluta. Transformando o parlamento numa caixa de ressonância do PS. Só ontem, os socialistas chumbaram seis pedidos de audição apresentados por vários grupos parlamentares na comissão de inquérito à TAP. Com este veto rosa, a mando de António Costa, não irão ali depor o director nacional da PSP, o ministro da Administração Interna, o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, o director do SIS e a secretária-geral do SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa). Além do próprio chefe do Governo, que tinha a prerrogativa de esclarecer por escrito várias questões essenciais como estas, que continuam sem obter resposta:

- Qual foi o membro do Governo que decidiu accionar o SIS (Serviço de Informações de Segurança) para contactar um cidadão, quadro qualificado de um ministério da República Portuguesa, altas horas da noite, fazendo lembrar tempos de má memória?

- Que documentação estratégica relevante para o Estado português havia no computador portátil do ex-adjunto do ministro das Infraestruturas?

- A recuperação de computadores portáteis na via pública insere-se no âmbito das competências legais do SIS?

- É verdade que foi o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes, a autorizar ou mesmo a incentivar o ainda ministro João Galamba a accionar o SIS para a recuperação do referido computador?

- Por que motivo este secretário de Estado, mencionado expressamente por Galamba, ainda não proferiu qualquer declaração sobre tão relevante tema, como se tivesse feito voto perpétuo de silêncio?

- Terá Galamba mentido também ao mencionar Mendonça Mendes?

 

Estranho conceito de democracia, este do PS. Impõe a lógica aritmética em São Bento com o mesmo despudor que sempre criticou durante a maioria absoluta de Cavaco Silva, nas décadas de 80 e de 90.

Mas os tempos agora são outros, pouco propícios a qualquer tipo de omertà. A eficácia deste rolo compressor vai ser testada nos tempos mais próximos. Entretanto, custa-me ver deputados socialistas que estimo e respeito, como Pedro Delgado Alves, Jorge Seguro Sanches, Alexandra Leitão e Sérgio Sousa Pinto, de algum modo associados à imposição da lei da rolha na Casa da Democracia.

Verdade feita a martelo

Paulo Sousa, 19.05.23

Vivemos numa época frequentemente designada como de pós-verdade. Pouco a pouco, com o avançar dos anos, a verdade deixou de ser uma entidade objectiva e estanque para se tornar numa construção nunca terminada. Talvez a verdade nunca tenha sido absolutamente objectiva, mas a plasticidade que lhe tem sido imposta aproxima-nos assustadoramente de uma distopia orwelliana.

Recordando aquele dizer infantil em que se devolve uma acusação com um poderoso “quem o diz é quem o é!”, chegamos a um ponto que “quem afirma é que domina a narrativa”. Perante muitas afirmações em simultâneo, o vencedor será o mais convicto. E assim, ficamos reféns dos mais convictos manipuladores.

Na história do século XX encontramos vários momentos, sempre associados a regimes hediondos, em que a verdade esteve efectivamente sob coacção, em que foi torturada e despida, tendo as suas vestes sido usadas pelo entrudo da mentira. 

Ontem, na comissão de inquérito à TAP, assistimos a mais um episódio que encaixa na triste trajectória que caracteriza os tempos que vivemos.

 

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Foto Expresso

“Reconstruir a verdade dá trabalho”

João Galamba, 18 de Maio de 2023

Nave de loucos

Pedro Correia, 19.05.23

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Foto: Reinaldo Rodrigues / Global Imagens

 

Admitiu não ter lido na íntegra o plano de reestruturação da TAP. Mostrou ignorar o protocolo de segurança no Ministério das Infraestruturas para casos de emergência e não fazer a menor ideia de como se classifica um documento oficial. Apontou, entre os motivos que o levaram a exonerar Frederico Pinheiro por telefone, o facto de este «tirar fotocópias a horas impróprias». Reconheceu que toda a documentação mais relevante - incluindo dez documentos classificados como confidenciais! - estava no computador deste adjunto, que trabalhou desde 2017 em gabinetes de três governos socialistas. Confiava nele ao ponto de o ter reconduzido como elemento de ligação entre o ministério e a administração da TAP e de não contar com mais ninguém, no seu gabinete, que percebesse a fundo deste tema - por sinal o mais importante de quantos tem para gerir. Espantosamente, três semanas depois, ainda não substituiu o adjunto exonerado. 

E que mais? Na noite de 26 de Abril, a sua chefe de gabinete ligou por iniciativa própria aos serviços de informações, accionando a intervenção do SIS - à margem das normas legais - para recuperar um portátil, na via pública, perto da meia-noite. Comunicou aos deputados que naquele serão alucinante falou em poucas horas, sobre o mesmo assunto, com o ministro da Administração Interna, com o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, com a ministra da Justiça e (já de madrugada) com o primeiro-ministro. Mobilizando a PSP e a Polícia Judiciária, além do "James Bond tuga".

Quase meio governo em estado de alerta máximo por causa dum computador portátil. E António Costa apanhado a mentir. Sabe-se agora que o titular das Infraestruturas lhe deu nota sobre a intervenção da "secreta", quando a 1 de Maio o primeiro-ministro havia garantido aos portugueses: «Ninguém no Governo deu ordens ao SIS.»

Eis o resumo do longo depoimento - mais de sete horas - de João Galamba, iniciado às 18 horas de ontem, na comissão parlamentar de inquérito à TAP, e terminado já nesta madrugada. Penosa sessão, que torna ainda mais deplorável a presença no Governo deste ministro a quem o Presidente da República já tirou o tapete mas que António Costa tem insistido em segurar, num incompreensível assomo de insanidade política.

Porque a impreparação, a imaturidade e a irresponsabilidade do ainda ministro transformaram este governo numa nave de loucos.

Em quem acreditar

João Sousa, 18.05.23

Devo começar por fazer uma declaração prévia de interesses: Frederico Pinheiro convivia alegremente com aquela gente desde 2017, logo não o considero nenhum anjinho caído agora do céu aos trambolhões. Dito isto, vejo muita gente dizer que entre as versões de Frederico Pinheiro e de Eugénia Correia, estamos limitados à palavra de um contra a palavra do outro. Não: Eugénia Correia mente, e é possível provar que ela mentiu. Em determinado momento, ela testemunhou que viu "o ministro a falar tranquilamente com Frederico Pinheiro". Ora isto é claramente uma mentira: nunca na vida João Galamba falou tranquilamente com alguém.

(E quão conveniente é a câmara do piso onde Eugénia Correia afirmou terem ocorrido as agressões estar avariada?)

Enquanto decorre a novela

Paulo Sousa, 18.05.23

A novela da CPI sobre a TAP vai batendo recordes de audiência. Mesmo quem não costuma acompanhar os assuntos políticos, anda pregado ao écran. Cá em casa, até já se sugere que se encomendem os serviços da Daenerys Targaryen, e de um dos seus dragões, para tratar deste governo.

Ao mesmo tempo, António Costa observa, silencioso e incógnito, os combates de vida e de morte entre diferentes membros do seu governo. O mote do mestre dos analgésicos é “doa a quem doer”, desde que não olhem para ele.

O ruído mediático é tanto, que facilmente passará despercebido os números divulgados sobre o SNS. O número de utentes sem médico de família aumentou 29% num ano.

A IL propôs uma alternativa ao colapso do actual SNS e os beneficiários da ADSE desataram-se a rir.

Imaginemos que as banais e frequentes análises ao sangue, realizadas por privados que competem entre si pelo serviço, dependiam também de um qualquer centro de saúde, ou hospital. Alguém acredita que receberia por email os resultados, meia-dúzia de horas depois da recolha de sangue? Agora imaginemos que o mesmo se aplicava a uma normal consulta médica.

O enquistamento ideológico das forças conservadoras não lhes permite imaginação para tal. Eles, os ditos humanistas, estão bem e os outros que se amanhem. Os números confirmam que Portugal é dos países onde a as despesas com saúde privada mais pesa no bolso das famílias, o que mostra como é deficiente o Serviço Nacional de Saúde e como se banalizou a lógica de que uma assistência médica eficaz depende da capacidade financeira.

Hoje, o walking dead Galamba vai ser ouvido na CPI sobre a TAP. Continua a novela e por isso esqueçamos as centenas de dias necessários para se conseguir uma consulta no SNS.

"Opera buffa"

Pedro Correia, 18.05.23

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Como jornalista, acompanhei centenas de sessões parlamentares. Nunca vi nada como aquilo que aconteceu ontem.

Um ex-adjunto do Governo, que durante quatro anos desempenhou funções de inegável responsabilidade no Ministério das Infraestruturas, descreveu várias cenas ali ocorridas no dia 26 de Abril. Todas dignas de um filme de série B. Foi exonerado por chamada telefónica pelo ministro, que berrou com ele e o insultou em termos grosseiros («Demito-te para não te dar dois murros», terá dito), viu-se sequestrado pela chefe de gabinete e três assessoras, trancaram-no na garagem onde tinha a bicicleta, teve de ser ele próprio a chamar a PSP para conseguir sair do edíficio.

Mais: quase à meia-noite, um suposto agente do SIS contactou-o para ele devolver o computador portátil de serviço que levara do gabinete para dele extrair ficheiros pessoais. O tal sujeito ameaçou-o dizendo que ele próprio (007 Tuga) estaria a ser «muito pressionado» para reaver tão precioso objecto. E - conforme ficou lavrado em acta na comissão parlamentar de inquérito à TAP - terá dito, ao jeito de intimidação pidesca de outros tempos: «É melhor resolvermos isto a bem, senão pode complicar-se...»

Perto da meia-noite, à porta da residência do visado.

 

Nada tão grave, em toda esta série de rocambolescos episódios que têm como protagonista o inimitável João Galamba, como confirmar que os serviços de informações da República Portuguesa agem como guarda pretoriana do Governo.

Podia ser apenas uma questão de abuso do poder socialista, mas é mais do que isso: tornou-se uma questão de regime. De irregular funcionamento das instituições.

Isto já não é um governo: é uma opera buffa. Com final anunciado.

 

SUGESTÕES DE LEITURA:

Galamba não deu dois socos em Frederico, mas esmurra Costa até ao KO. Da Ana Sá Lopes, no Público.

João "dois socos" Galamba e um gabinete em roda livre. Do João Miguel Tavares, no Público.

O SIS, um spin-off da saga TAP

João Sousa, 08.05.23

Quanto mais leio sobre o assunto SIS/portátil, mais questiono se não veremos ainda uma (nova) Comissão Parlamentar de Inquérito para se perceber que tipo de relação o governo tem tido com as "secretas".

Há poucos dias, o Paulo Ferreira do Observador dizia que, em termos cinematográficos, este caso-SIS é já uma sequela do caso-TAP. Penso que ele está enganado. Isto é um spin-off: uma narrativa que se separa de outra e toma um rumo independente, explorando personagens e/ou aspectos distintos da original.

A TAP é o maior partido da oposição

Pedro Correia, 03.05.23

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Como é óbvio, António Costa decidiu ontem romper a relação institucional com o Chefe do Estado só com um objectivo: forçá-lo a dissolver sem demora a Assembleia da República e a convocar eleições legislativas antecipadas.

Com a dissolução, cai a legislatura. O que implicaria o fim prematuro da comissão parlamentar de inquérito à TAP, de longe o maior pesadelo do primeiro-ministro. Ao ponto de podermos hoje dizer que o maior "partido de oposição" ao poder absoluto do PS tem a sigla TAP.

Se o inquérito parlamentar em curso chegar ao fim, os actuais sintomas de agonia do governo irão acentuar-se - como vêm alertando socialistas mais atentos, incluindo Carlos César, Alexandra Leitão, Francisco Assis e Sérgio Sousa Pinto.

 

Naturalmente, agora que a guerra entre Belém e São Bento deflagrou, Marcelo Rebelo de Sousa não fará a vontade a António Costa: vai dissolver, sim, mas apenas no momento em que entender. Que será, não por coincidência, quando der menos jeito ao primeiro-ministro

Só depois de Costa engolir até à última gota as conclusões do inquérito parlamentar à TAP - onde ainda irão desfilar Pedro Nuno Santos, Hugo Mendes e João Galamba, entre outras luminárias socialistas metidas até ao pescoço na monumental trapalhada em que a gestão desta empresa pública se tornou. 

 

Costa pagará com juros a sua bravata de ontem, comportando-se perante os portugueses como se comesse Marcelo de cebolada a pretexto de segurar in extremis um dos ministros mais desacreditados do actual elenco, algo tão desproporcionado que soa a falso desde o primeiro minuto. Entrámos numa nova etapa, nada edificante: um dos piores conflitos institucionais de que há memória entre um Governo e um Presidente - logo este, que durante cinco anos quase levou o Executivo ao colo. Episódio digno de figurar em qualquer antologia da ingratidão.

De Gaulle dizia que o poder usa-se, não se delega. Mas Costa é fraco aprendiz do velho general: a bravata irá sair-lhe cara. Mais cedo do que pensa.

O estranho caso do parecer que não cabia no âmbito apesar de não ter massa nem volume

João Sousa, 20.04.23

Obviamente, demitia-o!

João Sousa, 10.04.23

"Hoje de manhã, antes de partir para a Coreia do Sul, o primeiro-ministro repudiou a atuação do ex-secretário de Estado do seu governo, Hugo Mendes. “Não conhecia esse email”, disse Costa, “e se o tivesse conhecido teria pedido ao ministro Pedro Nuno Santos para o demitir na hora”, afirmou na nota enviada à Lusa antes de embarcar." - Sapo24.

 

Ver esta bravata de Costa é ainda mais divertido por já nem nos conseguirmos recordar de todos os ministros, secretários de Estado, adjuntos e assessores que Costa manteve até os seus cadáveres políticos exalarem um fedor capaz de enojar um dragão de Komodo.

Cebolagate

Paulo Sousa, 13.03.23

Há dias chegou-me à mão a publicação “Ecos do Século XX – Distrito de Leiria” editada pelo Jornal de Leiria. É um documento de grande importância histórica e que já vai sendo difícil de encontrar. Foi publicado em fascículos, um por cada década, ao longo do ano 2000.

A sua elaboração foi o resultado do trabalho do jornalista Damião Leonel, desaparecido há pouco tempo, e que foi ele próprio uma personagem invulgar e merecedora de ser lembrada.

Numa das páginas, dedicadas ao ano 1919, surge a seguinte nota:

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Em tempos de crise, a inflação e o açambarcamento de víveres, com ou sem falcatruas de variada ordem, são fenómenos antigos. O estado, na notícia corporizado pela Câmara Municipal, intervém para salvaguardar o interesse público e limitar os prevaricadores. O público concorda e revê-se nas medidas contra os abusos. É também para isso que o Estado existe e, sim senhor, fizeram muito bem.

Regressando à actualidade, soubemos pelas notícias que as fiscalizações da ASAE detectaram, por exemplo na cebola, margens de lucro superiores a 50%. Perante tal ignomínia, dei por mim a questionar-me sobre os valores que estavam em causa.

Olhando para os preços praticados por um distribuidor de referência, calculei um preço médio de venda ao público da cebola de 2,40€/kg.

O primeiro valor de média que obtive era bem superior e por isso excluí do cálculo as referências mais caras, por estimar que tenham menor peso no consumo global. Só por aqui já se poderia classificar o método a que recorri de diversas formas, mas nenhuma onde a palavra "rigor" pudesse fazer parte. Mas, adiante.

Ora:

Quando falamos num preço de venda do público (PVP) de 2,40€, estamos a falar em 2,264€ de mercadoria, acrescido de 6% de IVA.

Se 2,264€ é o PVP sem iva e se este valor resulta de uma margem comercial do 50%, podemos calcular que o custo de aquisição da cebola para o supermercado é de 1,509€.

Não nos podemos esquecer que, tal como acontece em todos os produtos hortícolas, a cebola é um produto perecível, e por isso os quilogramas adquiridos pelos supermercados não são exactamente os mesmos quilogramas vendidos. Existe desperdício e isso tem de ser considerado.

Então qual seria a margem de lucro aceitável para a distribuição? Considerando o já referido desperdício e assegurando o normal funcionamento do estabelecimento, arrisco que uma margem razoável ronde os 30%.

Existe quem não aceite que possa haver lucro, quem pense que os supermercados não têm de pagar salários, electricidade, água, seguros, limpeza e higiene, não têm de cumprir as exigência imposta pelas normas HCCP, não têm de dar formação obrigatória aos funcionários, não têm de disponibilizar equipamentos individuais de protecção, de pagar taxas e licenças variadas (i.e. licença paga à SPAutores pela música ambiente), de suportar manutenção de equipamentos de frio, de elevadores, de equipamentos de carga, todo isto acrescido de impostos vários e derrama. Esta não é uma lista exaustiva pois estou certamente a deixar para trás muitas parcelas de despesas operacionais de um supermercado.

Para os mais desligados destes cálculos, os naïfs que por ignorância e alienação acham que a abundância nas prateleiras resulta de uma ordem sobrenatural inabalável, para esses, e com uma risada de escárnio, designarei estes 30% com Margem Moral Máxima – MMM. É uma boa sigla que merecia passar a constar nos manuais de micro-economia.

Assim temos:

Preço de custo da cebola: 1,509€/Kg

Preço MMM: 1,962€/Kg

Preço verificado: 2,264€

E assim chegamos a uma diferença entre o preço moralmente aceitável e a realidade de 0,302€/Kg.

Consideremos então os dados divulgados pelo COTHN Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional, o consumo médio anual de cebola em Portugal é de 13Kg/per capita.

Assim teremos:

13kg/per capita x 10 milhões habitantes = 130 000 000 kg

Valor do escândalo do preço da cebola, o cebolagate = 39,26 M€.

Importa referir que no ponto de vista da AT existe ainda outra diferença:

Iva arrecadado aplicando a MMM: 15,3 M€

Iva arrecadado com o preço verificado: 17,66 M€ (= receita fiscal adicional de 2,36 M€)

Total desembolsado a mais pelos consumidores = 39,26 M€ + 2,36 M€ = 41,62 M€. (4,162 €/per capita)

Termino assim comparando estes escandalosos e inaceitáveis valores com um “aceitável investimento”.

- O escândalo da cebola custa a cada português 4,162 €.

- O "investimento estratégico" “não reembolsável” na companhia das caravelas portuguesas do século XXI custa a cada português 340€.

Os responsáveis pelo referido "investimento estratégico", muito se alegrarão que o cebolagate tenha o máximo de atenção possível.

Adenda:

Entretanto, e a partir dos relatórios de contas da Sonae (Modelo e Continente) e da Jerónimo Martins (Pingo Doce e Recheio), divulgados numa notícia do Jornal Eco, podemos observar que estes dois operadores do mercado de distribuição alimentar reduziram as suas margens de lucro nos últimos anos.

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Gráfico: Jornal Eco

Destaco ainda o seguinte excerto:

"Fica apenas a faltar nesta equação o Estado, que atua no mercado através da carga fiscal que aplica sobre os bens de consumo através do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). E de todos os intervenientes na cadeia de valor, o Estado foi o único que não fez qualquer alteração na sua margem de lucro:não baixou nem reviu o IVA sobre os bens alimentares básicos, como fez Espanha, nem parece ter intenção de o fazer. E o resultado da inação por parte do Estado é bem visível nas suas contas."

Ainda sobre este assunto, termino com a recomendação do programa Conta-Corrente, que mereceu o título: "ASAE não foi fiscalizar preços, foi fazer política".

Gostava de ficar surpreendido

Paulo Sousa, 10.03.23

Para os que acusam este governo de não ser capaz de agir, nem de saber o que quer, a conferência de impressa de há dias, motivada pela divulgação do relatório da Inspecção Geral de Finanças, retira a base para esse tipo de acusação.


Imagem Observador

A destituição, com efeitos imediatos da CEO e do presidente do Conselho de Administração, mostra exactamente como os membros deste governo conseguem decidir e agir rapidamente. Precisam é de estar motivados para isso. E para eles, a melhor motivação é a necessidade de se escaparem às responsabilidades. Sem novidade. Aliás todo este caso da TAP, não é mais do que um arrastar de uma sequência acontecimentos mais ou menos previsíveis, salpicados aqui e ali, por algumas pequenas pérolas.

O artigo de David Neeleman, publicado hoje no Expresso, é interessante e explica bem como é que, desde há bastante tempo, não há qualquer forma de o assunto TAP, a empresa das caravelas do sec. XXI, alguma vez correr bem para os contribuintes portugueses.

Dito isto, e esse será o motivo do presente postal, uma semana após o grande número mediático em que assistimos ao sacrifício dos referidos bodes expiatórios, o Jornal Económico revela que a TAP informou a CMVM que afinal a CEO e o presidente do Conselho de Administração continuam em funções, uma vez que a empresa “não dispõe de informação sobre os concretos procedimentos” para a destituição destes gestores.

Este jornal revela ainda que só depois do anúncio da destituição em directo, é que o ministro Medina procurou sustentar juridicamente a decisão.

Na altura andaremos envolvidos com outras notícias bombásticas, mas quando chegar a hora de ter de se pagar uma choruda indemnização à ex-CEO, ou futura ex-CEO (?) e ao ex-presidente do Conselho de Administração, ou futuro ex-presidente do Conselho de Administração (?), as responsabilidades deverão ser assacadas aos mesmo que já incineraram mais de 350€ a cada português.

Facilitanço e afins

Sérgio de Almeida Correia, 07.03.23

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(créditos: NM, daqui)

"Embora a renúncia não careça de aceitação, deveria ter sido comunicada por carta dirigida ao Presidente do Conselho de Administração, só produzindo efeitos no final do mês seguinte àquele em que tivesse sido comunicada, requisitos que não foram estritamente cumpridos" (...)

"Apesar da informalidade na transmissão da concordância quanto ao montante acordado e à respetiva saída da Eng.ª AR, parece evidenciado que esta anuência foi conferida com base em pressupostos de conformidade legal de tais atos, transmitidos pela CEO Eng.ª CW – decorrente do acompanhamento jurídico a que a Administradora cessante e a TAP tinham recorrido – que não terão sido objeto de confirmação por parte dos anteditos ex-membros do Governo." 

"[A] factualidade descrita evidencia a inobservância dos normativos legais aplicáveis às empresas públicas e às sociedades comerciais, bem como das regras estatutárias e regulamentares do Grupo TAP por parte dos administradores envolvidos (CEO Eng.ª CW, PCA Dr. MB e Eng.ª AR), a qual deve ser avaliada e ponderada no âmbito do exercício da função acionista" 

(...)

"C1. O Acordo de cessação de relações contratuais celebrado entre a TAP, S.A. e a Eng.ª AR, envolvendo uma compensação global de 500 000 euros, é nulo exceto nas partes relativas à cessação do contrato individual de trabalho (CIT) e à respetiva compensação (56 500 euros). O Acordo previa igualmente o pagamento da retribuição do mês de fevereiro de 2022 (17 500 euros) que se considera devido. 

C2. Com efeito, o EGP não prevê a existência da figura formalmente utilizada para a cessação de funções da Administradora, ou seja, a “renúncia por acordo”, sendo que a renúncia constante do EGP não confere direito a qualquer compensação financeira, pelo que o valor auferido encontra-se desprovido de fundamento legal (vd. artigo 27.º). 

C3. Mesmo no caso de configuração da cessação de funções como um ato de demissão por mera conveniência, tal ato teria sido praticado por entidade incompetente, na medida em que este careceria de deliberação acionista, em AG ou através de DUE (vd. n.º 2 do artigo 37.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 38.º do RJSPE e n.º 2 do artigo 26.º do EGP). 

C4. Neste último cenário, também o negócio jurídico subjacente ao Acordo, incluindo a totalidade dos benefícios elencados no seu Anexo II, dos quais já foram utilizados, pelo menos, o correspondente a 6 610,26 euros, não tem fundamento legal, na medida em que não observa o requisito temporal de 12 meses de exercício de funções no respetivo mandato, nem a forma de cálculo da indemnização (vd. n.º 3 do artigo 26.º do EGP)." 

 

As partes transcritas, cujos negritos são da responsabilidade do autor deste texto, dizem respeito ao Relatório n.º 24/2023, elaborado no âmbito do Processo n.º 2023/324/M6/36, pela Autoridade de Auditoria da Inspe[c]ção-Geral de Finanças.

Muito do que ali vem já era do conhecimento público, e nalguns casos decorria das declarações conhecidas de alguns dos protagonistas. No entanto, não há nada como ler um documento devidamente estruturado contendo os factos essenciais e as necessárias referências e transcrições dos normativos aplicáveis.

As conclusões acabam por dar razão àquele que era o sentimento público de muitos cidadãos relativamente à forma como assuntos deste tipo  são tratados ao mais alto nível pelos responsáveis políticos e empresariais.

O relatório que agora conhecemos é todo ele um espelho da cultura política e empresarial instalada há várias décadas em Portugal, e não apenas na TAP e no universo das empresas públicas e/ou participadas com capitais públicos.

Uma cultura nacional de informalidade, "agilização", "alavancagem" e "facilitanço", que impregna todo o tecido social, dos mais novos aos mais velhos, que é uma variante da cultura do "golpe e do gamanço generalizado", do desprezo pela norma e pelo estrito cumprimento de regras e procedimentos, devidamente atamancado com a participação de "mercenários" pagos a peso de ouro que tentam albardar os burros de acordo com as exigências dos clientes, fazendo o pino jurídico para acomodarem as pretensões destes, sempre na expectativa de que fechados os acordos ("negociatas") nunca mais se fala no assunto, porque neste país há muito que nada nem ninguém é normalmente escrutinado em devido tempo, todos se calam para poderem comer, as "coisas têm de andar para a frente" e só os tansos é que não tiram partido das falhas do sistema.

É claro que a demissão do Presidente da Comissão Executiva e da CEO da TAP, tal como as anteriores demissões do fedayin da JS que exercia funções de ministro e dos seus subalternos, não resolvem o problema, nem limpam a folha dos restantes, incluindo de todos aqueles que ao longo de quase cinquenta anos de democracia contribuíram para este estado de coisas. De ex-primeiros-ministros e presidentes da república a líderes partidários, deputados, advogados e multinacionais da advocacia, banqueiros e empresários do regime, não há quem não tenha contribuído para este caldo que tem servido para a transformação do país numa espécie de choldra, para que alguns enriqueçam e todos empobreçam, onde cabe sempre mais um, e cujas verdades só são conhecidas quando a escandaleira rebenta e se puxa a batina ao padre.

O espectáculo de ter a CEO da TAP, uma empresa pública, falante de francês, a responder em inglês numa comissão da Assembleia da República cujos deputados se exprimem em português, é só por si revelador do surrealismo inerente a tudo isto, que depois da prestação de informações falsas à CMVM, com uma renúncia que afinal nunca foi, se completa agora com o conhecimento do relatório acima citado e de todos os atropelos cometidos com a devida anuência das eminências do regime. 

Sem prejuízo dos desenvolvimentos que esta novela terá proximamente, se há algum coisa de útil a retirar do que aconteceu é que enquanto imperar esta mentalidade, dentro das instituições, dos partidos e das empresas, em todos e em cada um de nós, será muito difícil mudar o país, reformá-lo e racionalizá-lo, tornando-o finalmente moderno, rigoroso, saudável e livre de eventuais "esquemas" e emplastros.

Ah!, e também que a TAP já devia estar fechada há muito tempo, digo eu, embora quanto a isto a culpa não seja seguramente dos seus pilotos, tripulações de cabine, do pessoal de manutenção e da maioria de todos os outros que ao longo de uma vida garantiram, e garantem, a segurança dos seus passageiros e se esforçam por prestar um bom serviço a quem servem: o empregador e os seus utentes.

Se querem uma transportadora aérea de bandeira, então o melhor será criar uma nova, sem vícios. Uma que funcione. Suíços e belgas encerraram a Swissair e a Sabena, não constando que os parentes lhes tenham caído na lama, ou que sejam piores do que nós.

Outra promessa de António Costa a voar

Do programa eleitoral do PS em 2015 à governação actual

Pedro Correia, 24.01.23