(foto via Jornal Económico)
Nos últimos dias tirei parte do meu tempo para ler a versão preliminar do Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito à tutela política da gestão da TAP. Foi um exercício penoso. Não fiquei mais esclarecido do que estava, embora tivesse confirmado todas as suspeitas que tinha.
Para além do título do documento ser enganador, já que não se tratou de um qualquer "inquérito à tutela política", mas antes de um conjunto desconchavado de perguntas e respostas a uma infinidade de criaturas, algumas saídas dos camarins de um filme de terror de segunda linha, o conteúdo é maçudo, confuso, numa linguagem pouco clara, mal escrito, em suma, "comprido e chato".
Quem não quiser perder tempo pode começar pelas conclusões (p. 171 e seguintes) para perceber o que digo: "Até 2020, o Estado não injetou capital na TAP desde 1997, em resultado de um plano de reestruturação e saneamento económico e financeiro, autorizado pela Comissão Europeia, no valor de 900 milhões de euros, que vinha a ser aplicado desde 1994". É melhor ler de novo.
Mais exemplos (curtos para que as pessoas não deixem de ler esta nota até ao fim): "4. Entre 2012 e 2014 os capitais próprios da TAP degradaram-se decorrente, sobretudo, da situação de indefinição do processo de reprivatização"; "13. Entende-se que, o contexto político que se vivia no momento, a reprivatização não deveria ter sido concluída naquela data"; "14. A emissão das “Cartas de Conforto” foram uma condição essencial ao processo de reprivatização. As garantias asseguradas nessas “Cartas de Conforto” investiram o Estado numa posição materialmente similar à qualidade de acionista único, como refere o Tribunal de Contas.".
Não vale a pena continuar. O tempo é precioso e aquela coisa é tão medíocre que me espanta que tenha conhecido a luz do dia, ainda que sob forma preliminar. Como foi possível?
Porém, há duas ou três coisas com as quais todos os portugueses podem ficar com a certeza.
Uma é a de que não só a maioria de toda aquela gente é má, nalguns casos mesmo muito má, e que não serve para estar a cuidar dos assuntos do Estado ou dos interesses de uma empresa considerada como estratégica para os interesses nacionais.
Podemos não saber como lá chegaram, mas ficamos com a garantia de que a falta de preparação e a desresponsabilização são dados adquiridos para quase toda aquela malta. Gente paga a peso de ouro para o que demonstra saber, e para o modo como faz, que com pouco ou nenhum esforço produz inutilidades pagas por todos os contribuintes enquanto trata da sua vidinha. Dir-se-ia que muitos até evitam intervir, enquanto brincam com o telemóvel nas reuniões da CPI ou dos conselhos de administração das empresas públicas, para melhor escaparem entre os pingos da chuva.
Outra conclusão que se pode facilmente extrair é a de que a forma como foi recrutada a ex-presidente da TAP não constitui garantia de coisa alguma. Bem pelo contrário. Tratou-se de um processo caro, moroso, de onde se evidencia o desconhecimento e a impreparação da escolhida para lidar com os instrumentos societários e legais que regem a vida da empresa.
As más assessorias, o mau aconselhamento e o compadrio político-clientelar são também realidades bem visíveis.
Depois, ressalta à vista a informalidade, o desleixo, a falta de rigor daquele modo de gerir uma entidade com a dimensão e a importância da TAP. O caso relativo à ausência dos contratos de gestão é de bradar aos céus e demonstrativo da irracionalidade em que vive a empresa, mas também do mundo surreal em que vivem os sucessivos governos, os seus administradores e os partidos políticos com responsabilidades na gestão daquela, o que se completa com a falta de senso político, jurídico e empresarial subjacente a muitas das decisões tomadas em tudo aquilo.
Não se percebe o que faz tanta gente na empresa, nem para que serve o seu "departamento jurídico". Menos ainda a gente que gravita à sua volta, nalguns casos evidenciando-se situações de discutível legalidade e de eventuais conflitos de interesses, num quadro que se me afigura como recorrente no quotidiano da vida de muitas empresas públicas ou participadas pelo Estado.
A propósito disto, permito-me chamar a vossa atenção para mais uma história rocambolesca na área da Defesa. Não sei se será sina das empresas do Estado, mas naquela área, e ultimamente com o figurão "jurista Marco Capitão Ferreira", actual Secretário de Estado da Defesa, parece que não há nenhuma situação que não dê em imbróglio.
A avassaladora mediocridade das nossas elites políticas e empresariais é de tal forma destacada pelo versão preliminar do "relatório" da CPI, e por tantos outros “casos de polícia” que diariamente vêm a lume, que dir-se-ia não existir, sequer, há décadas, qualquer processo de recrutamento dessas elites.
O ex-ministro Marçal Grilo escreveu, se a memória não me atraiçoa, que difícil era sentá-los. Pois agora já estão sentados. E bem sentados. No Governo, na Assembleia da República, nos partidos, nas empresas. Pena é que até lá chegarem e se sentarem não tenham aprendido nada. Rigorosamente nada.
E que continuemos a ser nós a pagar, por essa falta de aprendizagem, diariamente, os erros da sua ignorância e impreparação para estarem nos partidos políticos, lidarem com os negócios do Estado, ou, até, para elaborarem um simples relatório. Que seja legível e em português decente para a maioria dos portugueses.
Isto só lá vai com uma revolução a sério.