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Delito de Opinião

Os malefícios do tabaco

José Meireles Graça, 09.03.24

Olá Júlia, há que anos não te via. Estás óptima, qual é o segredo?

Nenhum, mas vejo que ainda fumas. Deixei vai para mais de três anos. Eu, a Aleksia e a PiuPiu. Fui a uma clínica, sabes? Maravilha.

A sério? E isso funciona?

Funciona. Vais lá, conversam contigo, dizem-te para ires fumar o último cigarro, depois fazem-te um tratamento com uma máquina de raios laser, não dói nada. Aquilo é nos dedos das mãos, no pescoço, nas orelhas, mais não sei onde… remédio santo: nunca mais fumei, nem eu nem elas, não custou nada.

Ah bom, e onde fica isso, que quero lá ir?

Fica em tal parte, é a clínica assim assim.

Lá fui. A coisa custava 198 Euros, de modo que o “não custa nada” é mais retórica, fui pensando.

A conversa era de chacha sobre as maravilhas de uma vida sã, a inferioridade do vício e o carácter inovador e científica e tecnologicamente avançadíssimo do tratamento.

Siga para o tratamento, ao que se seguiu uma cordialíssima despedida. E a verdade é que saí aliviado: vontade de fumar nenhuma, nem então nem até ao jantar. Depois, porém, um cigarro (ou dois) vinham a calhar para completar a refeição – pareceu-me.

O tratamento não funciona do mesmo modo para toda a gente, pensei. A dependência do vício deve estar ligada à quantidade de cigarros e, se calhar, à densidade das circunvoluções cerebrais – lembro-me que aquela Júlia era burra como um penedo e as duas filhas também não devem ser nenhumas águias.

O dia seguinte foi um tormento, estoicamente vencido com a ideia de que o desejo se iria atenuando.

Que nada. Ao fim do almoço no terceiro dia já trocava uma quota de uma sociedade (a mais pobrezinha) por um cigarro. E como tivesse confidenciado semelhante aflição à comensal, esta disse que, não lhe parecendo razoável o extremo de tal medida, o melhor era fumar um cigarro apaziguador.

Assim fiz, com dois, mas vencendo a tarde, teimosamente, sem nenhum. Depois do jantar, a majestosa e incontornável lógica situacional impôs-se: após as refeições o cigarro não é dispensável. Pelo menos um, e mais razoavelmente três.

Ao quarto dia foi meio maço. E, por pudor, não revelo quantos foram ao quinto.

A história (completamente ficcional) tem moral? Tem. Mas deixo-a para o leitor arguto.

Beatas em São Bento

Pedro Correia, 04.10.23

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Em 2019, o PAN - com falta de temas em agenda e procurando seduzir os jornalistas pela originalidade - lembrou-se de apresentar a lei anti-beatas, aprovada na Assembleia da República em Julho desse ano.

Campeão em Portugal nas proibições e multas, o partido animalista rejubilou nas redes. «Vitória para o ambiente!», gritaram de euforia no Facebook. 

A lei - aprovada com o voto contra do PCP - passou a proibir o «descarte de pontas de cigarros, charutos e outros cigarros [sic.] na via pública». Previa «um período de adaptação de um ano» com «acções de sensibilização aos consumidores» (não cesso de me espantar ao ver partidos políticos tratarem os cidadãos como "consumidores"). E, claro, coimas «entre os 25 euros e os 250 euros» a quem deitar beatas para a via pública.

O tal «período de adaptação» terminou em 2020. Aconteceu com esta lei que deixou o PAN tão contentinho o mesmo que a milhares de outras produzidas neste país: os "consumidores" ignoraram-nas.

Para que não restem dúvidas, eis as imagens, colhidas esta semana no Jardim de São Bento, a escassos metros da entrada lateral do palácio onde funciona a Assembleia da República: ia a manhã a meio e já o chão estava pejado de beatas.

«Vitória para o ambiente», diziam eles. E elas.

Tudo pela Nação, nada contra a Nação

José Meireles Graça, 16.05.23

Tenho Fernando Leal da Costa por um fascista sanitário e como me lembro bem dessa peça por, desde os tempos em que poluía o governo Passos, ter escrito sobre ele vários artigos, fui ver ao meu arquivo quantos e quais foram. No último, em 27/09/21, já fora daquela época de excepção, explicava porque assim o considero. O artigo é extenso e chato, e toca ademais outros assuntos, pelo que respigo algumas frases:

“… fascista é todo aquele que vê com bons olhos o atropelo de direitos individuais em nome de um bem maior que arbitrariamente define”.

“… há quem entenda que todo o vício (exagero: não é todo, é apenas aquele que possa originar doenças ou achaques que o portador de tais opiniões não tenha) deve ser activamente combatido pelo Estado a golpes de proibições e sanções, em nome da sustentabilidade do SNS, que deve começar ‘a ser encarada como obrigação de cada um de nós”.

“Este conflito é novo: de um lado estão os amantes da liberdade e do outro os fascistas, enquanto dantes de um lado estavam fascistas de esquerda e do outro fascistas de direita”.

Fernando é tão fascista como os comunistas, mas mais perigoso do que estes, que estão acantonados na sua aldeia de cro-magnons, porque parece muito civilizado.

(Clarificando: A palavra “fascismo” é aqui usada não no seu sentido histórico mas nos precisos termos da definição que usei acima).

Pois este ser virtuosamente sádico volta à carga, desta vez a propósito dos abusos dementes que o Governo quer praticar a propósito do tabaco.

Começa por umas pilhérias sobre o tempo em que “andou pela saúde”. Ainda bem que tinha boa disposição, e não duvido nada que os subordinados lhe achassem graça quando iam todos comer a um “restaurante de bairro”, imagino que saladas, granola, tofu e alguma fruta normalizada, tudo empurrado a limonada.

A seguir faz um libelo contra o estado actual do SNS. Diz uma data de coisas pertinentes do ponto de vista da gestão pública, como é normal um socialista mais lúcido do que os que estão no Poder deles dizer. E conclui desta forma extraordinária:

O que se anuncia são medidas no sentido certo. A sustentabilidade do sistema de saúde depende, por demais, da promoção da saúde e prevenção da doença. Portugal tem, o que é bom, uma longevidade populacional com duração assinalável, enquanto carrega o ónus de ter uma duração de vida saudável, acima dos 60 anos, das piores da Europa, o que é péssimo. Esta é uma das maiores ameaças à sustentabilidade do sistema de saúde e não apenas do serviço nacional de saúde.

Devemos assumir, como outros países já fizeram, uma meta de tabagismo zero. As propostas de medidas são boas, mas ainda terão de ir mais longe. Deverão também considerar a proibição de fumar dentro de veículos, de uso público ou particular (há uma associação entre os condutores estarem a fumar e o risco de acidente, além de que não é aceitável que os passageiros, mesmo os futuros, sejam expostos a produtos que ficam alojados nos plásticos de revestimento). Será importante proibir que se fume em esplanadas, mesmo se abertas, parques públicos e praias.

No intervalo de alinhavar pesporrências, Leal tece um elogio frenético ao actual ministro e à ajudante Secretária de Estado para a Promoção da Saúde, aos quais diz:

Parabéns ao meu Colega Pizarro e à Senhora Secretária de Estado para a Promoção da Saúde – bem tirada esta designação – Dra. Margarida Tavares que não andará a dormir.

Segue com o desejável futuro controle de outros hábitos que acha daninhos, como o consumo de álcool, e conclui, triunfante:

Todos temos o direito à proteção da saúde e a obrigação de zelar por ela, tal como a Constituição dita.

Onde é que a Constituição dita que temos “obrigação de zelar pela saúde” realmente não descortino. Nem Leal, que é bem capaz de saber de medicina alguma coisa, e de polícia de costumes muito, mas de Direito entende zero.

Não vou honrar Leal da Costa com o rol de razões pelas quais os seus aplausos acéfalos são um chorrilho de tolices – não faltam por aí artigos enumerando os efeitos perversos destas prepotências que estão na forja e chamando a atenção para a evidência de todo o conjunto ser uma evidente manobra para distrair a opinião pública das escandalosas tropelias governamentais. Mas vou transcrever o que numa rede disse sobre esta governante com insónias que Leal admira, mal tomei conhecimento da respectiva expectoração a um jornal, falsificando para a circunstância o que realmente declarou:

Margarida Tavares, Secretária de Estado da Intrusão e dos Abusos Estaduais Sortidos, acrescentou que a liberdade não pode ser entendida como incluindo o direito das pessoas adoptarem comportamentos que prejudiquem a sua saúde, visto que é necessário, para a saúde do Estado Socialista, que os cidadãos cuidem obrigatoriamente da própria.

Não sei se e quando voltaremos a ter um Governo com um módico de decência e lucidez, mas é provável que seja encabeçado pelo PSD, partido que conta nas suas fileiras com não poucos socialistas. Mas este Leal no Governo por amor de Deus não, que acumula com o fascista que julga que não é.

Tabaco, Putin e comunonazis

Pedro Correia, 22.06.22

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Os comunonazis que por estes dias debitam a cartilha em louvor de Putinitler, o carniceiro do Kremlin, recordam-me aqueles médicos e "cientistas" que durante décadas fizeram a apologia das virtudes do tabaco, considerando-o não apenas inócuo como benéfico para a saúde.

Charlatães, cada qual a seu modo: «Chesterfield é o melhor para vocês, Putin é o melhor para vocês.»

Cúmplices morais da morte de milhares de inocentes. Alguns sem o mais leve remorso, ontem como hoje. O que os torna mais repugnantes ainda.

Fumo nos olhos

João André, 20.11.17

Falar nos casos do cinema francês (ou mundial) onde as personagens surgem de cigarro na mão ou na boca duplicaria o número de palavras usadas historicamente neste blogue. Explicar que nalguns casos não faria sentido não mostrar o cigarro (como com biografias) seria extenuante. Apontar que em certas situações o cigarro faz parte da caracterização da personagem seria uma perda de tempo.

 

Note-se que não sou um fumador, nunca fui um fumador e nunca dei sequer uma passa que fosse em toda a minha vida. Obrigava os meus pais a abrir as janelas do carro ou da sala sempre que começavam a fumar, estivesse sol ou chuva, calor ou frio. Fui também um entusiástico apoiante das medidas que restringiam o uso do tabaco em espaços públicos. Sou da opinião que se o tabaco desaparecesse da face do planeta, só haveria benefícios e nenhum prejuízo (embora saiba que isso é impossível).

 

Banir o tabaco dos filmes no futuro faz pouco sentido. Limitar a exposição de filmes antigos que exibem tabaco é ridículo e colocar uma classificação etária superior num filme que mostre personagens a fumar é simplesmente idiótico. Alguns dos comentários  neste artigo do The Guardian explicam tudo, mas gosto particularmente da comparação com a violência. Se filmes com violência (mesmo que muito "leve") não levam com tais excomunhões, por que razão cair sobre o tabaco? Levar a campanhas para remoção do tabaco em filmes futuros onde tal não seja necessário (tratando-o como a nudez: se não oferece nada, não faz sentido) já faria algum sentido.

 

O fumo do tabaco é irritante e - para mim - detestável. Mas pertence à história da humanidade e é parte da cultura. Tentar bani-lo dos nossos filmes teria tanto sentido como lançar fumo para os olhos...

A Vida Clandestina

Bandeira, 16.06.14

Eu à época fumava; e às vezes fumava em lugares estranhos. Em Grenoble era num gabinete de paredes encardidas no piso térreo de uma empresa de tecnologia de ponta. Tinha janelinhas de guilhotina sempre abertas para o Dezembro dos Alpes e por única peça de mobília um cinzeiro de pé, ao centro, embaraçoso de tão cheio. Acredito que não o esvaziaram nunca, e que hoje o cone de beatas há-de ter ultrapassado em proeminência o pico do Chamechaude (digo o do Chamechaude para que não pensem que estou a exagerar). Uma bancada na parede era tornada inacessível por um aviso descortês de proibido sentar. Os fumadores (os outros, por nojo, nunca entravam) sentiam ali um desconforto tão intenso – do frio, do cheiro, do enxovalho – que não tiravam do cigarro consolo e saíam acanhados e tristes, de uma tristeza um pouco amarela.

Em São Paulo era numa divisão de um dos últimos andares de um arranha-céus, frequentada do lado de dentro por executivos em escapadinha de reuniões decisivas e do lado de fora por negros urubus. Talvez por causa do vento, talvez por motivos mais funestos, as grandes janelas não podiam ser abertas e a exaustão de ar era feita através de cilindros ciclópicos. Fausto para os olhos e para os pulmões que eu, veterano do buraco de Grenoble, humilde agradecia. De vez em quando passavam libelinhas ruidosas transportando homens de fato escuro, poderosos como heróis da Ilíada nos seus carros de combate. Eles saíam num terraço, desciam dois andares, davam as suas ordens, talvez até despedissem alguém; depois partiam para repetir o ritual noutro poiso qualquer, no entretanto elogiando a vista da cidade que às vezes parecia tão Nova Iorque assim vista do ar, mas era num relance só e a luz tinha de ser a de certa hora da manhã.

Tabaqueando o assunto (2)

João Campos, 11.04.12

No Público: Fumar no carro com crianças vai ser proibido.

 

Por este andar, faltará decerto pouco tempo para que também seja proibido fumar em residências familiares onde vivam crianças. Ou onde viva alguém que não seja fumador. E como vai o Estado controlar isto? Simples: com denúncias anónimas, claro, e, certamente, com tecnologia apropriada. A propósito, alguém quer formar uma sociedade de fabrico e instalação de telecrãs*? É que a distopia parece estar já ao virar da esquina, e já que não a conseguimos evitar, ao menos que ganhemos uns cobres no processo.

 

*Ler Nineteen Eighty-Four, de George Orwell. Há - ou havia - uma tradução portuguesa muito boa da Antígona.

Tabaqueando o assunto

João Campos, 10.04.12

Eduardo Pitta diz que "ninguém vai piar" quanto às novas medidas contra o tabaco que este Governo vai tomar. O post, claro, é aparentemente dirigido a "jornalistas e bloggers que hoje são secretários de Estado, adjuntos e assessores de gabinetes ministeriais e dos grupos parlamentares do PSD e CDS-PP". Uma vez que o assunto me interessa especialmente, vou piar um bocadinho sobre o assunto (e não será a última vez), ainda que não encaixe nas categorias acima descritas.

 

A avançarem as medidas mencionadas, este Governo estará de facto - e tal como o anterior - a avançar por um caminho arbitrário, totalitário, de intromissão intolerável na liberdade dos cidadãos - tal como o anterior o foi. Por partes:

 

1. Acabar com as máquinas automáticas de venda de tabaco. Disparate - se nos cafés e nos restaurantes o tabaco se voltar a vender "em mão", nem por isso deixa de ser mais difícil para os miúdos arranjarem tabaco (se o objectivo for esse). De resto, quem quiser realmente fumar continua a procurar tabaco - e, em último caso, há sempre o contrabando (que tem a vantagem de provavelmente ser mais barato). Se é possível comprar haxixe em plena Rua Augusta durante a tarde, não há-de ser muito difícil comprar um volume de Marlboro algures.

 

2. Estabelecer a proibição de fumar à porta de restaurantes, bares e cafés. Esta medida é hilariante, pois parte do pressuposto que o espaço em frente a um restaurante, bar ou café - um passeio, ou mesmo uma estrada - é propriedade do respectivo restaurante, bar ou café. Então não é permitido estar parado à porta e fumar? OK. E passar à porta a fumar, pode-se? Ou tem de mudar de passeio? E se eu sair do restaurante e, enquanto fumo, fizer repetidamente um percurso pendular de 50 metros para cada lado da porta, posso?

 

3. Acabar com o regime misto actualmente em vigor (o proprietário decide). Esta parece-me ser a medida mais grave destas três (a primeira é quase irrelevante, a segunda é anedota). Quando a nova lei do tabaco entrou em vigor em 2008, vários foram os estabelecimentos que investiram quantias avultadas na instalação de sistemas de extracção de fumo que lhes permitissem manter os seus espaços para fumadores - apesar de, na altura, o Governo ter dado poucas ou nenhumas especificações sobre a qualidade do ar, o que resultou numa bela confusão, como aliás acontece em tudo onde o Estado enfia o nariz. Não estamos aqui a falar dos cafés da moda, das discotecas mais badaladas, ou dos restaurantes que aparecem semanalmente na TimeOut. Na minha rua, para dar um exemplo, existe uma tasquinha de bairro completamente equipada com sistemas de extracção de fumo - é o único sítio nas redondezas onde se pode ver o Benfica e fumar um cigarro. O proprietário fez um grande investimento há apenas quatro anos para ajustar o seu negócio ao seu interesse. Agora, vem o Estado dizer-lhe que os vários milhares de euros que gastou ficam sem efeito. Isto é mais do que vergonhoso - é merecedor de bengaladas no lombo. Para entrar no espírito da lei de Godwin, é uma medida absolutamente nazi, bem dentro do espírito nazi-higienista que anima os cinzentos burocratas do presente. Em bom português, puta que os pariu a todos.

 

Enfim, mas é o tabaco - a desculpa (esfarrapada) da saúde pública perdoa muita coisa a muita gente (que não vai gostar nada quando a ofensiva chegar ao vinho, ao café, à carne vermelha). Quem vai perder com isto vai ser, justamente a tasquinha lá do bairro. Não vale a pena frequentá-la com a mesma regularidade quando for proibido fumar naquele espaço - o Benfica posso ver em casa, e, de resto, sai mais barato fazer café em casa, tal como comprar minis ou whisky no supermercado. E sempre se pode fumar à vontade (pelo menos por enquanto - há-de chegar o dia).

 

Sobre o mesmo tema, leituras recomendadas: o José Meireles Graça e o Ricardo Lima.

Vícios...

Helena Sacadura Cabral, 25.01.12

Especialistas querem que seja proibido fumar dentro dos carros

Pastilhas de Mordor

João Campos, 15.06.11

Encontro-me neste momento a (reler) O Hobbit, de Tolkien. Reparo, uma vez mais, nos hábitos tabagistas de Bilbo, Gandalf e Thorin. À luz deste exemplo que aqui apontei há tempos, é de esperar, mais dia menos dia, uma edição revista, moderna e muito politicamente correcta na qual os longos cachimbos dos personagens são substituídos por saudáveis pastilhas elásticas, e os belos anéis de fumo que fazem trocados por grandes e inchados balões. 

 

(Mas enquanto esse dia não chega, a leitura continua a ser excelente)

Tabaco e liberdades

Rui Rocha, 18.02.11

Em dias seguidos, tropeço com discussões interessantes sobre aspectos que se relacionam com o consumo de tabaco. A primeira notícia (a Helena Matos já lhe fez referência), diz respeito a Espanha, onde El Observatorio para el Seguimiento de la Ley del Tabaco acaba de pronunciar-se no sentido de considerar que é proibido fumar em casa, durante o período de permanência de empregados domésticos. A segunda, diz respeito à prática já adoptada por empresas norte-americanas, nomeadamente hospitais, de recusar a admissão de pessoas que acusem o consumo de nicotina em testes realizados para o ofeito. Ora, devo dizer que a posição do Observatório espanhol me parece correcta. Em princípio, ninguém nos pode impedir de fumar em nossa casa. Todavia, quando esse é também o local de trabalho de um empregado doméstico, a situação altera-se. E, da mesma maneira que estamos vinculados a outros deveres (respeito, pagamento pontual da retribuição, etc.), o de proporcionar boas condições de trabalho e, em geral, de cumprir a lei, também deve ser assegurado. Entendimento diverso só pode partir, parece-me, de uma visão enviesada sobre o valor do trabalho em causa ou do facto de ser tipicamente desempenhado por mullheres. Ambas as situações são inaceitáveis. Não há nenhuma razão que justifique que um empregado doméstico não tenha direito a um ambiente sem fumo no seu local de trabalho e que tal seja garantido a um técnico de marketing de uma multinacional. No que diz respeito à prática das empresas americanas, considero que viola gravemente liberdades elementares. O consumo de tabaco nos EUA é, tal como em Portugal, permitido. Os testes em causa destinam-se a efectuar um juízo de probabilidade sobre a existência de doenças no futuro. Seleccionar candidatos com base nestes critérios (ou, no futuro, através de informação de ADN, por exemplo), é aplicar o princípio da eugenia, condenável em qualquer circunstância, numa questão tão essencial como o acesso ao emprego. Digo que o fumo e o tabaco continuam a ser bons pretextos a partir dos quais podemos testar o nosso entendimento sobre a liberdade e o modo como a queremos para nós ou a admitimos para os outros. Agora, se permitem, vou lá fora fumar um dos meus 30 cigarros anuais.

Subsidiodependente

J.M. Coutinho Ribeiro, 04.01.10

Será que, pela primeira vez na vida, vou ter direito a um subsídio? Com tantos cigarros que já fumei e com o que isso deu de impostos ao Estado, parece-me justo. Ainda que eu saiba que o Estado não está preocupado comigo, nem com os outros fumadores - está preocupado é com os não fumadores, essas pobres vítimas que sofrem amargamente com o fumo dos outros, com o preço do ginásio, com o casamento gay e com o aquecimento global. Entretanto, talvez não fosse mau pedir, desde já, o reembolso dos cerca de 70 euros que me custou um cigarro electrónico que me impingiram por estes dias - a partir das oito da noite vendem-me qualquer coisa, porque ando normalmente distraído - e que, honestamente, ainda não tive coragem de usar em público, porque um fumador, queiram ou não, também tem o seu orgulho.

Contas de cabeça

J.M. Coutinho Ribeiro, 10.01.09

Depois de 48 anos sem dor, comecei a visitar os hospitais nos últimos tempos. Coisa que, não tendo a ver só com os cigarros, também tem a ver com os cigarros. Por junto, paguei por aí 80 euros em taxas moderadoras. Um destes dias, perdendo de vista o essencial, pensei no preço real das consultas e exames. Não consigo imaginar, sequer. Deve ser muito o que ando a gastar ao Estado. Depois, tentei calcular quantos cigarros fumei até hoje para, daí, tentar calcular quanto de impostos paguei ao Estado. Esforço inglório. Não consigo chegar lá. Mas, ainda assim, tenho a certeza de que o que já dei ao Estado através dos cigarros comprados deve bastar para cobrir as minhas despesas de saúde no SNS. Sinto-me um pouco melhor.

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