A Uber agradece
No conflito que opõe as frotas de táxis às novas plataformas digitais, os partidos que dizem estar sempre solidários com os trabalhadores já assumiram o seu lado. Colocam-se contra os novos proletários da Uber, da Cabify e da Taxify, muitos deles assalariados precários, e mostram-se a favor dos patrões dos táxis, que há uma semana condicionam fortemente ou paralisam até grande parte do trânsito na cidade de Lisboa.
Pelo oitavo dia consecutivo, a capital tem hoje os seus principais corredores destinados aos transportes públicos transformados em parques de estacionamento de táxis. Prejudicando assim os cidadãos mais desfavorecidos - aqueles que utilizam os autocarros nas suas deslocações pela cidade. Uma evidente ilegalidade que conta com o zeloso patrocínio da Polícia Municipal, enquanto os partidos que menciono na abertura deste texto assobiam para o lado.
É uma luta obviamente condenada ao insucesso. Fazendo lembrar os protestos dos cocheiros quando começaram a generalizar-se os primeiros veículos a motor nas grandes urbes. Tentar travar a roda do futuro com argumentos proteccionistas do século passado é um absurdo.
Muitos taxistas andam por aí, envergonhados, a furar o protesto dos patrões circulando com as luzes externas dos taxímetros desligadas. Faço sinal a um. Pára, abre o vidro e pergunta para onde vou. «Pode entrar. Tudo bem, desde que não passe pela Avenida da República, pelo Saldanha, pela Fontes Pereira de Melo ou pela Avenida da Liberdade. Se for aí, sou insultado ou posso mesmo ser agredido por aqueles que se dizem meus colegas.»
Escuto estas palavras enquanto o veículo se vai cruzando com diversas viaturas das plataformas digitais, que por estes dias não têm mãos a medir, com autocarros panorâmicos cheios de turistas e até com os já pitorescos tuk-tuks alfacinhas. Todo um mundo de ofertas rodoviárias que nada têm a ver com a visão petrificada dos donos das frotas de táxis e dos partidos que os apoiam.
Oito dias de protestos encaminharam milhares de utentes habituais de táxis para a Uber e a Cabify: é uma via que já não tem retorno. Por aqui se mede também a estupidez deste protesto. Enquanto os autocarros continuam sem acesso aos seus corredores, contribuindo para engarrafar ainda mais o trânsito. Lá dentro vão humildes cidadãos trabalhadores: os partidos que dizem apoiá-los voltaram a esquecer-se deles.