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Delito de Opinião

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 13.01.23

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Hoje é O Dia da Realização dos Sonhos

«Os sonhos são as asas sobre as quais todos voamos pela vida. Neste Dia da Realização dos Sonhos, pretendemos realizar os nossos. É um dia que existe para encorajar cada um a concretizar os seus.

Ignora-se quando este dia teve origem ou de quem foi a ideia, mas sabemos sobre os sonhos. Os que surgem enquanto dormimos e os que dão um significado especial à nossa vida.

Os povos antigos acreditavam que os sonhos eram mensagens de um poder superior. Os egípcios acreditavam tanto nisso que chegavam a induzir os sonhos para receber mais mensagens. Os sumérios e babilónios mantiveram registos de textos religiosos com interpretações de vários sonhos.

Há outro tipop de sonhos a que alguns chamam devaneios. Os dicionários mencionam os devaneios como fantasias. A verdade, porém, é que muitos artistas famosos, ao longo dos tempos, criaram obras-primas enquanto sonhavam acordados.»

Diz o poeta, e muito bem, que o sonho comanda a vida. Os sonhos que nos comandam não são aqueles com que à noite Morfeu nos embala, mas os que sonhamos acordados e transformamos em decisões para o advir. Todos temos ambições. Ser ambicioso na medida certa, traçar uma meta e trabalhar para a alcançar não nos torna forçosamente pessoas ambiciosas, muito pelo contrário. A questão é que vivemos num tempo de futilidade e de  facilitismo nos últimos anos. Muitos viviam o que não podiam e conseguiam o que não deviam e isso não é realizar um sonho, é dar início a um pesadelo.

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Hoje é O Dia Sem Glúten

«O glúten é a principal proteína presente no trigo, no centeio, na aveia, na cevada e no subproduto da cevada, que é o malte.

Existem milhões de pessoas com predisposição genética para desenvolver intolerância vitalícia a esta proteína, não podendo ingerir alimentos que contenham glúten. Esta intolerância acontece principalmente porque o glúten danifica o intestino delgado e assim prejudica a absorção dos nutrientes.

Hoje é dia propício para experimentar alimentos com total ausência de glúten. Quem já experimentou, diz ter gostado bastante. Será que sem glúten a vida é mesmo mais leve?»

A intolerância ao glúten é uma realidade e muitas pessoas padecem dela. Felizmente existem já no mercado muitas variantes dos produtos mais básicos à nossa alimentação, que são confeccionados com, por exemplo, cereais sem glúten, como a aveia, o milho, o trigo sarraceno, a quinoa, o arroz, etc. Sou uma daquelas pessoas que, como se costuma dizer em relação à comida, engordam só com o cheiro. Adoro pão. Principalmente pão alentejano, daquele de cabeça. Sou bem capaz de comer um inteiro com manteiga. Presentemente vou levando os dias com pãezinhos de aveia ou centeio, ou centeio com malte . Não são nada maus, mas não são a mesma coisa e têm sempre uma pequena percentagem de trigo na mistura. Claro que não é por ser intolerante ao glúten, mas sim porque a aveia e o centeio contêm menos carboidratos e bastante mais fibra do que o trigo, o que me ajuda a andar sem ser a rebolar.

(Imagens Google)

Eu te fado!

Maria Dulce Fernandes, 03.08.22

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Hoje é quarta-feira…. Como é habitual às quartas-feiras, estou de folga e gosto de pensar que posso levar o dia como me der na real gana.

A ideia é sempre dormir até partir e depois cirandar por aí em arrumações e afins, porque isto de uma mulher ficar em casa a descansar é um mito urbano: nunca dá para estar parada. É por isso que depois de me propor dormir até vir a mulher da fava, me encontro sem sono algum e às 8 da madrugada o passarinho cantou, estou a olhar para ontem e a remoer a minha desdita.

Um clarão na varanda que está transformada em escritório capta-me a atenção “- Que raio, ainda há pedaço estava sol…" Na minha cadeira da secretária está uma dama gorda com ar desmazelado mas brilhante, como se tivesse despejado na cabeça um balde de purpurinas da loja dos chineses. Peguei logo no taco de basebol que tenho sempre á mão para  as invasões domiciliárias. “- Calma, calma! Não me reconheces? Sou a tua fada madrinha!“

Como poderia eu reconhecer tal trambolho, se nunca lhe tinha posto a vista em cima durante toda a minha existência? “– Eu sei, eu sei… tenho sido uma pessoa muito pouco presente na tua vida, mas tenho muitas afilhadas e muito pouco tempo. Acontece que nos últimos meses tu tens sido demais! As tuas queixas são constantes; passas o dia a carpir as tuas mágoas, a reclamar de tudo e de todos e, francamente, lá na Fadolândia também precisamos de descansar das tuas lamúrias que nem dormir nos deixam. Como chegou a época de promoções e tu queres porque queres, porque almejas desesperadamente por uma mudança, estou aqui para te conceder esse desejo: vou transformar-te num homem!”

Perante a minha expressão de estupefacção, continuou: ”- É pegar ou largar! Olha que há para aí muito quem queira e estou a oferecer-te a TI em primeira mão, com 80% de desconto, pago a 60 meses, TAEG 21,3% - é uma oportunidade única. Vá, decide-te!”

Envolta num turbilhão de pensamentos e perante a pressão constante do pespego, tentei pensar e pesar os prós e os contras: “- Lavar roupa/estender roupa/passar roupa... cozinhar, aspirar, limpar pó, limpar cozinha e banheiros passariam a deixar de pertencer ao meu rol de tarefas constantes e imediatas. Poder vestir-me na Lion of Porches, engravatar-me para ir passear o cão, usar roupa assexuada e achar-me o suprassumo da batata, é definitivamente um pró! Poder escrever qualquer coisa, como por exemplo blogues snob-chic, gostar de vinho e encantar as damas com a minha prosápia, ou ser um génio e escrever coisas que ninguém percebe sobre autores de que ninguém gosta e ter uma audiência de fiéis comentadoras que não percebem patavina do que estão a dizer, mas dizem, porque comentar posts intelectuais faz delas outras que tais, nem que seja por osmose, é definitivamente um pró! Posso também escrever sobre sexo bruto, com palavrões e imagens proibidas a menores de 18 e pôr o mulherio irrequieto como se sentado em mochos de urtigas, é definitivamente um pró!

Eh pá ! A coisa parece que promete...

“- Fada madrinha, posso escolher o tipo em que me vai transformar?” – “– Olha lá, com um desconto destes e a pagar a perder de vista não estás à espera que te transforme no Thor, pois não? … O negócio é o seguinte: não precisas ir ao Ângelo Ribeiro por teres as mamas nos joelhos, e ficas com um “órgão” diferente sem precisares de cirurgia intrusiva. De resto, do corte do cabelo à barba na cara, já vais no bom caminho e o guarda-roupa é por tua conta. Dois ou três gargarejos com bagaço de vinho verde dar-te-ão aquele tom másculo na voz, tão apreciado por todos os sexos, e é praticamente tudo. Basta-me pronunciar "Eu te fado!" 

“- Então e o que é que eu digo ao meu marido? É que eu acho que ele vai dar por isso e não acredito que fique encantado com os resultados.”

“- Isso é problema teu, mas se ele quiser também uma transformação, talvez ainda se arranje uma com um número acima do dele, mas que com uns  arranjos aqui e ali é capaz de servir. Não está é com uma promoção tão grande e tem de ser paga a pronto."

A ideia de ver o meu rapaz de leggings tigresse e top com decote generoso, a sair de casa todas as manhãs de malinha ao ombro para as caminhadas diárias, revolveu-me superlativamente as entranhas e num repente peguei num braço do tropeço alapado na cadeira e pedi-lhe que se pusesse ao fresco, porque não estávamos interessados. Ainda me tentou convencer, oferecendo-me como prémio um dia de spa, para fazer vinhoterapia, mas não me demoveu. Tomar banho em vinho,  não é seguramente a melhor maneira de aliciar uma senhora, caramba. O vinho toma-se, o banho também, mas cada macaco no seu galho! Que ideia infeliz essa de ficar a cheirar a resmungo!

Posso ter sido um tanto indelicada, mas estava farta de tanta fadice. Só queria mesmo era vê-la pelas costas. Nem lhe ofereci um cafezinho, mas creio que a fada madrinha fosse mais carrascão e courato.

Cada um tem a fada que merece, é o que é.

(Imagem Google/ Dreamstime)

Eterno Feminino

Maria Dulce Fernandes, 19.07.22

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Dei comigo para ali nua... pois se nua não estava, para que serviriam os panos que me cobriam a nudez, se pelas pregas resvalavam carne e pele em abundância suficiente para encher a ânfora maior repousada à sombra seca duma árvore de folha perene, que resistia debaixo dum calor insuportável.
Por todo o lado, belas e musculadas mulheres, morenas e sorridentes, seminuas naqueles panos parcos e finos, se exercitavam debaixo dum abrasador sol de fogo, fazendo alongamentos ou envolvidas num abraço de força e destreza, dentro dum círculo desenhado no chão, com a pele gotejada de suor que lhes conferia um brilho adamantino, atraente e formidável.
"Anda, bacante, é a tua vez." Percebi que se dirigiam a mim e atrevi-me a perguntar: "Bacante Porquê?"
"Ora mulher, branca e gorda é certo e seguro que não pertences ao culto de Artémis. Crês tu porventura conseguir finalizar a Heraia?" Riram todas. Afinal era mesmo engraçado que alguém sem preparação física visível se imaginasse sequer nos primeiros pés da Heraia... Se se obrigasse a atingir um estádio poderia até ter fim idêntico ao do valoroso Feidípedes, que engrossa agora o panteão dos glorificados pela morte magnífica. 

Afinal estávamos em Marathónas, caramba!

Embalada pelo conhecimento adquirido em muitas horas de conversa/estudo com a filha historiadora, atrevi-me a contrapor que de onde eu vinha as mulheres eram fortes e resistentes e não corriam só a Heraia, corriam todos os seis sextos, corriam a Maratona como os homens, taco a taco, lado a lado, com a mesma vontade, o mesmo vigor e muitas vezes melhor classificação no podium.
Fizeram-me calar logo, não fosse homem de atalaia ouvir tamanho sacrilégio e condenarem-me sem apelo nem agravo ao monte Taigeto. "Mas isso do Taigeto não é só para deficientes?", perguntei. Há olhares que valem mil palavras. Os delas disseram tudo.
Ripostei: "Se eu vivesse numa terra onde os homens brutalizam as mulheres, que se calam por respeito e medo e os da religião fossem feios, porcos e maus, permitissem incestos, violações e consanguinidades, fugiria a sete pés ou torna-me-ia eremita!!" Parei de imediato para pensar na ironia das palavras que proferira, que transbordavam falsidade por todas as entrelinhas... eu, a apregoar sobre o meu mundo de telhados de vidro... 
Sorri tristemente, encolhi os ombros e dei o braço à top-model que estava a meu lado:
"Vá, vamos beber qualquer coisa fresca, que eu ensino-vos sobre lingerie sensual, dores de cabeça e de como fazer os homens pensar que são os donos da vontade."
O sol pôs-se, caiu a noite, surgiram fogueiras mil, rimos, bebemos e adormecemos abraçadas como irmãs, filhas dum sangue antigo, espesso e tão poderoso que perdurará pela eternidade.

Aureum Somnia

Maria Dulce Fernandes, 17.07.22

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Descer o Aconcágua não é para meninos. Um desafio para onde se vai derrotado à partida não é um desafio, é um suicídio de carácter, um apelo à depressão, o reconhecimento duma incapacidade de que se desconhece a deficiência. Partir com baixas expectativas e atingir o objectivo é superar-se, é deixar o ego elevar-se até ao cume, lá onde a altitude te prega partidas e te leva a sobrevoar Titicaca no dorso da Grande Serpente Emplumada até Chichén Itzá aparecer imponente recortada no dourado e laranja do pôr do sol.
Três dias depois da ressaca da hipobaropatia, o gelo da Terra do Fogo quebrava-se sob os meus pés molhados e inchados, como cascas de amendoim numa tasca rançosa na Route 66, onde depois de duas cervejas e um shot de tequilla o norte e o sul rodopiam agulhas sem magnetismo, dentro daquela bússola tresloucada a que chamamos cérebro e que norteia os nossos passos, quantas e quantas vezes rumo ao meridião.
Encontro-me amorfa e mole a seguir um tipo com uma lanterna, embrulhado numa manta escura com a aura delimitada pelo vapor do próprio bafo na noite gelada.
Deixou o sendeiro à entrada da casa baixa de pedra e lama de adobe, como o teria feito Paul Revere enquanto 39 homens à luz de muitas velas acesas pela discussão signavam a mudança num papel fibroso. 
Lá dentro o ar era quente e pesado, saturado de pisco e guano, mas o ceviche do grande peixe de Santiago que comi, sentada no chão junto ao lume crepitante enquanto Manolin contava histórias do mar, soube-me pela vida.
Cá fora os diamantes do Cruzeiro do Sul brilhavam contra o veludo azul de um céu de paraíso, onde uma lua redonda como um imenso queijo disparava raios de luz em todas as direcções, conferindo aos gelos glaciares uma cor opalina e um brilho irreal. Lembrou-me Opar, onde as mulheres são belas e os homens simiescos e alguns elos inferiores, onde o mistério espreita em cada pedra e em cada folha e a água do Nilo cai azul em terra de homens sei lei nem alma. Lembro-me do bar que o Dr. Livingstone tinha na margem do Lago Vitória onde serviam os melhores gins tónicos do mundo, perfumados com as neves do Kilimanjaro, que me deixavam de quatro na manhã da minha vida, como rezava o enigma. Mais um sonho que se tornou insolvente e faliu de tristeza e incompreensão.
Fui dormir, ou pelo menos tentei fechar os olhos, mas a ideia de Cibola bailava como um cisne de ouro não me dando paz. Estava tão perto ou longe de mais, não fazia ideia. 
Sabia que o dourado sol nascente traria Esteban e o grande condor, e aí a aventura recomeçaria, exactamente no ponto onde a imaginação vibrante de alvoroço a tinha deixado.

Esta noite sonhei com Gramática

Maria Dulce Fernandes, 15.07.22

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Gramática é um conceito em desuso.
Semântica, Morfologia e Sintaxe são palavras tão estranhas, que poderiam muito bem ser nomes de personagens misteriosas dum popular Video Game, ou de uma nova série de Tv, com gelo e fogo à mistura. A apoiar esta minha afirmação temos livros, jornais, revistas, mensagens de rodapé em todos os telenoticiários, a world wide web.
O  Facebook, então, devia ser clube de futebol, com todos os pontapés na gramática que tem. Eu pessoalmente considero-me uma saramaguista de 1.ª água, não por me considerar escritora (valha-me Deus!), nem porque partilhe as crenças religiosas e políticas do nosso Prémio Nobel, mas porque a minha pontuação é algo estranha e por vezes inexistente. A minha relação com os acentos está longe de ser pacífica, especialmente porque escrever com os acentos certos dá muito mais trabalho e obriga-me e estar no meu assento mais tempo. Uso e abuso das reticências, mas quem é que nos dias de hoje não põe reticências praticamente em tudo?
Ler um teste dum aluno duma qualquer EB, Liceu, Colégio, mesmo a tese dum universitário ou uma frequência em que a resposta a uma qualquer pergunta requeira desenvolvimento, é entrar no mundo do surreal, em que o princípio, meio e fim das frases pode estar patente, mas não forçosamente por esta ordem, e os erros, principalmente nas conjugações dos tempos verbais, são gritantes.
O mais incrível é que os críticos que como eu se arvoram virtuosos e apontam os ataques assassinos à nossa língua-mãe, não estão isentos de conivência com o crime.
Já que constatámos que se torturou, bateu, cortou e moeu a gramática até se tornar picado de carne, valerá a pena continuar a pelejar ou antes fazer vista grossa, olhar para o lado, e comer os hamburgueres?
 
(Imagens do Google)

Esta noite sonhei comigos

Maria Dulce Fernandes, 10.07.22

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Que grande confusão.

Não estou habituada a ter muita gente em casa a não ser quando tenho a família reunida para jantar e tenho que andar numa fona dum lado para o outro…

Isto de ter alguém na cozinha à volta com os meus tachos e panelas faz-me um bocado de impressão, porque ninguém está autorizado a mexer nos meus utensílios de cozinha! O lava-loiças está apinhado… pessoa desarrumada! Para fritar um ovo, suja três frigideiras. Soa a coisa familiar…

No quarto revolve-se o roupeiro…

”- Alto lá, que isto não é o What not to Wear e os fatinhos e vestidinhos dos casamentos não são para mandar fora! Nunca se sabe quando é que eu volto a conseguir caber num deles ou quando é que poderão ser necessários para a vida social agitada que costumo levar. Sempre posso combinar com umas meias de descanso ou um par de sapatos ortopédicos. Isso NÃO! A minha camisa hippie em cetim roxo, jamais (leia-se jámé)! Pshhhté, largue lá o colete de pelo de camelo, que ainda vai voltar a estar na moda! Vou-me é embora daqui que isto mete pilhas! Assim não sai nada do armário. Soa a coisa familiar…

Raios! Quando preciso ir, porque preciso ir, está sempre ocupado. E há que tempos que está lá gente. E nas duas e com a água a correr há quase meia hora! Oiça lá, não pode fechar a torneira enquanto se ensaboa? É que a água está cara e o gás nem se fala e não é para estar para aí a correr de castigo. É do tipo “Que se lixe… está quentinha e sabe tão bem”, não é? Soa a coisa familiar…

Olho para a sala e vejo os meus batráquios felinos alapados num colo e penso “Traidores!“, colo quentinho é colo quentinho. Só querem comer, dormir, festinhas e calor. Estão gordos que nem uns texugos e pesam. Ahahahah… Bem feita! Alguém já está desconfortável com 7 quilos em cima do diafragma e outros 7 em cima da perna esquerda… soa a coisa familiar…

Bolas, nem o meu refúgio escapa. Está por lá alguém espojado com o meu livro na mão a ver a SIC notícias e a fazer zapping para o Food Channel, diz mal do Governo, atira com alguns impropérios ao Costa e maldiz a maioria absoluta, ao mesmo tempo que aponta meticulosamente uma receita de Butterscotch. Soa a coisa familiar…

Eu acho isto tudo muito confuso e confusões já bastam as do meu trabalho, aqui em casa é para tentar estar tranquila e é por isso que não digo mais nada. Estou calada, quieta, quentinha… e a babar-me na almofada. Olha! Já são 11 da manhã! Não posso adormecer a ver o Split!

(Imagem do Google)

Esta noite sonhei com barulho

Maria Dulce Fernandes, 07.07.22

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Fecho os olhos e viajo até ao século passado, quando eu era um pedaço de mim, uma forma esguia que os anos foram moldando e continuam a moldar até alcançar o produto final, provavelmente deteriorado e longe da perfeição, mas o eu completo que me foi permitido encarnar.

Tinha dezasseis anos feitos de fresco há dois dias. Estava em Piccadilly Circus e lá estava ele.

Tocava e cantava o Yellow Submarine e creio que poucos havia que não acompanhassem aquela energia em lalala, humhumhum ou com letra e música até.

 

Era bizarro e estrondoso. Tocava uma panóplia de instrumentos ao mesmo tempo, mais ruído do que música, à qual somente o vocalizo conferia o reconhecimento necessário.

 

É uma recordação grata. 

 

Na ultima semana nem sei porquê,  tem morado na minha cabeça, apenas  o ruidoso, o estrondoso, o barulhento. Não para de ribombar a sua desconjuntada filarmónica,  acrescentando passos e batida stomp, que volteia , sapateia e faz guinchar um sonoro turbulento nas minhas trompas auriculares. 

Latejo. É o bombo traseiro incessante na sua crepitosa batida ...

o trompete protesta, ratatatata, ratatatata tarara,  e quanto aos timbales , só têm dois sons : sol dó, dó sol, boom boom boom boom boom" ...( dezasseis anos, quinze, talvez).

 

Será este o som das festas de Covid no número dez? Ou do matracar dos martelos pneumáticos nas novíssimas obras em casa? 

 

O músico, multifacetado como é, está seguramente a tocar picareta. É preciso partir pedra para alargar o canal! Mas é uma metáfora? Hoje em dia, tudo é uma metáfora.

Com novo bater do bombo vem a debandada. É para continuar? Ele bem gostaria, mas o relaxamento inconsequente é assim mesmo.

Fecho os olhos cansados desta dor de cabeça residente nestes sonhos despenteados e penso no Boris. Se for Karloff, pelo menos é verde. Não, este não é verde, nem lhe percebo bem a cor. Não é da cor do inferno, bem  pelo contrário, afigura-se-me um anjinho! Pode lá ser!

Esta noite sonhei com fósforos

Maria Dulce Fernandes, 29.06.22

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Liguei o modo mecânico .
Deito-me tarde, durmo mal, acordo cedo depois de duas ou três horas transbordantes de sonhos em demasia, sempre muita gente, muita confusão, sempre casas, muito mar e fósforos.
 
O modo mecânico não é novidade. É uma habilidade que uso para passar o meu tempo de morcego sem danos pessoais ou colaterais. Só ligo ao que é importante, o resto fica em arquivo de memória para analisar quando estou sozinha e posso verificar objectivamente e atribuir a relevância que merece.
 
Os fósforos são aquisição onírica recente. Não sou nada destas coisas de signos (apesar de ser Leão e de gostar dos predicados que atribuem aos leoninos) nem sequer de interpretações de sonhos. Atribuí o aparecimento dos fósforos nas minhas fases de REM aos fogos que sempre lavram tristemente ano após ano, um pouco por todo o país, cuja intensidade só é equiparada à da inundação massiva de notícias sobre as frentes activas, playground de qualquer pirómano lascivo, e o que os infelizes populares e bombeiros passam para os controlar até à extinção total  e  sem os apoios milionários que, como quase tudo em que se investe para o bem do País e das populações, funcionam pouco, funcionam mal ou não funcionam de todo. 
 
Mesmo assim, não resisti à curiosidade mística de procurar saber o que significa sonhar com fósforos. Tudo bom. Amigos, vitórias, sei lá. Prender-se-á com a conquista do fogo? É possível.
Tudo fantástico até o  fósforo nos queimar (no sonho, pois claro); aí são só desgraças, aflições e angústias.
 
Terá a ver com o louco que anda a brincar com o fogo?   É muito possível até.
É coisa que me traz frequentemente em sobressalto. Não quero acreditar que pessoas esclarecidas não saibam que o Game of Thrones é apenas ficção e que não se lançam dragões, muito menos dragões nucleares, contra pessoas, só porque sim, porque quem quer, pode e manda.
Isto é coisa de meninos mimados com birrinhas, o problema é não saber se tem a caixa maior,  com mais fósforos  e se a acende primeiro.

Esta noite sonhei com casamento

Maria Dulce Fernandes, 24.06.22

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Acordou indisposta e ansiosa. Quem sabe nem tenha sequer dormido. Estava cada vez mais pesada e os enjoos e as tonturas atacavam quando menos esperava. 
 
Como ansiava que aquele dia terminasse... 
 
Para quê tudo aquilo, tanta preparação, tanta gente, tanta confusão? 
Bastar-lhe-ia ele, ambos de mãos dadas, olhos brilhantes e fé no futuro.
 
Mas não. Não podia sair-se assim tão airosamente depois do infame pecado da luxúria. A vergonha, o desrespeito, a rebeldia... A família olhava-a de soslaio, balançados ainda na decisão da letra escarlate ao peito. Não fora o receio de que o estigma da infâmia os alcançasse também, certamente a marcariam ostensiva e garridamente para poderem lavar a honra na praça pública, na boca das comadres, dos alcoviteiros e alcoviteiras profissionais, dos que dizem cobras e lagartos e dos outros que, por não terem o que fazer, tecem teias de vulgaridade, onde a ignomínia e a maldade se entrelaçam em pontos laboriosos e intrincados e onde a vida dos demais ganha a forma que as línguas viperinas moldam no asco das mãos que gesticulam imparáveis, apontando a dedo todos os caídos em desgraça.
 
Deixou que a levassem no torvelinho da insanidade. Fez-se formosa e segura, afivelou um sorriso complacente e deixou-se guiar pelo braço do pai, ingénuo pai aquele, que a olhou com a adoração que só a ignorância poderia permitir.
 
Ele esperava, traído pelos nervos, olhos brilhantes com lágrimas mal contidas, igualmente desejoso daquele ocaso. Ouviram surdos todas a palavras, repetiram-nas como sorridentes bonecos de corda a quem se puxara a argola presa ao fio que lhes pende das costas. Trocaram juras mecânicas. Sorriram-se cúmplices. Sorriram-se cúmplices durante todo o tempo em que a luz brilhou, até aquele momento em que a lua rasgou as nuvens e se perderam nos braços um do outro, sem fingimentos, nem falsidades. Eram finalmente eles próprios, finalmente sós, os três. Finalmente felizes. 
Passaram 42 anos. Ela sorri com aquela conformação agridoce, à falta que lhe fazem os que já não estão. Pensa nos que virão e aí o sorriso rasga-se com o brilho fulgente de milhares de sóis.
Jurou nunca julgar, criticar, amesquinhar quem pecasse por amor. Até porque amar não é pecado, é a suprema alquimia, a única criação do homem que vale realmente a pena.
 
Comigo foi assim e ainda é. Neste dia do mês dedicado à noivas, deixo esta memória do princípio de uma vida cheia.

Esta noite sonhei com fusão

Maria Dulce Fernandes, 23.06.22

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Toda a gente tem os seus odiozinhos de estimação. Eu não odeio-odeio ninguém, mas há um par ou dois de pessoas que conheço, a quem lhes podia sair o Euromilhões e irem fazer um cruzeiro non-stop à volta do Mundo, com tudo incluído, de preferência a bordo do Titanic. São pessoas asquerosas, revoltantes, a quem trato surpreendentemente bem, porque não posso descer ao nível dum reles pífio. Nem sei se existirá qualquer coisa como sub-reles, mas como nas palavras de Lao Tsé se deve manter os amigos perto e os inimigos ainda mais perto, eu faço por isso, e também porque os meus paizinhos me souberam educar bastante bem.
Mas a vida desliga à noite, quando te deitas, quando jogas à bisca com esse pervertido do Morfeu e ele te deixa ganhar durante umas horinhas só para contrariar, até tirar o fortunoso trunfo da manga e te levar nas tais asas para o tal reino encantado que Freud explica tão bem.
Os meus sonhos são invariavelmente estranhos, porque têm quase sempre a ver com casas e água, mas esta semana bateram o record da bizarria.
Pode ser cansaço, pode ser recalcamento, pode ser desejo, posso andar a ver muitos filmes que se traduzem num significado onírico fantasista, sei lá, mas foi interessante. Lembro-me de cada detalhe como se o tivesse acabado de ler num livro de Stephen King.
Ontem foi assim:
Chovia lá fora; grossos pingos duma água barrenta que por tardia no ano, acartava consigo toda a imundície que a Primavera não lavou. Batia na janela com força e deixava tristes riscos verticais que tornariam a pó. Estava em pé na cozinha e os traques do maldito candeeiro de tecto sobrepunham-se ao Madness dos Muse que tocava como música de fundo enquanto eu, usando uma cabeça de lobo decepada e presa com flechas quebradas aos ombros, gritava em plenos pulmões: Alăla Alăla!
 
O que, como podem ratificar, quem disse "diz-me o que lês, dir-te-ei quem és" era alguém bem doutrinado nas coisas da vida...
Continuando:
Eu cobrira tudo, bancadas, chão, parede, tudo... com sacos vazios do Auchan. Alguém estava deitado na minha mesa de cozinha, amordaçado e nu. Que nojo, pensava eu, um tudólogo que passou a vida inteira a armar aos cucos com todo o que mexia ou vestia saias, afinal é "isto"? É que mesmo depois de bem amukinado, marinado e salteado com miso e vegetais, não chega a nada. A nada mesmo, caramba! Grande monte de esterco, que não vales nada! Por uma vez na vida consegue uma pessoa ter um sonho em condições em que personifica o seu herói para isto... Grande decepção.
 
Miolos! Uma cabeçorra daquelas deve ter uma mioleira considerável lá dentro. Peguei na lima de unhas, naquela que costumo ter de parte quando uns sapatos mais apertados me desgraçam as unhas de cinderela, e tratei de começar a abrir-lhe a cachola. A pingar suor em gotas mais grossas do que as da chuva que batia na janela, enquanto a alimária ali esfarrapada e envolta em película aderente trauteava "Raindrops keep falling on my head" com um gorgolejar bem do fundo da garganta, encolhi os ombros e tratei de escolher da minha panóplia de instrumentos de serial killer, outro que não a lima, mais adequado para uma craniotomia. Voilà! Um corta-unhas dos grandes, da loja dos chineses, conseguiu em poucos segundos o que a lima não conseguira em horas.

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Pop! Saltou-lhe a tampa como uma garrafa de coca-cola agitada até á exaustão, mas para meu grande espanto a massa encefálica era azul! Ou estava podre, ou era aquela a cor da porcaria que os chicos-espertos têm dentro da cabeça. Não há direito! Perde uma pessoa um sonho inteirinho a tentar Hannibalizar aquele pedaço de esterco, e não tem nada que se aproveite, nem ponta por onde se pegue!
Olhei com tristeza para a minha cozinha. Tanto trabalho para nada! Então e o jantar? Uma omelete de cogumelos e sopa de legumes que o tempo não dá para mais.
Então e o corpo? Pois, isso mesmo, mando pela janela. As Senhoras e Senhores e Meninos e Meninas de bem aqui desta zona nobre não têm por costume apanhar os excrementos dos canitos que passeiam para a frente e para trás durante o dia todo, por isso mais dejecto menos dejecto no passeio ninguém vai notar...
 
Entretanto o Bat Cat e o Fat Cat, vindos do céu dos pardais, lutavam pelas asas duma borboleta peluda com cara putinesca. Larguem lá isso, que está cheio de nazismos obscenos, crueldades, atrocidades e cobardias e ainda vos vai fazer mal, mesmo depois de mortos! E, num rompante, peguei num chanato de pano para os vergastar.
Foi então que acordei.
 
Levantei-me revigorada e fui fotografar o nascer do sol, coisa que instagramo fazer.
Cá vamos cantando e rindo. Isto enquanto podemos, claro.

Esta noite sonhei com Deus

Maria Dulce Fernandes, 19.06.22

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Quantas vezes não me apetece mandar tudo às urtigas e cavar um buraco grande no chão, enterrar a cabeça bem fundo lá dentro, voltar a tapar e deixar todas as complicações, todas as apoquentações, todos os problemas... toda a maldade, cá fora, onde eu nada possa ver.
Pode parecer ridículo, mas é um pensamento que tanta gente acalenta, tanta gente cansada... o que os olhos não vêem, o coração não sente.  
 
Tem dias que estou tão farta de tudo, que só queria poder ser Deus por algumas horas para poder pôr uns pontos nos iis e uns traços nos tês. 
Sonhei com Deus. Não tinha barba e parecia um tanto metrossexual. Ainda bem que era um sonho, porque unhas manicuradas com um mundo em fogo, não é de bom tom.
Penso frequentemente que gostava de ver Deus, não sonhar com ele, mas vê-lo realmente,  nem que fosse ao longe, só para lhe poder dizer umas verdades do género disso da ubiquidade. É que se está no meio de todos nós, por que raio é que nunca está onde e quando é preciso?
Estou cansada de guerra, como a Tereza Batista, e penso, penso tanto nas gentes desafortunadas que não estão cansadas de dela ouvir, mas estão cansadas de a viver e sobreviver.
Gostava de ver Deus para lhe pedir que visse também.
Enquanto isso vou ficar além, naquele além do Variações, que todos entendem tão bem.
 
Vou descobrir um mundo só para mim e assim não preciso de aborrecer ninguém com as minhas idiossincrasias malucas, mas parece que segundo os mapas já está tudo descoberto por aí.  Pode ser que encontre alguma coisa escondida no fundo empoeirado duma prateleira dum alfarrabista, um lugar pequenino como um dedal, onde eu possa ser eu de vez em quando.
 
(Imagem do Google)

Esta noite sonhei com louvadeus

Maria Dulce Fernandes, 14.06.22

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Do alto do meu sexagenarismo, interpreto o que se passa ao meu redor talvez com uma percepção diferente da realidade - da realidade que eu entendo - algo discordante do que poderia ter concebido há um par de anos atrás.
 
O tempos são outros. Eu nem por isso, ou antes, não queria, mas também mudei, claro. Já não subo à figueira grande (enorme desafio gravitacional) para ver o meu irmão arremessar dissimuladamente laranjas podres a quem passa, mas psiquicamente falando, não amadureci muito mais do que isso.
 
Em minha casa, por motivos decorativos, tampouco narcisistas, não existem mais do que quatro espelhos. De qualquer modo, as nossas rotinas diárias passam por nos avistarmos com a imagem do que mostramos por aí, praticamente todos os dias de manhã.
 
A que os meus espelhos me mostram não me espanta nem num bom nem num mau sentido. Serei talvez melhor do que a minha forma cosmozoária, mais formada do que a minha forma embrionária, menos atractiva do que a minha forma infantil, muito menos atraente do que a minha forma juvenil, bem mais amadurecida e pesada do que a forma intermédia, mas não completamente repulsiva, tampouco desagradável.
 
Já referi que mentalmente, estou muito à frente, certo? Creio que neste caso particular quereria antes dizer muito atrás...
 
A pontualidade sempre foi para mim ponto de honra, por isso raramente me atraso e nunca me deixei ficar para trás. Acompanhei as evoluções no seu melhor e também no seu pior e em certos aspectos sou mais entendida, mais culta e mais jovem do que muito jovem que por aí pulula com a mania da tudologia.
 
Pode esta, chamemos-lhe assim, "frescura de espírito" ser de algum modo atractiva para miúdos que poderiam ser meus netos?
 
Não quero dedicar muito tempo a tentar entender a cabeça dos outros, porque tenho a firme convicção que a realidade que eu entendo pode ser diametralmente oposta à que é percepcionada pelo meu vizinho do lado, mas confunde-me que, além dos galões, haja quem possa pensar nesta pessoa como uma rubicunda  louva-a-deus devoradora de machos tenrinhos... o epítome do cougarismo, sei lá? 
 
Estranha metamorfose, grande esquizofrenia ou indubitavelmente uma enorme pancada...

Diz-se que o povo é sereno... diz-se tanta coisa... Aqui  a sereníssima tem sido tão, mas tão paciente, que se houvesse Nobel para esta categoria seria uma séria candidata.
 
 
Quem possui a faculdade de ver a beleza, não envelhece.
 
Franz Kafka

Esta noite sonhei com poker

Maria Dulce Fernandes, 09.06.22

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É  fundamental alcançar a velha máxima mens sana in corpore sano para conseguirmos carregar as 24 horas de cada dia que passa da maneira mais fácil e confortável. Felizmente estamos tão rotinados no que fazemos, que aquela primeira grande agonia a seguir ao despertar se vai esbatendo até desaparecer e, com ela, mais um dia se passou. Há dias não; há muitos dias não, daqueles que exigem de nós o máximo da nossa força interior e habilidade de camuflagem, de transformar um esgar de raiva num sorriso radioso. Isto são coisas que não se aprendem nos livros, são grandes lições que tiramos do tempo que por cá andamos e a que vulgarmente chamamos vida.

Não é fácil carregar o peso da existência principalmente com noites insones à mistura. Eu gosto de aborralhar numa cebola de polares e deixar-me levar à inconsciência. Não é frequente, mas é necessário algumas vezes dar um empurrãozinho às coisas, com a ajuda de Hipnos e Hestia que chegam até nós dentro de uns blisters, de várias cores, feitios e tamanhos, mas sempre com a função de nos ajudar a obliviar. Não gosto deles, porque me fazem sonhar coisas estranhas.
Tomei dois antes de me deitar, e daí a nada estava eu sentada a uma mesa de poker com o Beethoven, o Gandhi, o Einstein e o Martin Luther King.
E que sei eu de poker? Nada!
Que estranho, podia estar a sonhar que estava numa biblioteca, num cinema, com o streaming ligado a ver a última temporada de Stranger Things, mas não... estava ali sentada numa cadeira desconfortável , a jogar aquele  jogo com um ror de génios.
O jogo começou com o Beethoven, dealer escolhido para a primeira mão a dizer "Blind" - o Einstein sussurrou-me baixinho " Mas  não é este que é surdo?"; "Acho que sim" disse eu, e encolhi-me na cadeira porque os outros olhavam-me de esguelha desconfiados e, além disso, ele tinha um hálito que parecia que lhe tinha morrido um ratinho por entre os dentes amarelos.
Cada um recebeu duas cartas e todos à sua vez disseram "Hit me", dei um salto á retaguarda, mas não aconteceu nada!
MLK pega numa mancheia de fichas e diz "A man who won't die for something is not fit to live", ao mesmo tempo que as atira com determinação para o centro da mesa.
Gandhi dá uma gargalhadinha nervosa e enquanto se tenta por à vontade e desaperta os nós dos lençóis, joga as suas fichas ao centro e retorque " First they ignore you, then they laugh at you, then they fight you, then you win."
O Einstein que não parava quieto na cadeira e já tinha os cabelos em pé de tanto esfregar o couro cabeludo, entrou no jogo proferindo "The difference between stupidity and genius is that genius has its limits."
... e chegou a minha vez, depois de mais 3 hit me's, que não deram em violência de espécie alguma; olho ansiosa para as minhas cinco cartas: segurava um Ás, um Rei, uma Dama, um Valete e um dez.... tudo de Copas.. Corei. Pedi licença e fui ao WC vomitar... raio dos nervos... não me esqueci de puxar o autoclismo e voltei à sala.
Mas a sala já não era a sala de poker, era um bunker em Los Alamos e estávamos todos a olhar para uns buracos na parede. Beethoven disse-me sorridente para tapar os ouvidos e apreciar, e que como "only the pure in heart can make a good soup" e aquilo ia dar uma grande salada, o melhor mesmo seria acordar. Olhei para os buracos nas paredes e vi lá ao longe uma luz intensa que se aproximava à sua própria velocidade, enquanto tudo abanava ao meu redor. Abri os olhos de repente  e discerni no escuro do quarto o vulto do gato a coçar-se aos meus pés como se estivesse preso  ao pelourinho peregrino de uma colónia de pulgas.
 
O relógio motrou-me que eram after hours, por isso virei-me para o outro lado e ainda sob o efeito das coisinhas dos blisters, voltei a adormecer sorridente, a pensar que todos o meus geniais companheiro de poker já tinham recebido do dealer máximo uma dead man's hand.
 

Domingo

Patrícia Reis, 24.06.12

Dormir mal é um aborrecimento, em especial para o corpo, embora não favoreça a cabeça, já se sabe. A mulher saiu do banho com este pensamento e, ao espelho, julgou-se numa barraca de feira popular, uma tenda de espelhos mágicos de aumentar e diminuir.

A cabeça dela estava - sem dúvida - muito mais pequena e as pernas mínimas.

Não se preocupou muito com isso. Quando quis chegar à torneira percebeu que a mão, o ante braço, o braço, não conseguiam alcançar o pretendido. Estava a minguar, tal como a bisavó lhe dissera em tempos. A mulher viu-se, assim, nua, na casa de banho, a perder tamanho, sem qualquer dor.

Quando estava já sem corpo, restando apenas a cabeça minúscula, fechou os olhos e suspirou. Podia acordar.

Pelo sonho é que vamos (2)

Ana Vidal, 27.03.11

 

Volto a citar Sebastião da Gama para lembrar este sonho de que falei aqui há algum tempo. Gostei muito de saber agora, não só que ele persiste  - apesar de todos os pesares que se adensam à nossa volta - como tem ganho um merecidíssimo destaque e já chegou a um programa de televisão de grande audiência. Vejam o video, vale a pena. Fico muito contente pela "Maria" (agora já sabemos que se chama Susana) e tenho a certeza de que vai conseguir o seu objectivo, custe o que custar. É um exemplo admirável de tenacidade e força. Precisávamos de muitos portugueses como ela. 

Caiu o Governo!

Laura Ramos, 19.02.11

Caiu o Governo.
É fidedigno, ouvi agora mesmo na leal TSF (esqueci-me de programar o despertador para o fim de semana e obedeci estremunhada à chamada fatal).
Não pode ser – penso. - Duas desgraças juntas?
Deita-se uma cidadã assim tão tarde, razoavelmente reconciliada com a vida - depois da clássica e anestésica evasão de sexta-feira à noite - e , como se não bastasse não dormir mais de três horas, ainda acorda com um incómodo destes? Um alarme tamanho, capaz de ressuscitar um morto?
Eu sempre disse: Fevereiro não é de confiança. É um mês batoteiro, tão traiçoeiro que nem dura trinta dias e vai ficar-se assim, cobardemente, a uns passos do fim.
Como o próprio defunto: - o (des)Governo.
Ainda com a compreensão lenta e pastosa, ouço Louçã a verberar contra a cegueira do mundo. Jerónimo a lamentar a cancerosa síndrome dos instintos privados. O velho-jovem Pereira a defender os caídos. E o Santos Silva a fazer o elogio fúnebre.
Por momentos parece tudo tão igual…
Mas não!
Ouço, deliciada, que Sócrates foge para os States, intimidado por um povo em fúria (vai vender fatos em Beverly Hills). A Canavilhas toca agora num circo, de seu nome Marilú. Mendonça cobra títulos, numa box de auto-estrada. E o Teixeira mendiga à porta das igrejas, rezando incessantemente o padre-nosso.

Adiantou-se, a Páscoa.
Que sexta feira santa
Que digo eu? Ainda estou em ontem.
Que sábado santo! Sábado de Aleluia!

Vou dormir mais duas horas.

Esta coisa merece.