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Delito de Opinião

Bilhete para amigos socialistas

Pedro Correia, 13.03.24

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A campanha ficou para trás. Gostava de saber, portanto, que balanço fazem hoje da forma como António Costa conduziu o governo nos últimos dois anos.

Depois de ter desperdiçado, de forma absolutamente incompetente e leviana, uma confortável maioria absoluta no parlamento e exibido ao país um governo atascado em escândalos de onde todos os meses ia saindo alguém. Depois de ter instalado o caos no "estado social" (saúde, educação, habitação, justiça). Depois de ter contribuído para o aumento exponencial da direita mais radical e populista. Depois de ter engordado o Chega, dando-lhe palco e protagonismo em cada sessão parlamentar, com a óbvia intenção de neutralizar a direita moderada. O tiro saiu pela culatra.

 

Como se sentem hoje, sabendo que o PS perdeu um terço dos deputados e 12 pontos percentuais nas eleições mais participadas deste século?

Continuarão incapazes de abrir os olhos para a realidade mesmo após esta derrota inapelável?

 

Segundo partido mais envelhecido de Portugal, o PS começa a parecer o PCP de há 30 anos: em cada desaire eleitoral, os comunistas proclamavam sempre vitória. Hoje têm apenas quatro deputados (em 230), desapareceram do Alentejo e até na emblemática freguesia de Baleizão são agora derrotados.

Tudo começou assim. Pela recusa de encararem os factos de frente. Pela recusa em se adaptarem aos ventos da História.

 

Muita coisa mudou no dia 10. Começando pela rebelião em larga escala dos eleitores entre os 18 e os 34 anos - fartos de se sentirem marginalizados e empurrados para a emigração - contra um Executivo que governou só a pensar em reformados e pensionistas por estar convicto de que «os jovens não votam».

Enganou-se redondamente: desta vez votaram. E não deixaram lugar a dúvidas.

Reflictam bem, amigos socialistas. Antes de começarem já com manobras tácticas de bastidores para regressarem tão cedo quanto possível ao poder, onde estiveram em 21 dos últimos 28 anos. O que seria um novo erro. Demonstraria que nada aprenderam com a dura derrota de domingo.

Outra derrota de Pedro Sánchez

Pedro Correia, 20.02.24

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Derrota copiosa dos socialistas espanhóis. Mais uma, neste domingo. Agora foi na Galiza. Como já tinha sido em Madrid, na Andaluzia, em Castela e Leão, na Extremadura, em Valência, em Múrcia, na Cantábria, em Aragão, na Rioja e nas Baleares. A nível territorial, o PSOE só conserva hoje a presidência por maioria absoluta de um dos 17 territórios autonómicos do país vizinho: Castela-A Mancha, aliás governada pelo maior opositor interno de Pedro Sánchez, Emiliano García-Page.

Um descalabro.

Já tinham sido derrotados nas legislativas de Julho de 2023, embora acabassem por formar governo traindo tudo quanto haviam prometido ao celebrarem um acordo pós-eleitoral com cinco forças nacionalistas, três das quais assumidamente separatistas. Sánchez, tentando manter-se no poder a qualquer preço, cedeu em toda a linha aos independentistas catalães e aos herdeiros políticos da ETA no País Basco.

O caderno reivindicativo destes parceiros de coligação, que não escondem a intenção de destruir o Estado espanhol, vai acumulando cada vez mais exigências: a frágil maioria do PSOE irá quebrar-se a curto prazo. Algo inevitável, quando uma deputada independentista proclama no plenário das Cortes, em Madrid: "Não podemos estar submetidos ao poder judicial." Alude à magistratura nacional espanhola, em linguagem de "povo colonizado" contra a potência colonizadora. Parece que vão a bordo de uma nave de loucos.

 

Neste quadro, as regionais na Galiza funcionaram também como sondagem à gestão política de Sánchez, indivíduo totalmente desprovido de escrúpulos. Basta lembrar que formou o governo anterior com a esquerda mais extrema após ter afirmado, durante a campanha, ser «incapaz de dormir à noite, tal como 95% dos espanhóis», se o Podemos chegasse a ter pastas ministeriais. Contados os votos, mandou a jura às malvas e abraçou-se a eles.

Agora vê o seu partido sofrer a maior derrota de sempre no noroeste peninsular. Com apenas 14%, o PSOE perde cinco deputados: restam-lhe nove. Atrás do Partido Popular (47,4%, 40 deputados) e do Bloco Nacional Galego (31,6%, 21 deputados). Houve ainda um deputado regionalista, eleito por Ourense. 

O PP atraiu 60 mil novos eleitores, em comparação com as anteriores autonómicas, em 2020, enquanto os socialistas viram fugir mais de 50 mil votos. Os extremistas mantiveram-se fora do parlamento regional: nem a ultra-direita do Vox (2,2%) nem os comunistas do Sumar (0,89%) nem o Podemos (0,26%) conseguiram representação. Todos naufragaram nas urnas, excelente notícia.

 

O cerco ao PSOE, cada vez mais evidente, está a suceder por via das sucessivas eleições regionais. Em 2021, em Madrid, o PP teve mais mandatos do que toda a esquerda: então, também aí, os socialistas registaram o seu pior resultado de sempre. Em 2022 sofreram uma inédita derrocada eleitoral no seu feudo andaluz. 

Sánchez, a partir de agora, vai dormir cada vez pior. Não por causa do Podemos, que quase desapareceu do mapa político devido a uma série de convulsões internas, mas das ligações perigosas ao supremacismo catalão - incluindo o partido que mantém comprovados vínculos com Moscovo.

Tem tudo para acabar mal. E não duvidem: vai acabar mesmo.

De regresso à Terra

Pedro Correia, 07.01.24

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Foto: Nuno Ferreira Santos / Público

 

«Portugal não pode esperar», disse hoje, de regresso à Terra, o sucessor de António Costa no posto de secretário-geral do PS. Com estas e outras palavras no mesmo discurso de encerramento do congresso socialista comprovou-se que, ao contrário do que supúnhamos, Pedro Nuno Santos não participou em sete dos oito mais recentes anos de governação.

Nem podia, pois estava a bordo da nave espacial.

Uma revolução silenciosa

Pedro Correia, 16.11.23

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Dirigentes da Internacional Socialista reunida no Porto em 1976: François Mitterrand, Isaac Rabin, Willy Brandt, Mário Soares, Olof Palme, Harold Wilson e Joop den Uyl. Outros tempos, bem diferentes dos actuais

 

O título já diz muito: «A demissão de António Costa, uma estocada para a esquerda a sete meses das eleições europeias». Mas todo o texto justifica leitura atenta. Este artigo no Público espanhol é uma excelente radiografia das encruzilhadas e bloqueios da social-democracia europeia. Que hoje só governa com maioria absoluta em Malta, o menor dos 27 Estados da UE. Em Espanha, acaba de ajoelhar perante extremistas e separatistas. Em Portugal, com poucos anos de intervalo, vê dois primeiros-ministros a contas com a justiça.

Tudo isto reflecte a mudança do eixo político ocorrida nas últimas quatro décadas, fragmentando o espectro ideológico e reduzindo drasticamente as famílias partidárias clássicas - democracia-cristã, socialismo democrático e comunismo. Uma autêntica revolução silenciosa que tem mudado o nosso continente muito para além das mais arriscadas previsões feitas por académicos e politólogos na já longínqua década de 80.  

Total falta de respeito democrático

Pedro Correia, 05.01.23

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No debate de urgência convocado ontem pelo PSD - principal partido da oposição - para a Assembleia da República, António Costa primou pela ausência. E deu ordem a toda a equipa governativa para não se deslocar à sala das sessões em São Bento. Excepto - por estrito dever de função - a ministra dos Assuntos Parlamentares. Que esteve inteiramente só na bancada do Executivo do hemiciclo.

Isto no mesmo dia em que o grupo parlamentar do PS, pela 21.ª vez nesta legislatura iniciada em Março, chumbou audições a actuais e anteriores membros do Governo - neste caso a Fernando Medina, Pedro Nuno Santos e à ex-secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis. As audições tinham sido solicitadas pelas bancadas do PSD, PCP, BE e Chega.

Isto no mesmo dia em que a ex-ministra socialista Alexandra Leitão publicava um desassombrado artigo de opinião no Expresso, a propósito da mais recente crise governativa, deixando este aviso pleno de lucidez: «A crise recente deveria fazer soar os alertas no Governo e no PS, porque, como é sabido, muitas vezes as eleições não são ganhas pelos partidos da oposição, mas sim perdidas pelos governos.»

Maioria absoluta, poder absoluto, arrogância absoluta.

Tem tudo para acabar mal.

Apenas mais um caso no país governando pelo PS

Paulo Sousa, 09.11.22

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Talvez para tentar fazer esquecer o caso do Secretário de Estado Miguel Alves, que entretanto já desencadeou um novo desafio da alface, o caso do momento foi revelado por Sandra Felgueiras, na TVI. Tiago Cunha, um nome que é toda uma metáfora, foi contratado pela Ministra Mariana Vieira da Silva com assessor com o salário de 4000€.

O caso, que é apenas mais um, é triste, mas a reacções acabaram por se tornar engraçadas. Enquanto que alguns apoiantes do governo tentam desvalorizar o caso dizendo, que depois dos impostos (socialistas) não sobra quase nada... a Ministra já veio justificar o caso, garantindo que a filiação no PS "nunca foi critério de recrutamento". Palavra de filha de ex-ministro, que sempre trabalhou em gabinetes ministeriais.

Enquanto isso, importa lembrar como corre a vida a quem não é filiado no PS.

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Então agora não faço mais nada?

Paulo Sousa, 07.10.22

Só pode ser uma manobra de diversão relativa ao episódio do Ministro bizarro. Ainda o caso anterior não tinha arrefecido e já o governo está a braços de mais uma violação da lei das incompatibilidades.


Foto O Setubalense 

Desta vez é a empresa da família de Pedro Nuno Santos, e que ele próprio detém 1% do capital, que beneficiou de um contrato de ajuste directo. A história está aqui bem explicada no Observador. Não faltarão devotos socialistas a, do nada, arrancarem explicações que nunca serão mais do que explicações para si próprios. A ilegalidade é óbvia e inabalável e a sanção prevista pela lei é a demissão.

Ficamos a aguardar por mais reacções.

Fezes ralas

Paulo Sousa, 07.10.22

Há uns dias, neste postal, quando me referia aos repetidos abusos do governantes socialistas que nos apascentam, usei como metáfora a escatológica expressão com que título o corrente texto. No momento da publicação até achei que poderia assim lançar uma rubrica que fizesse ecoar aqui no DO cada um dos frequentes atropelos do PS às nossas instituições, à nossa legislação e também à nossa vontade de pertencer a algo que poucas vezes se concretiza, e que é uma democracia razoavelmente decente. De forma a poder classificar o grau de desfaçatez de cada episódio, fazia sentido criar uma escala de dureza. Estou certo que esta existirá no mundo da medicina e que até seria fácil de obter num recanto da Internet, mas os compromissos assustam-me e por isso não prometo fazê-lo.

Prometo sim, e irei tratar disso em seguida, que no dia em que o PS deixar de nos governar, contarei aqui uma estória passada num bar em Kotor, no Montenegro, e de que deixo uma pista. O tipo do bar revelou-nos o equipamento para deixar de ser governado por esta elite serôdia.

Toda esta prosa para aqui trazer mais um caso. Desta vez é o recente Ministro Pizarro, que não consigo deixar de achar que se trata de um tipo bizarro. O dito cujo tomou posse como Ministro da Saúde, sendo ao mesmo tempo sócio-gerente de uma empresa de consultoria na área da saúde. Perante isto, não posso trazer aquela velha memória de Pina Moura, de que aqui falei também, e que segundo o qual a ética é a lei. Além da afirmação ser falsa, o caso do ministro bizarro constitui uma ilegalidade objectiva e em que a ética já foi atropelada há muitos quilómetros atrás. É o próprio que o assume.

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Foto DN

Os membros do governo têm de exercer as suas funções em regime de exclusividade. Tudo o que se possa elaborar à volta disto, não é mais do que areia para os olhos. É certo que muitos dos transferêncio-dependentes gostam de os ter bem areados, tal e qual como as panelas de alumínio de outros tempos exigiam às pessoas asseadas, mas por mais contorcionismos que consigam fazer com a respectiva coluna vertebral, isto é apenas mais um episódio de fezes ralas do governo PS.

Antes falidos que competitivos

Paulo Sousa, 27.01.20

Segundo dados das Finanças, cerca de 30.000 residentes beneficiam do regime de Residentes Não Habituais o que na prática equivale a estarem isentos de IRS. Incluem-se neste regime principalmente reformados de Estados Membros da UE, nomeadamente Finlândia, Suécia e França, assim como emigrantes portugueses que regressaram à pátria.

Esta situação tem causado algum incómodo aos países de origem pelo facto deste regime ser fiscalmente compensador para quem decide passar a reforma em Portugal, verificando-se assim uma perda de receita fiscal considerável por parte dos seus países de origem.

Podemos dizer que o clima ameno e a amabilidade dos portugueses ajuda neste processo, mas no fim de contas estamos a falar apenas do que será o único aspecto em que se pode dizer que o nosso enquadramento fiscal é competitivo. É como se estivessemos para os reformados estrangeiros como a Irlanda e a Holanda estão para as empresas.

Tudo isto tornou-se novamente assunto porque o governo pretende agora passar a cobrar 10% de IRS nestes casos. Não faltará quem aplauda tal medida. Se um português ganhasse o que ganha a classe média baixa na Escandinávia teria de pagar 40% de IRS, porque é que raio eles deverão estar isentos?

Há no entanto algo que convém não esquecer. A isenção fiscal destes reformados restringe-se ao IRS. Como têm casa - pagam IMI – almoçam, jantam, consomem electricidade e fazem compras - pagam IVA - têm veículo(s) próprio(s) - pagam IA e IVA sobre o IA, e IUC - deslocam-se pelo país - pagam IPP – e por aí a fora.

Isentos desta imensidão de impostos, taxas e taxinhas estão apenas os reformados escandinavos que não vivem em Portugal.

O governo podia apostar na divulgação noutros países onde a nossa fiscalidade é competitiva – esta verdadeira avis rara fiscal – mas os socialistas preferem descobrir, por tentativas, qual o ponto de equilíbrio destes contribuintes. Como sempre acontece nestas coisas, após os 10% iniciais outros aumentos se seguirão até chegaremos ao ponto em que haverá quem perca a paciência e mude para outras paragens, ficando então efectivamente isento de impostos portugueses.

A geringonça e a caranguejola

Pedro Correia, 26.07.19

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1

A caranguejola em Espanha - o equivalente à geringonça em Portugal - funcionou muito bem para destruir, deitando abaixo o anterior Executivo, de Mariano Rajoy. Mas está a revelar-se totamente ineficaz para construir: à segunda votação consecutiva, Pedro Sánchez - o émulo de António Costa em Madrid - continua sem conseguir reunir os votos na Câmara dos Deputados que lhe permitam tomar posse como presidente do Governo. 

Ao contrário de Costa, derrotado por Passos Coelho nas legislativas de 2015, Sánchez venceu a eleição parlamentar de 28 de Abril - após quase 11 meses de Executivo interino, governando com o orçamento de Rajoy e sem se sujeitar ao teste das urnas. Mas foi uma vitória muito insuficiente para governar sem parcerias: não chegou aos 29% dos votos recolhidos nas urnas e apenas conseguiu eleger 123 deputados, num hemiciclo em que são necessários 176 lugares para atingir a maioria absoluta.

Virou-se então para as forças políticas que se associaram ao Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) no derrube de Rajoy: desde logo o equivalente local do Bloco de Esquerda fundido com as migalhas que restam do quase defunto Partido Comunista sob a sigla Unidas Podemos (UP). O líder desta formação política, Pablo Iglesias, apressou-se a exigir várias pastas ministeriais e uma vice-presidência do Governo - mesmo tendo obtido nas urnas apenas 14,3% dos votos e os seus 42 deputados, somados aos do PSOE, serem insuficientes para formar maioria sólida no parlamento.

 

2

Na monarquia constitucional espanhola não existe tradição de coligações governamentais: as que existiram no país vizinho remontam ao atribulado sistema republicano, na década de 30, e não deixaram saudades. Desde a reintrodução da democracia, há 42 anos, todos os Executivos foram monocolores, à esquerda e à direita. Os minoritários acabaram por vingar com apoios pontuais do Partido Nacionalista Basco ou da antiga Convergência catalã, entretanto dissolvida na deriva independentista. 

Sánchez está hoje prisioneiro da própria armadilha que montou a Rajoy: mostra-se incapaz de transformar a anterior maioria de bloqueio ao Partido Popular em maioria de governo. Após o segundo "não" recebido pelo PSOE no hemiciclo - onde ontem só recolheu 126 votos favoráveis, contra 154 negativos e 66 abstenções - o líder socialista começa a render-se à evidência: pouco mais lhe resta senão enfrentar novas eleições, que não deverão ocorrer antes de Novembro. Quando Espanha se prepara para entrar no quarto mês de Executivo interino, sem orçamento com marca socialista e o parlamento permanece impedido de se constituir em comissões de fiscalização da actividade governativa.

 

3

Nos últimos dias, Sánchez deve ter sentido ciúmes do amigo Costa: a vida é muito mais dura para os socialistas espanhóis. Isto ficou bem evidente, no frustrado debate de investidura travado ontem nas Cortes, quando a dirigente socialista Adriana Lastra - número 2 do PSOE - subiu à tribuna para arrasar os putativos parceiros de esquerda.

«A UP exigiu [para formar coligação] controlar mais de metade da despesa pública e todas as fontes de receita - impostos, inspecção tributária, autoridade da responsabilidade fiscal. Exigiu, praticamente, controlar a economia deste país. Em privado, exigiu quatro das seis áreas de Estado prioritárias nesta legislatura: trabalho, ciência, área energética e área social», declarou no seu duríssimo discurso, sublinhando: «O PSOE necessita de sócios leais. Não necessita de quem se apresenta como guardião das essências da esquerda.»

E, visando directamente Iglesias, disse-lhe: «Não queria um Governo de coligação com o PSOE: queria um Governo exclusivamente à sua medida. Quer gerir um carro sem sequer saber onde está o volante. Esta é a segunda vez que impedirá a Espanha de ter um Governo de esquerda. Curioso progressismo, o seu...»

 

4

Costa e o seu braço direito, Mário Centeno, não têm dificuldades semelhantes às de Sánchez. Pelo contrário: o dócil BE e o cordato PCP passaram uma legislatura a aprovar sucessivos orçamentos sujeitos às regras do pacto de estabilidade imposto por Bruxelas e Berlim. Nunca mais saíram à rua a exigirem a «renegociação da dívida». Assistiram quase sem pestanejar ao mais brutal aumento da carga fiscal de que temos memória, à maior redução do investimento público de que há registo e a um montante de cativações ditadas pelo Ministério das Finanças nunca antes ocorrido em democracia. E nem se escandalizaram pelo facto de - mesmo sem tróica - o Executivo Costa/Centeno ter ultrapassado as metas do défice fixadas pelo Banco Central Europeu. 

Ao contrário dos camaradas espanhóis hoje integrados sob a sigla Unidos Podemos, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa jamais perturbaram a navegação austeritária dos socialistas, justamente premiada pela elevação de Centeno à presidência do Eurogrupo e talvez até ao cargo de director-geral do FMI.

 

5

Costa, ao invés de Sánchez, não precisa de incluir os "parceiros de esquerda" no Governo, à luz da original solução governativa que concebeu em 2015. Ao contrário do colega espanhol, que anda a negociar há três meses sem sucesso, por cá bastaram-lhe três dias e ainda lhe sobraram várias horas desses dias. Obteve quase tudo do BE e do PCP, oferecendo-lhes em troca uma mão cheia de quase nada. Manteve a legislação laboral, manteve o mapa administrativo, manteve o essencial da organização judiciária, manteve as traves mestras da ortodoxia financeira: os que antes gritavam contra tudo isto passaram a pronunciar-se sotto voce, de sorriso ameno e aplauso garantido. 

Se em Outubro lhe apetecer reorganizar o Governo oferecendo duas ou três secretarias de Estado a simpatizantes do Bloco, Costa comprará outros quatro anos de "paz social" à esquerda. Não precisa de mais para uma governação tranquila. Calculo que Sánchez deva invejá-lo. Seria bem diferente se o espanhol pudesse exportar Iglesias para cá, cambiando-o pela doce Catarina.