Ainda as declarações de Soares dos Santos
Como foi referido por vários comentadores (que me levaram a acrescentar a minha adenda), Soares dos Santos estava a referir-se ao aumento dos dias de trabalho das empresas. Nessa lógica, os trabalhadores teriam a mesma carga horária semanal (ou mesmo uma carga horária menor) e para completar o número de horas de trabalho semanais, as empresas teriam de contratar mais pessoas. O emprego e produtividade acabariam assim por aumentar.
Talvez por ser um merceeiro, Soares dos Santos apresenta contas de merceeiro. Se as coisas fossem assim tão simples, poder-se-ia levar ao limite o conceito de reduzir o número de horas de trabalho semanais ao mínimo possível (talvez umas 10 horas) para que houvesse emprego para toda a gente. Não deixa portanto de ser divertido ver Soares dos Santos quase a defender sonhos de esquerda. Simultaneamente defende também sonhos da direita liberal: trabalho a qualquer altura, sem folgas previstas, sem horas extraordinárias, etc.
A verdade é que quando ouvimos Soares dos Santos temos que pensar em quais são os seus motivos. Como ele não é reconhecido pela sua intelectualidade e pela profundidade da sua filosofia, as suas declarações próprias são obviamente motivadas por interesses pessoais (ou corporativos). Neste caso, e sendo o responsável por uma empresa que abre aos sábados e domingos, Soares dos Santos interessa-se por soluções que lhe diminuam os custos. Neste caso, interessa-lhe que se acabe com as compensações extra para quem trabalhe ao fim de semana. Também creio que os motivos que referi no outro post sobre trabalhar as mesmas horas mas pagar menos se aplicariam também aqui.
Num comentário ao outro post, André Miguel já refere uma importante falha na lógica: a procura provavelmente não acompanharia a oferta. Nada que preocupe Soares dos Santos, já que toda a gente precisa de comer. Por outro lado o nosso comentador luckylucky também refere no fim do seu comentário algo de interessante: Soares dos Santos acaba por querer impor a toda a gente as suas regras. Isto apesar de já ser possível as empresas privadas operarem ao fim de semana, tal como os vários supermercados da Jerónimo Martins provam. Mais uma vez repito: a Soares dos Santos pouco interessa o emprego ou a economia nacional/mundial. Aquilo que lhe interessa é baixar o custo unitário do trabalho. Isso seria conseguido com o fim das horas extraordinárias e dos custos acrescidos para quem trabalha ao fim de semana. Quanto a isto, estamos arrumados.
Em termos de emprego, valeria a pena? Sinceramente não o creio. Li em tempos um trabalho onde o autor argumentava que a razão para a divergência de horários de trabalho na Europa e nos EUA tinha sido a influência dos sindicatos. Nos EUA, quem quisesse trabalhar mais tempo (e receber mais dinheiro) deveria poder fazê-lo. Os sindicatos europeus não o permitiram sem gratificações extra e bastante custosas para as empresas. Isso fez com que os europeus tivessem semanas de trabalho por volta das 40 horas e a dos norte-americanos seja habitualmente de 60.
A verdade é que, para ser produtivo e ter uma vida saudável, um ser humano precisa do descanso. Como também gosta de rotinas, o descanso é mais bem vindo se vier a intervalos regulares. E como somos animais sociáveis (uns mais que outros, é certo), é sempre bom que o nosso descanso seja sincronizado com o das outras pessoas. O fim de semana existe em praticamente todas as sociedades e tem frequentemente uma base religiosa. Não sendo crente, penso que a base religiosa será a justificação para uma necessidade humana (e se o fosse poderia argumentar que Deus queria satisfazer essa necessidade).
Talvez seja verdade que eliminando o conceito de fim de semana, criando dias de trabalho de 24 horas, etc, a economia crescesse desmesuradamente, o desemprego desaparecesse e houvesse riqueza para todos. Infelizmente para os economistas a sociedade é composta de pessoas que têm desejos, sonhos, necessidades, etc. É por isso que essas noções lunáticas nunca funcionarão. É um pouco como o comunismo científico: até poderia ter bases teóricas sólidas, mas enquanto tiver que ser aplicado em pessoas e por pessoas, nenhum sistema ideal funcionará.