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Delito de Opinião

Momento patético de televisão

Pedro Correia, 18.06.23

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Pacheco Pereira, dizem, é historiador. Presume-se que um historiador seja rigoroso. Tudo ao contrário - lamento dizê-lo - do que foi a intervenção dele faz hoje oito dias, no programa de comentário político O Princípio da Incerteza, na CNN Portugal.

Falava-se nos cartazes exibidos na manifestação de protesto dos professores, no 10 de Junho, que visavam o primeiro-ministro e o ministro da Educação. Pacheco, cada vez mais próximo do Governo, considerou tratar-se de algo «praticamente obsceno», num acto de protesto «sem ponta por onde se pegue». E concluiu, severo e categórico: «Aquilo é de facto racista!» Ignoro se dizia o mesmo quando Passos Coelho, então primeiro-ministro, era recebido em sessões públicas com coelhos enforcados.

Sobre a autoria, que considerou anónima, também não vacilou: «Isto não é a Fenprof, isto é STOP. E Chega! Porque o Chega tem também um papel nas manifestações dos professores. No meio desta onda de radicalização, por estranho que pareça, as estruturas sindicais [da CGTP] e o PCP são dos menos imunes a essa radicalização completamente perigosa para a nossa democracia.»

É assim que se lançam os boatos. É assim que se espalha desinformação.

 

Sucede que os cartazes que mostravam uma caricatura grosseira e de mau gosto do primeiro-ministro não surgiram só no 10 de Junho: há muito que eram exibidos em manifestações de professores promovidas pela Fenprof.

Sucede também que não têm autor anónimo. Está identificado, deu entrevistas a vários órgãos de informação. Pertence não ao STOP, certamente não ao Chega. É um docente filiado - imagine-se - no Sindicato dos Professores da Zona Sul, da Fenprof. Contrariando em toda a linha a tese conspirativa desenvolvida na CNNP por Pacheco Pereira. Que devia pedir desculpa pelos vários erros, involuntários ou deliberados, que levou à antena no domingo passado.

Mas quem tiver essa ilusão é melhor aguardar sentado.

 

No mesmo programa, espantosamente, o presumível historiador fez o seguinte apelo após dizer o pior possível das tais caricaturas que ele considera racistas: «Eu gostava de ter um cartaz para a colecção da Ephemera. Agora não vão queimá-los e deitá-los todos fora! Guardem pelo menos um.»

Momento patético de televisão. 

Li isto e lembrei-me da algibeira do Sr Mário Nogueira

Paulo Sousa, 10.12.21

18 de Janeiro – Feriado do sector vidreiro da Marinha Grande. Data comemorativa da Grande Data comemorativa da Revolta de 1934.

O dia 18 de Janeiro de 1977 calhou ao Domingo. Foi um 18 de difícil de esquecer. Dias antes, soubera-se na vila vidreira que ia haver romagem ao cemitério, de gente de fora da Marinha. Não era caso para se estranhar, na medida em que todos os anos, após o 25 de Abril de 1974, o Sindicato Vidreiro comemorava este dia, sendo o ponto alto das comemorações a romagem ao cemitério em homenagem dos já desaparecidos com a colocação da uma coroa de flores na campa do mais recente Sobrevivente falecido. O que se estranhava era a “Organização” que estava por detrás deste acontecimento. Temia-se que a população acudisse ao apelo de um qualquer grupo de “esquerdalhos”, por isso os Sobreviventes puseram-se a pau. Não estavam dispostos a admitir provocações.

Logo que se soube o Bernardino Brás, o Manuel Baridó e outros, não mais sossegaram. Eles tinham aprendido muito cedo a identificar o “inimigo”, não gramavam gente “pseudo-revolucionária”, que só queria deitar abaixo, sem se importar com tudo o que eles haviam sonhado e ajudado a construir. Eram operários marinhenses dos antigos, do tempo da clandestinidade, que não estavam dispostos a que enxovalhassem antigos companheiros de luta. No cemitério não entrariam!

- Vão lá p’ra terra deles! – Dizia um dos Sobreviventes.

- Eles, sabem lá o que é ser vidreiro?! Eu já tenho muitas gerações de cotim!

Muito antes das onze da manhã, o pessoal foi-se aproximando do cemitério velho. Havia, um pouco mais afastado, um pequeno grupo de vidreiros reformados, desconfiados. Mais além, alguns Sobreviventes tudo inspecionavam, até que, de repente, as pessoas ali presentes movimentaram-se. Olhavam para cima, para a Avenida. Lá vinham eles, todos juntos a desfilar rua abaixo, com um grande cartaz.

- Mas onde diabo foram buscar esta canalha? – comentava-se.

Os vidreiros, com os Sobreviventes à frente, fizeram um cordão cerrado em frente dos portões do cemitério. Aqui, ninguém passa! Eis que, inevitavelmente, a confusão se instala. Houve palavras alteradas, alguns encontrões, mas pouco depois assistiu-se a uma debandada geral e tudo voltou à normalidade. O “grupelho” desagregou-se imediatamente e os seus elementos desapareceram em poucos minutos pelas saídas transversais da entrada do cemitério.

Alcunhas marinhenses, de Deolinda Bonita
Edição da autora - 2003

Há quem viva dentro de uma bolha

Paulo Sousa, 30.06.20

Perante os números que desmentem os cartazes que há uns meses mandaram fazer às crianças, nem tudo está a correr bem, nem a caminho disso.

A correlação entre os novos casos de covid na região de Lisboa e os transportes públicos superlotados apareceu há mais de um mês nas noticias através dos empregados da Sonae da Azambuja. Depois disso voltei a ouvi falar da lotação dos comboios de linha de Sintra através de uma publicação de um familiar no Facebook. Entretanto já entendemos que o actual problema do (des)controlo da pandemia no nosso país resulta exactamente do facto de existirem pessoas que não se podem dar ao luxo de estar confinadas em casa, porque assim arriscar-se-iam a morrer não pela doença mas pela cura.

Quem tem a sorte, ou o mérito, de na actual situação poder trabalhar a partir de casa, consegue assim o melhor dos dois mundos, uma vez que continua a produzir riqueza e a manter a economia em movimento, e ao mesmo tempo resguarda-se de ser infectado nos transportes e nos espaços públicos.

Mas claro que existem sempre aqueles que vivem num mundo pequenino e cuja visão não vai além do seu próprio umbigo.

Não chegassem todos os privilégios que têm em relação a quem trabalha no privado, os Sindicatos da função pública vem agora exigir mais dinheiro pelo privilégio de poder trabalhar a partir de casa.

O governo se estivesse de facto a negociar com eles deveria terminar com o tele-trabalho e assim contar com eles no seu posto de trabalho à hora habitual. Mas o que está é apenas a tentar garantir o seu voto nas próximas eleições. O interesse do país é um detalhe.

Oiçam este tipo

Paulo Sousa, 11.03.20

Ao ouvir esta excelente intervenção do Carlos Guimarães Pinto no âmbito das Convenções do Movimento Europa e Liberdade, lembrei-me da Escola da Minha Terra, de que já aqui vos falei, e das voltas que foram dadas até ser necessário o seu alargamento.
O caso que ele relata é de maior gravidade e por isso deveria causar mais vergonha aos nossos governantes. Mas isso só seria possível se a tivessem.
Recomendo que oiçam todo o discurso, mas este é o excerto em que CGP fala da escola da terra dele.

 

A escola da minha terra

Paulo Sousa, 22.01.20

Como disse ontem, frequentei a Escola Secundária de Porto de Mós, aquela que continua cheia de amianto.

O autocarro deixava-me à porta da escola mais de uma hora antes das aulas. Depois disso ia fazer uma segunda volta para a serra a recolher mais alunos. A escola ainda estava fechada e os cafés mais perto da escola ficavam logo cheios. Haviam os grupos que se juntavam atrás do pavilhão 3 ou 4 e haviam os grupos que se juntavam no café A ou B. Eram como uma extensão do espaço escolar. No meu grupo do café todos fumavam menos eu. Confesso que tentei repetidamente travar sem tossir mas apesar de muito empenho nunca consegui. Felizmente era um grupo de mente aberta e apesar de fazerem piadas sobre isso nunca me excluíram por não fumar.

O Instituto Educativo do Juncal (IEJ) foi inaugurado pouco depois disto e desde há mais de 30 anos, foram muitas as centenas de alunos que deixaram de ter de acordar de noite para ir à escola.

Desde o primeiro momento o IEJ conseguiu, e graças à liderança do seu fundador Dr. João Martins, ter um ambiente caloroso onde se aprendia quase em família. Já se sabe que são os clientes satisfeitos que fazem a melhor publicidade e, ano após ano, a procura aumentava. O quadro pedagógico era estável e sintonizado com a identidade da escola.

Muito antes do Ministério de Educação inventar as AEC's para o primeiro ciclo já o IEJ proporcionava aos seus alunos actividades extra-curriculares como o Basquetebol, Futsal, Voleibol, Ténis, Ténis de Mesa, Ginástica, Atletismo, Xadrez, Ciências Experimentais, Pintura, Laboratório de Matemática, Jornalismo, Teatro, Cinema, Culinária (havia alunos que aprendiam a cozinhar!!), Canto Coral, Banda, Italiano, Programação, Horta Pedagógica, entre outros que me estarei a esquecer.

Quando começaram a ser comparadas as classificações dos alunos das várias escolas, o IEJ obteve desde logo uma boa classificação. Ano após ano, os critérios foram sendo afinados de acordo com a sensibilidade do Ministério de Educação, e a boa classificação inicial acabou por não se conseguir manter.

Claro que a procura crescente de alunos fazia concorrência à Escola Secundária do amianto. Os país dos alunos sabiam que as aulas dos seus filhos não eram perturbadas pelas frequentes greves dos professores. O alivio dos pais era simétrico ao desapontamento sentido pela Fenprof.

Alguns anos mais tarde houve quem quisesse comparar os custos por aluno nestas escolas com as demais e os resultados que obteve foram novamente perturbadores para a Fenprof e para os defensores do status quo público. E não é que este tipo de ensino tinha o atrevimento de custar menos ao OE do que a chamada escola pública?

Não sei relatar em detalhe, mas algum tempo mais tarde foram feitas mudanças nas carreiras dos professores de modo a que em pouco tempo o corpo docente passou a ser como os da escola pública, ou seja, mudava com frequência e isso criou, como acontece em todo o lado, instabilidade na escola.

No governo da Troika, ainda antes da Geringonça, o valor assumido pelo estado por cada aluno baixou significativamente o que teve impacto imediato no dia a dia da escola. Era mais fácil cortar ali do que na escola pública.

A narrativa contra os directores que iam de Porche para a escola foi lançada já no tempo da Geringonça, e bem sabemos qual é a última palavra dos Lusíadas. Nessa altura o incómodo acumulado desencadeou o pogrom.

Se em algumas regiões as escolas em contrato de associação eram demasiadas, todas levaram por tabela. Não eram necessários quaisquer estudos pois a decisão já estava tomada. E o resto já sabemos. Ano após ano deixaram de entrar novas turmas, foram acabados apenas os ciclos em curso e algumas já fecharam.

Não fosse ter-se transformado numa escola profissional e o IEJ teria seguido o mesmo caminho.

O meu filho foi aluno do IEJ e agora anda na escola pública. Nos primeiros dias após a mudança chegou a casa espantado dizendo que em cada pavilhão havia 3 funcionários... e na secretaria havia mais de 10!! Isso era impensável no IEJ, onde tudo funcionava com muito menos gente. Lembrei-me novamente disso quando já este ano lectivo ano houve uma greve a denunciar a falta de pessoal não docente.

Se o bom senso fosse para aqui chamado tudo isto seria diferente.

A manifestação das Forças de Segurança

Diogo Noivo, 21.11.19

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Por dever de um ofício passado, dialoguei e negociei diariamente com os sindicatos da PSP e com as associações profissionais da GNR ao longo de quase três anos. Terminadas essas funções, o respeito que tinha pelas Forças de Segurança transformou-se em profunda admiração.

Sei que muitas das reivindicações que estão na base da manifestação de hoje são inteiramente justificadas. Falta de material e de equipamento, postos e esquadras em condições deploráveis, e insuficiência de efectivo em algumas zonas do país são queixas com basto fundamento. Sei também que nenhum governo português terá capacidade financeira para colmatar os problemas existentes, uma dificuldade muito agravada pela calamitosa gestão do actual Executivo na área da Administração Interna.

Dito isto, há quatro aspectos que têm sido convenientemente esquecidos pelas estruturas sindicais e que, salvo raríssimas excepções, a comunicação social não percebe (honra seja feita ao Diário de Notícias, que por sistema aborda os temas relacionados com as Forças de Segurança com a atenção e profundidade devidas).

 

1. Carreiras e remunerações. Ao longo de décadas, os sucessivos governos – de esquerda e de direita – foram incapazes de aumentar os salários na PSP e na GNR de forma estruturada porque isso implicaria redesenhar por completo a organização de carreiras e de categorias profissionais, uma caixa de pandora que ninguém quer abrir. Em compensação, criaram-se subsídios e foi-se aumentando o seu valor – subsídio de patrulha, subsídio de operações especiais, subsídio de binómio cinotécnico, subsídio de fardamento, etc. Em resultado, entre 20% e 50% da remuneração mensal de um elemento das Forças de Segurança depende de subsídios, que são variáveis, o que faz com que uma parte importante dos polícias e dos militares da GNR não saibam ao certo quanto ganham por mês. Em síntese, em vez se de pensar as remunerações de maneira racional e sustentável, optou-se por ir colocando remendos. A alteração deste estado de coisas é onerosa, mexe com interesses corporativos e, por isso, conta com a firme oposição de sindicatos e associações profissionais. Porém, se nenhum governo tiver a coragem de mexer neste aspecto, o problema continuará a agravar-se.

 

2. O valor político dos subsídios. Na época em que trabalhei no MAI, e apesar do programa de assistência financeira ao qual Portugal se encontrava sujeito, foi possível aumentar o subsídio de fardamento em 100%, passando de 25€ mensais para 50€. Este complemento salarial tem duas particularidades: está isento de tributação fiscal; e, não obstante se designar “de fardamento”, pode ser usado para qualquer fim, sendo por isso parte do salário. Na altura, foi proposto aos representantes sindicais a alternativa de ser o Estado a fornecer o fardamento, o que naturalmente implicaria o fim do dito subsídio. Sem surpresa, os sindicatos não aceitaram a proposta, entre outras razões porque a manutenção de subsídios lhes permite afirmar que o salário de muitos polícias ronda os 700€ (esquecendo-se de referir que este valor é o salário base) e, dessa forma, conseguir a simpatia da opinião pública para mais reivindicações.

 

3. A falta de efectivos. Há zonas do país onde faltam profissionais. Por outro lado, os poucos que estão ao serviço têm mais de 45 anos de idade. É a mais absoluta das verdades. Contudo, esquecem-se habilmente os sindicatos e as associações profissionais que parte do problema se deve à alocação de recursos humanos, em particular aos milhares de elementos da PSP e militares da GNR que se encontram em funções de apoio operacional (vulgo ‘funções administrativas’ ou 'de secretaria'). São funções cobiçadas, desde logo porque, em regra, decorrem em horário de expediente, não implicando por isso a realização de turnos penosos. Os representantes sindicais não o referem porque têm associados a desempenhar funções de apoio operacional, que obviamente desejam manter. Uma melhor alocação de recursos não resolverá a falta de pessoal – até porque há funções administrativas que só podem ser realizadas por gente da PSP e da GNR –, mas ajudaria bastante a mitigar o problema.

 

4. O aparecimento Movimento Zero. Criado há não muito tempo por profissionais da PSP e da GNR, não tem liderança nem porta-vozes. É aquilo a que agora se chama ‘movimento inorgânico’. Teme-se que nas suas fileiras haja gente de extrema-direita e indivíduos apostados em desestabilizar as Forças de Segurança.

Em Julho deste ano, membros do Movimento Zero viraram as costas ao Ministro da Administração Interna e, mais grave, ao Director Nacional da PSP numa cerimónia pública. Julgo que foi a primeira vez que tal aconteceu. Dada a natureza hierárquica das Forças de Segurança e o espírito de corpo que as caracteriza, foi um gesto muito sério. A classe política – governo e partidos da oposição – foi incapaz de perceber a seriedade do acontecimento. Salvo honrosas excepções, a comunicação social noticiou o sucedido com a mesma atenção com que informa sobre a ocorrência de um acidente rodoviário.

Não sei o que é o Movimento Zero nem quem o conduz. É o resultado da profunda insatisfação que existe nas Forças de Segurança, agravada pelo alheamento do actual governo. Mas, não menos importante, é fruto da ineficácia dos sindicatos e das associações profissionais: até há bem pouco tempo, a PSP tinha 12 sindicatos e a GNR pelo menos cinco, mas juntos não representavam metade do efectivo. Não me surpreende que tenham sido ultrapassados por um grupo sem rosto que ninguém controla. O inenarrável André Ventura e o PNR tentam apanhar boleia do Movimento, no qual suspeito que têm apoiantes. Mas aposto que o Movimento Zero não se deixará capturar por interesses partidários, com tudo de bom e de mau que daí resulta.

 

São muitos os problemas em causa, alguns complexos e antigos. Por incapacidade dos vários governos e por resistência dos sindicatos e associações profissionais, o que eram pequenas dificuldades transformou-se em desafios graves e prementes. Porque não vejo quem seja capaz de inverter a marcha, creio que a manifestação de hoje é apenas o início de algo que veio para ficar.

Reformismo e revolução

Pedro Correia, 02.04.19

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O Bloco - bloqueado como nunca - acaba de sofrer uma dolorosa deserção em massa de 26 militantes,  claramente descontentes com a capitulação do partido fundado em 1999 por Francisco Louçã, Miguel Portas e Luís Fazenda face ao reformismo austeritário capitaneado por António Costa e pelo seu imediato Mário Centeno. Entre estes dissidentes inclui-se gente que fez parte do núcleo fundador, designadamente dois irmãos de Louçã, agora conselheiro de Estado e membro do Conselho Consultivo do Banco de Portugal, além de detentor de uma apreciada cátedra senatorial como comentador na privadíssima SIC Notícias.

Na óptica da chamada "verdadeira esquerda", os socialistas são meros gestores do sistema existente. Ora a energia revolucionária, erigida em "locomotiva da história", não se destina a gerir o sistema: ambiciona transformá-lo para cumprir as profecias contidas no evangelho de Marx. Acontece que Costa anestesiou os partidos revolucionários, aproximando-os do inevitável embate contra a parede: o Bloco, partido sem trabalhadores, transformou-se na sucursal social-chique do PS; o PCP, ao aprovar quatro orçamentos do Estado que validavam a moeda única, a disciplina orçamental e o pacto de estabilidade, descaracterizou-se como partido de raiz revolucionária. As consequências estão à vista, desde logo no plano sindical: algumas das áreas mais reivindicativas, dos estivadores aos enfermeiros, são hoje lideradas por sindicalistas autónomos da estratégia do partido da foice e do martelo e divorciados da sua sucursal obreirista, a CGTP.

Eis, prestes a concluir-se, a missão histórica do menchevista Costa, completando-se em 2015 o que Mário Soares - seu principal mentor ideológico - iniciara em 1975: os bolcheviques lusitanos estão quase a passar de vez à história. As eleições autárquicas de 2017, confirmando a total irrelevância do BE e o maior recuo de sempre do PCP ao nível do poder local, confirmaram esta tendência. Que isto ocorra no momento em que o País ainda é governado por uma "geringonça", fruto de um pacto celebrado entre os socialistas e os seus outrora ferozes opositores ancorados na margem esquerda, é uma daquelas ironias em que o destino dos sistemas políticos costuma ser fértil.

Compreendo que Costa, até devido aos seus antecedentes familiares, mergulhe episodicamente numa certa melancolia por lhe caber cumprir este desígnio histórico, que só peca por tardio - autêntico anacronismo ainda vigente em território europeu. Resta-lhe esta certeza: se não fosse ele, outro o levaria à prática. Não fazia o menor sentido as forças mais extremas da proclamada esquerda manterem cativo cerca de um quinto do eleitorado português, como aconteceu até Outubro de 2015, quando Bloco e PCP somaram 18,44% nas legislativas.

Nada ficará na mesma mal caia o pano sobre estas legislativas.

 

Publicado originalmente no jornal Dia 15.

O país novo

Diogo Noivo, 19.03.19

No Público, Bárbara Reis alerta para a banalização da greve de fome. Recorda Marion Wallace Dunlop, Ghandi, Fariñas e outros para arguir que este método de pressão política serve para reivindicar “direitos básicos quando não há diálogo nem esperança”. Um olhar atento sobre a História contemporânea inviabiliza a conclusão da jornalista, mas esse não é o ponto.

 

Bárbara Reis considera abusiva a greve de fome de Peixoto Rodrigues, dirigente sindical da PSP, porque no nosso país existem 17 sindicatos de polícia e, embora insuficientes, porque essa Força de Segurança mereceu do actual governo progressões na carreira e aumentos salariais.

 

Correctíssimo. Mas não há aqui nada de novo ou de extraordinário. A proliferação de estruturais sindicais na PSP já se verificava no tempo do anterior governo, um Executivo que também aprovou promoções e aumentos salariais. Por exemplo, e apesar de se viver à época um período de duras restrições financeiras, o subsídio mensal de fardamento teve um aumento de 100%, passando de 25€ para 50€ (apesar da designação, os elementos policiais dispõem dessa verba como bem entenderem, podendo usar o dinheiro para outros fins que não a aquisição de fardamento, o que faz dele um complemento salarial normal).

 

Portanto, a diferença não está no contexto, mas sim na forma como ele é interpretado. Se durante a vigência do governo liderado por Passos Coelho as reivindicações e as formas de luta – inclusive as “invasões de escadarias” – eram tidas como legítimas e necessárias, agora são vistas como excessivas e extemporâneas. Adjectivação à parte, aqui reside o grande mérito da chamada geringonça: gente que oscilava entre o alheamento e o maniqueísmo passou a sopesar as subtilezas do contexto. Nem é tudo mau.

Fim do bar aberto?

Diogo Noivo, 30.01.17

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 Carlos Silva tenta explicar a Arménio Carlos o que é um papel assinado

 

Por dever de um ofício que tive em tempos, participei em várias reuniões com centrais sindicais ou com sindicatos a elas associados. Recordo-me que negociar com a UGT e com os seus afiliados era muito duro, tanto do ponto de vista técnico como do ponto de vista político. Não era fácil chegar a acordos, mas era possível. Já com a CGTP o processo era substancialmente mais fácil: raramente se negociava. A central liderada por Arménio Carlos entrava nas negociações dizendo que não ia negociar – porque era contra o sistema capitalista de mercado, porque considerava a austeridade um crime comparável ao Holocausto, ou por qualquer outra razão que não admitia excepções ou cedências. No entanto, exigia sempre permanecer à mesa. Ficava calada, ou a colocar cascas de banana com o intuito de descarrilar o processo negocial. Em resumo, a UGT cedia em troca de cedências dos seus interlocutores; a CGTP queria obter cedências, mas nunca estava preparada para abdicar de uma vírgula.
Outra grande diferença entre as duas centrais sindicais está nos limites. Para a CGTP vale tudo. Em 2013, participei numa negociação com sindicatos afectos à UGT e à CGTP. Foi um processo moroso, difícil, mas lá chegámos a uma base comum de entendimento. Quando nos preparávamos para assinar o acordo, um dos sindicatos próximos da CGTP aparece com uma nova reivindicação: queriam que os trabalhadores em apreço deixassem de pagar a parte correspondente ao subsídio de desemprego na contribuição para a Segurança Social. O argumento? Simples: somos funcionários públicos, nunca seremos despedidos, logo não faz sentido estarmos a contribuir para o subsídio de desemprego dos outros. Importa ter em mente que 2013 foi o annus horribilis do desemprego na Europa. Neste ano os portugueses mostram ter uma solidariedade à prova de bala, mas para este sindicato qualquer argumento – mesmo que eticamente abjecto – valia para dinamitar o acordo.


A única central que obrigou os sucessivos Governos a ceder foi a UGT. Se tivermos presente que os ganhos reais para os trabalhadores se obtêm por via de negociações ou de acordos entre sindicatos, patronato e Governo, uma parte muito importante dos ganhos laborais em Portugal deve-se à UGT. O que tem um custo para esta central sindical. Ao assinarem os acordos são de imediato acusados de traição pela CGTP. Na psique do sindicalismo radical, apostada numa luta que os levará à vitória final, os Governos são por definição entidades mefistofélicas. Como tal, um acordo, mesmo que vantajoso, funda-se num pecado capital inaceitável. No fundo, para a CGTP, entrar num acordo substantivo com um Governo implica mutilar a sua identidade política e ideológica. Por essa razão, em 2006, a única vez em que a CGTP aceitou subscrever um acordo a sério (um momento tão inédito que é considerado um marco histórico), não houve cerimónia de assinatura. A central sindical, liderada na altura pelo inefável Carvalho da Silva, assinava com vergonha, ainda que do acordo resultasse um aumento do salário mínimo. E, claro, foi uma questão de tempo até que a CGTP imputasse os aspectos negativos do documento à UGT.
Carlos Silva, Secretário Geral da UGT, terá chegado ao seu limite. Se a CGTP quer uma adenda ao último acordo de concertação social, então que o assine primeiro. É um mínimo olímpico. Veremos se a CGTP se qualifica. Para a central sindical de Arménio Carlos, a relação com os sucessivos Governos tem sido uma espécie de bar aberto: entram, servem-se, fazem a festa, e alguém que pague a conta. Esperemos que Carlos Silva seja bem-sucedido na missão de trazer um módico de decência ao estabelecimento.

O mausoléu sindical

Diogo Noivo, 20.04.16

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O Público noticia hoje que a CGTP perdeu cerca de 64 mil afiliados nos últimos quatro anos. Na UGT, segundo Carlos Silva, foram 80 mil. Note-se, contudo, que esta sangria não é um problema exclusivamente português. Em Março deste ano, a revista Cambio 16 publicou uma interessantíssima reportagem sobre as estruturas sindicais em Espanha e o panorama não é diferente: em conjunto, as duas grandes centrais sindicais – Confederación Sindical de Comisiones Obreras (CC.OO.) e Unión General de Trabajadores (UGT) – perderam 400 mil afiliados durante a crise.

 

À primeira vista, parece um contra-senso. O aumento do desemprego, da precariedade, o enfraquecimento da negociação colectiva e as reformas laborais que recortaram “direitos adquiridos” deviam fortalecer as estruturas sindicais, não só em número de associados, mas também em força política. Porém, enquistados num espaço e num tempo que não é o de hoje, os sindicatos portugueses e espanhóis existem sobretudo para trabalhadores com contratos estáveis e do sector público. Em declarações à Cambio 16, Andrew J. Richards, docente na Universidade Carlos III, afirma que, directa ou indirectamente, as receitas sindicais provêm do Estado, razão pela qual as centrais sindicais estão pouco interessadas em abranger precários, contratados a termo e desempregados. E por isso minguam.

 

Sendo o problema comum aos dois países, seria expectável que as reacções sindicais de ambos os lados da fronteira fossem semelhantes. Mas não. Há um mundo que separa Portugal e Espanha.

 

Fernando Lezcano, secretário para a organização e comunicação nas CC.OO., faz o acto de contrição e concede que foram cometidos erros. Reconhece que as últimas greves gerais prejudicaram os sindicatos. Admite que a representação sindical aumenta consideravelmente conforme aumente o tamanho da empresa, assumindo que o sucesso dos sindicatos passa por enquadramentos legais e financeiros que beneficiem as empresas. A este respeito, Lezcano acaba por reconhecer também que os sindicatos espanhóis estão presos a uma economia de grandes empresas, sendo portanto obsoletos num país onde proliferam PME e startups. O dirigente das CC.OO. assume ainda que as centrais sindicais têm que se repensar para incluir trabalhadores precários, trabalhadores a tempo parcial, desempregados e voluntários (uma forma de trabalho que, segundo a inefável Catarina Martins, é “uma treta”). Concluindo, e como disse Fernández Toxo, secretário-geral das CC.OO., ou a central sindical se reinventa ou “se la lleva el viento de la historia.”

 

Já em Portugal lança-se mão à adversativa. Graciete Cruz, membro da comissão executiva da CGTP e responsável pelo departamento de organização, atribui a culpa pela redução de afiliados à crise, mas destaca outros sectores onde o saldo entre os que saíram e os que entraram é positivo. Ponto. Tudo está bem no reino sindical português. Resta saber se acabará bem.

Da greve dos professores

José António Abreu, 16.06.13

Sendo favorável à existência de um sistema público de ensino (e, mais ainda, de um sistema público de saúde), momentos como o actual fazem-me pensar que, tal como sucede noutros sectores (as empresas públicas de transportes, por exemplo), os inconvenientes podem afinal superar as vantagens. As medidas propostas pelo governo não são simpáticas (nunca o poderiam ser) e algumas talvez nem sejam justas. Mas – sabemo-lo há mais de uma década – o Estado tem de cortar na despesa e o sistema de ensino, com uma relação professores/aluno acima da média europeia (e, sim, eu sei que há mil e uma justificações para tal, todas dignas de reformas que as façam desaparecer), não pode ficar de fora dos cortes. Por outro lado, também no sector privado há centenas de milhares de trabalhadores insatisfeitos com decisões do seu empregador. Trabalhadores que, como os professores, viram os seus rendimentos diminuir e que, como os professores, receiam vir a perder o emprego (nem vale a pena mencionar os que já o perderam). E, contudo, não fazem greve. Porquê? Porque sabem que apenas se prejudicariam a eles mesmos; porque sabem que os contribuintes não salvarão a sua empresa. Revoltados ou resignados, essas centenas de milhares de trabalhadores estão a ajudar o país a sair da crise. Os professores (que gostam de afirmar ser a educação fundamental para atingir tal objectivo) necessitam de decidir se querem juntar-se-lhes ou continuar a exigir-lhes que paguem a factura. Mais importante: necessitam de pensar nos alunos que tiveram à frente durante nove meses e decidir se a luta, nos termos em que a delinearam, compensa sacrificá-los. Ainda por cima, provavelmente para nada. Os professores (ou, para ser mais preciso, os sindicatos dos professores) jogaram forte, ao escolher a data da greve. Mas talvez não tenham avaliado bem (ironias...) a firmeza do governo e as consequências deste não ceder. A perturbação de Mário Nogueira, na sexta-feira à tarde, ao sair da reunião no Ministério da Educação, mostra como os sindicatos estão conscientes de que, amanhã, e ainda que a greve tenha adesão elevada, poderão ter jogado a cartada mais forte sem outros resultados práticos que não alienar parte da opinião pública. O que farão a seguir? Boicotar outros exames? Nuno Crato e o governo parecem ter entendido que não podiam ceder. Ficaria tudo em causa: as reformas na Educação e em todos os outros sectores. Até onde estão os professores dispostos a ir?

O homem duplicado

Pedro Correia, 30.01.12

 

Há oito anos, escrevi no Diário de Notícias que Arménio Carlos seria o sucessor de Manuel Carvalho da Silva na CGTP. Lembro-me de que na altura não foi fácil encontrar fotografia do obscuro coordenador da União dos Sindicatos de Lisboa, então totalmente desconhecido da opinião pública. Sabia-se, isso sim, que a cúpula comunista estava irritada com as contínuas fugas à ortodoxia de Carvalho da Silva e pretendia substituí-lo por um homem aparentemente mais duro mas afinal muito mais dócil no cumprimento das directivas partidárias. Por um motivo fácil de explicar: a CGTP é o mais poderoso instrumento de acção estratégica do Partido Comunista, que após ter perdido os seus bastiões operários e autárquicos recuou com a tenacidade de sempre -- um passo atrás, dois passos à frente, recomendava Lenine -- para o seu derradeiro reduto, o do sindicalismo nas áreas da administração pública e das empresas públicas, designadamente na área dos transportes. Quanto mais Estado, tanto mais a CGTP se robustece. E quem diz CGTP diz PCP. Não faz qualquer sentido a actual correlação de forças -- firmada durante os anos do "processo revolucionário" -- na cúpula da central sindical onde os comunistas estão em larga maioria, remetendo independentes, socialistas, católicos e bloquistas para posições minoritárias. Algo sem paralelo na sociedade portuguesa.

Essa foi talvez a cacha mais fácil da minha carreira jornalística, à semelhança de outra -- que escrevi com meses de antecedência -- em que garantia, também no DN, que Jerónimo de Sousa seria o sucessor de Carlos Carvalhas como secretário-geral dos comunistas. Porque não há nada mais previsível do que o ritmo "lento" e "vertical" -- sem qualquer traço revolucionário -- em que ocorre o processo de tomada de decisão no PCP. E se a ascensão de Arménio Carlos acabou por ficar quase uma década no congelador isso deveu-se apenas à fortíssima popularidade de Carvalho da Silva na sociedade portuguesa, alcançada não por causa da sua ligação enquanto militante de base aos comunistas mas apesar dela.

 

Virada a página, reforça-se a ligação orgânica da central ao partido com a promoção a dirigente máximo de um membro (desde 1988) do Comité Central do PCP, vinculado às rígidas normas de disciplina interna impostas pelo "centralismo democrático". Esta subordinação -- que Carvalho da Silva nunca aceitou na integridade -- torna agora mais nítido o controlo comunista da CGTP, onde o direito de tendência é rigorosamente interdito e as "minorias" (largamente maioritárias na sociedade) servem apenas para conferir um vago verniz pluralista a uma organização que o PCP passa a tutelar de forma ainda mais inflexível.

Era isto que eu gostaria de ter visto dissecado e debatido nos dias que precederam a entronização de Arménio Carlos, o homem que se prepara para duplicar sem deslizes o discurso sindical de Jerónimo de Sousa em todos os telejornais, tal como o PEV duplica a retórica comunista na frente parlamentar. Mas isso seria talvez exigir demasiado de um certo jornalismo e de uma certa "opinião" que se esgotam na poeira do instantâneo sem repararem no essencial.

Publicado também aqui

Trabalhadores em greve vs. indignados

Rui Rocha, 25.11.11
 

 

Os dirigentes das centrais sindicais demarcaram-se dos incidentes ocorridos junto ao Parlamento. Todavia, a divergência entre aqueles que se sentem representados pelo movimento sindical e os outros que também ontem se manifestaram (chamemos-lhes indignados) não fica por aqui. O pano de fundo da agitação social é a crise económica profunda. Perante isto, a luta do movimento sindical não é já a da conquista de direitos adicionais para os trabalhadores. O discurso dos direitos incrementais foi substituído pelo da preservação dos direitos adquiridos. Não há nas acções promovidas pelos sindicatos qualquer intuito revolucionário. Não está em causa uma réstia de utopia. Pelo contrário, aquilo que está presente é já uma profunda nostalgia. Num certo sentido, utopia e nostalgia são entidades de sentido equivalente, situadas em pontos opostos do fio do tempo. Na greve de ontem, o tempo perfeito, o momento idealizado, estava no passado. Esse onde o trabalho podia ser para toda a vida e era pago em 14 remunerações anuais e em que o Estado oferecia a miragem de uma ampla protecção social na doença e na tristeza. O cimento que uniu os trabalhadores não foi o desejo de revolução, com a consequente alteração das estruturas políticas e sociais, nem sequer o de revolta (entendida esta no sentido que lhe é dado por Paolo Virno, Alain Badiou ou Jacques Ranciére: momento análogo ao da catástrofe, do colapso, sem projecto de futuro). No fundo, os trabalhadores em greve são consumidores que vêem o poder de compra afectado e reclamam o seu lugar no sistema capitalista e na social-democracia. Por seu lado, o movimento dos indignados não apresenta este traço agregador. Sob a designação, permanece a amálgama. Estão por ali os que não sabem o que querem, os que estão profundamente ideologizados e sonham com a revolução omitindo a si próprios (ou ao mundo) que o lugar mais próximo da utopia é a distopia, os que querem a revolta (no sentido já referido de catarse instantânea, sempre que possível violenta, sem passado nem futuro) e os que queriam estar no lugar daqueles que fazem greve (jovens desempregados). Ora, já se vê que não há ponto de união possível entre aqueles para quem o futuro desejado está no regresso ao passado (representados pelos sindicatos) e os outros para quem só há presente (os da revolta ou os que não sabem o que querem) ou só há futuro (os da utopia revolucionária e os que querem emprego). Por isso, quando estas duas forças (que se projectam em momentos temporais diferentes e antagónicos) se aproximam no espaço, físico ou político, o resultado só pode ser uma grande tensão. Não há compatibilidade possível entre amanhãs que cantam e ontens sorridentes. Entretanto, o que se torna realmente difícil é encontrar, em qualquer dessas correntes, algum sentido da realidade.

Carvalho da Silva & Partner

Rui Rocha, 24.11.11

 

Os últimos dados disponíveis indicam que a população empregada em Portugal ronda os 5 milhões. Entretanto, estima-se que o país tenha cerca de 700 mil funcionários públicos. Na greve geral de 2010, os sindicatos reclamaram a maior adesão de sempre e referiram que teriam estado envolvidos 3 milhões de trabalhadores. Relativamente à greve geral de hoje, os mesmos sindicatos afirmam que foi maior do que a do ano passado e referem uma adesão na função pública de cerca de 90%. A acreditar nos sindicatos teríamos então mais de 3 milhões de trabalhadores envolvidos, sendo que cerca de 630 mil seriam funcionários públicos (700.000 x 90%). Isto é, a adesão à greve fora da função pública envolveria não menos de 2.370.000 trabalhadores (3.000.000 - 630.000). Ou seja, se os números dos sindicatos estivessem correctos, a adesão à greve de hoje no sector não público seria superior a 53% (2.370.000 : 4.300.000 x 100). Trata-se de um número impossível de defender face ao que hoje se passou em Portugal. A conclusão será pois a de que os dados apresentados pelos sindicatos só são compreensíveis se os entendermos como um milagre (ocorre-me o episódio da multiplicação dos pães), prestidigitação ou pura charlatanice. Na verdade, aceitar uma participação próxima de 1 milhão de trabalhadores já exige alguma boa vontade. Estaríamos, mesmo nesse caso, a falar de 20% da população empregada e de um número inferior em 2 milhões ao apresentado pelos sindicatos.