Há 110 anos, o inquilino da Casa Branca era um republicano de grande corpulência e bigodes farfalhudos chamado William Howard Taft. A imagem dele, vista pelos olhos actuais, é totalmente anacrónica: Taft (na foto em baixo) foi o último presidente dos EUA a poupar nas lâminas de barbear.
Os 18 líderes norte-americanos que se seguiram, de Woodrow Wilson a Donald Trump, apresentaram-se aos eleitores de face escanhoada. Barba, pêra ou um prosaico bigode ficaram desde então arredados do número 1700 da avenida Pensilvânia, em Washington.
Com o atraso sempre habitual nestas coisas, os políticos europeus adoptaram a moda americana. Desde logo no Reino Unido, onde o rei Jorge V, falecido em 1936, foi o último monarca a usar barba, outrora um indispensável adereço da aristocracia britânica. Os filhos que lhe sucederam, Eduardo VIII e Jorge VI, disseram adeus aos pêlos faciais: patilhas, cavanhaques ou bigodes retorcidos tornaram-se símbolos de outros tempos, associados a vultos oitocentistas como Otto von Bismarck e Giuseppe Garibaldi.
Apesar de tudo, o bigode resistiu mais tempo no Reino Unido. O último chefe do Governo a usá-lo foi Harold Macmillan, um conservador que abandonou o poder em 1963. Seis anos depois, os franceses viam partir do palácio do Eliseu o general Charles de Gaulle, último chefe do Estado gaulês militar, último chefe do Estado gaulês com bigode.
Mais finos ou mais exuberantes, os bigodes estiveram associados ao poder totalitário. Talvez isto explique o facto de todos os líderes políticos subsequentes a Hitler e Estaline, na Alemanha e na Rússia, terem optado pela lâmina de barbear. Foi logo assim com o primeiro chanceler alemão do pós-guerra, Konrad Adenauer (1949), e com o homem que em 1953 substituiu Estaline no Kremlin, Nikita Krutchov. E assim tem sido com todos os outros de então para cá, mais à esquerda ou mais à direita.
Hoje seria quase impensável um político obeso e de grandes bigodes, como Taft (1857-1930), vencer uma eleição presidencial ou legislativa. Embora esta seja a regra, há sempre uma excepção que a confirma: José María Aznar, um homem de baixa estatura e farfalhudo bigode, foi primeiro-ministro em Espanha entre 1996 e 2004. Isto apesar de a pilosidade infranasal estar associada à longa ditadura do país vizinho: Francisco Franco e outros destacados membros da sua ditadura ostentavam bigode.
Hoje as ditaduras estão fora de moda. E os bigodes também. Até na América Latina, onde outrora pontificavam tiranos como Trujillo, Stroessner, Videla e Pinochet (que usavam bigode). Ninguém gosta de ser associado a elas, ainda que de forma subliminar. Excepto os déspotas venezuelano e nicaraguense, Nicolás Maduro e Daniel Ortega, que de algum modo confirmam a regra. Ou, no continente europeu, o ditador da Bielorrússia, Aleksandr Lukachenko.
O próprio Aznar - que passou a viajar com frequência aos EUA - rendeu-se, dizendo adeus ao bigode. De Taft aos nossos dias foi uma longa caminhada.
Portugal: de D. Pedro a Santana Lopes
Em Portugal, o último chefe do Estado com bigodaça foi o marechal Óscar Carmona, falecido em 1951. Todos os dirigentes militares da ditadura instalada em 28 de Maio de 1926 – como Gomes da Costa, Mendes Cabeçadas e o próprio Carmona – ostentavam esse enfeite facial.
A moda vinha de trás: os últimos reis portugueses, de D. Pedro IV a D. Manuel II, usavam um bigode bem característico da dinastia de Bragança. E entre os sete presidentes da breve I República (1910-26), apenas o almirante João Canto e Castro, inquilino de Belém durante alguns meses, de 1918 a 1919, tinha a cara barbeada. Tal como viria a suceder com todos os presidentes e primeiros-ministros pós-25 de Abril.
António Guterres chegou a usar um típico bigode mexicano e Pedro Santana Lopes, nos seus verdes anos, gostava de aparecer de barba. Mas ambos se apresentaram de face escanhoada quando chegaram ao poder.
Em política, o que parece é.