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Delito de Opinião

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 07.05.22

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No dia 7 de Maio celebramos O Dia Mundial do Silêncio 

"O principal objectivo desta data é conscientizar as pessoas dos males que a poluição sonora provoca, em diversos aspectos, para a queda da qualidade de vida.

Além de consequências físicas, o excesso de ruídos também prejudica a concentração e eleva os níveis de stress.

Por este motivo, o Dia do Silêncio convida a toda a população a separar uns minutos durante o dia e desfrutar do total silêncio!.

Meditar ou simplesmente estar num ambiente longe do barulho é uma das propostas do Dia do Silêncio."

 

Vale ouro e mais do que mil palavras. E é tão difícil de encontrar como a chave dos números de qualquer lotaria.

Eu sou uma adoradora do silêncio. Ergo-lhe catedrais, venero-o como o deus que é e agradeço-lhe a paz que me dá.

Nem todos os dias encontro o silêncio de que necessito, por isso guardo religiosas gotas para que possa, pingo a pingo, colmatar a carência. 

Quando o tenho em demasia, enebrio-me dele e danço-lhe surdos e inertes bailados de louvor. 

Terno e fugaz é o silêncio que me envolve e que vejo partir com imperceptíveis abraços calados de paixão. Anseio já pelo seu regresso, agradecendo em suspiros abafados toda a paz que me dá.

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Silêncio divinal, eu te respeito!
Tu, meu Numen serás, serás meu guia
Se até 'qui, insensato, errei a via
De Harpócrates, quebrando o são preceito,

Hoje à vista do mal que tenho feito,
Em ser palreira pega em demasia,
Abraçarei a sã Filosofia
Pitagórica escola de proveito.

Tenho visto que males têm nascido
Pelo muito falar: tenho sondado
Quanto é melhor calar, que ser ouvido.

Minha língua vai ter férreo cadeado.
Eu a quero enfrear, arrependido
De tanto sem proveito ter falado.

Francisco Joaquim Bingre

O silêncio e tanta gente

Maria Dulce Fernandes, 21.10.20

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A lotaria genética é algo assombroso que transcende todo e qualquer um de nós. A possibilidade de um gene recessivo de existência recente ou até pré-histórica pode determinar um distúrbio de 25% de probabilidades de se verificar geneticamente adquirido.

E aí, ainda não nascemos e a nossa vida já possui toda uma carga adicional de lutas e desafios a superar, que com o passar do tempo constituirão a normalidade que conhecemos.

A lotaria genética pode proporcionar distúrbios esteticamente agradáveis ou monstruosidades e os outros, os que não se vêem e acarretam deficiências profundas que podem ou não ser contornáveis.

A hipoacusia bilateral profunda é A deficiência auditiva por excelência. É diagnosticada por uma sucessão de exames que se iniciam aos 2 dias de vida e não terminam nunca.

Após uma série de testes audiológicos e ressonâncias magnéticas para diagnóstico definitivo, somos postos perante a perspectiva da cirurgia, o tal ouvido biónico, que nos ajudará a perceber o mundo também pelo som e a podermos ser nós a traduzi-lo pela nossa própria voz, construído em palavras que nunca falámos na impossibilidade de reproduzir algo que desconhecemos.

Quem pensará duas vezes perante a possibilidade de contornar ou até vencer a imparidade?

É aqui que entram em cena os fundamentalistas do silêncio que, sob a capa da protecção à capacidade e direito absoluto de escolha das minorias, insistem em alternativas como a linguagem gestual ou a leitura labial, e a escolha – ouvir ou não ouvir - partirá exclusivamente do indivíduo com deficiência quando alcançar a idade da decisão.

Quero acreditar que estas pessoas têm boa intenção e são apenas imbuídas de sentimentos protectores, porque de outro modo é incompreensível que nos tempos do audiovisual estejam a condenar um indivíduo a um ostracismo de idade das trevas. Aqui, a questão religiosa nem se põe. Se Deus não deu ouvidos, então terá que ser surdo, ter-lhe-á dado cordas vocais para quê senão para poder falar?

A linguagem gestual e a leitura labial nunca devem ser excluídas da aprendizagem de um surdo, porque ser bilingue e estar comunicável é fundamental. Em última instância, a decisão de não querer ouvir, aí sim, dependerá sempre, única e exclusivamente, do indivíduo em questão se assim o seu livre arbítrio permitir fazer acontecer.

A transição nem sempre é confortável. A confusão e o medo podem marcar negativamente as primeiras horas ou os primeiros dias, até chegar o entendimento de que as palavras rupestres que gesticulamos podem ser pronunciadas, reproduzidas num som que pode chegar até nós e tornar-se música para os nossos "ouvidos biónicos".

É um renascimento para um mundo sonoro, é um milagre, é magia... é isso tudo, as possibilidades são imensas e é fantástico poder acontecer.