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Delito de Opinião

Arancini, Granita, Nero d’Avola e Aperol Spritz

Paulo Sousa, 10.09.24

Segundo a cultura popular italiana, em cada espectáculo com bilheteira, existem três tipos de clientes, cuja designação começa pela letra P. Os pagatori, aqueles que pagam pelo respectivo ingresso, os portatori, aqueles que têm consigo um bilhete, que pode ter sido roubado ou falsificado, e os portoghese, aqueles que tentam entrar sem bilhete.

Só alguns anos depois de ter ouvido falar nisto a primeira vez é que soube que esta associação à nossa identidade resultou da embaixada que Dom Manuel enviou, em 1514, ao Papa Leão X para exibir os resultados das suas conquistas e assim engrandecer o seu importância. Os representantes da coroa portuguesa chegaram a Roma ricamente vestidos e com eles traziam inúmeras pedras preciosas, um cavalo persa, uma onça de caça e até um elefante branco, este último, que o Papa viria a adoptar como sua mascote. Tamanha exibição de prestígio e riqueza não passou despercebida naquela Roma do sec. XVI, ao ponto de o Papa ter decretado que naqueles dias os portugueses não teriam de pagar nos espectáculos que ali assistissem.

Ora por abuso de alguns altos dignitários do Estado Português, ora por terceiros que por eles se terão tentado passar (aceito apostas sobre o mais provável), ainda hoje em Itália, quando alguém se tenta esgueirar sem pagar é rotulado de portoghese. A nossa chegada ao Japão tem uma aura bem mais positiva, pois para eles corresponde ao fim da sua Idade Média. Naquilo que somos, cabem todas estas glórias e misérias.

Vem isto ao caso por ter passado uns dias na Sicília. Não vale a pena descrever os detalhes do como, mas às páginas tantas cruzei-me com um avô siciliano que tem dois netos com menos de dois anos. Podia também dizer que tem duas noras, uma napolitana e outra portuguesa e por isso um dos netos é o napolitano e o outro o português. Quis o destino que tivesse chegado o momento em que o Dom Gigio (nome fictício) recebesse nos braços o neto napolitano que corria feliz. O petiz não cabia em si de contente depois de ter roubado o brinquedo ao primo. E assumiu-o. Roubei o carrinho ao primo, disse ele em italiano, a sorrir.

- Oh che piccolo Maradona. – disse ele, enquanto agitava a mão direita, depois de ter juntado a ponta dos dedos. - il portoghese non ha pagato l'auto e il napoletano l'ha rubata.

Todo o incómodo não passava da teatralidade siciliana e que deve terminar num Porca miséria, seguido de risada geral.

Foram uns dias realmente bem passados.

Em termos turísticos, a Sicília é um gigante adormecido. Tem 5 milhões de habitantes e uma área superior aos distritos de Évora, Beja e Faro juntos. Siracusa foi a segunda cidade do mundo grego, ficando então apenas atrás de Atenas. Terra de Arquimedes, do teatro grego, do templo de Apolo e classificada pela Unesco como património da humanidade. A história está presente em toda a ilha. Os vestígios pré-históricos, gregos, romanos, bárbaros, bizantinos, árabes, normandos, italianos (após a unificação), até da operação Husky na Segunda Guerra Mundial, estão por todo o lado.

Para quem gosta de estar de molho na praia, importa registar que no Verão a temperatura média da água na costa jónica, ronda os 26 graus. Para quem, como eu, cresceu a ir à Nazaré que nos dias generosos chega a atingir os 19 graus, pode achar que caiu dentro de uma panela de sopa. O limite de tempo passado dentro do mar (sem ondas e com uma amplitude de marés de 10 cm) depende da respectiva paciência e do nível de engelhar de dedos considerado aceitável. Perante a estupefacção, os locais logo explicam que ali estamos um grau de latitude a sul da Tunísia, o que, após um franzir de sobrancelhas e uma consulta do Google Maps, verificamos ser verdade.

Uma outra impressão resulta da condução pelas estreitas estradas que rondam o Etna. Não podemos esquecer este gigante que chega aos 3300 metros de altitude e que quando lhe apetece expele mais umas toneladas de cinza e interrompe a circulação aérea. A recente actividade deste monstro bloqueou sarjetas e até explica alguma da falta de asseio que se vê por todo o lado. Há também bastante lixo na beira das estradas, e nos locais menos prováveis, muito mais do que por cá se vê, mas, incrivelmente, não vi moscas.

Para ficar a conhecer decentemente esta imensidão de território, é necessário muito mais tempo do que aquele que eu tinha. Por isso, limitei a minha circulação à costa jónica. Além de Catânia, Siracusa, Giardini Naxos, do sopé do Etna, do Dom Gigio, visitei ainda Taormina (turismo de massa, mas ainda assim bastante agradável), Castelmolla e Noto, esta última igualmente classificada pela Unesco pela sua herança barroca. Muito mais ficou para ver. A banda sonora recomendada para a viagem é sempre o álbum do filme O Padrinho de Nino Rota, pelo menos até que os restantes passageiros começarem a ameaçar com uma vendetta. Com a interacção com o Dom Gigio, os mais novos já tinham aprendido a dizer “fanculo questa canzone” e que logo depois o segundo aviso evoluiu para uma proposta irrecusável. Por aqueles lados, aprender a falar inclui um exercício de braços que desafia as tendinites. O napolitano mais novo, quando queria comer já encolhia os ombros, apertava o tórax com os cotovelos e erguia as mãos com a ponta dos dedos todos juntos, enquanto gritava mangiare.

O propósito deste postal não era publicar fotos instagramáveis, mas aqui vão algumas das minhas favoritas.

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NB. O título relata algumas das iguarias produzidas nesta imensa ilha, que apesar de neste momento histórico não permitir contabiliza-la como sendo mais um país no currículo dos viajantes, vale bem a pena visitar.